ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: PDI-05/00514828
Origem: Secretaria de Estado da Fazenda
Interessado: Lindolfo Weber
Assunto: Pagamento de Saldo de Parcela de Produtividade
Parecer n° COG-22/07

Senhor Relator,

RELATÓRIO

Em cumprimento à determinação de Vossa Excelência, os autos em exame vieram a esta Consultoria Geral por sugestão da Diretoria de Controle da Administração Estadual, provocando manifestação acerca do ressarcimento ao erário em razão de pagamento de valores correspondentes ao Saldo de Parcela de Produtividade, a servidores aposentados com proventos proporcionais, no que concerne à implicação da existência ou não de boa-fé por parte dos envolvidos, bem como da incidência de prescrição.

O processo em epígrafe tem sua origem em auditoria empreendida pela Diretoria de Auditoria Geral da Secretaria de Estado da Fazenda, sobre as despesas realizadas a título de Saldo de Parcela de Produtividade, Código do Provento 1154, que resultara na emissão dos Relatórios de Auditoria números 027/022 e 56/043.

O relatório derradeiro apresentou a seguinte conclusão:

Além da manifestação contrária da Diretoria de Auditoria Interna, obstando o pagamento aos servidores inativos do Saldo de Parcela de Produtividade, consta também nos autos, pareceres e informação da Procuradoria Geral do Estado apontando, de outro modo, a retificação do ato aposentatório, ajustando os valores pagos a título de Saldo de Parcela de Produtividade à proporcionalidade dos proventos e a restituição dos valores pagos de forma ilegal, como se constata nos termos do Ofício 1389/2003/PGE4, e Pareceres 74/02/PGE5, 71/046, 279/PGE/007, 318/058 os quais estão ordenados na seqüência em que foram juntados nos autos.

O Ofício 1389/2003 alerta para a necessidade de retificação dos proventos, implementando a proporcionalidade também sobre o valor pago referente à rubrica Saldo de Parcela de Produtividade.

No Parecer 74/02/PGE é constatada uma série de impropriedades, as quais se elenca abaixo:

- irregularidade em razão de o valor correspondente ao Saldo de Parcela de Produtividade ser lançado posteriormente na ficha financeira de modo a complementar os proventos até o limite do teto;

- afastamento do Tribunal de Contas quanto ao exame da legalidade da referida parcela, posto que não se encontrava apostilada em seu ato aposentatório;

- não adoção do critério de proporcionalidade sobre a vantagem paga na aposentadoria a título de Saldo de Parcela de Produtividade;

- ilegalidade do pagamento quando da aposentadoria da referida parcela por não ter sido registrada pelo Tribunal de Contas, o que impõe a suspensão imediata do pagamento;

- recomenda, ao final, a adoção de providências para ressarcimento integral e parcelado dos valores pagos sem respaldo legal, a retificação dos atos aposentatórios e encaminhamento ao Tribunal de Contas para fins de registro.

Do Parecer nº 71/04 destaca-se a ementa e uma passagem que bem traduz a ilegalidade de se pagar ao aposentado parcela não integrante do cálculo dos proventos apostilados no ato aposentatório e submetido ao Tribunal de Contas para fins de registro. Eis os termos:

Em atenção ao parecer 270/PGE/00, dele se destaca a abordagem quanto à necessidade de se observar a proporcionalidade quando do pagamento da parcela de produtividade, nos termos abaixo transcritos:

          A percepção da RCV convertida em parcela de produtividade aos servidores inativos, integrantes do Grupo OFA da Secretaria de Estado da Fazenda, rege-se pela regra disposta no parágrafo 3º do artigo 4º, da Lei n. 10.287/96 c/c artigo 11, da Lei n. 4.426/70, os quais prevêem como critérios:
          a) a média mensal das parcelas percebidas na mesma categoria e nível nos últimos 12 meses que antecederam a aposentadoria;
          b) aplica-se a proporcionalidade dos proventos (par. 5º, do art. 6º, da Lei n. 8.411/91).

    Por fim, o parecer 318/05, exarado em resposta a consulta oriunda da Secretaria de Estado da Fazenda, esclarece a ilegalidade da efetuação de pagamento integral de vantagem a servidor aposentado com proventos proporcionais, e ainda, a necessidade de instauração de procedimento administrativo, assegurador do direito ao contraditório e à ampla defesa, para se efetivar a supressão de valores indevidos e a restituição do que foi pago.

