ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 07/00207953
Origem: Câmara Municipal de Agrolândia
RESPONSÁVEL: Lauri Sutil Narciso e outros
Assunto: (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -TCE-06/00000400
Parecer n° COG-897/07

RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. CONHECER E NÃO PROVER.

PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO MOTIVADO DE PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE LESÃO. PRELIMINAR REJEITADA.

Não caracteriza cerceamento de defesa a decisão que, motivadamente, indefere a realização de prova pericial, principalmente quando a condenação está baseada em outros elementos de materialidade.

ADMINISTRATIVO. DESVIO DE FINALIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LESÃO. NÃO PROVER.

A ausência a evento custeado pelos cofres públicos, cuja finalidade precípua era o aperfeiçoamento dos Vereadores, configura desvio em relação à conduta esperada e, por conseguinte, prática de ato contrário ao princípio da finalidade e, por via reflexa, ao princípio da legalidade.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelos Srs. Lauri Sutil Narciso, Jonas César Will, Ademar Radunz, João Miguel Rodrigues da Costa, Amarildo Michels e Charles Piske, Vereadores da Câmara Municipal de Agrolândia, contra Acórdão nº 0140/2007, proferido pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, em sessão do dia 12 de fevereiro de 2007, nos autos do processo nº TCE 06/00000400 (fls. 475/477).

O processo iniciou-se com auditoria ordinária levada a efeito pela Diretoria de Controle dos Municípios - DMU e culminou com a elaboração do Relatório nº 045/2006, fls. 135/143, onde concluiu pela conversão do processo em Tomada de Contas Especial e a Citação do Presidente da Câmara Municipal, Sr. Lauri Sutil Narciso, para apresentar suas alegações de defesa sobre as irregularidades apontadas.

Após o parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas - MPTC, (Parecer nº 0307/2006, fls. 145/146), manifestando-se no mesmo sentido que a instrução, seguiu-se a juntada dos documentos de fls. 147/148, e a Decisão nº 0315/2006, fls. 153/156:

A Decisão foi comunicada através dos ofícios de fls. 157/162 e AR's de fls. 167/172.

Nas fls. 173/298 vieram as alegações de defesa após as quais, a Informação nº 133/2006, elaborada pela DMU, nas fls. 302/303, sugerindo ao Relator do processo que aceite a produção de prova testemunhal, reduzida a termo e registrada em cartório para envio a este Tribunal, e indefira a prova pericial, posto que impertinente à elucidação dos fatos.

No Despacho de fls. 305 foi deferida a produção de prova testemunhal, no prazo de 5 dias.

Nas fls. 308/310 foi requerida a prorrogação de prazo para produção das provas, indeferida nas fls. 308.

Nas fls. 311/329 a DMU emitiu o Relatório nº 1209/2006 concluindo pelo julgamento irregular das contas, imposição de débito, aplicação de multa e remessa dos autos ao Ministério Público Estadual.

Os autos foram submetidos à manifestação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, que emitiu o Parecer nº 2200/2006 (fls. 331/335), acompanhando a análise procedida pelo Corpo Técnico.

Foram juntados aos autos os documentos de fls. 336, 343/345, 357/361 e 363/368, sobre os quais a DMU procedeu à análise com a elaboração do Relatório nº 1622/2006, fls. 371/392, mantendo as conclusões anteriormente esposadas.

Após a juntada dos documentos de fls. 394/398, 399/429, veio o Parecer MPTC nº 6537/2006, fls. 429/438, opinando pela irregularidade das contas, com débito e multa.

Levado perante o Tribunal Pleno desta Corte de Contas, o caso foi decidido pelo Acórdão nº 0140/2007, de fls. 475/477, nos seguintes termos:

Inconformando-se com o Acórdão, os Srs. Lauri Sutil Narciso, Jonas César Will, Ademar Radunz, João Miguel Rodrigues da Costa, Amarildo Michels e Charles Piske interpuseram o presente Recurso de Reconsideração.

É o Relatório.

II. ADMISSIBILIDADE

O Acórdão recorrido foi prolatado em processo de Tomada de Contas Especial, por isso, o Recurso de Reconsideração mostra-se como instrumento idôneo para atacá-lo, nos termos do artigo 77 da Lei Complementar (LC) 202/2000 e artigo 136 do Regimento Interno (R.I.) do TC/SC.

No que tange à legitimidade, constata-se pelo exame dos autos, que o Recorrente Lauri Sutil Narciso é parte legítima para interpor o presente recurso na qualidade de responsável, pois, ocupava, à época, o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Agrolândia, atendendo, assim, ao disposto no § 1.º, alínea "a", do artigo 133, do R.I.

