ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 08/00321685
Origem: Prefeitura Municipal de Florianópolis
RESPONSÁVEL: Angela Regina Heinzen Amin Helou
Assunto: Processo -TCE-01/04501146 + DEN-TC9720409/95 + REC-08/00321502
Parecer n° COG 366/08

Recurso de Reconsideração. Administrativo. Incorreta Aplicação de Multa. Grave Infração.

Grave Infração prevista na Lei Orgânica do Tribunal de Contas, ensejadora de aplicação de multa decorrerá sempre da prática de comportamentos típicos, antijurídicos e voluntários, que causem um dano, patrimonial ou extra-patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito

Regularidade da Atuação. Comodato. Desapropriação. Norma Reguladora.

É irregular a construção de prédio ou qualquer outra benfeitoria pela Administração Pública, em área cedida por particular em regime de comodato, constituindo ofensa ao princípio da legalidade quando existe norma determinando a desapropriação ou compra do imóvel.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Tratam os autos de manifestação recursal interposta contra o Acórdão 0425/2008, prolatado no Processo TCE - 104501146, deliberação proferida na sessão ordinária do dia 24/03/2008, razões recursais firmadas pela recorrente, Senhora, Angela Regina Heinzen Amin Helou, ex-Prefeita Municipal de Florianópolis, autuado nesta Corte de Contas como Recurso de Reconsideração, protocolo nº 011157, com data de 13/05/2008, com o objetivo de ver modificado o acórdão proferido que aplicou multa a recorrente, fixando as penalidades na forma a seguir transcrita:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, por maioria de votos, em:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Fundação Municipal de Meio Ambiente e Prefeitura Municipal de Florianópolis, com abrangência sobre a construção da sede administrativa do Parque Municipal da Lagoa do Peri - exercícios de 1996 a 2000.

6.2. Aplicar às Responsáveis abaixo discriminadas, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. à Sra. ÂNGELA REGINA HEINZEN AMIN HELOU - ex-Prefeita Municipal de Florianópolis, CPF n. 293.167.159-20, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em face da instalação da Sede do Parque Lagoa do Peri sobre a área de terra pertencente a particulares sem a tomada de providências para a desapropriação, uma vez que estavam presentes os requisitos de utilidade e interesse públicos diante da escolha do imóvel para a referida construção, em desacordo com o art. 46 do Decreto (municipal) n. 91/82, o qual dispõe que as áreas indispensáveis à implantação do Parque, tal como a área escolhida para a implantação da sua Sede, deveriam ser desapropriadas, acrescentando-se que a mesma está inserida dentro da Área de Preservação Permanente - APP, destacada como área de Lazer pelos arts. 10 e 11, VI, da Lei (municipal) n. 1.828/81 (item 4.4 do Parecer DAE).

6.2.2. à Sra. ELISABETH AMIN HELOU VIECELI - ex-Diretora-Superintendente da FLORAM, CPF n. 246.457.889-49, as seguintes multas:

6.2.2.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face de informes contábeis não fidedignos do Razão Analítico da conta contábil n. 532/0 212.01.01, cujo documento não evidencia a realidade dos atos e fatos contábeis, permitindo interpretação errônea dos resultados econômicos e financeiros, infringindo os arts. 83, 85 e 89 da Lei (federal) n. 4.320/64, aos princípios constitucionais da legalidade e moralidade pública, além do princípio contábil da oportunidade, prescrito na Resolução CFC n. 750/93, arts. 1º e 6º (item 5 do Parecer DAE);

6.2.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), pelo pagamento das despesas relacionadas às Notas de Empenho ns. 07/98, 31/97, 95/98, 96/98, 165/98 e 166/98, notas estas anuladas após o pagamento da despesa ao fornecedor, caracterizando burla ao controle orçamentário, e sendo que tais despesas foram novamente empenhadas através das Notas de Empenho ns. 275 a 279/98, em data posterior à efetiva realização e ao pagamento da despesa, caracterizando despesa sem prévio empenho, infringindo os arts. 4º, 12, § 1º, 60, 63, § 2º, e 144 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 5 do Parecer DAE).

