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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA DIRETORIA DE CONTROLE DOS MUNICÍPIOS - DMU Rua Bulcão Viana, 90, Centro Florianópolis Santa Catarina Fone: (048) 3221 - 3764 Fax: (048) 3221-3730 Home-page: www.tce.sc.gov.br |
PROCESSO |
RPA 00/05813131 |
UNIDADE |
Prefeitura Municipal de Campos Novos |
RESPONSÁVEL |
Sr. Nelson Cruz - Prefeito Municipal no exercício de 2004 |
ASSUNTO | Representação acerca de irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Campos Novos - Reinstrução |
RELATÓRIO N° | 361/2008 |
INTRODUÇÃO
Cumprindo as atribuições de fiscalização conferidas ao Tribunal de Contas pela Constituição Federal, art. 31, pela Lei Complementar nº 202, de 15/12/2000, art. 66 e pela Resolução nº TC 16/94, a Diretoria de Controle dos Municípios procedeu a audiência do Responsável com vistas à apuração de irregularidade cometida no âmbito da Prefeitura Municipal de Campos Novos.
Tratam os autos de expediente encaminhado a esta Corte de Contas, cujo despacho do Exmo. Sr. Relator do presente Processo, exarado em 24/11/2006 (fls. 26 e 27 dos autos), determinou a adoção de providências para apuração dos fatos representados.
O despacho foi proferido em razão das irregularidades representadas, quando o Processo mereceu apreciação da Diretoria de Denúncias e Representações, através do Parecer de Admissibilidade nº 228/06, de 19/10/2006 (fls. 19 a 22 dos autos).
Da análise dos fatos representados, originou-se o Relatório nº 1.833/2007, constante às fls. 121 a 141 dos autos, que em data de 30/10/2007 foi remetido ao Sr. Nelson Cruz - Prefeito Municipal, por meio do Ofício nº 16.318/2007, o qual determinou a Audiência do mesmo, para manifestação, por meio documental, no prazo de 30 dias.
O Sr. Nelson Cruz, através do Ofício s/nº, datado de 06/02/2008, protocolado neste Tribunal sob nº 2610, em 12/02/2008, apresentou justificativas sobre a restrição anotada no Relatório supracitado.
II - DA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO
Por força dos artigos 1º e 2º, da Resolução TC nº 10/2007, de 26 de fevereiro de 2007, que altera a estrutura e as competências dos órgãos auxiliares do Tribunal de Contas de Santa Catarina e artigo 1º, Inciso I, alínea "b" e III da Portaria nº TC 136/2007, de 27/02/2007 o presente processo foi encaminhado à Diretoria de Controle dos Municípios.
III - DA REINSTRUÇÃO
Procedida a reinstrução, a vista dos esclarecimentos prestados e dos documentos remetidos, apurou-se o que segue:
1. Doação de um imóvel público para particulares, compreendendo um terreno de 121.000m², situado na localidade denominada Fazenda Boa Vista, no município de Campos Novos, contrariando o estabelecido no art. 17, inciso I, alínea b, da Lei nº 8.666/93, bem como o art. 12, § 1º da Lei Orgânica do Município de Campos Novos e o art. 5º da Lei Municipal nº 1.697/90.
Da Análise da Matéria Denunciada
De acordo com a Lei nº 1.697/90, o Poder Executivo de Campos Novos ficou autorizado a realizar uma doação de um terreno à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda., conforme segue:
Nos termos da citada Lei, a sociedade Indústria de Máquinas Bruno Ltda. ficava obrigada a construir no referido terreno, em um prazo de 3 anos, uma indústria de papel, cartolina e papelão, bem assim a atingir uma meta de produção, in verbis:
"Art. 3º - A empresa beneficiada na forma do art. 2º desta Lei, fica obrigada a no prazo de três anos contados da publicação da mesma a construir no terreno doado uma INDÚSTRIA DE PAPEL, CARTOLINA E PAPELÃO, usando como matéria-prima, pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose, com uma produção inicial de 15 (quinze toneladas) dia, e produção ao final da implantação de 60 (sessenta toneladas) dia."
Do texto da Lei, destacam-se as seguintes obrigações básicas da donatária:
1) construir até o dia 26 de março de 1993, no referido terreno, uma indústria de papel, cartolina e papelão;
2) utilizar as seguintes matérias-primas: pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose;
3) apresentar uma produção inicial de 15 toneladas por dia;
4) produção final de 60 toneladas por dia.