Tal é a situação que se pode comparar com a prevista no enunciado da Súmula Vinculante nº 3 do Supremo Tribunal Federal, garantindo o contraditório e a ampla defesa nos processos perante o Tribunal de Contas da União cujo resultado atinja o interessado.

No caso, houve condenação direta dos Recorrentes, por isso, deve-lhes ser franqueada a interposição de recurso quanto ao item 6.1 do Acórdão, afastada a legitimidade quanto aos demais itens do julgado.

        Ante o exposto, considero vencida a preliminar de nulidade do processo por cerceamento de defesa.
        Passo ao mérito.

    IV. MÉRITO

      Os Recorrentes interpuseram o presente Recurso com o objetivo de ver reformado o Acórdão para considerar regulares as despesas efetuadas, pois, segundo alegam, as provas constantes dos autos demonstram de forma extreme de dúvida que as incursões ao Paraguai ocorreram fora do horário do curso.
      A controvérsia diz respeito a participação, ou não, de vereadores em Seminário ocorrido nos dias 24, 25, 26, 27 e 28 de janeiro de 2006, em Foz do Iguaçu/PR, das 19h às 21h no primeiro dia, e das 09h às 13h nos demais.
      Os Recorrentes juntaram aos autos os comprovantes de compras no Paraguai que se verifica, desde logo, não constituirem prova capaz de demonstrar o alegado, pois não atestam a efetiva participação no evento.
      Ademais, o Recurso tem fundamento no mesmo conjunto probatório carreado aos autos durante a instrução.
      Prosseguindo na análise da matéria em sede recursal, verifica-se que não assiste razão aos Recorrentes.
      Nas fls. 384 a equipe técnica emitiu opinião conclusiva sobre a ausência dos Vereadores no evento:
              1) Os agentes públicos chegaram em Foz do Iguaçu em 24/01, no período da tarde, às 16h59min. (fl. 19). Na manhã do dia 25/01, às 10h49, durante o transcurso, portanto, do primeiro dia de curso (09h00 às 13h00), procederam ao check-out do hotel em que estavam hospedados (fl. 19) e ao check-in no novo hotel às 11h05min (fl. 22). A participação ao seminário neste dia é indubitavelmente impraticável, haja vista o tempo que normalmente se dispende para a mudança de um local a outro de hospedagem, uma vez que ocorreu por completo durante o horário do curso, e no meio dele. A menos que apenas assine a presença e saia do local em seguida.
              2) Na manhã seguinte, 26/01, as imagens captadas pela câmara escondida do repórter demonstram nítida e incontestavelmente a hora em que os agentes públicos se deslocaram a Ciudad del Este/PY. Cabe salientar, inclusive, que junto aos agentes públicos em questão, segundo a reportagem ainda viajaram os senhores Júlio César da Rocha Duda e um colega dele (fl. 05), nomes que constam do documento de fls. 182, o que reforça ainda mais a assertiva supra.
              3) Finalmente, os agentes públicos também não participaram do último dia do seminário, haja vista que declaram expressamente terem viajado de volta a cidade de Agrolândia no dia 28/11, com previsão de chegada para às 14h00 (fls. 186/191). Ora, neste mesmo dia e horário havia programação do seminário em curso, não tendo os agentes os agentes públicos participado dela, portanto. (grifos meus)
            Nas fls. 322 constata-se importante observação da DMU quanto à fidedignidade do controle de presença do evento:
                  No tocante às declarações do Vereador Jonas César Will, a Instrução não generaliza sua declaração ("já assinei o ponto de todos os dias") mas, tão somente, tal declaração é a demonstração de que o controle de presença no seminário não foi eficaz. Desta forma, as informações neste controle de presença carecem de verossimilhança, não podendo, deste feita, ser aceito como meio de prova idôneo. (grifei)
              Na peça recursal os Recorentes alegam que os documentos de fls. 71/76 comprovam a efetiva participação no curso.
              Neste ponto, entretanto, retorna-se às observações da DMU, fls. 322, ao analisar os documentos de fls. 186/191, idênticos aos documentos de fls. 71/76:
                    Outro fato que ajuda a corroborar este apontamento, são os documentos de fls. 186/191, aos quais os agentes públicos chamam de "Relatórios de Viagem", que para serem assim considerados deveriam pormenorizar os assuntos tratados por ocasião do seminário. Os documentos enviados a este Tribunal são simplesmente de uma mera transcrição da programação do seminário e todos são idênticos. Caso os vereadores e servidor, efetivamente comparecessem a todos os encontros do seminário, obviamente cada um teria seu próprio relatório, com os assuntos de maior destaque, conforme suas percepções individuais.

