ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 04/05924135
Origem: Câmara Municipal de Joinville
Responsável: JoÃo Luiz Sdrigotti
Assunto: Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -PCA-02/02264629
Parecer n° COG-683/07

Licitação. Deflagração. Inconstitucionalidade. Exigibilidade.

A obrigatoriedade do processo de licitação para obras, serviços, compras e alienações está prevista no art. 37, XXI, da CF/88 e art. 2º da Lei nº 8.666/93, e sua inobservância importa em flagrante contrariedade aos ditames constitucionais.

Contrato. Serviços. Exercício contínuo. Crédito orçamentário.

Os contratos de prestação de serviços continuados devem estar adstritos à vigência dos respectivos créditos orçamentários.

Prorrogação contratual. Previsão. Edital. Contrato.

É possível a prorrogação contratual, em conformidade com as hipóteses previstas no art. 57 da Lei n. 8.666/93, desde que prevista no ato convocatório ou contrato.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2001 referentes a atos de gestão da Câmara Municipal de Joinville, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

6.2. Aplicar ao Sr. João Luiz Sdrigotti - Presidente da Câmara de Vereadores de Joinville em 2001, com fundamento nos arts. 69 da Lei Complementar n. 202/00 e 108, parágrafo único, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, I, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face da realização de despesas no montante de R$ 51.413,04 amparadas em contratos já encerrados e com base em créditos orçamentários de exercícios anteriores, contrariando o estabelecido no art. 57 da Lei Federal n. 8.666/93 e caracterizando ausência de processo licitatório, em descumprimento aos arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 2º da Lei de Licitações, conforme exposto no item A.2.1 do Relatório DMU, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 714/2004, à Câmara Municipal de Joinville e ao Sr. João Luiz Sdrigotti- Presidente daquele Órgão em 2001.

Inconformado, o Sr. João Luiz Sdrigotti interpôs Recurso de Reconsideração, n. REC - 04/05924135 (fls. 02-09), com o fito de reverter a decisão tomada por Acórdão.

É o relatório.

DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

No que se refere à legitimidade, o Sr. João Luiz Sdrigotti é parte legítima, nos termos do artigo 133, § 1º alínea "a" da Resolução TC-06/01, na situação de Responsável para interpor recurso na modalidade de Reconsideração, nos moldes dos arts. 76, I, da LC (estadual) n. 202/001.

Quanto ao requisito da tempestividade, o recurso sob exame foi protocolizado na data de 17/11/04, enquanto a publicação do Acórdão n. 1522 ocorreu no dia 18/10/04, portanto, atendeu ao prazo de trinta dias determinado no art. 772 da LC (estadual) n. 202/00 e no §3º do art. 663 e no art. 1364, ambos da Resolução TC-06/01.

A singularidade também foi respeitada, em consonância com o art. 77 da LC (estadual) n. 202/00. Ademais, cuida-se de modalidade recursal apta a insurgir-se contra decisões proferidas em processo de prestação ou tomada de contas, o que espelha a situação em tela.

Em decorrência do acima exposto, sugere-se à Exma. Sra. Relatora que conheça do Recurso de Reconsideração, na forma do art. 77, da LC (estadual) n. 202/00, por estarem preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade.

III. DAS RAZÕES RECURSAIS

A irregularidade apontada no Acórdão vergastado é referente a despesas realizadas com base em empenhos dados como irregulares, porquanto amparadas em contratatos já encerrados legalmente e com base em créditos orçamentários de exercícios anteriores, em desacordo com o art. 57 e incisos da Lei 8.666/93, caracterizando ausência de processo licitatório, em desobediência ao art. 37, XXI da CF/88 e ao art. 2º da Lei n. 8.666/93. Transcrevem-se os dispositivos legais dados como atingidos:

Lei n. 8.666/93

Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório;

II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; (Redação dada pela Lei n 9.648, de 1998)

III - (Vetado). (Redação dada pela Lei n 8.883, de 1994)

IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato.