6.3. Determinar ao Sr. DÁRIO ELIAS BERGER - Prefeito Municipal de Florianópolis, que, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação desta deliberação:

6.3.1. tome as providências necessárias à incorporação ao patrimônio municipal da área onde está instalada a Sede da Administração do Parque da Lagoa do Peri, de acordo com o mapa fornecido pela FLORAM, a fim de cumprir com o determinado pelo art. 46 do Decreto (municipal) n. 91/82, c/c os arts. 10 e 11, VI, da Lei (municipal) n. 1828/81, bem como pelos arts. 11 da Lei (federal) n. 9.985/00 e 12 da Lei (estadual) n. 11986/2001;

6.3.2. realize a transferência de domínio do terreno matriculado sob n. 16.609 perante o Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis, do ex-proprietário Sr. Carlos Santana Mambrini para a Prefeitura Municipal de Florianópolis.

6.4. Determinar à Diretoria de Atividades Especiais - DAE, deste Tribunal, que adote providências visando à verificação do atendimento das determinações constantes do item 6.3 desta deliberação, procedendo à realização de diligências, inspeção ou auditoria que se fizerem necessárias.

6.5. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Parecer DAE n. 08/07, ao Denunciante no Processo n. DEN-9720409/95, aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação e à Prefeitura Municipal de Florianópolis.

Esse é o relatório.

PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE.

O recurso foi proposto pelo recorrente e autuado pela Secretaria Geral desta Corte de Contas como Recurso de Reconsideração, a teor do disposto no artigo 77 da Lei Complementar 202/2000, que determina:

Art. 77. - Cabe recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.

No que tange aos pressupostos de admissibilidade da peça recursal, considerando o princípio da ampla defesa, o recorrente é parte legítima para o manejo do recurso na modalidade de Reconsideração, fazendo-o, de forma tempestiva, considerando-se o disposto na parte final do artigo 77, que determina a contagem do prazo a partir da publicação da decisão que ocorreu no dia 11/04/2008, sexta feira, e o presente recurso foi protocolado no dia 13/05/2008, atendendo o prazo estabelecido.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, sugere-se o conhecimento do recurso proposto.

DISCUSSÃO

A recorrente manifesta o seu inconformismo em relação à multa que lhe foi aplicada no item 6.2.1 do acórdão recorrido, buscando afastar a penalidade que lhe foi aplicada, argumentando primeiramente quanto ao mérito, e ainda, mesmo sem nominar como questão preliminar suscita a inaplicabilidade da penalidade por falta de definição legal.

Para a presente análise abordar-se-á por primeiro a questão da aplicação das multas em face do disposto na Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado, para após dirimida a dúvida de interpretação do dispositivo legal, adentrar no mérito da matéria tratada.

1) Preliminar Suscitada. Incorreta Aplicação de Multa. Grave Infração.

Grave Infração prevista na Lei Orgânica do Tribunal de Contas, ensejadora de aplicação de multa decorrerá sempre da prática de comportamentos típicos, antijurídicos e voluntários, que causem um dano, patrimonial ou extra-patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito.

Após transcrever os dispositivos legais em que a multa que lhe foi aplicada sustenta-se, a recorrente desenvolve argumentação buscando afastar a aplicabilidade da multa afirmando resumidamente que para a aplicação de multa necessário se faz a regulamentação pelo Tribunal de Contas do que consiste "grave infração a norma legal", sem o que não é possível a aplicação de multa, o que torna o dispositivo legal não auto aplicável, ou de eficácia limitada, pela ausência de regulamentação.

A questão formulada pela recorrente não é nova nesta Corte de Contas, e tanto as análises paradigmas, quanto as decisões proferidas sobre a matéria não emprestam eco aos argumentos apresentados pela recorrente, conforme se verifica por exemplo no processo REC 03/06217392, onde preliminar de mesma natureza foi afastada, acolhendo o constante do Parecer COG 740/06, assim ementado.

