ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 08/00049381
Origem: Prefeitura Municipal de Curitibanos
Interessado: Wanderley Teodoro Agostini
Assunto: Consulta
Parecer n° COG 65/08

Receita. Vinculação.

É vedada a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa (art. 167, IV, CF).

Senhor Consultor,

1. RELATÓRIO

Trata-se de Consulta formulada pelo Prefeito do Município de Curitibanos, Sr. Wanderley Teodoro Agostini, relativa à concessão de incentivos fiscais, que possui o seguinte teor:

Consta às fs. 04/06, parecer elaborado pela Assessoria Jurídica do Município de Curitibanos, de lavra da Dra. Angelita Santos Vezaro, que concluiu pela inconstitucionalidade de concessão de benefícios "a título de reembolso ou retorno do incremento do ICMS, através da análise do movimento econômico, às empresas que se instalarem no município" bem como pela possibilidade da realização de serviços de terraplanagem, devendo haver previsão em lei específica e prestação de contas das importâncias repassadas e acompanhamento das atividades realizadas.

Instruem ainda os autos cópia de parte da Consulta que tramitou neste Tribunal de Contas sob o nº C-02366/40 (fs. 07/21) e originou o Prejulgado 250, bem como de projeto de lei que autoriza o Poder Executivo Municipal a instituir o fundo municipal de desenvolvimento do Município de Curitibanos (22/28).

É o relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.

§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.

2.1 DA COMPETÊNCIA

2.2 DO OBJETO

A consulta prevista no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, objetiva esclarecer incertezas acerca de interpretação de lei ou questão formulada em tese.

Da análise dos autos verificou-se que a dúvida do Consulente versa sobre a possibilidade de concessão de incentivos e benefícios fiscais às indústrias e empresas que pretendam se instalar no Município de Curitibanos.

Assim, nota-se que os questionamentos apresentados pelo Consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formulados em tese, razões pelas quais está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II do Regimento Interno.

Por oportuno, é importante registrar que como o processo de Consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, a resposta ora oferecida não constituiu prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo Consulente.1

O Consulente, na condição de Prefeito do Município de Curitibanos, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.

2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

A Consulta veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Portanto, tendo em vista o preenchimento dos requisitos previstos no Regimento Interno, sugere-se o conhecimento da presente consulta.

3. ANÁLISE DA CONSULTA

O Consulente pretende saber se é possível "reembolsar" às empresas que se instalarem no Município, o ICMS por elas pago e posteriormente arrecadado pelo Poder Municipal por intermédio da repartição da receita tributária prevista no art. 158, inciso IV, da Constituição Federal.

Segundo o Consulente, o "reembolso" seria limitado a 50% do custo total do investimento feito pela empresa.

Analisada a hipótese à luz do sistema financeiro e tributário constitucional vigente, constatou-se que o "reembolso" às empresas de parte do ICMS pertencente ao Município não encontra amparo constitucional, pois o mencionado reembolso (que é uma despesa corrente) implica em vinculação de receita de imposto a despesa, o que é vedado pelo art. 167, inciso IV, da Constituição Federal (princípio orçamentário da não-vinculação de receita de impostos), que possui a seguinte redação:

Note-se que a vedação permanece ainda que o valor do ICMS arrecadado pelo Município seja utilizado apenas como base de cálculo para apurar o quantum o Poder Público deve repassar à empresa, pois, ainda nesse caso, a vinculação está presente.

A Constituição Federal excepciona em seu art. 167, inciso IV, a vedação da vinculação de receita de impostos a despesa apenas nos casos da repartição constitucional das receitas tributárias (onde, por exemplo, 25% do produto de arrecadação do Estado sobre o ICMS é destinado ao Município), nas ações e serviços públicos de saúde, na manutenção e desenvolvimento do ensino e na realização de atividades de administração tributária.

Desse modo, percebe-se que a hipótese trazida aos autos pelo Consulente não se enquadra em nenhuma das exceções previstas no art. 167, inciso IV, da Constituição Federal.

Ademais, o imposto é um tributo que visa custear as atividades gerais do Poder Público e destiná-lo a uma atuação específica do Município seria contrariar sua própria natureza.

Nesse sentido, Kiyoshi Harada2:

Poderia-se questionar que o ICMS arrecadado pelo Município por força do art. 158 da CF não seria receita de impostos, mas repartição ou transferência do produto da arrecadação do referido imposto, o que faria com que não fosse aplicável a vedação do art. 167, inciso IV, da CF.

Entretanto, referido entendimento foi afastado pelo STF em sede de Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2.355-1 PR), que entendeu ser o ICMS decorrente da repartição das receitas tributárias um imposto municipal, pois o art. 158 é peremptório ao afirmar que "a percentagem de vinte e cinco por cento pertence - o vocábulo deve ser entendido com largueza - aos municípios" (g.n.), razão pela qual incide a vedação do art. 167, inciso IV, da CF no ICMS arrecadado pelo Município.

A ementa da ADI 2.355-1 possui a seguinte redação:

Todavia, mesmo que a receita em análise não se tratasse de imposto, ainda assim o "reembolso" não seria possível, pois este Tribunal de Contas entende que "não encontra amparo legal ou justificativa no interesse público a concessão de ajuda e auxílio financeiro a empresas privadas com fins lucrativos para investimentos na implantação ou ampliação de atividades" (Prejulgado 1077, item 2, abaixo transcrito)

Por conseguinte, o reembolso de parte do ICMS que o Poder Público Municipal arrecada com fundamento no art. 158, inciso IV, da Constituição Federal às empresas que vierem a se instalar no Município, bem como sua utilização como base de cálculo para a concessão de benefícios, caracterizam violação ao art. 167, inciso IV, da Constituição Federal, pois há vinculação de receita de impostos a despesa específica, qual seja, a devolução do ICMS às ditas empresas.

Com relação à segunda parte da Consulta, que versa sobre concessão de incentivos na forma de prestação de serviços de terraplanagem em terreno particular pelo Poder Público Municipal ou a transferência de recursos pela Administração Pública à particulares para a execução de tais serviços, a matéria já foi apreciada por este Tribunal de Contas, que assim se manifestou:

Em suma, segundo os Prejulgados acima colacionados, o Município pode executar os serviços de terraplanagem em terreno particular desde que de forma moderada, haja previsão em lei específica e mediante a cobrança de preço público, sob pena de caracterização de ato de improbidade administrativa (Prejulgado 1077, item 4 e Prejulgado 1396, item 2).

Ainda de acordo com os citados Prejulgados, o Município não pode transferir recursos com vistas a auxiliar ou suportar as despesas com terraplanagem e preparação da área para construção da sede da empresa em terreno particular, pois não há amparo legal ou justificativa de interesse público (Prejulgado 1077, item 2).

Destarte, com fundamento no art. 105, § 3º, do Regimento Interno, no que tange a este ponto do questionamento, sugere-se encaminhar ao Consulente cópia dos Prejulgados 1077 e 1396.

4. DA REFORMA DO PREJULGADO 250

O segundo parágrafo do Prejulgado 250 permite à Administração Pública Municipal, como forma de promoção de incentivos às empresas, a devolução às empresas do ICMS pertencente ao Município previsto no art. 158, inciso IV, da Constituição Federal, senão veja-se:

Entretanto, conforme visto no item 4 acima, o art. 167, inciso IV, da Constituição Federal veda a vinculação de impostos a órgão, fundo ou despesa (princípio orçamentário da não-vinculação de receita de impostos), o que faz com que a devolução do ICMS prevista no Prejulgado 250 encontre óbice no texto constitucional.

Portanto, pelas razões expostas, sugere-se a revogação do segundo parágrafo do Prejulgado 250, que passará a conter a seguinte redação:

5. CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:


1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

2 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 15. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2006. p. 96.