    A derradeira manifestação da Secretaria de Estado da Fazenda trata-se do Parecer nº 85/0611, que em síntese sustenta a constitucionalidade do pagamento do Saldo de Parcela de Produtividade, todavia, assere com supedâneo nos já referenciados pareceres da Procuradoria Geral do Estado e em decisões do Tribunal de Justiça Catarinense a incidência da proporcionalidade sobre esse montante, quando a aposentadoria se dê com proventos proporcionais, defendendo a não ocorrência da decadência ou da prescrição, aplicando-se ao caso, por analogia, a Súmula 235 do Tribunal de Contas da União, que desconsidera a boa-fé para se verificar o dever de restituir por parte do servidor.

    Pelo relato apresentado, resta claro o entendimento final e consonante por parte da Secretaria de Estado da Fazenda e da Procuradoria Geral do Estado no sentido que a irregularidade remanescente repousa no pagamento integral do Saldo de Parcela de Produtividade a servidor aposentado com proventos proporcionais.

    No Relatório de Reinstrução nº 1175/200612, elaborado pela Inspetoria 5 de Atos de Pessoal da Diretoria de Controle da Administração Estadual, a conclusão é apresentada nos seguintes termos:

          - FIXAR O PRAZO de 30 (trinta) dias para que a Secretaria de Estado da Fazenda instaure Tomada de Contas Especial e comunique ao Tribunal de Contas sobre a instauração, conforme o art. 3º, § 2º, da Instrução Normativa n. 01/2001.
          - ESTABELECER O PRAZO de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial do Estado, para conclusão de Tomada de Contas Especial, conforme o art. 3º, § 1º, da referida Instrução Normativa.

    Ato contínuo, o Coordenador da Inspetoria 5 de Atos de Pessoal submete ao Diretor à época ponderações acerca da complexidade da restituição de valores, considerando fatores como a existência ou não de boa-fé por parte dos servidores, e a ocorrência da prescrição administrativa, o que recomenda a oitiva desta Consultoria Geral e posterior manifestação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.13

    Feito isso, o então Diretor da DCE, Sr. Edison Stieven, submete a proposição a Vossa Excelência, que determinara o encaminhamento dos autos para a Consultoria Geral para manifestação definitiva sobre a matéria indicada na instrução.14

    DISCUSSÃO

    Duas são as preocupações lançadas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, uma, a incidência de prescrição, a qual poderia obstar a restituição em razão do decurso de prazo; outra, a boa-fé por parte dos servidores aposentados beneficiados com o pagamento do Saldo de Parcela de Produtividade, verificando se esta, isoladamente, ou aliada a outros fatores, poderia constituir impeço à cobrança com fins de ressarcimento.

    Aspectos atinentes à prescrição

    Por ser referenciada a prescrição, deve-se trazer inicialmente ao debate o disposto no § 5º do artigo 37 da Constituição Federal, cuja interpretação não é consensual.

    Não se pode afirmar com base na ressalva inserta no texto do indigitado dispositivo que as ações de ressarcimento ao erário, decorrentes de condutas a ele lesivas, perpetradas por servidores, são imprescritíveis.

    Veja-se a redação do § 5º do artigo 37 da Constituição Federal:

          § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causarem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

    No âmbito federal tem-se a Lei nº 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências.

    Além do fato de ter sua aplicabilidade restrita ao âmbito da administração pública federal, referida norma legal não tem por escopo ditar os prazos prescricionais das ações ou procedimentos que buscam o ressarcimento.

    Há quem vislumbre na lacuna legal estabelecida pelo § 5º do artigo 37 da Constituição Federal a imprescritibilidade das referidas ações, de outro modo, há quem pretenda aplicar dispositivo do Código Civil que trata da prescrição, mais precisamente o artigo 205, que firma o prazo prescricional de dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

    Para bem esclarecer a polêmica que circunda a órbita do tema em questão, traz-se à colação estudo da lavra da Dra. Rita Andréa Rehem Almeida Tourinho, intitulado A prescrição e a Lei de Improbidade Administrativa, assim escrito:

          Da prescritibilidade do ressarcimento de danos na improbidade administrativa
          Daí surge a segunda questão: não estando o ressarcimento dos danos, causados ao erário por agentes públicos, sujeito ao prazo prescricional previsto no artigo 23 da Lei nº 8.429/92 em razão do artigo 37, §5º da Carta Constitucional, seria esta conseqüência jurídica imprescritível?
          Pensamos que não.
          A prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos (9). Com efeito, a imprescritibilidade é excepcional.
          Dentre as pretensões imprescritíveis, Pontes de Miranda (10) aponta as pretensões declarativas, as pretensões à decretação de nulidade, as pretensões à cessação de comunhão e à partilha, pretensões a fazer cessar confusão de limites e as demais pretensões concernentes a direitos de vizinhança e à retificação do registro de imóveis de aeronaves e de navios.
          Conforme afirma Caio Mário da Silva Pereira (11), a prescrição alcança todas as ações patrimoniais, reais ou pessoais, estendendo-se aos efeitos patrimoniais de ações imprescritíveis.
          No que se refere às ações de ressarcimento de danos decorrentes de atos de improbidades, apesar da Constituição Federal tê-las excluído do prazo prescricional a ser estabelecido por lei, não afirmou que estas seriam imprescritíveis. Pensamos que o texto constitucional pretendeu que não fossem estabelecidos prazos inferiores ao constante no Código Civil.
          Observe-se que toda vez que o texto constitucional estabelece a imprescritibilidade o faz expressamente. Assim, quanto trata do crime de racismo estabelece que "constitui crime inafiançável e imprescritível" (art. 5º, XLII). Da mesma forma, afirma que "constitui crime inafiançável e imprescritível" a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático (art. 5º, XLIV). Ora, o artigo 37, §5º da Constituição apenas afirma que as ações de ressarcimentos decorrentes de prejuízos causados ao erário não estarão sujeitas ao prazo prescricional a ser estabelecido em lei para ilícitos praticados por agentes públicos. Em momento algum afirmou que estas ações de ressarcimento seriam imprescritíveis.
          Argumentar-se, em favor da imprescritibilidade do ressarcimento dos danos decorrentes de ato de improbidade administrativa, a proteção ao erário e, em conseqüência, ao interesse público, não procede.
          Como vimos os prazos prescricionais estão a serviço da paz social e da segurança jurídica, valores primordiais à coletividade, que não podem ser suplantados por interesses de cunho patrimonial, mesmo que este pertença ao Estado. Observe-se que a preocupação com tais valores é tamanha em nosso ordenamento jurídico que até o crime de homicídio, que atenta contra a vida – bem maior, passível de proteção – prescreve em 20 anos (12).
          Fábio Medina Osório, manifestando-se quanto à matéria, questiona a linha interpretativa da imprescritibilidade do ressarcimento de danos decorrente de ato de improbidade frente ao princípio constitucional da segurança jurídica. Acrescenta o autor que "é caso de questionar essa idéia, pois a quebra e a violação da segurança jurídica não é um bom caminho de combate às práticas nefastas ao patrimônio público. Entendo que um amplo e larguíssimo prazo prescricional deveria ser criado para às hipóteses de lesão ao erário, mas não se poderia aceitar a total imprescritibilidade, ao menos do ponto de vista ideológico" (13).
          O novo Código Civil, visando imprimir maior importância a segurança das relações jurídicas, estabelece em seu art. 205 que "a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo maior". Ou seja, não mais se estabeleceu a prescrição vintenária para as ações pessoais, distinto das ações reais. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery comentando o referido diploma legal afirmam que "a prescrição existe em razão da segurança que as relações jurídicas devem ter. Portanto, quando não houver previsão expressa na lei para o exercício da pretensão condenatória, o prazo de prescrição dessa pretensão é o determinado pela norma ora comentada: dez anos" (14).
          Militamos no sentido de ser dada plena eficácia a Lei de Improbidade, concordamos que agentes públicos ímprobos devem ser extirpados do quadro da Administração Pública, devendo, também, reparar todo e qualquer dano causado ao patrimônio público. Porém, não concordamos com a interpretação extensiva que se vem atribuindo ao artigo 37, §5º, da Constituição Federal, pois tal interpretação viola o princípio da segurança das relações jurídicas, podendo ser mais lesiva ao interesse público do que o próprio dano material ou moral proveniente do ato de improbidade, diante das instabilidades que poderão rondar as referidas relações. Ademais, deve-se convir que "o direito não socorre os que dormem".
          Desta forma, entendemos, ao contrário da maioria da doutrina, que referidas ações civis de ressarcimento, prescrevem no prazo de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. Ademais, nada justifica a inércia na propositura da ação diante de prazo tão dilatado, cabendo ação regressiva contra aqueles que derem causa a prescrição por dolo ou negligência.
          Conclusões
          1-Em virtude do que determina o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, pode-se afirmar que o prazo prescricional das ações de improbidade administrativa, previsto no art. 23, da Lei nº 8.429/92, não se aplica ao ressarcimento de danos decorrentes de atos ímprobos;
          2- Decorrido o prazo prescricional previsto no art. 23, da Lei nº 8.429/92, o ressarcimento de danos deverá ser pleiteado através de uma Ação Civil de ressarcimento de danos e não mediante Ação de Improbidade, com fundamento na lei suprareferida;
          3- Apesar do art. 37, § 5º da Carta Constitucional ter excepcionado o ressarcimento de danos do prazo prescricional previsto para os ilícitos praticados por qualquer agente, pensamos que tal ressarcimento não é imprescritível, ma vez que a Constituição não se referiu a imprescritibilidade, como fez em outros dispositivos;