            Quanto à utilização ou não do veículo FIAT doblò na viagem ao Paraguai, cita-se trecho do Relatório da DMU, fls. 388:

                    Não se trata, in casu, de se ater ao fato de o veículo ter cruzado ou não a fronteira com o Paraguai. Se levou os agentes públicos às Cataratas do Iguaçu ou não. Mas cinge-se ao fato de que a cessão do veículo pelo Prefeito Municipal restringiu a utilização para a viagem aos participentes de "Seminário sobre o Plano Diretor" (fl. 15), cujos custos e proveitos seriam divididos por toda a coletividade municipal.
                    Assim, não se discute a utilização do veículo FIAT doblò, placas MCP 4543, pertencente à frota da Prefeitura Municipal de Agrolândia, no deslocamento de Foz do Iguaçu - Ciudad del Este apenas, mas sim o deslocamento dos agentes públicos para um curso de capacitação e aprimoramento que não foi devidamente freqüentado pelos agentes públicos participantes como deveria, que era o objetivo primeiro da cessão.

            Diante da exaustiva análise das provas levada a efeito pela DMU, conclui-se que não houve a efetiva participação dos vereadores no evento programado, caracterizando a lesão aos princípios mais elementares e consagrados pelas leis da República.

            A causa envolve flagrante ofensa a princípios imperativos à Administração Pública consoante dispõe o artigo 37 da Constituição Federal.

            Nesse contexto, a interpretação do dispositivo constitucional em tela, segundo o qual a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conduz à censura dos fatos provados no curso do processo.

            O Supremo Tribunal Federal já assentou que não cabe ao intérprete a busca de um entendimento que retire do prumo o trato deontológico da coisa pública.

            No caso, a ausência ao seminário configura um desvio em relação à conduta esperada. Por conseguinte, houve prática de um ato contrário a sua finalidade precípua, qual seja, o aperfeiçoamento dos Vereadores custeado pelos cofres públicos, causando ofensa ao princípio da finalidade e, por via reflexa, ao princípio da legalidade.

            Sobre a matriz principiológica em questão, traz-se à colação o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

                    Por força dele [princípio da finalidade] a Administração subjuga-se ao dever de alvejar sempre a finalidade normativa, adscrevendo-se a ela. O nunca assaz citado Afonso Queiró averbou que "o fim da lei é o mesmo que o seu espírito e o espírito da lei faz parte da lei mesma". Daí haver colacionado as seguintes observações, colhidas em Magalhães Colaço: "o espírito da lei, o fim da lei, forma com o seu texto um todo harmônico e indestrutível, e a tal ponto, que nunca poderemos estar seguros do alcance da norma, se não interpretarmos o texto da lei com o espírito da lei".
                    Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumprí-la. Daí por que os atos inclusos nesse vício - denominado "desvio de poder" ou "desvio de finalidade" - são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende a própria lei. (itálico no original, negrito meu)6

            Por todo exposto, opino pela total improcedência deste Recurso.

              IV. CONCLUSÃO

              Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator do processo que em seu Voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

              1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000, interposto contra o Acórdão nº 140/2007, exarado na Sessão Ordinária de 12/02/2007 nos autos do Processo nº TCE-06/00000400, e, no mérito, negar-lhe provimento.

              2. Dar ciência deste Acórdão, do relatório e voto que o fundamentam, bem como deste Parecer COG, ao Sr. Lauri Sutil Narciso, ex-Presidente da Câmara Municipal de Agrolândia, aos Srs. Jonas César Will, Ademar Radunz, João Miguel Rodrigues da Costa, Amarildo Michels e Charles Piske, Vereadores da Câmara Municipal de Agrolândia, e aos Advogados dos Recorrentes: Dr. Silvio Kafka; Dr. Filipe Mello e Dr. Luiz Henrique Martins Ribeiro.

                  COG, em 28 de novembro de 2007.
                  CLAUTON SILVA RUPERTI
                              Auditor Fiscal de Controle Externo
                              De Acordo. Em ____/____/____
                              HAMILTON HOBUS HOEMKE
                              Coordenador de Recursos
                  DE ACORDO.
                  À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Júnior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
                  COG, em de de 2007.
                MARCELO BROGNOLI DA COSTA

              Consultor Geral


                1 Art. 66, § 3.º, do Regimento Interno.

                2 Autos do Processo n.º REC 03/03177705.

                3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 557383 / SP. Relator Min. Carlos Britto. Julgamento: 21/03/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma.

                4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84306 / PR. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 06/03/2007. Órgão Julgador: Segunda Turma.

                5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.872. Relator Min. Marco Aurélio. Julgamento: 30-6-05. DJ de 30-9-05.

                6 MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. P. 103.