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Processo n°: | CON - 08/00153952 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Presidente Nereu |
Interessado: | Vanderlei Voltolini |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG - 141/08 |
AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. CONTRATAÇÃO.
A ADI nº 2.135-4 não afetou as contratações dos agentes comunitários de saúde, uma vez que a volta da regra do regime jurídico único estatutário estabelecida pelo texto original do art. 39, caput, da Constituição Federal fica ressalvada pela norma do § 5º do art. 198 da Constituição Federal, mantendo-se, no entanto, o entendimento desta Corte de Contas firmado no Prejulgado 1867, no que tange à contratação dos referidos agentes.
Senhor Consultor,
O Prefeito Municipal de Presidente Nereu, Sr. Vanderlei Voltolini, protocolizou Consulta nesta Corte de Contas em 04/03/2008.
Consta em fs. 02, a seguinte consulta:
O município deseja criar através de Lei o "Emprego Público" para admissão de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), conforme orientação recebida no X Ciclo de Estudos, qual o posicionamento do TCE a partir da edição da ADIN (medida liminar) 2135-4?
Esta Consultoria, após analisar as preliminares de admissibilidade, passa a expor suas razões de mérito acerca dos questionamentos ora apresentados pelo Prefeito Municipal de Presidente Nereu.
II. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE
De início, mister delinear que o Consulente, na condição de Prefeito Municipal de Presidente Nereu, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).
O Regimento Interno deste Tribunal de Contas define as formalidades inerentes à Consulta, in verbis:
Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:
I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;
II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;
III - ser subscrita por autoridade competente;
IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;
V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.
Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.
§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.
Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento da Consulta, qual seja, dúvida de natureza interpretativa do direito em tese, essa merece prosperar haja vista que encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.
É importante registrar que como o processo de Consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, a resposta ora oferecida não constituiu prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo Consulente.1
Observa-se ainda que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC).
Contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer da consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ser efetuada pelo Relator e pelos demais julgadores.
Destarte, sugerimos o conhecimento da peça indagatória pelo ínclito Plenário e o encaminhamento da resposta ao Consulente.
É o relatório.
III. MÉRITO DA CONSULTA
A presente Consulta versa acerca da contratação de agentes comunitários de saúde a partir da medida liminar concedida na ADI nº 2.135-4, tendo em vista que a orientação desta Corte de Contas seria a contratação desses agentes por meio de emprego público.
Com o advento da EC nº 19/98, também chamada de reforma administrativa, dentre suas modificações relacionadas aos servidores públicos, alterou-se, em especial, o art. 39, caput, da Constituição Federal, deixando de ser necessária a fixação de regime jurídico único para todos os servidores, passando a ser possível a convivência, numa mesma esfera de governo, de mais de um regime jurídico.
O Supremo Tribunal Federal ao deferir a cautelar na ADI nº 2.135-4, suspendeu a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98 ao art. 39, caput, da Constituição Federal, até julgamento final da ação, bem como manteve a redação original do dispositivo, in verbis:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. (grifou-se)
Ademais, na decisão liminar da ADI nº 2.135-4, foi declarado o efeito ex nunc, ou seja, efeito irretroativo, não atingindo as situações jurídicas havidas entre a promulgação da EC nº 19/98 e a decisão do STF.
A respeito da época anterior à EC nº 19/98 (regime jurídico único), surgiram três correntes:
Corrente nº 2:
- caberia a cada ente da federação fazer opção pelo regime estatutário ou pelo regime trabalhista. Como principal argumento invocava-se a autonomia federativa da União, Estados, Municípios e Distrito Federal para legislar sobre seus respectivos servidores públicos
Antes da EC nº 19/98, a doutrina majoritária seguia a primeira corrente, e, conforme esta corrente, os servidores públicos da Administração Direta de todos os entes federativos deveriam ser submetidos, obrigatoriamente, ao regime jurídico estatutário.
A respeito do regime jurídico estatutário e as mudanças ocorridas no art. 39, caput, da Constituição Federal, transcreve-se parte do entendimento de Diogenes Gasparini:
Dizem, os que assim pensam, que essa nova redação, por não mais se referir a regime jurídico único, teria permitido a escolha entre o regime estatutário e o regime celetista, pois a Constituição Federal, em relação aos serviços públicos, ora menciona cargo público, ora se refere a emprego público, ainda que se pudesse afirmar a inexistência de um regime celetista puro aplicável a esses agentes públicos.