    A própria subscritora do artigo alerta que a posição não é majoritária, mas, os argumentos que sustentam a teoria da prescritibilidade das ações de ressarcimento são de relevado valor.

    Como exemplo de manifestações contrárias, escoradas apenas na literalidade do § 5º, in fine, do artigo 37 da Constituição Federal, apresenta-se as posições de Celso Antônio Bandeira de Mello e José Afonso da Silva, in verbis:

    No Tribunal de Contas da União, conforme se extrai de voto proferido pelo Ministro Marcos Vinícios Vilaça, quando da relatoria do Processo TC-021.636/2003-2, apreciada na sessão de 04 de outubro de 2006, constata-se que o entendimento referente à prescritibilidade de ações de ressarcimento não é unânime, veja-se o excerto:

            8. No caso mais geral, inclusive dos agentes públicos que não figuram no rol de responsáveis das entidades entende esta Corte que a pretensão punitiva segue a prescrição relativa ao ressarcimento do débito. Quanto a essa o entendimento ainda não está pacificado. Há decisões que acolhem a imprescritibilidade do art. 37, § 5º da Constituição Federal. Outras preceituam a aplicação das disposições do Código Civil, que, dependendo do tempo transcorrido até a edição do novo Código (2002) pode ser de 20 anos ou 10 anos.
            9. A propósito, essa questão é objeto de incidente de uniformização de jurisprudência no processo TC 005.378/2000-2, em tramitação no Tribunal. De toda sorte, independentemente da linha adotada, mesmo se considerarmos o menor desses prazos, que é de dez anos, pode-se afirmar que não operou a prescrição dos atos praticados pelos recorrentes. Assim, não devem ser acolhidos os seus argumentos.

    No caso vertente as apurações empreendidas pela Diretoria de Auditoria Geral, tiveram início em janeiro de 2001, havendo o encaminhamento dos achados de auditoria ao Tribunal de Contas em fevereiro de 2005.

    Os pagamentos das parcelas se deram com a aposentadoria dos servidores, ocorrendo entre os anos de 1994 a 2001, conforme consta às folhas 116 usque 119.

    A restituição dos valores pagos a título de Saldo de Parcela de Produtividade, nesse sentido, deve considerar como termo inicial a aposentadoria, devendo a Administração atentar para o instituto da decadência, aplicando-se, por anologia, o disposto no artigo 54 da Lei Federal nº 9.784/99, que prevê o seguinte:

            Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
            § 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
            § 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

    Como se vê, o instituto de maior relevância para o caso em tela é o da decadência que limitaria a restituição dos valores pagos a título de Saldo de Parcela de Produtividade à retroação de cinco anos, considerando o trato sucessivo das parcelas, mensalmente pagas.

    Já a ação do Estado para manejar os procedimentos e ações para o ressarcimento, caso pretenda agir com esse escopo, começam a fruir para fins de prescrição, a partir da data em que tivera ciência da irregularidade.

    Daí se conclui que orientando-se a Administração Pública na tese da imprescritibilidade ou na vertente da prescritibilidade, aplicando-se ao presente caso o disposto no artigo 205 do Código Civil, não se verifica a prescrição.