Cabe destacar, também, que a referida doação fora contratada com uma condição resolutiva, determinando, de forma clara e objetiva, que o dito imóvel retornaria para o patrimônio público municipal se a citada empresa não cumprisse com suas obrigações dentro do prazo legal (3 anos), vejamos o referido dispositivo:
Desta forma, o não cumprimento do encargo no prazo de 3 anos, acabava por apresentar os efeitos de uma condição resolutiva, ou seja, sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe, conforme disposição expressa do art. 128 do Código Civil.
Em outras palavras, com o não cumprimento do encargo extingue-se a doação, devendo, obrigatoriamente, reverter para o Município de Campos Novos o imóvel objeto da Lei nº 1.697/90.
Portanto, a propriedade definitiva do imóvel em tela somente passaria à citada empresa, caso a mesma cumprisse rigorosamente o encargo estabelecido expressamente na doação.
a) Do não Cumprimento do Encargo por parte da Donatária
A data limite para que a donatária cumprisse com sua obrigação legal expirou em 26 de março de 1993, conforme art. 3º da Lei nº 1.697/90.
O Poder Executivo do Município de Campos Novos, conhecedor da inadimplência da empresa donatária, resolveu, através do Decreto nº 4.182, de 27 de março de 2000 (fl. 7 dos autos), conceder um novo prazo para que a mesma cumprisse com sua obrigação, in verbis:
A lei que autorizou a referida doação (1.697/90), em seu artigo 6º, possibilitava que o Executivo Municipal prorrogasse o prazo para cumprimento do encargo, conforme segue:
De acordo com a redação do texto legal, percebe-se que o Decreto Municipal está eivado de ilegalidade, tendo em vista que somente no caso de força maior caberia prorrogação do referido prazo.
Carlos Roberto Gonçalves1, abordando o tema em debate, assim se pronuncia:
"O art. 393, parágrafo único, do Código Civil não faz distinção entre o caso fortuito e a força maior, definindo-os da seguinte forma: 'O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir'.
O caso fortuito geralmente decorre de fato ou ato alheio à vontade das partes: greve, motim, guerra. Força maior é a derivada de acontecimentos naturais: raio, inundação, terremoto."
Quando do advento da força maior, o agente fica impossibilitado de cumprir aquilo por que se obrigou, sem qualquer culpa sua, diante do fato inevitável e imprevisível que se apresenta. Por fim, percebe-se que o presente caso não é de força maior, haja vista o lapso temporal já decorrido.
Além do quesito força maior, para que se pudesse prorrogar o prazo para cumprimento do encargo, seria necessário que o mesmo não estivesse vencido, o que não se verifica no processo em tela, sendo que o prazo estabelecido na Lei já havia expirado a mais de 7 anos, quando da edição do Decreto nº 4.182/00.
Neste aspecto, se apresenta como regra básica que só é possível prorrogar algo que ainda vige. Portanto, não cabe prorrogar algo que já não existe mais no mundo jurídico.
Outro não é o entendimento do ilustre Diógenes Gasparini2:
Mutatis Mutandis, este foi o entendimento desta Corte de Contas, conforme Prejulgado nº 1528:
E ainda, Prejulgado nº 1084:
Em pesquisa realizada no banco de dados da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina (Anexo 1), constatou-se que no período de 11/07/1967 a 20/11/2002, o Sócio Gerente da empresa donatária era o Sr. Oscar Bruno Schaly, ou seja, o Chefe do Executivo Municipal de Campos Novos, quando da assinatura do Decreto nº 4.182, de 27 de março de 2000 (fl. 7 dos autos).
A administração pública deve sujeitar-se as normas legais, principalmente obediência aos princípios constitucionais estabelecidos no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Quando o Prefeito Municipal de Campos Novos, através de um decreto, pretendeu prorrogar um prazo que já estava vencido a vários anos; sem o requisito exigido pela lei (força maior); em benefício próprio, afinal de contas ele era o sócio gerente da empresa beneficiada pela doação, constata-se que os Princípios Constitucionais da Legalidade, Impessoalidade e Moralidade foram afrontados, não podendo tal prorrogação ser considerada como válida.