Chegamos a pensar desse modo, o que não mais ocorre. Entendemos que a nova redação não permite essa opção, quando muito estaria autorizada a simultaneidade desses regimes, na medida em que existem atividades públicas só desempenháveis com segurança, isenção e em atenção ao interesse público sob o regime estatutário; em outras palavras, onde essas preocupações não são relevantes, o desempenho poderia ser sob um vínculo celetista. Destarte, ao que nos parece, a Constituição não veda que o regime seja misto, facultando, portanto, a convivência desses dois regimes para a vinculação dos servidores públicos às entidades da Administração direta, autárquica e fundacional pública. Trata-se, desse modo, de uma opção político-administrativa do ente federado, que poderá escolher pelo regime estatutário ou misto, mas nunca exclusivamente o celetista.
[...]
Assim também pensávamos, mas mudamos o entendimento por força de relevante decisão do STF, que considerou inconstitucional o art. 39 da Constituição Federal nos termos da EC n. 19/98 e restaurou integralmente, até o julgamento do mérito, sua redação originária.
Em razão desse pronunciamento voltamos a entender possível o regime estatutário como regime jurídico único para os servidores públicos de cada uma das esferas de governo, sem esquecer da possibilidade da convivência desse regime com o celetista, conforme anteriormente dissertado (v. n. 5.3). Essa compreensão mais se reforça em razão de recente decisão do STF, que em sede de liminar suspendeu a eficácia, até o julgamento final da ADIn 2.310-1-DF, de alguns dispositivos da Lei Federal n. 9.986, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras. Dentre os dispositivos cuja eficácia restou suspensa encontra-se o art. 1º dessa lei, que prescreve: "As agências Reguladoras terão suas relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, em regime de emprego público". As agências reguladoras são autarquias especiais responsáveis por atividades cuja natureza não se afeiçoa ao regime de empregos. "De resto", afirma Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso, cit., p. 163), "isto foi o que decidiu o Min. Marco Aurélio ao suspender, em apreciação liminar, entre outros, o citado art. 1º da referida Lei 9.986, em 19 de dezembro de 2000, na ADIn 2.310-1-DF, cujo despacho firmou, de maneira irrespondível, que a natureza da atividade desempenhada pelas agências reguladoras demandava regime de cargo público e se incompatibilizava com o de emprego".
[...]
Extrai-se da Lei Maior que ao regime estatutário, em qualquer esfera governamental, submetem-se os servidores civis das entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional pública. A locução "Administração Pública direta" abarca, no âmbito federal, estadual e distrital, além do Executivo, o Legislativo, o Judiciário, o respectivo Tribunal de Contas. O mesmo se passa na esfera municipal, salvo em relação ao Judiciário, que nenhum tem.3
Por decorrência da concessão da liminar na ADI nº 2.135-4, que faz retornar a regra da exigência do regime jurídico único estatutário para os entes da Administração direta, autárquica e fundacional pública, muitos questionamentos surgiram.
No caso em tela, a dúvida versa acerca da contratação de agentes comunitários de saúde pelos municípios, posto que, conforme sugestão deste Tribunal de Contas à época, a contratação desses profissionais, tendo em vista a execução do Programa dos Agentes Comunitários de Saúde - PACS, deveria se dar por meio de emprego público (item nº 1 do Prejulgado 1867).
Diante do que foi visto, a Administração direta, para desempenhar suas atribuições típicas de Estado, deve manter com seus servidores relação jurídica estatutária.
Porém, com o intuito de viabilizar a contratação de agentes comunitários de saúde foi promulgada a EC nº 51/06, que acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 198 da Constituição Federal, que segue:
Art. 198. [...]
§ 4º. Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. (Incluído pela Emenda Constitucional n 51, de 2006)Corrente nº 1:
- o único regime possível seria o estatutário. Essa posição sustentava que em razão de existir atividades que só poderiam ser exercidas por servidores estatutários (atividades exclusivas de Estado, como magistratura e fiscalização, por exemplo), a unicidade imposta pelo art. 39 afastaria qualquer outro regime jurídico diferente do estatutário;
Corrente nº 3:
- a exigência da unicidade do regime não impedia que fosse adotado o regime estatutário para certas atividades estatais e o regime trabalhista para outras. Assim, a determinação do art. 39 acarretava a impossibilidade de atividades idênticas terem regimes jurídicos diversos em diferentes pessoas jurídicas do mesmo ente federativo. Assim, se determinada atividade era submetida ao regime estatutário na Administração Direta, deveriam ser estatutários todos os servidores que realizassem a mesma função. Contudo, entendia-se que o regime mais adequado para a função pública era o unilateral estatutário, ao passo que o regime trabalhista seria mais indicado para atividades materiais subalternas.2
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. (Incluído pela Emenda Constitucional n 51, de 2006)
Logo após a Emenda, foi publicada a Lei nº 11.350/06, regulamentando o § 5º acima transcrito. E, segundo o que dispõe esta Lei, em seus arts. 8º e 14, os municípios poderão optar entre a criação de cargos ou empregos públicos, a saber:
Art. 8º. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.