§ 1o Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração;

II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;

III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;

IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;

V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;

VI - omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

§ 2o Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.

§ 3o É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado.

§ 4o Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses. (Incluído pela Lei n 9.648, de 1998)

CF/88

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)

[...]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento)

O Recorrente (fls. 03-04) aborda a questão da prestação de serviços a serem executados de forma contínua (hipótese de excepcionalidade, em que se permite a prorrogação contratual), e argumenta que o rol a ser enquadrado nesse conceito não é limitado (e não deve ser limitado ao que indica o §2º do art. 31 da Lei Federal n. 8.212/915), tampouco a Lei n. 8.666/93 traz a definição. Dessa forma, alega equívoco no decisum proferido por esta Corte de Contas, posto não haver considerado os serviços realizados como de execução continuada.

Eis os objetos de contrato dados como irregulares:

- manutenção preventiva, informativa e corretiva da rede de computadores da Câmara de Vereadores (NE n. 00003);

- contratação de agência de viagem para fornecimento de passagens (NE n. 00045 e n. 00063);

- locação de veículos oficiais para a Câmara de Vereadores de Joinville (NE n. 00035, n. 00220, n. 000428 e n. 000517);

- contratação de agência de publicidade (NE n. 000594 e n. 00070).

Vejamos:

A discussão não se cinge à questão de se considerar os serviços apontados como de natureza contínua, ou não, mas, primeiramente, se a prorrogação contratual já deveria estar prevista no edital e contrato - nesse caso, o tema do exercício continuado seria indiferente, porquanto secundário.

A resposta a este questionamento é extraída do Parecer COG-197/05, CON - 05/00543500, de autoria do Auditor Fiscal de Controle Externo Guilherme da Costa Sperry:

Ressalte-se que a possibilidade de prorrogação deverá ser prevista no edital. Se não estiver prevista, não pode haver a prorrogação pois afetaria o princípio da isonomia, da proposta mais vantajosa para a Administração e da vinculação ao instrumento convocatório.

[...]

Mesma opinião sobre o tema apresenta o professor Leon Frejda Szklarowsky, verbis:

[...]

Se, anteriormente, com a redação dada pela Lei 8883, a contratante devia fazer, de imediato, o contrato, já prevendo o prazo que melhor se afeiçoasse aos interesses da Administração, só lhe restando a prorrogação suplementar por mais doze meses, hoje terá que fazer o contrato para vigorar no exercício, com a possibilidade de prorrogar essa duração por iguais e sucessivos períodos, desde que prevista no ato convocatório e no contrato. Resulta da disposição legal que a prorrogação não é automática, como se poderia entender, numa interpretação afoita e apressada.

[...]

Diante da fundamentação apresentada neste parecer passamos a responder objetivante ao consulente:

1- O contrato de prestação de serviços de natureza continuada pode ter prazo de vigência superior a 12 (doze) meses sem estar atrelado aos créditos orçamentários?

Não. Apesar da existência de duas correntes doutrinárias, o entendimento consolidado por este Tribunal de Contas é restritivo, ou seja, os contratos de prestação continuada podem ser prorrogados por até sessenta meses, desde que haja previsão no edital da licitação, ficando sua duração atrelada aos créditos orçamentários.

2- Como faço para prorrogar contrato de prestação de serviços de natureza continuada cuja duração termina em abril de 2005?

O contrato de prestação de serviços de natureza continuada que tem como termo final o mês de abril pode ser prorrogado até dezembro, desde que com esta prorrogação não se exceda o limite de máximo de 60 (sessenta) meses imposto pelo art. 57, inciso II, da Lei Federal 8.666/93.

3 - O prazo de prorrogação precisa ser o mesmo prazo da contratação original?