Art. 70, II, da LC-202/00. Grave infração. Multa. Exegese.

O artigo 70, II, da LC-202/00 tem aplicação imediata. A "grave infração" possui um conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento.

Acatando a sugestão contida no Parecer COG 740/06, o relator ao proferir o seu voto acerca do tema, sustentou a aplicabilidade da multa sem que fosse necessário haver regulamentação definidora do que consiste "grave infração a norma legal" aduzindo estudo anterior elaborado pela Consultoria Geral, que por oportuno ora se transcreve:

No que tange à auto-aplicabilidade do art. 70, II, da LC n. 202/00, valho-me dos estudos elaborados no Parecer n. COG-86/04 (Processo n. REC-01/01914458), abaixo transcrito, para afastar o argumento trazido pelo Recorrente:

"[...] Com efeito, leciona a doutrina, com muita propriedade, que os poderes e deveres atribuídos ao Administrador Público, quando no exercício de suas funções, são estabelecidos pela lei, pela moral administrativa e pela supremacia do interesse público; indicando, assim, que todas as prerrogativas e sujeições a ele conferidas, só poderão ser exercidas dentro dos limites por aqueles impostos.

De outra via, o ordenamento jurídico, frente ao dinamismo do processo de produção das leis e regramento das relações sociais, ao prescrever condutas ou comandos permite no texto legal a existência de expressões gerais e, a princípio, indeterminadas, a fim de propiciar ao aplicador da norma uma maior flexibilidade no enquadramento da situação fática à regra jurídica.

Tal situação, longe de configurar uma legitimação de arbitrariedades no exercício de competências ou fragilidade ao princípio da segurança jurídica, almeja tão-só contemplar inúmeras situações censuradas pelo ordenamento, a partir da definição de parâmetros mínimos que possibilitem aos destinatários pautarem suas condutas. Além disso, uma prévia definição pelo legislador - federal, estadual ou municipal -, das hipóteses reprovadas pelo mundo jurídico, poderia implicar uma limitação na atuação do julgador quando do exame do caso concreto. Por outro lado, poder-se-ia, erroneamente, interpretar que somente os casos a priori delineados seriam passíveis de punição ou rejeição jurídico-social, encontrando-se, os demais, autorizados tacitamente pelo ordenamento.

Por conseguinte, a "grave infração", contida em vários artigos da Lei Complementar nº 202/00 e do Regimento Interno deste Tribunal, não fugindo à regra semântica adotada por outras normas jurídicas, inclusive as de caráter penal, também permitiu ao julgador deste órgão que no desempenho de sua competência constitucional, pudesse atuar, legalmente, com certa maleabilidade.

Assim sendo, "grave infração" decorrerá sempre da prática de comportamentos típicos, antijurídicos e voluntários, que causem um dano, patrimonial ou extrapatrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito.[...]"

Improcede pois a preliminar suscitada.

2) Do Mérito - Regularidade da Atuação. Comodato. Desapropriação. Norma Reguladora.

É irregular a construção de prédio ou qualquer outra benfeitoria pela Administração Pública, em área cedida por particular em regime de comodato, constituindo ofensa ao princípio da legalidade quando existe norma determinando a desapropriação ou compra do imóvel.

No tocante ao mérito a recorrente busca afastar a multa que lhe foi aplicada alegando a regularidade da ação praticada, a presença da finalidade pública, a conveniência do ato praticado, a continuidade administrativa, sempre cumprindo o objetivo primordial em defesa do interesse público.

Transcreve-se dos argumentos apresentados pela recorrente o que segue:

O motivo precípuo que ensejou o julgamento irregular da matéria em análise na presente Tomada de Contas Especial, consoante se depreende da leitura do v. acórdão, consiste na não desapropriação de área particular localizada no Parque Municipal da Lagoa do Peri, onde foi construída sua sede.

A área onde atualmente se localiza a sede administrativa do Parque Municipal foi mantida sob posse da Municipalidade mediante instrumento de comodato celebrado com o proprietário, o qual nunca se insurgiu contra esta atuação.

As finalidades do Parque e também daquela área onde foi construída a sede, estão sendo e sempre foram cumpridas fielmente, sempre em prol do interesse público e da preservação do meio ambiente, tal como reconheceu o I. Parquet junto a este E. Tribunal, razão pela qual a matéria não merecia julgamento irregular, muito menos ensejar multa à Recorrente.

A r. decisão recorrida está se apegando demasiadamente à forma e a que título a Municipalidade estava ocupando a área localizada no Parque da Lagoa do Peri do que propriamente ao cumprimento das finalidades do local e as ótimas atuações ocorridas naquele espaço.

[...]

Assim é que a Recorrente não pode se conformar com dita decisão, que privilegia a formalidade em detrimento do conteúdo; o isolamento de uma única norma a toda a sistemática jurídica, sem levar em consideração o interesse público e o meio ambiente, razão que enseja a interposição do presente recurso.

[...]

Independentemente da titularidade e propriedade das áreas de lazer do Parque, é fato que sua finalidade atine-se somente à edificação de equipamentos públicos necessários à consecução do próprio Parque, sendo que em Florianópolis, o órgão público competente para tais atribuições é a FLORAM.

Neste tocante, cumpre tecer que o uso da área de lazer do Parque da Lagoa do Peri já tinha sido objeto de deliberação entre a Sociedade Padre Antônio Vieira e a Municipalidade de Florianópolis, muito entes de a Requerente assumir seu primeiro mandato de Prefeita.

Como o próprio relatório de auditoria reconhece durante toda a instrução dos autos, a Municipalidade de Florianópolis ingressou com ação expropriatória, da qual desistiu futuramente, em virtude da celebração de um acordo com a já mencionada Sociedade, em maio de 1986, cuja homologação ocorreu judicialmente, nos autos do processo nº 09/85.

Por razões que não podem ser justificadas pela Recorrente, uma vez que somente se tornou Prefeita em 1997, portanto, dez anos depois do ocorrido, a Prefeitura desistiu da desapropriação e celebrou contrato de comodato com a sociedade Padre Antônio Vieira, para o suo da área do Parque.

[...]

Significa dizer que a Municipalidade poderia usufruir, gozar e usar a gleba objeto do comodato, inicialmente por 10 (dez) anos, sem ter nenhuma contra-partida pecuniária, o que, "de per si", já demonstra a vantajosidade do contrato. A prefeitura não teve que pagar nada ara o uso da área objeto do contrato de comodato, o que não ocorreria numa desapropriação, em que a indenização deve ser prévia.

[...]

Após a decorrência de quase dez anos da celebração do termo de comodato da área, em junho de 1996, o então Prefeito, Sr. Sérgio José Grando, firmou o convênio MMA/FNMA nº 36/96 com a União, por intermédio do Ministério do Meio Ambiente, para a instalação da sede do Parque da Lagoa do Peri naquela área.

Novamente a questão foge da alçada de justificativa da Recorrente, uma vez que quando assumiu seu primeiro mandato, tanto o contrato de comodato, quanto o convênio para construção da sede do Parque, já estavam celebrados e assinados por seus antecessores, sem que tivesse qualquer tipo de participação.

O uso da área era legítimo e plenamente cabível, nos termos do ordenamento jurídico, sendo que o cumprimento da finalidade da área, que já era definida no termo de comodato e consistente na edificação da sede do Parque, se tornou viável mediante a celebração de um convênio com a União, culminando em um repasse de verbas federais para tanto.

[...]

A função da Recorrente foi dar continuidade ao processo que já tinha sido iniciado em 1986, efetuando então a prorrogação do contrato de comodato por mais 10 (dez) anos e o convênio federal até 28 de abril de 1998.

Veja que a atuação da Recorrente foi inteiramente lícita e calcada na legislação vigente à época, sem a menor caracterização de ilegalidade, imoralidade ou pessoalidade, As finalidades almejadas nesta atuação voltavam-se exclusivamente ao interesse público.

[...]

A edificação da sede na área objeto do comodato nada possui de ilegal ou ilegítimo, além de não caracterizar nenhum favorecimento ao particular possuidor da área. A sociedade Padre Vieira nunca recebeu nenhum centavo ou nenhum benefício em troca do uso da área pela Municipalidade, já que esta característica é essencial a esta espécie de contrato.

[...]

Ao invés de ser questionada a atuação da Requerente e seus antecessores, a decisão ora recorrida deveria ter julgado regular a matéria, enaltecendo as escolhas e atitudes adotadas, ante a preservação do interesse coletivo em todos os sentidos, do interesse público e acima de tudo, do meio ambiente.

Portanto, considerando que: a) o uso da área do contrato de comodato atingiu sua finalidade especifica; b) as verbas municipais e repassadas pela União foram corretamente utilizadas na edificação da sede administrativa do Parque; c) a prestação de contas do convênio com o Ministério do Meio Ambiente foi aprovada; d) a FLORAM e o Parque da Lagoa do Peri estão cumprindo suas finalidades precípuas, mantendo a preservação do meio ambiente, exatamente como exige a Constituição Federal, e e) não houve nenhum dano ao Erário, muito pelo contrário, apenas preservação de verbas públicas o mais rigorosamente possível; a decisão ora recorrida deve ser reformada, para se julgar regular a matéria.

A auditoria realizada que deu origem ao acórdão atacado tinha como objeto de análise a denúncia formulada pela Associação dos Moradores da Lagoa do Peri, que apontavam como fato, o resumido no Parecer nº 08/07, folhas 183 do processo de conhecimento onde está descrito o que segue:

[...]tendo como objeto o fato da Prefeitura Municipal de Florianópolis, por meio da Fundação Municipal do Meio Ambiente - FLORAM, ter utilizado recursos públicos para a realização de benfeitorias em terreno particular cuja área estava inserida no território do Parque Municipal da Lagoa do Peri.

Reclama a Associação que tais obras poderiam ter sido realizadas em outro terreno desapropriado pela municipalidade na região.

A instrução em seu trabalho conclusivo da análise dos fatos denunciados e contemplando a defesa apresentada pela recorrente na fase cognitiva do processo, no item 4.4 do parecer conclusivo asseverou o que ora se transcreve:

De acordo com o afirmado anteriormente, a área objeto de comodato está localizada na área de lazer do Parque, conforme preconizado no art. 10 e 11, inc. VI, da Lei n. 1828/81, sendo escolhida pela Prefeitura Municipal para ser a sede do Parque da Lagoa do Peri.

Contudo, em contraposição ao que dispõe o art. 46 do Decreto Municipal n. 91/82, norma cujo objeto foi regulamentar a Lei acima mencionada em conformidade ao artigo 15 desta, a Prefeitura Municipal, na gestão da Prefeita Ângela Regina Heinzen Amin Helou, realizou todo o procedimento para a construção da sede e sua efetiva execução sobre o terreno de particular cedido sob a forma de comodato, conforme pode se retirar das prorrogações do convênio MMA/FNMA nº 33/96 até 28 de abril de 1998, bem como pela prorrogação do comodato da área em tela.

Tal procedimento contraria o exposto no art. 46 do Decreto Municipal nº 91/82, que tem como escopo a determinação de que as terras sob o domínio de particulares cuja aquisição fosse indispensável para implantação do Parque, seriam declaradas de utilidade pública para fins de desapropriação ou compradas pelo exercício do direito de preferência.

Embora a defesa alegue que não era obrigada a agir desta forma, com fundamento no artigo 1248 do CC/1916, a situação em análise não se constitui num caso geral da administração, mas sim num fato específico em que se visualiza a imperiosa necessidade de desapropriação da área em que se localiza a sede do Parque da Lagoa do Peri, escolhida pela própria administração.

A conveniência e oportunidade da administração se esgotou ao escolher a área em que seria construída a sede. Não foram os outros prefeitos que erigiram a obra, realizando os procedimentos administrativos, e sim a administração durante a titularidade da Sra. Ângela Regina Heinzen Amin Helou. A partir do momento em que aquele local foi escolhido para receber a administração do Parque, deveria a Prefeitura proceder à desapropriação.

A desapropriação, deveras, é uma forma extrema de intervenção no domínio privado, mas no caso em tela, plenamente justificável, tanto que o terreno extremante foi desapropriado posteriormente para se constituir em estacionamento.

Não há que se alegar que o artigo 46 do Decreto Municipal nº 091/82 é construído de forma facultativa. O seu texto não abre margem a tal interpretação, sendo o seu verbo afirmativo. Senão vejamos;

"As terras sob o domínio de particulares cuja aquisição foi indispensável para a implantação do Parque, serão declaradas de utilidade publica para fins de desapropriação ou compradas pelo exercício do direito de preferência, na forma da Lei nº 1202/74 (fls 139)." (grifo do original).

Ademais, não há que se alegar que o terreno já estava destinado a área de lazer do Parque, não necessitando de desapropriação, porquanto o contrato de comodato previu em sua cláusula quinta, a reversão de todos os bens para a Prefeitura, que arcaria com todos os custos da retirada dos bens. (fls. 21).

[...]

Por este motivo, deve ser mantida a sugestão para aplicação de multa prevista na Lei Complementar nº 31/90, vigente à época dos fatos, a ex-prefeita Ângela Regina Heinzen Amin Helou em virtude do descumprimento do art. 46 do Dec. Mun. nº 91/82, que regulamentou os arts. 10, 11, inc. VI e 15 da Lei Municipal nº 91/82, por não ter desapropriado a área em que foi construída a sede do Parque da Lagoa do Peri.

A Procuradoria junto ao Tribunal de Contas na oportunidade em que se manifestou sobre o processo, Parecer MPTC nº 8223/2007, (fls. 215/218), não acatou a sugestão da instrução entendendo que não deveria ser aplicada a multa sugerida pelas razões expostas no referido parecer.

O Relator do processo, Auditor Gerson dos Santos Sicca, lavrou o voto aprovado pela maioria dos Membros do Colegiado, de onde cumpre destacar o que segue:

Independentemente de não ter emergido dos autos eventual prejuízo ao erário, com o que concordo com posicionamento final da instrução, já que a sede do parque vem sendo utilizada para os fins previstos no convênio, não há como deixar de constatar a irregularidade devido a não realização da desapropriação da área onde foi instalada a sede do Parque.

Se por um lado o Administrador Público supostamente tenha cumprido seu dever de proteger o meio ambiente com a edificação da Sede do Parque da Lagoa do Peri, evitando maiores gastos ao erário municipal - primeiro por não ter que pagar indenização ao proprietário do terreno já que ao invés de realizar a desapropriação efetuou um contrato de comodato e, segundo, por ter realizado convênio com a União para obtenção de recursos financeiros para a construção da sede do Parque - não se pode olvidar que seus atos deveriam ser regidos pelo princípio da legalidade, ou seja, caberia ao Administrador fazer exatamente aquilo que a lei determina.

E de acordo com o art. 46 do Decreto Municipal 91/82, as terras cuja aquisição foi indispensável para a implantação do Parque "serão declaradas de utilidade pública para fins de desapropriação ou compradas pelo exercício do direito de preferência". Portanto, não há como negar a omissão pela ausência da expropriação e da incorporação do imóvel ao patrimônio público, devendo a multa ser aplicada.

Ademais, o comodato em apreço garante o uso da área pelo Município por tempo determinado, situação que não se pode considerar satisfatória, diante da necessidade permanente de uma sede e da existência de bem imóvel construído no local. A desapropriação ou a compra com o exercício do direito de preferência, portanto, são as medidas adequadas para a correta solução da questão, medidas essas prudentemente previstas pelo legislador no art. 46 do Decreto Municipal nº 91/82.