Art. 14. O gestor local do SUS responsável pela contratação dos profissionais de que trata esta Lei disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade, observadas as especificidades locais.
Aparentemente, a ADI nº 2.135-4 provocou uma antinomia entre o texto original do art. 39, caput (Poder Constituinte Originário) e o art. 198, §§ 4º e 5º (Poder Constituinte Derivado), ambos da Constituição Federal.
Todavia, segundo Alexandre de Moraes, "a emenda à Constituição Federal, enquanto proposta, é considerada um ato infraconstitucional sem qualquer normatividade, só ingressando no ordenamento jurídico após sua aprovação, passando então a ser preceito constitucional, de mesma hierarquia das normas constitucionais originárias".4
In casu, apenas uma das normas prevalecerá e será a do art. 198, §§ 4º e 5º, da CF, haja vista que trata exclusivamente dos agentes comunitários de saúde, deixando de preponderar, neste particular, a norma do art. 39, caput, da Constituição Federal.
Conforme visto, não há hierarquia entre normas constitucionais, mas sim uma hierarquia valorativa, a fim de que haja uma solução justa para o caso concreto.
Portanto, conclui-se que em regra os entes da Administração direta, autárquica e fundacional pública, devem submeter, obrigatoriamente, os seus servidores ao regime jurídico único, ressalvada a contratação efetivada com base em legislação editada antes da suspensão provocada pelo ADI nº 2.135-4 e a contratação dos agentes comunitários de saúde, que conforme art. 198, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal, tem seu regime jurídico disposto pela Lei Federal nº 11.350/06.
Cabe ainda ressaltar, que o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul publicou em seu Diário Eletrônico a seguinte ementa:
PARECER Nº 25/2007. CONSULTA. ADI 2135-4. Deferida parcialmente medida cautelar para suspender a eficácia do art. 39, caput, da CF, com a redação dada pela EC 19/98. Efeitos ex nunc (sic). Restabelecimento do Regime Jurídico Único Estatutário. EC 51/2006. Efeitos quanto à situação dos Agentes Comunitários de Saúde - ACS e Agentes de Combate às Endemias - ACE. Possibilidade de exceção quanto ao regime jurídico e quanto ao processo de seleção. Subsistência - caso editada - de legislação nos termos do dispositivo da EC 19/98, ora declarado suspenso.
AUTOR: Auditora Substituta de Conselheiro Rozangela Motiska Bertolo.
DECISÃO: Acolhido pelo Tribunal Pleno em 13-02-2008. (Disponível em: <https://www.tce.rs.gov.br/de/anteriores/de-v-20080314-20080317.pdf> Acesso em: 04/04/2008)
Destarte, a ADI nº 2.135-4 não afetou as contratações dos agentes comunitários de saúde, uma vez que a volta da regra do regime jurídico único estatutário estabelecida pelo texto original do art. 39, caput, da Constituição Federal, fica ressalvada pela norma do § 5º do art. 198 da Constituição Federal, mantendo-se, no entanto, o entendimento desta Corte de Contas firmado no Prejulgado 1867, no que tange à contratação dos referidos agentes.
Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Salomão Ribas Junior que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Exmo. Prefeito Municipal de Presidente Nereu, Sr. Vanderlei Voltolini, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:
1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.
2. Responder a consulta nos seguintes termos:
2.1. A ADI nº 2.135-4 não afetou as contratações dos agentes comunitários de saúde, uma vez que a volta da regra do regime jurídico único estatutário estabelecida pelo texto original do art. 39, caput, da Constituição Federal fica ressalvada pela norma do § 5º do art. 198 da Constituição Federal, mantendo-se, no entanto, o entendimento desta Corte de Contas firmado no Prejulgado 1867, no que tange à contratação dos referidos agentes.
3. Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno deste Tribunal de Contas;
4. Dar ciência desta decisão, do Parecer COG - 141/08 e Voto que a fundamenta ao Prefeito Municipal de Presidente Nereu, Sr. Vanderlei Voltolini.
COG, em 09 de abril de 2008.
JULIANA FRITZEN
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
GUILHERME DA COSTA SPERRY
Coordenador de Consultas
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2008.
Consultor Geral 2
MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. A volta do regime jurídico único no âmbito da Administração Pública brasileira. Fórum Administrativo - Direito Público - FADM, Belo Horizonte, n. 83, ano 8 jan. 2008. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=51758> Acesso em: 01 abr. 2008. 3
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 173/203. 4
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 592.
IV. CONCLUSÃO
Em consonância com o acima exposto e considerando:
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
1
MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362