Não. O prazo de prorrogação deve estar adstrito aos créditos orçamentários. - (grifo nosso)

Tal temática, foi abordada no relatório elaborado pelo Corpo Técnico (fls. 191):

Cabe esclarecer que não se tarta de prorrogação de contrato, mas sim de prazo de duração, ou seja, este deve estar previamente efinido pela Administração Pública e constar do Edital. E, quando o prazo do contrato (previsto no edital) se extinguir, o contrato estará extinto, não sendo possível sua prorrogação, independentemente de ter alcançado sessenta meses, ou não.

Como não se vislumbrou a referida previsão, a necessidade de prévia licitação é medida que se impõe. A ausência do devido processo licitatório, fora das hipóteses de dispensa e inexigibilidade previstas em lei, é flagrantemente contrária aos ditames constitucionais, conforme se expôs nos dispositivos supratranscritos (art. 2º da Lei n. 8.666/93 e art. 37, inciso XXI, da CF/88).

A respeito, aborda Maria Sylvia Zanella Di Pietro - Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000. 12. ed. p. 294:

Uma primeira observação é no sentido de que a própria licitação constitui um princípio a que se vincula a Administração Pública. Ela é uma decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público e que se constitui em uma restrição à liberdade administrativa na escolha do contratante; a administração terá que escolher aquele cuja proposta melhor atenda ao interesse público.

Ainda, através das palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello - Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003. 15. ed. p. 479 e 481 - extrai-se a essência da importância dos certames públicos na busca por uma Administração que responda aos anseios sociais de uma sociedade justa e igualitária:

Em que pese a argumentação expendida pelo Recorrente acerca da previsão contratual das prorrogações dadas como irregulares, não carreou aos autos quaisquer documentos capazes de comprovar o que foi dito.

Ainda, há a questão de que o prazo de duração dos contratos administrativos devem estar adstritos à vigência dos respectivos créditos orçamentários. Tal indagação também foi respondida no já citado Parecer COG-197/05:

Consulta. Direito Administrativo. Licitação. Contratação de serviços de natureza continuada. Vinculação aos créditos orçamentários. Possibilidade de Prorrogação. Limite máximo de sessenta meses. Casos excepcionais. Acréscimo por até doze meses.

Os contratos regidos pela Lei Federal 8.666/93 têm sua duração atrelada aos créditos orçamentários, inclusive aqueles que tratem de contratação de prestação de serviços de natureza continuada, os quais excepcionalmente podem ser prorrogados.

Quando um contrato de prestação de serviços de natureza continuada tiver como termo final o mês de abril, sua prorrogação se dará até o mês de dezembro, desde que com esta prorrogação não se exceda o limite máximo de 60 (sessenta) meses imposto pelo art. 57, inciso II, da Lei Federal 8.666/93.

Na ocorrência da exceção prevista no §4º, do art. 57, da Lei 8.666/93, o limite máximo de duração do contrato de prestação de serviços de natureza continuada poderá ser estendido por até 12 (doze) meses.

Dita o Prejulgado de n. 1336, no Processo n. CON-02/07990123, Parecer COG-089/03, decisão n. 1028/03:

[...]

Se o contrato for de natureza continuada, poderá ter o prazo máximo de 60 (sessenta) meses (art. 57, II, da Lei Federal nº 8.666/93). Findo este prazo, deverá ser efetuado novo procedimento licitatório e firmado novo contrato.

Este tipo de contrato também deve estar adstrito ao exercício financeiro. Assim, se um contrato de serviços continuados for formalizado em agosto, este estará financeiramente válido até dezembro, quando deverá ser renovado para o próximo exercício financeiro. - (grifo nosso)

Dessa forma, conforme já abordado, os contratos de prestação de serviços de natureza continuada devem ter sua duração atrelada ao respectivo crédito orçamentário e, tendo os contratos em análise ultrapassado mais de um exercício finenceiro, com a ausência de regular prorrogação, permanece a restrição apontada.

Tendo em vista que os apontamentos trazidos pelo Recorrente são insuficientes para sanar a irregularidade apurada, necessária a manutenção da multa aplicada.

IV. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, sugere-se à Exma. Relatora dos autos que em seu voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral