TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

DIRETORIA DE CONTROLE DOS MUNICÍPIOS - DMU

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PROCESSO RPA 06/00401227 (apensados: RPA 06/00534375 e DEN 06/00401146)
UNIDADE Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul
INTERESSADO Sr. Rudolfo Gesser - Vereador da Câmara de Jaraguá do Sul
   
RESPONSÁVEIS Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal (Gestão 2005/2008)

Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral do Município em 2005

ASSUNTO Auditoria "in loco" para apuração de supostas irregularidades representadas a este Tribunal, relativas à extinção de crédito tributário por dação em pagamento - Reinstrução
RELATÓRIO N° 390/2008

INTRODUÇÃO

Cumprindo as atribuições de fiscalização conferidas ao Tribunal de Contas pela Constituição Federal, art. 31, pela Lei Complementar nº 202, de 15/12/2000, art. 66 e pela Resolução nº TC 16/94, a Diretoria de Controle dos Municípios procedeu a audiência dos Responsáveis com vistas à apuração de irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul.

Tratam os autos de inspeção decorrente da manifestação do Exmo. Relator, que acolheu a representação por meio do Despacho nº 148/2006, de 07/12/2006, constante à fl. 279 dos autos, determinando a adoção de providências, inclusive inspeção, auditoria ou diligência, para apuração dos fatos representados.

O despacho foi exarado em razão das irregularidades apresentadas, quando o Processo mereceu apreciação da Diretoria de Denúncias e Representações, através do Relatório de Admissibilidade nº 257/2006, de 26/10/2006 (fls. 271 a 275 dos autos).

Assim sendo, realizou-se Inspeção in loco, entre os dias 13 a 17 de agosto de 2007, conforme Of. TCE/DMU nº 11.532/2007 (fl. 281), para verificação de irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul.

Os trabalhos foram confiados aos Srs. Teresinha de J. B. da Silva (Coordenadora), Edson José Sehnem, Eduardo Corrêa Tavares e Marianne da Silva Brodbeck.

Das ações de inspeção procedidas, originou-se o Relatório de Inspeção nº 1.950/2007, constante às fls. 428 a 439 dos autos, propugnando recomendação no sentido de proceder-se a Audiência do Responsável em razão do cometimento de irregularidades conforme conclusão do referido relatório.

Os Responsáveis apresentaram justificativas, protocoladas neste Tribunal sob n.º 21040, em 07/12/07, sobre as restrições anotadas no Relatório supracitado.

II - DA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

Por força dos artigos 1º e 2º, da Resolução TC nº 10/2007, de 26 de fevereiro de 2007, que altera a estrutura e as competências dos órgãos auxiliares do Tribunal de Contas de Santa Catarina e artigo 1º, Inciso I, alínea "b" e III da Portaria nº TC 136/2007, de 27/02/2007 o presente processo foi encaminhado à Diretoria de Controle dos Municípios.

III - DA REINSTRUÇÃO

Procedida a reinstrução, a vista dos esclarecimentos prestados e dos documentos remetidos, apurou-se o que segue:

1.1 - Aquisição de bens móveis usados, sem procedimento licitatório, contrariando artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, através da extinção ilegal de crédito tributário, realizada com a dação em pagamento de bens móveis, em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do Código Tributário Nacional

O Prefeito Municipal de Jaraguá do Sul, com a assessoria do Procurador Geral do Município (conforme Matriz de Responsabilidade - Anexo 1), homologou a extinção de crédito tributário municipal, originário do inadimplemento da empresa Viação Canarinho Ltda., no final do exercício 2005.

Tal procedimento, conforme acima mencionado, foi realizado de maneira imprópria, envolvendo até mesmo o encaminhamento de projetos de lei, na tentativa de tornar legal os atos administrativos praticados.

O direcionamento adotado pelos responsáveis, no sentido de validar seus atos, independentemente da vigência da Lei Complementar Municipal nº 46/2003, ou mesmo da aplicação da Lei Municipal nº 3.875/2005, contrariam o Sistema Tributário Nacional estabelecido pela Constituição Federal, por serem incompatíveis com as normas gerais previstas no Código Tributário Nacional.

De fato, o amparo em diplomas legais municipais que inovam em matérias de competência do Congresso Nacional é inócuo para sustentar a validade dos atos administrativos inválidos praticados.

A competência para legislar sobre matéria tributária está prevista no art. 24, I, § 1º, da Carta Magna:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

Percebe-se, portanto, que a norma constitucional estabelece com clareza a capacidade política do Congresso Nacional, por meio de Lei Complementar, de legislar sobre normas gerais de Direito Tributário.

Aos Municípios, em uma interpretação sistêmica do art. 24, I, § 2º, combinado com o art. 30, II e III, da Constituição, cabe instituir seus tributos, no âmbito de competência tributária, e apenas "suplementar a legislação federal e estadual no que couber".

Poder-se-ia, então, suplementar matérias reguladas, dentro dos limites da norma pré-existente, o que não implica em inovar, especialmente quanto ao crédito tributário, tratado de forma abrangente pelo Código Tributário Nacional.

O CTN, recepcionado pela Constituição de 1988, conforme art. 24, I, § 1º, compõe as normas gerais sobre Direito Tributário, de obediência obrigatória pelos entes federados. Esta normatização, especificamente quanto aos créditos, é expressamente determinada pela Carta Magna, que impõe inclusive a espécie normativa necessária, garantindo o status de Lei Complementar a este Código:

"Art. 146. Cabe à lei complementar: (...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...)

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;" (g.n)

Regulando a matéria, o CTN não apenas elenca taxativamente as modalidades de extinção do crédito passíveis de utilização, como também estabelece as regras de hermenêutica aplicáveis, vedando qualquer forma de flexibilização ou inovação:

"Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

(...)

Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.

(...)

Art. 156. Extinguem o crédito tributário: (...)

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei." (g.n.) 

Extrai-se, portanto, três regras básicas aplicáveis ao caso:

  1. A legislação sobre a exclusão do crédito deve ser interpretada literalmente, inexistindo margem para flexibilizações ou inovações, senão por expressa autorização da norma geral (art. 111, I);

  1. A lista de hipóteses de extinção do crédito tributário é taxativa (art. 141);

  2. A única hipótese de dação em pagamento capaz de extinguir o crédito tributário é a prevista para bens imóveis (incluída no CTN pela L.C. nº 104/01), desde que prevista em lei específica do ente tributante (art. 156, XI).

    Assim, sem analisar a constitucionalidade das leis municipais em questão, considerando a competência desta Corte de Contas, constata-se a absoluta invalidade do ato de dação em pagamento praticado no Município de Jaraguá do Sul, independentemente de haver ou não legislação municipal autorizativa.

    A impossibilidade de criação legítima deste procedimento pelo Município implica na classificação do ato como aquisição direta de bem móvel usado sem processo licitatório, por força do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93:

"Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de Licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada." (g.n.)

A aquisição nestes termos, além de acarretar na extinção irregular de crédito tributário, contraria os preceitos constituicionais da isonomia, da igualdade, da eficiência e da moralidade, previstos no art. 37, caput, e XXI, da Carta Magna, bem como os arts. 1º, 2º e 24, da Lei n. 8.666/93, conforme o entendimento desta Corte de Contas:

"A utilização da dação em pagamento no âmbito administrativo, pelos contribuintes devedores do fisco municipal, com entrega de bens móveis, execução de obras ou prestação de serviços, contraria o disposto no caput do artigo 37 da Constituição Federal, porquanto caracteriza quebra do princípio da isonomia e da impessoalidade, e também o disposto no artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, além de que permitiu ao município adquirir bens, obras e serviços, sem o prévio processo licitatório." (TCE/SC, Prejulgado nº 599, processo CON-TC0350000/87)

Neste sentido, cabe referência à ação civil pública intentada contra os envolvidos, que resultou no Termo de Ajustamento de Conduta (fls. 391 a 394 dos autos), celebrado pela Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, Viação Canarinho Ltda., e Ministério Público, objetivando a cessação das irregularidades.

A equipe de auditoria recomenda o acompanhamento do feito, para a imputação de débito aos responsáveis no caso de eventuais indenizações que possam ficar a cargo do erário, além das providências que deverão ser tomadas pela Administração a partir da decisão judicial.

Tal situação torna precipitado a imputação de débito pelo valor total notificado (R$ 193.590,72, além dos acréscimos legais, calculados até a presente data), ou mesmo da diferença entre o total constituído e o irregularmente extinto, considerando a nulidade do ato e a provável constituição integral do crédito.

Destaca-se ainda que tal postura está sujeita à apreciação da Câmara de Vereadores, pelas infrações político-administrativas, e do Poder Judiciário, pelos crimes de responsabilidade, conforme dispõe os artigos 1º, III, e 4º, VIII, do Decreto-Lei nº 201/67:

"Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

(...)

III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:

(...)

VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura;" (g.n.)

Diante de todo o exposto, aponta-se como restrição a aquisição de bens móveis usados, sem procedimento licitatório, contrariando artigo 37, XXI, da CF, c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, através da extinção ilegal de crédito tributário, realizada pela dação em pagamento de bens móveis, em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do CTN.

(Relatório n.º 1.950/2007, de inspeção "in loco" - Audiência, item 2.1)

Os Responsáveis apresentaram as seguintes justificativas:

"Na hipótese dos autos, o crédito tributário é originário da notificação fiscal nº 2.291, datada de 16.11.2005, como consta do processo de fiscalização n. 2.881/2005, no valor de R$ 193.590,72 (cento e noventa e três mil, quinhentos e noventa reais e setenta e dois centavos).

A fim de viabilizar a quitação do débito tributário que consta do processo de fiscalização n. 2.881/2005, o devedor requereu, administrativamente, não obstante a manifestação da Administração Pública de interesse público na aquisição de dois ônibus usados, via dação em pagamento, tudo na conformidade com a legislação municipal.

Em 23.12.2005, a empresa procedeu a quitação do débito tributário no valor de R$ 163.897,42 (cento e sessenta e três mil, oitocentos e noventa e sete reais e quarenta e dois centavos) da seguinte forma:

Dação em pagamento de 01 (um) ônibus MERCEDES-BENZ 1318, ano 1989, avaliando pela Comissão de Licitações do Município, em R$ 22.000,00 (VINTE E DOIS MIL REAIS);

Dação em pagamento de 01 (um) ônibus AGRALE MAB 5T/MARCOPOLO, ano 1998, avaliado pela Comissão Especial de Licitações do Município em R$ 102.000,00 (cento e dois mil reais);

Pagamento em dinheiro no valor de R$ 19.987,42 (dezenove mil, novecentos e oitenta e sete reais e quarenta e dois centavos).

A entrega dos bens em dezembro de 2005; as notas fiscais foram emitidas em janeiro de 2006, data do registro dos bens nos órgãos competentes.

Todavia, revendo o ato administrativo, o MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL, devolveu à VIAÇÃO CANARINHO LTDA., o ônibus marca Mercedes Benz 1318, ano 1989, placas LXE 4442 e o ônibus marca Agrale, MAB.5T/Marcopolo, ano 1998, placas LZY 9574, recebidos como dação em pagamento, relativamente ao débito de tributos municipais, especificando na petição inicial, no valor total de R$ 193.590,72 (cento e noventa e três mil, quinhentos e noventa reais e setenta e dois centavos) ficando desse modo, de comum acordo, desfeito o ato administrativo, nos termos do ajustamento de conduta.

Com a devolução dos ônibus citados no Ajustamento de Conduta em anexo, ficou restabelecido integralmente o débito tributário da VIAÇÃO CANARINHO LTDA, perante o MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL, que importa no valor de R$ 173.693,30 (cento e setenta e três mil, seiscentos e noventa e três reais e trinta centavos) valor a que se chegou deduzida a importância de R$ 19.897,42 (dezenove mil oitocentos e oitenta e sete reais e quarenta e dois centavos), já pagos e moeda corrente pela empresa Viação Canarinho Ltda ao Município, em data de 23 de dezembro de 2005.

O débito tributário, cujo valor atualizado pelo INPC - IBGE alcança a soma de R$ 184.386,29 (cento e oitenta e quatro mil, trezentos e oitenta e seis reais e vinte e nove centavos), está sendo quitado mediante 36 (trinta e seis) parcelas mensais e sucessíveis, conforme dispõe o art. 68, parágrafo 3º, do Código Tributário do MUNICÍPIO DE JARAGUÁ DO SUL, com alterações inseridas pela Lei Complementar nº 34/2003.

Conforme sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública 036.06.009672-7, foi publicada em 23/11/2007, às fls. 483, "A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade legítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos (...) O essencial é que a autoridade que o invalidar demonstre, no devido processo legal, a nulidade com que foi praticado. Evidenciada a infração à lei, fica justificada a anulação administrativa." (HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 201). Diante disso, HOMOLOGO, por sentença, para que produza os seus jurídicos e legais efeitos, o acordo celebrado entre as partes litigantes (fls. 478 usque 481 dos autos), e, em consequência, JULGO EXTINTO o processo, com exame do mérito, na forma no art. 269, inciso III, do Código de Processo Civil. Havendo expressa renúncia aos prazos recursais, por todos os envolvidos, arquivam-se os autos. Sem custas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se."

Em 13.11.07, este Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, notificou o Prefeito Municipal e o ex-Procurador Geral do Município, de que a utilização da dação em pagamento no âmbito administrativo, pelos contribuintes devedores do fisco municipal, com entrega de bens móveis, execução de obras ou prestação de serviços, contraria o disposto no artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º, 2º e 24, da Lei Federal nº 8.666/93, posto que a Lei Municipal seria inconstitucional, porquanto fere o princípio da isonomia e a obrigatoriedade de licitação. Além disso, a legislação está em desacordo com o art. 146, III da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI do CTN, uma vez que as formas de extinção do critério tributário estão previstas no Código Tributário Nacional, recepcionado pela Carta de 1988 como lei complementar.

JUSTIFICATIVAS

Logo de plano cumpre ressaltar que, o presente processo perdeu o objeto, posto que o processo de dação em pagamento restou revisto pela administração pública, nos termos do ajuste de conduta homologado judicialmente, sem qualquer ônus ou prejuízo para administração pública.

Dessume-se da leitura do processo de fiscalização n. 2.881/2005, datada de 16.11.2005, através de dação em pagamento - fato que foi aceito pelo fisco -, valendo-se do inciso IV, parágrafo § 1º, art. 9º da Lei nº 3875/2005, de 13 de julho de 2005, verbis:

Art. 9º A Administração Pública pode adquirir bens de toda a espécie, que se incorporarão ao patrimônio municipal.

§ 1º As aquisições são procedidas por contrato ou termo, conforme o caso, sob forma de:

...

IV - dação em pagamento;

A dação em pagamento consiste em solver uma dívida mediante a entrega de um bem que não seja dinheiro, desde que com concordância com o credor, o que caracteriza verdadeira transação ou novação, conforme o caso.

Na dação em pagamento, determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda. E esta resulta obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

Frise-se que a dação em pagamento é uma forma de extinção de obrigações prevista no Direito Civil, que, conforme ensinamento da doutrina (Machado, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 14ª ed., Malheiros, pág. 133), que pode ser aplicada em matéria tributária, desde que, obviamente, haja previsão legal para tanto, o que é o caso dos autos.

No mesmo sentido, o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

EXECUÇÃO FISCAL. TRANSAÇÃO. DAÇÃO EM PAGAMENTO. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

A aceitação pelo Fisco de bens em pagamento de créditos tributários caracteriza verdadeira transação, extinguindo-os na data de sua efetivação. Assim, ainda que o Fisco tenha concedido prazo ao contribuinte para a entrega dos bens, o valor do crédito tributário não mais pode sofrer correção a partir da data da formalização do acordo, inexistindo suporte jurídico para o critério que mantém congelado o valor dos bens do contribuinte e, na outra ponta, corrige a dívida tributária. (TJ SC. Apelação Cível n. 2002.016625-7, de Sombrio. Relator: Juiz Newton Janke)

APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO FISCAL - AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - DESNECESSIDADE - INTERESSE PATRIMONIAL DO FISCO - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 189 DO STJ - CRÉDITO TRIBUTÁRIO - EXTINÇÃO DO FEITO COM FULCRO NO ART. 794, II, DO CPC - TRANSAÇÃO - DAÇÃO EM PAGAMENTO - INTELIGÊNCIA DA LEI N. 10.789/98 C/C DECRETO-LEI N. 18.121/99 - AUSÊNCIA DE NULIDADE - ACORDO VÁLIDO E PERFECTIBILIZADO - REMISSÃO TOTAL DA DÍVIDA - RESPONSABILIDADE DO CREDOR EM REALIZAR A TRANSFERÊNCIA DOS IMÓVEIS - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - RECURSO DESPROVIDO.

É desnecessária a intervenção do Ministério Público nas execuções fiscais, conforme entendimento sumular n. 189 do Supremo Tribunal de Justiça.

A quitação da dívida executada, por meio de dação em pagamento, põe fim à pretensão ventilada no bojo da execução movida pelo Estado, por força da novação, por se tratar de causa de extinção do crédito tributário, a teor do art. 156, VIII, do CTN. (TJSC. Apelação Cível n. 2001.019182-2, de Criciúma. Relator: Des. Anselmo Cerello.)

No caso concreto, o Município de Jaraguá do Sul foi autorizado a receber em dação em pagamento pela Lei Municipal nº 3.875/2005, de 13 de julho de 2005, aplicando-se, no que couber, o disposto nos artigos 356 a 359, do Código Civil (Lei 10.406/2002).

Destacamos que, não há ofensa à reserva de lei complementar, podendo o Município regular formas específicas de extinção de seus créditos tributários.

Nesse sentido, reportamo-nos à fundamentação do voto condutor da ADIMC nr. 2.405. Nos autos da ADIMC nr. 2.405, o Relator o Ministro Ilmar Galvão, alterou a posição tomada na cautelar desta ação direta do Distrito Federal, entendo que não era matéria reservada à lei complementar e que era dado ao Estado-membro regular formas específicas de extinção de seus créditos tributários.

Resta a questão da licitação. Ora, só podemos fazer licitação onde houver a possibilidade de competição. Aqui, parece-nos que não há. A legislação municipal que institui a dação em pagamento no âmbito do Município de Jaraguá do Sul, dispõe sobre uma forma de transação.

É de se considerar que a dação em pagamento, conquanto tenha as relações entre as partes reguladas pelas normas do contrato de compra e venda, com essa não se confunde, se tem por objeto a extinção de uma obrigação.

De qualquer forma, não há nada que impeça o Município em efetuar a aquisição de carros usados, sem licitação.

O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO já decidiu que a aquisição de carros usados pela Administração pode ser feita sem licitação, através de inexigibilidade de licitação pública.

(...) O bem que se buscava adquirir, veículo usado, não encerrava características facilmente comprováveis com outros exemplares, o que indica o grau de dificuldade de se estabelecer parâmetros objetivos para um possível certame licitatório. No caso, inviável a licitação e, por conseguinte, regular o processo questionado. (TCU, Decisão nº 113/1999)

Ora, o caput do artigo 25 da Lei nº 8.666/93 determina que:

É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

A aquisição de ônibus usados tornaria inviável a competição porque não haveria critérios objetivos, a serem levados em conta numa licitação, para comparar os diversos veículos oferecidos à Administração Pública, já que o estado deles normalmente são obstante diferenciados.

De todo modo, insista-se, a dação em pagamento não exige licitação, por se tratar de um contrato com destinatário certo, que é o credor que consente no pagamento por essa forma. De qualquer forma, no caso dos autos, os ônibus são insucetíveis de licitação, tendo sido avaliados pela Comissão Permanente de Licitações, nos termos da lei.

Ante todo o exposto, conclui-se pela possibilidade legal de aquisição de bens públicos, por dação em pagamento, na forma autorizada pelo inciso IV, parágrafo § 1º, art. 9º da Lei Municipal nº 3.875/2005, de 13 de julho de 2005.

A questão da eventual inconstitucionalidade da lei deve ser analisada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, proposta por um dos legitimados do art. 85 da Carta Estadual.

Data vênia, considerada a existência de lei local prevendo a dação em pagamento, não há que se falar em ilegalidade do ato.

Além disso, a dação em pagamento, como forma de extinção do crédito tributário, não se caracteriza como renúncia fiscal, sendo, portanto, compatível com a Lei Complementar nº 101, de 2000, vez que atende aos preceitos de responsabilidade fiscal ali especificados, quais sejam, o incremento das receitas previdenciárias mediante a realização de créditos de difícil recuperação.

De qualquer forma, a transação realizada pelas partes foi objeto de nova transação por ocasião da celebração do Termo de Ajuste de Conduta homologado judicialmente, sem qualquer prejuízo para o Município de Jaraguá do Sul, o que requer seja considerado para o fim de afastar a responsabilidade dos notificados perante esta respeitável Corte de Contas, por perda de objeto."

Considerações da Instrução:

Em primeiro lugar, a anulação do ato pelo Responsável, Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal, não elide a restrição apontada, sendo suficiente apenas para afastar possível imputação de débito do valor em questão. Trata-se de matéria sujeita à atividade jurisdicional deste Tribunal de Contas e, considerando a cessação da ilegalidade e da inexistência de prejuízo mensurável ao erário (além do atraso no recolhimento de exação devida), resta ainda presente a ação ilegal praticada pelos Responsáveis, sujeitando-os à aplicação de multa.

Neste sentido, cabe ressaltar que a extinção do processo judicial em decorrência da transação da qual participou o Ministério Público (termo de ajustamento de conduta na Ação Civil Pública nº 036.06.009672-7), não prejudica a apreciação desta Corte de Contas, ao contrário do que afirmam os responsáveis, como estabelece a atual ordem constitucional (art. 71, II e VIII, da Constituição Federal, e art. 113, §1º, c/c art. 59, II e VIII, da Constituição Estadual):

"Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração direta e indireta, incluídas as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público estadual, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

(...)

Art. 113 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades da administração pública municipal, quanto a legalidade, a legitimidade, a economicidade, a aplicação das subvenções e a renúncia de receitas, e exercida:

§ 1º - O controle externo da Câmara Municipal é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, observado, no que couber e nos termos da lei complementar, o disposto nos arts. 58 a 62."

Esta independência entre as jurisdições é reconhecida pelo próprio Poder Judiciário, como se pode depreender dos ensinamentos da Ministra Eliana Calmon Alves1, do Supremo Tribunal de Justiça:

Assim, persiste o objeto do presente, qual seja a apuração dos fatos representados e, constatadas irregularidades, a aplicação das sanções devidas, na forma da Lei Orgânica e do Regimento Interno desta Corte de Contas, independentemente da extinção da referida ação civil pública com a homologação do termo de ajustamento de conduta.

Evidenciado o poder-dever do Tribunal de Contas de analisar incidentalmente a constitucionalidade do fundamento em que se baseia o ato sujeito a sua jurisdição, cabe elucidar sobre a validade no caso em questão.

Em decisão recente (inclusive mais contemporânea que o entendimento citado pelos Responsáveis), o STF pronunciou-se a respeito:

1.1 - Extinção ilegal de crédito tributário, realizada com a dação em pagamento de bens móveis (dois ônibus), em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do Código Tributário Nacional - reestabelecido em atendimento a termo de ajustamento de conduta que resultou na extinção da Ação Civil Pública nº 036.06.009672-7 -, implicando na ausência de procedimento licitatório para aquisição dos referidos ônibus usados, contrariando artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º e 2º, da Lei Federal nº 8.666/93.

CONCLUSÃO

À vista do exposto e considerando a inspeção "in loco" realizada na Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, entende a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, com fulcro nos artigos 59 e 113 da Constituição do Estado c/c o artigo 1º, inciso III da Lei Complementar n.º 202/2000, que possa o Tribunal Pleno, decidir por:

1 - CONHECER do presente Relatório de Reinstrução, decorrente do Relatório de Inspeção nº 1.950/2007, resultante da inspeção "in loco" realizada na Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, para, no mérito:

2 - CONSIDERAR IRREGULAR, na forma do artigo 36, § 2º, "a" da Lei Complementar n.º 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal no exercício de 2005, CPF 310.551.339-68, residente à Rua Fiscal Verdi Francisco Lenzi, nº 79, Jaraguá do Sul/SC, e do Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral à época, CPF 352.452.719-15, residente à Rua Irmão Leão Magna, 200, Jaraguá do Sul/SC, multas previstas no artigo 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

2.1 - Extinção ilegal de crédito tributário, realizada com a dação em pagamento de bens móveis (dois ônibus), em desacordo com o art. 146, III, b, da CF c/c arts. 111, I, 141 e 156, XI, do Código Tributário Nacional - reestabelecido em atendimento a termo de ajustamento de conduta que resultou na extinção da Ação Civil Pública nº 036.06.009672-7 -, implicando na ausência de procedimento licitatório para aquisição dos referidos ônibus usados, contrariando artigo 37, XXI, da Constituição Federal c/c os artigos 1º e 2º, da Lei Federal nº 8.666/93 (item 1.1.1 deste Relatório).

3 - DAR CIÊNCIA da decisão aos Representados, Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal e Sr. Jurandyr Hilário Bertoldi - Procurador Geral à época, e ao Representante, Sr. Rudolfo Gesser - Vereador da Câmara de Jaraguá do Sul.

É o Relatório. TCE/DMU/DCM 2, em 06/03/2007.

Eduardo Correa Tavares Teresinha de J.B. da Silva
Auditor Fiscal de Controle Externo Auditora Fiscal de Controle Externo
  Coordenadora da Auditoria

De Acordo, eM ....../......./2008.

Sabrina Maddalozzo Pivatto

Coordenadora de Controle (em exercício)

Inspetoria 2

 

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

DIRETORIA DE CONTROLE DOS MUNICÍPIOS - DMU

Rua Bulcão Viana, 90, Centro – Florianópolis – Santa Catarina

Fone: (048) 3221 - 3764 Fax: (048) 3221-3730

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PROCESSO RPA 06/00401227
   

UNIDADE

Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul
   
ASSUNTO
    Auditoria "in loco" para apuração de supostas irregularidades representadas a este Tribunal, relativas à extinção de crédito tributário por dação em pagamento - Reinstrução

ÓRGÃO INSTRUTIVO

Parecer - Remessa

Ao Senhor Conselheiro Relator, ouvida a Douta Procuradoria, submetemos à consideração o Processo em epígrafe.

TC/DMU, em ...../....../.......

GERALDO JOSÉ GOMES

Diretor de Controle dos Municípios


1 ALVES, Eliana Calmon. A Decisão Judicial e a Decisão do Tribunal de Contas: independência das instâncias administrativas, cível e penal. Revista Ibero-Americana de Direito Público, v.4, n.11, p. 87-95, 2003