Convém colacionar também o art. 93 da Lei Orgânica do Município de Campos Novos, de 30 de março de 1990, conforme segue:
Percebe-se que o Prefeito Municipal não poderia agir em benefício próprio, sendo que de acordo com a Lei Orgânica Municipal, ele não deveria nem estar ocupando o cargo de Chefe do Executivo.
Ante o exposto, fica evidente que o encargo estabelecido pela Lei nº 1.697/90 não foi cumprido pela empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda., bem assim a prorrogação de prazo ocorreu de forma ilegal, restando ao Município a obrigação de reaver o referido imóvel.
Cabe destacar, também, que no presente caso não existe a possibilidade de prescrever a pretensão do município de propor a referida reversão, conforme já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
Neste sentido, cita-se também as palavras de Maria Helena Diniz3:
Não restando, portanto, nenhum óbice para que o município adote as medidas judiciais e/ou administrativas cabíveis, visando obter a reversão do referido imóvel para o patrimônio público, de acordo com o art. 5º da Lei nº 1.697/90.
b) Nova Prorrogação de Prazo para Cumprimento do Encargo
Inicialmente, conforme já foi apontado, a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. tinha até o dia 26 de março de 1993 para cumprir o encargo estabelecido na Lei nº 1.697/90.
Dentro do prazo legal, três anos, a donatária não cumpriu com seu encargo, sendo que em 27 de março de 2000, o Prefeito Municipal, através do Decreto nº 4.182, concedeu mais 2 anos para que a empresa adimplisse com sua obrigação.
Mais uma vez, a referida sociedade, não cumpriu com o encargo estabelecido pela Lei nº 1.697/90, e na mesma linha de repetição dos fatos, o município concedeu um novo prazo à donatária (Lei nº 2.771, de 24/03/2003, fl. 51 dos autos):
Quando da publicação da Lei nº 2.771, de 24/03/2003, 13 anos já haviam se passado sem que a empresa em questão resolvesse cumprir o encargo da referida doação.
Considerando os princípios do direito administrativo, bem como os gerais do direito, tais como: boa-fé, eficiência, legalidade, preponderância do interesse público sobre o particular, proporcionalidade etc., não foi razoável a concessão de um novo prazo para que a empresa pudesse cumprir com seu encargo, afinal de contas ela teve 13 anos para tanto.
Quando o Poder Legislativo de Campos Novos, através da Lei nº 2.771, de 24 de março de 2003, pretendeu conceder um novo prazo para que a empresa cumprisse com seu encargo, na verdade acabou realizando uma nova doação, tendo em vista que não é possível prorrogar algo que não vige, conforme razões já apontadas.
Acontece, porém, que tal doação não é mais possível dentro do nosso ordenamento jurídico, vejamos inicialmente a Lei Orgânica do Município de Campos Novos, conforme segue:
De acordo com a Lei Maior do Município de Campos Novos, de 30 de março de 1990, a doação de bens imóveis depende de licitação, na modalidade concorrência, bem como não se dá pela via da transferência da propriedade, e sim, através do instituto da concessão de direito real de uso.
Odete Medauar4, assim conceitua o referido instituto:
A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), em seu art. 17, assim dispõe:
Portanto, considerando a Lei Orgânica do Município e a Lei de Licitações, não é possível ao município se desfazer de um bem imóvel através de uma doação, nos moldes apresentados no presente processo.
Esta Corte de Contas assim se manifestou sobre o assunto, Prejulgado nº 250, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02/12/2002, através da Decisão nº 3.089/2002, exarada no Processo nº PAD-02/10566680:
Desta forma, verifica-se que o município de Campos Novos não pode realizar doação de imóvel como forma de estimular o desenvolvimento da cidade, devendo utilizar-se, sim, do instituto da concessão de direito real de uso, conforme explanado anteriormente.
c) Transferência da Doação para outras Pessoas Jurídicas
Em 12 de dezembro de 2003, o legislativo de Campos Novos através da Lei nº 2.840 (fls. 52 e 53 dos autos), transferiu os benefícios da Lei nº 1.697/90 para outras pessoas jurídicas, nos seguintes termos:
Quando da edição da Lei nº 2.840/03, quase 14 anos já haviam se passado, sem que a empresa donatária tivesse cumprido com seu encargo estabelecido na Lei nº 1.697/90.
Comparando esta Lei com a anterior, percebe-se que trata-se de uma nova doação, que não guarda nenhuma relação com a doação original, prevista na Lei nº 1.697/90, conforme quadro abaixo:
"A palavra prorrogação é de origem latina (prorrogatio, de prorrogare) e significa alongar, dilatar, ampliar um dado prazo. Indica uma ampliação de prazo e só tem sentido quando este está próximo da extinção, não muito antes e nunca depois. De sorte que há impropriedade quando se fala em prorrogação no início do prazo ou quando este já se extinguiu. Não se prorroga o que está expirado, acabado, em suma, que não está em vigor."
"Em caso de suspensão da execução do contrato na hipótese do inciso XVI do art. 79 da Lei Federal nº 8.666/93, por ato formal da autoridade competente, a retomada da execução do objeto pela Administração contratante depende do contrato ainda se encontrar vigente - pois contrato extinto não é passível de prorrogação - caso em que será devolvido ao contratado os prazos de execução do objeto (prazo do cronograma físico), como também, se necessário, a prorrogação do prazo de vigência do contrato." (grifo nosso)
"Cabe, exclusivamente à Administração, a prerrogativa de promover a prorrogação de contratos, observadas as normas legais e o atendimento ao interesse público, devidamente justificados em regular processo administrativo.
A prorrogação de contrato, nas hipóteses admitidas em lei, deve ser promovida antes do término da vigência da avença original, através de termo aditivo, sob pena de nulidade do ato.
Os contratos extintos em decorrência do decurso do prazo neles estabelecidos não podem, em hipótese alguma, serem objeto de prorrogação." (grifo nosso)
"Art. 93 - O Prefeito não poderá, desde a posse, e enquanto durar o mandato, sob pena de perda deste:
I - firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes ou através de processo licitatório;
[...]
V - ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor, concessão ou privilégio, decorrente de contrato com qualquer das entidades a que se refere o inciso I, nem exercer na empresa qualquer função ou atividade remunerada;" (grifo nosso)
"Administrativo - Doação resolúvel de bem público - Descumprimento de encargo - Desconstituição - Prescrição (art. 178, § 6º DO CC) - Inaplicabilidade - Art. 67 do Código Civil.
I - A doação de imóvel público obedece, unicamente, aos preceitos contidos na Lei que o desafetou (C. Civil, Art. 67);
II - Se a Lei diz que a doação resolve-se de pleno direito, caso o imóvel não seja utilizado para os fins que justificaram a alienação, é defeso ao donatário inadimplente invocar as regras do art. 178 do Código Civil, para alegar prescrição da ação." (Recurso Especial nº 1994/0034116-4, Resp 56612/RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Data do julgamento: 14/12/1994)
"Todas as ações são prescritíveis. A prescritibilidade é a regra; a imprescritibilidade, a exceção.
São imprescritíveis as pretensões que versam sobre:
[...]
c) Os bens públicos."
"Art. 1º - Fica concedido um prazo de 2 (dois) anos a contar da data da aprovação desta Lei, para a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda, implantar o empreendimento industrial previsto na Lei nº 1.697/90 de 27/03/90."
"Artigo 12 - A alienação de bens do município e de suas autarquias, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
[...]
§ 1º - A administração, preferentemente a venda ou doação de bens imóveis, concederá direito real de uso, mediante concorrência, dispensada esta, quando o uso se destinar à concessionário de serviço público e a entidades assistenciais." (grifo nosso)
"Concessão de direito real de uso - Essa figura foi criada no ordenamento brasileiro pelo Dec.-lei 271/67, arts. 7º e 8º. Durante muito tempo pouco se cogitou a respeito; em anos recentes, no entanto, passou a ser objeto de atenção e a ser invocada no tema da moradia da população de baixa renda. Segundo o art. 7º do referido texto, a concessão de direito real de uso, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, incide sobre terrenos públicos, como direito real resolúvel. Seus fins são específicos, aí indicados: urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social."
"Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
a) dação em pagamento;
c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;
d) investidura;
f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da Administração Pública especificamente criados para esse fim." (grifo nosso) (Redação vigente até a publicação das Leis nºs 11.196, de 21/11/2005 e 11.481, de 31/05/2007).
"Para promover incentivos a empresas, dentro de programa específico, visando atraí-las para que se estabeleçam no território municipal, é permitido à Administração:
- devolver mediante lei autorizativa (artigo 16, III da LOMDP), valores parciais correspondentes aos montantes recolhidos a título de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, da soma que retorna, por disposição constitucional, ao Município (CF, artigo 158, IV e CE, artigo 133, II, "a"), observados os requisitos do art. 14 da Lei Complementar nº 101/00;
- promover concessão do direito real de uso, com encargo, de imóvel para suas instalações, mediante autorização legislativa específica e justificado interesse público e ainda, fazer constar do instrumento de concessão os encargos, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão;
- executar gratuitamente serviços de terraplenagem e infraestutura nas áreas públicas de distritos industriais compreendidos em programas de incentivos e, mediante cobrança, em áreas particulares, observando os ditames constantes nas Leis Federais n° 8.429/92 e n° 4.320/64, vedada a destinação de auxílios financeiros a entidades de direito privado com fins lucrativos, conforme art. 19 desta lei." (grifo nosso)
"Art. 1º - Ficam transferidos para as empresas Bruno Industrial Ltda, CNPJ nº 05.145.957/0001-40 e Bruno Papéis Especiais S/A, CNPJ nº 06.007.501/0001-86, os incentivos e estímulos concedidos a Indústria de Máquinas Bruno Ltda pelas Leis 1.697 de 27/03/90 e 2.771 de 24/03/03.
Art. 2º - As empresas mencionadas no Artigo anterior, se comprometem a implantar, dentro do prazo previsto no Artigo 1º da Lei nº 2.771/03 os seguintes empreendimentos industriais:
I - Bruno Industrial Ltda - indústria de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral.
II - Bruno Papéis Especiais S.A. - fabricação e industrialização de papel.
[...]
Art. 5º - As empresas beneficiadas por esta Lei terão o prazo de 90 (noventa) dias para formalizar com o município o contrato de concessão de estímulos e incentivos."
Descrição | Lei nº 1.697/90 | Lei nº 2.840/03 |
Donatária | Indústria de Máquinas Bruno Ltda. | Bruno Industrial Ltda. Bruno Papéis Especiais S.A. |
Encargo | Obrigações básicas: - construir até o dia 26 de março de 1993, no referido terreno, uma indústria de papel, cartolina e papelão; - utilizar as seguintes matérias-primas: pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose; - apresentar uma produção inicial de 15 toneladas por dia; - produção final de 60 toneladas por dia. |
Implantar os seguintes empreendimentos: - indústria de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral; - fabricação e industrialização de papel. |
Oportuno, neste momento, relatar que a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. já recebeu outro imóvel da municipalidade, conforme Lei nº 1.302, de 28 de janeiro de 1983 (fls. 45 a 47 dos autos), conforme segue:
Apesar da divergência no nome empresarial das donatárias (Lei 1.697/90 e Lei 1.302/83), trata-se da mesma pessoa jurídica, conforme Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral emitido pela Receita Federal do Brasil (Anexo 2), onde verifica-se que o número de inscrição no CNPJ da empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. (Anexo 2) é o mesmo da Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda. (fl. 45 dos autos), indicando que houve uma alteração na Denominação Social da empresa.
Na doação ocorrida no ano de 1983, a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. já ficara na obrigação de montar uma indústria de máquinas, encargo este que a Lei nº 2.840/03 veio a repetir, possibilitando que a empresa utilizasse o parque fabril anterior para provar o cumprimento deste novo encargo.
Considerando que trata-se de uma nova doação, aproveita-se as mesmas observações apresentadas no item anterior.
Aponta-se novamente o entendimento desta Corte sobre o assunto, Prejulgado nº 250, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02/12/2002, através da Decisão nº 3.089/2002 exarada no Processo nº PAD-02/10566680:
Desta forma, verifica-se que o município de Campos Novos não pode realizar doação de imóvel como forma de estimular o desenvolvimento da cidade, devendo utilizar-se, sim, do instituto da concessão de direito real de uso, conforme explanado anteriormente.
Além de todas as ilegalidades que já foram apontadas em relação a doação de imóvel com o objetivo de estimular o crescimento do município, verifica-se, também, que nos termos do art. 5º da Lei nº 2.840, de 12 de dezembro de 2003, que as donatárias tinham o prazo de 90 dias para celebrar contrato de concessão de estímulos e incentivos com o município.
Referido prazo findou em 12 de março de 2004, sendo que as empresas assinaram o contrato apenas no dia 24 de março de 2004, fora, portanto, do prazo nonagesimal estabelecido pela Lei (fls. 78 a 95 dos autos).
Considerando que o Prefeito Municipal de Campos Novos, através dos contratos firmados com as donatárias citadas anteriormente (fls. 79 e 88 dos autos), efetivou a doação prevista na Lei nº 2.840/03, cabe sua responsabilização por tal ato administrativo.
(Relatório nº 1.833/2007, de Audiência, itens 2, 2.1, 2.2, 2.3 e 2.3.1)
O Responsável apresentou as seguintes justificativas:
Em sucinto ofício, fl. 146 dos autos, relatou o seguinte:
Na seqüência, fl. 147 dos autos, remeteu cópia do Ofício enviado às empresas Bruno Industrial Ltda e Bruno Papéis Especiais S/A, conforme segue:
Por sua vez, as empresas retro mencionadas, apresentaram suas alegações às fls. 148 a 151 dos autos, e nas fls. 152 a 312 juntaram uma série de documentos:
Instrumento Legal | Descrição |
Lei nº 1.697, de 27/03/1990 | Doação de um terreno à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda, com encargo a ser cumprido até o dia 26 de março de 1993 - fls. 4 e 5 dos autos |
Decreto nº 4.182, de 27/03/2000 | Concedido uma prorrogação de dois anos para que a donatária cumprisse com seu encargo previsto na Lei nº 1.697/90 - fl. 7 dos autos |
Lei nº 2.771, de 24/03/2003 | Prorrogação de mais 2 (dois) anos para a donatária cumprir o encargo previsto na Lei nº 1.697/90 - fl. 51 dos autos |
Lei nº 2.840, de 12/12/2003 | Transferiu os benefícios da Lei nº 1.697/90 para outras pessoas jurídicas - fls. 52 e 53 dos autos |
Quando o Poder Legislativo de Campos Novos, através da Lei nº 2.771, de 24 de março de 2003, pretendeu conceder um novo prazo para que a empresa cumprisse com seu encargo, na verdade, acabou realizando uma nova doação, tendo em vista que não é possível prorrogar algo que não vige, conforme razões já apontadas.
Acontece, porém, que tal doação não é mais possível dentro do nosso ordenamento jurídico, vejamos inicialmente a Lei Orgânica do Município de Campos Novos, conforme segue:
De acordo com a Lei Maior do Município de Campos Novos, de 30 de março de 1990, a doação de bens imóveis depende de licitação, na modalidade concorrência, bem como não se dá pela via da transferência da propriedade, e sim, através do instituto da concessão de direito real de uso.
A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), em seu art. 17, assim dispõe:
Portanto, considerando a Lei Orgânica do Município e a Lei de Licitações, não é possível ao município se desfazer de um bem imóvel através de uma doação, nos moldes apresentados no presente processo.
Esta Corte de Contas assim se manifestou sobre o assunto, Prejulgado nº 250, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02/12/2002, através da Decisão nº 3.089/2002, exarada no Processo nº PAD-02/10566680:
Quando da edição da Lei nº 2.840/03, quase 14 anos já haviam se passado, sem que a empresa donatária tivesse cumprido com seu encargo estabelecido na Lei nº 1.697/90.
Comparando esta Lei com a anterior, percebe-se que trata-se de uma nova doação, que não guarda nenhuma relação com a doação original, prevista na Lei nº 1.697/90, conforme quadro abaixo:
Descrição | Lei nº 1.697/90 | Lei nº 2.840/03 |
Donatária | Indústria de Máquinas Bruno Ltda. | Bruno Industrial Ltda. Bruno Papéis Especiais S.A. |
Encargo | Obrigações básicas: - construir até o dia 26 de março de 1993, no referido terreno, uma indústria de papel, cartolina e papelão; - utilizar as seguintes matérias-primas: pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose; - apresentar uma produção inicial de 15 toneladas por dia; - produção final de 60 toneladas por dia. |
Implantar os seguintes empreendimentos: - indústria de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral; - fabricação e industrialização de papel. |
Cabe repisar, que a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. já recebeu outro imóvel da municipalidade, conforme Lei nº 1.302, de 28 de janeiro de 1983 (fls. 45 a 47 dos autos), conforme segue:
Apesar da divergência no nome empresarial das donatárias (Lei 1.697/90 e Lei 1.302/83), trata-se da mesma pessoa jurídica, conforme Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral emitido pela Receita Federal do Brasil (Anexo 2), onde verifica-se que o número de inscrição no CNPJ da empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. (Anexo 2) é o mesmo da Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda. (fl. 45 dos autos), indicando que houve uma alteração na Denominação Social da empresa.
Na doação ocorrida no ano de 1983, a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. já ficara na obrigação de montar uma indústria de máquinas, encargo este que a Lei nº 2.840/03 veio a repetir, possibilitando que a empresa utilizasse o parque fabril anterior para provar o cumprimento deste novo encargo.
Considerando que trata-se de uma nova doação, aproveita-se as mesmas observações apresentadas no item anterior.
Além de todas as ilegalidades que já foram apontadas em relação a doação de imóvel com o objetivo de estimular o crescimento do município, verifica-se, também, que nos termos do art. 5º da Lei nº 2.840, de 12 de dezembro de 2003, que as donatárias tinham um prazo de 90 dias para celebrar contrato de concessão de estímulos e incentivos com o município.
Referido prazo findou em 12 de março de 2004, sendo que as empresas assinaram o contrato apenas no dia 24 de março de 2004, fora, portanto, do prazo nonagesimal estabelecido pela Lei (fls. 78 a 95 dos autos).
Considerando que o Prefeito Municipal de Campos Novos, através dos contratos firmados com as donatárias citadas anteriormente (fls. 79 e 88 dos autos), efetivou a doação prevista na Lei nº 2.840/03, cabe sua responsabilização por tal ato administrativo.
CONCLUSÃO
À vista do exposto, entende a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, com fulcro nos artigos 59 e 113 da Constituição do Estado c/c o artigo 1º, inciso III da Lei Complementar nº 202/2000, que possa o Tribunal Pleno, decidir por:
1 - CONSIDERAR IRREGULARES, na forma do artigo 36, § 2º, "a" da Lei Complementar nº 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Nelson Cruz - Prefeito Municipal no exercício de 2004, CPF 445.587.329-53, residente à Rua Exp. João Batista Almeida nº 323, CEP 89620-000, Campos Novos - SC, multa prevista no artigo 70, I, da Lei Complementar nº 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:
1.1 - Doação de um imóvel público para particulares, compreendendo um terreno de 121.000m², situado na localidade denominada Fazenda Boa Vista, no município de Campos Novos, contrariando o estabelecido no art. 17, inciso I, alínea b, da Lei nº 8.666/93, bem como o art. 12, § 1º da Lei Orgânica do Município de Campos Novos e o art. 5º da Lei Municipal nº 1.697/90 (item 1, deste Relatório);
2 - DETERMINAR ao atual Prefeito Municipal de Campos Novos a adoção de providências para que o imóvel objeto da Lei nº 1.697/90 seja revertido ao patrimônio do município, conforme estabelece o art. 5º da referida Lei, bem como seja o Tribunal de Contas comunicado acerca das medidas que forem tomadas;
3 - DAR CIÊNCIA da decisão ao Representado, Sr. Nelson Cruz e ao Representante, Sr. Idernei Antônio Titon.
É o Relatório.
DMU/DCM 6 em 24/03/2008.
Luiz Cláudio Viana
Auditor Fiscal de Controle Externo
Antônio A. Cajuella Filho Auditor Fiscal de Controle Externo
Chefe da Divisão em Exercício
De acordo.
Em, ____ / ____ / 2008.
Paulo César Salum
Coordenador de Controle
Inspetoria 2
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PROCESSO | RPA 00/05813131 |
UNIDADE |
Prefeitura Municipal de Campos Novos |
ASSUNTO |
|
ÓRGÃO INSTRUTIVO
Parecer - Remessa
Ao Senhor Auditor Relator, ouvida a Douta Procuradoria, submetemos à consideração o Processo em epígrafe.
TC/DMU, em ........./........./...............
GERALDO JOSÉ GOMES
Diretor de Controle dos Municípios
2 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 379.
3 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 1: Teoria Geral do Direito Civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 348.
4 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8. ed. rev. e atual. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 292.