    Da Sumula 235 do TCU e os princípios da segurança jurídica e da boa-fé

    Importa atentar para a Súmula 235 do Tribunal de Contas da União, porque, em mais de uma ocasião e por distintos órgãos fora ela cotejada como supedâneo para ajustar como devida a restituição dos valores.

    Nesse sentido, é o Parecer nº 016/06, exarado pela Consultoria Jurídica da Secretaria de Estado da Fazenda, que aduz:

            16. Quanto ao recebimento de valores por servidor público, pagos irregularmente pela Administração Pública, ainda que presente a boa-fé, o Tribunal de Contas da União emitiu decisão, transformando-a posteriormente em súmula que enuncia:
            Súmula 235

    Esposando o mesmo entendimento tem-se o Relatório de Reinstrução n° 1.175/2006, do qual se destaca:

    De modo diverso, foram referenciadas as Súmulas 106 e 235 do Tribunal de Contas da União na Informação nº 192/04, prestada pela Gerência de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Fazenda, no sentido de tornar indevida a restituição, como se vê:

            O Tribunal de Contas da União, reconhece como desnecessário a restituição de valores, quando comprovada a boa-fé do servidor em seu recebimento. Dispõe aquela Egrégia Corte de Contas Federal, duas Súmulas sobre este assunto, nos seguintes termos:
            Súmula 106
            O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente.
            Súmula 235
            Os servidores ativos e inativos, e os pensionistas, estão obrigados, por força de lei, a restituir ao Erário, em valores atualizados, as importâncias que lhe forem pagas indevidamente, mesmo que reconhecida a boa-fé, ressalvados apenas os casos previstos na Súmula 106 da jurisprudência deste Tribunal.

    Sem adentrar em maiores discussões, cumpre destacar a revogação da Súmula 235 do Tribunal de Contas da União, em sessão realizada em 09 de maio de 2007.

    Os argumentos que conduziram o TCU a revogar a indigitada súmula constam do voto do Ministro Relator Guilherme Palmeira, no processo 011.721/2003-1, o qual conformou o Acórdão 0820-18/7-P. Veja-se os argumentos preponderantes:

            Entende-se que a geração da Súmula n.º 235, originária da Decisão Plenária n.º 444/1994-Ata 34, TC 005.961/1994-7, teve como objetivo primordial estabelecer dois pontos: o primeiro, de que a regra geral é o ressarcimento das quantias recebidas indevidamente, mesmo que de boa-fé; e o segundo, deixar de se aplicar a analogia da Súmula n.º 106 para abrigar as dispensas de reposição ao erário.
            Verifica-se, portanto, que foi alcançado o objetivo de aplicar a Súmula n.º 106 somente aos casos nela especificados, ou seja, de julgamento pela ilegalidade das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, desagregando, assim, os casos de dispensa do ressarcimento por parte de servidores, por ocorrência de erro da administração, com respeito aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.
            ( . . . )
            Afigura-se incontrastável que o Tribunal de Contas da União, nos últimos anos, em atenção aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, alterou sua orientação plasmada na Súmula n.º 235 no tocante ao problema da devolução de quantias indevidamente recebidas por servidores públicos, em virtude de equivocada interpretação de lei pela Administração. Não se há negar que, quando da edição do referido Enunciado, o entendimento da Corte era no sentido de ser obrigatória a reposição de quaisquer valores recebidos indevidamente, excetuada a hipótese contida na Súmula n.º 106. Prova disso são os precedentes da Súmula n.º 235 e as decisões que lhe seguiram, ordenando a devolução mesmo em caso de erro interpretativo da Administração.
            ( . . . )
            Como já foi mencionado, a Súmula é um valioso instrumento para a resolução com rapidez dos casos que sejam repetição de outros julgados convergentes e coincidentes, por constituir orientação segura e possibilitar ao relator decidir o feito com poucas palavras; todavia, não tem caráter impositivo ou obrigatório, serve apenas como balizador do pensamento do Tribunal a respeito de determinada matéria e pode, perfeitamente, ser alterado a qualquer momento, ocasionando a revisão da Súmula por motivo relevante.
            No caso em exame, com relação à Súmula n.º 106, enfatizamos que a mesma teve seu entendimento elastecido, por analogia, para abarcar a dispensa de reposição ao erário dos valores recebidos indevidamente por servidores federais. Este pensamento, que perdurou equivocadamente por um período, foi rejeitado categoricamente pela Decisão Plenária n.º 444/1994-Ata 34, que deu origem à Súmula n.º 235. O que se pode afiançar é que não existe nenhum óbice à manutenção da Súmula n.º 106.
            Quanto à Súmula n.º 235, pode-se inferir que a mesma não alcançou o objetivo almejado para uma súmula, isto é, atuar como facilitadora das deliberações do Tribunal pela sua simples citação, conforme registrado no art. 275 do Regimento Interno do TCU. Na verdade, o que tem ocorrido é um desgaste através de uma sucessão de decisões em que se discute a gênese e a validade da citada súmula, para negá-la, sob a alegação de que a mesma não permite a possibilidade da opção pela dispensa do ressarcimento da reposição ao erário por servidores públicos, causa primária da analogia à Súmula n.º 106.
            Percebe-se claramente que a tendência atual do Tribunal é de analisar a matéria caso a caso, aplicando-se, excepcionalmente, os princípios da segurança jurídica e da boa-fé, deixando em segundo plano o princípio da legalidade, conforme destaca o Ministro Marcos Vilaça em diversos feitos: 'Quanto aos valores (...) percebidos de boa-fé pelos servidores e inativos, em virtude de equivocadas interpretações que a instituição deu aos dispositivos legais que regulamentavam as matérias, penso que no presente caso, excepcionalmente, deve-se dar prevalência ao princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da legalidade.' (Acórdão n.º 55/1998, Ata 13, Plenário, dentre outros)
            VI - CONCLUSÃO
            Com relação à Súmula n.º 106, não ficou configurada qualquer restrição no âmbito dos três colegiados do TCU. Por conseguinte, nenhuma observação merece ser registrada.
            Em referência à Súmula n.º 235, ficou caracterizado no presente trabalho que a mesma não mais representa o pensamento retilíneo e uniforme do Tribunal, merecendo ser revogada, ante a constatação de que um número considerável de deliberações tangenciam seu comando, com razões consistentes e fundadas na excepcionalidade dos casos concretos específicos.
            A regra geral no âmbito do direito administrativo é no sentido da devolução de quantias recebidas indevidamente por servidores públicos; todavia, deliberações do Tribunal firmaram o posicionamento de que existem exceções fundamentadas nos princípios da segurança jurídica e da boa-fé do beneficiário, em detrimento do princípio da legalidade. Portanto, nesse posicionamento existe um confronto direto com a Súmula n.º 235, que diz que a devolução das importâncias recebidas indevidamente deve ser efetuada 'mesmo que reconhecida a boa-fé'.
            ( . . . )
            No que diz respeito à análise de oportunidade e conveniência da revogação da citada súmula, a exposição contida nesta peça e nas várias deliberações elencadas que tratam do tema, asseguram a necessidade da tomada dessa decisão pelo Tribunal, uma vez que os julgados se mostram uniformes e reiterados, conforme exige o art. 10 da Resolução n.º 46/96.
            Por todo o exposto, propõe-se a revogação da Súmula n.º 235 do Tribunal de Contas da União, de acordo com os artigos 88 e 89 do Regimento Interno, na forma do Anteprojeto anexo.
            ( . . . )
            27. Diante dessa abalizada orientação, entendo ser mais prudente revogar a Súmula 235 para que não gere dificuldade nem complicação em futuras deliberações quanto à sua aplicação, tendo em vista que ficou impregnada em seu preceito a determinação de restituição de valores, mesmo estando presente a boa-fé.
            ( . . . )
            29. Entendo que deva ser dado ao enunciado uma redação simples, objetiva, abrangente, que alcance todos os supracitados fatores norteadores à dispensa de devolução, à vista da boa-fé do beneficiário, por isso apresento a seguinte proposta de Súmula, sujeita a alterações, conforme aprouver ao Relator definitivo do projeto de Súmula:
            'SÚMULA N.º
            É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos, inativos e pensionistas, em virtude de erro de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo, do caráter alimentar das parcelas salariais e em face do princípio da segurança jurídica.'
            ( . . . )
            Distribuído o cronograma respectivo e dentro do prazo limite, o Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa apresentou sua sugestão, adiante transcrita:
            "SUGESTÃO ADITIVA
            Acrescentar à expressão 'erro de interpretação de lei' o adjetivo 'escusável', atribuindo à Súmula a seguinte redação:
            'É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos, inativos e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo, do caráter alimentar das parcelas salariais e em face do princípio da segurança jurídica.'
            ( . . . )
            Acórdão
            VISTOS, relatados e discutidos estes autos de processo administrativo referente a projetos de súmula e de revogação de súmula aprovados pela Comissão de Jurisprudência.
            ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
            9.1. aprovar o Projeto de Revogação apresentado, na forma do texto constante do anexo I a este Acórdão, de acordo com os arts. 87 e 88 do Regimento Interno;
            9.2. aprovar o Projeto de Súmula apresentado, na forma do texto constante do anexo II a este Acórdão, de acordo com o art. 87 do Regimento Interno;
            9.3. determinar a publicação deste Acórdão, bem como do Relatório e Parecer que o fundamentam, no Diário Oficial da União e no Boletim do Tribunal de Contas da União;
            9.4. determinar o arquivamento do processo.
            Quorum
            13.1. Ministros presentes: Valmir Campelo (na Presidência), Guilherme Palmeira (Relator), Ubiratan Aguiar, Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro.
            13.2. Auditor convocado: Augusto Sherman Cavalcanti.
            13.3. Auditor presente: Marcos Bemquerer Costa.
            Publicação
            Ata 18/2007 - Plenário
            Sessão 09/05/2007
            Aprovação 10/05/2007
            Dou 11/05/2007 - Página 0

    Nota-se, pelo decorrer da exposição que no conflito de princípios envolvendo o da legalidade versus os da boa-fé e da segurança jurídica, estes se sobrepuseram, afastando o dever de reposição dos valores mesmo que presente a boa-fé, como dantes sustentado pela revogada Súmula 235.

    Em síntese, e valendo-se do escólio Sérgio Ferraz e Adilsom Abreu Dallari, tem-se que:

      No que concerne à boa-fé, calcado nos mesmos doutrinadores, destaca-se o seguinte comentário:

              A boa-fé é um elemento estranho ao ato, na medida em que se encontra no pensamento do agente, na intenção com a qual ele fez ou deixou de fazer alguma coisa. É impossível perscrutar o pensamento, mas é possível, sim, aferir a boa (ou má) fé, pelas circunstâncias do caso concreto, por meio da observação de um feixe convergente de indícios.

        Assim, sob o enfoque dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, os casos como o ora em exame têm merecido trato repudiando o dever de reposição dos valores pagos ao desabrigo da estrita legalidade, conforme se constatara, inclusive, junto ao Tribunal de Contas da União, o que o motivara a revogar a vergastada Súmula nº 235.

          CONCLUSÃO

          Considerando o acima exposto e tendo como bastantes para afastar o dever de ressarcimento dos valores pagos a título de Saldo de Produtividade os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, escorado ainda em julgados do Tribunal de Contas da União que deram ensejo à revogação da Súmula 235, que impunha o dever de reposição mesmo que presente, no recebimento das parcelas, a boa-fé, é que se submete o presente parecer em cumprimento à determinação consignada em seu despacho de fls. 1270.

              À consideração do Exmo. Sr. Relator, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
                COG, em 08 de fevereiro de 2008
                Marcelo Brognoli da Costa

              Consultora Geral


              1 Proposta de súmula substitutiva à 235 do TCU.

              2 Fls. 100 a 113.

              3 Fls. 552 a 563.

              4 Fls. 148 a 159.

              5 Fls. 62 a 88.

              6 Fls. 532 a 542

              7 Fls. 693 a 699.

              8 Fls. 1210 a 1218.

              9 Fls. 532 e 535.

              10 Fl. 698.

              11 Fls. 1245 a 1255.

              12 Fls. 1258 a 1268.

              13 Fl. 1269.

              14 Fls. 1270 e 1271.

              15 http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5054

              16 Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 23 ed. São Paulo, Malheiros, 2006. Pág. 1019.

              17 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29 ed. São Paulo Malheiros, 2006. Pág. 673.

              18 Fl. 1253.

              19 Fls. 1266 e 1267.

              20 Fl. 286.

              21 Sérgio Ferraz e Adilsom Abreu Dallari. Processo Administrativo. São Paulo, Malheiros, 2001. Pág. 73.

              22 Op. cit. Pág. 81.