A bem da verdade a recorrente não nega o não atendimento do disposto no artigo 46 do Decreto Municipal nº 91/82, embora procure de todos os modos justificar o não cumprimento da disposição normativa, fato que não é o objeto central da aplicação da multa, a qual decorre do não atendimento ao princípio da legalidade, ou seja, o modo que foi realizada a operação, muito embora não tenha dado causa a dano ao erário não está acobertada pela regra legal reguladora.

Ademais, o entendimento desta Corte de Contas, manifestado no Prejulgado 1564, vai ao encontro do acórdão atacado, emprestando-lhe legitimidade, em face a coerência da regra estabelecida.

Assevera o referido Prejulgado 1564 o que segue:

Não é recomendável ao ente público celebrar contrato de comodato com entidade religiosa visando à construção de praça pública em imóvel particular, em razão da natureza jurídica dessa espécie de empréstimo. Na espécie cabe a doação ao Poder Público ou a desapropriação do imóvel.

Para melhor ilustrar a situação confrontada pela recorrente traz-se do Parecer COG 165/04, que sustenta o mencionado Prejulgado, da lavra do Auditor de Controle Externo, Hamilton Hobus Hoemke, o seguinte argumento:

A Administração Pública quando contrata, celebra contrato privado ou administrativo, ambos porém, designados contratos da Administração.

O que distingue um do outro é a forma de atuar a Administração como parte na relação contratual. Se se equipara em direitos e deveres ao outro contratante, incidindo como regra a nortear o contrato o Código Civil ou o Código Comercial, a Administração celebra um contrato privado.

Se de modo contrário a Administração se arroga em direitos consignados em cláusulas que extrapolam a órbita do direito comum, fazendo prevalecer a supremacia que lhe é inerente face ao interesse público, firma um contrato administrativo.

O contrato de comodato, como o de locação, são típicos contratos de direito civil, regidos exclusivamente pelo direito privado, o que impele a Administração à observância de suas regras, sem assinalar qualquer privilégio na relação contratual. Se obriga ela integralmente aos termos do contrato em paridade de direitos e deveres impostos a um particular que se colocasse em sua condição como parte.

O Código Civil Brasileiro, Lei Federal nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, estabelece nos arts. 1.248 e seguintes o regramento do comodato e dentre eles destaca-se:

"Art. 1251. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos."

Como firmatária de um contrato de comodato a Administração se obriga a manter em condições de uso as coisas a ela repassadas por esse meio, contudo, há que se questionar: a despesa realizada não careceria de uma autorização específica, indicando a fonte de recursos ou; quiçá a própria formalização do empréstimo não deveria ser antecedida de um permissivo legal, já que redunda em compromisso que pode ocasionar despesa pública?

A resposta a tais questões, trarão, acredita-se, a solução para a consulta.

Preliminarmente, não se pode olvidar que apesar de se estar tratando de um contrato privado, escudado no Código Civil Brasileiro, uma das partes in casu, é um ente público e como tal, sua ação, desconsiderada a relação estabelecida entre os contratantes, deve estar amparada em princípios e normas do direito público.

Portanto, o próprio firmamento do contrato, sobretudo por suas implicações, por trazer para a Administração a responsabilidade de zelo, manutenção e guarda da coisa cedida em comodato merece se dar cingido à lei; em outras palavras, a ação pretendida deve observância ao princípio da legalidade, pois, não há que se depositar na discricionariedade administrativa a possibilidade de formalização de contrato de comodato, mister se faz a norma permissiva.

O comodato representa uma forma de acesso a bens que normalmente são adquiridos pela Administração pagando o melhor preço apurado em processo licitatório, quando necessário, considerando o objeto e seu valor.

A cessão descontrolada de bens à Administração, por empréstimo gratuito pode gerar uma situação embaraçosa na medida em que o excesso dessa prática levaria ao desconhecimento dos meios postos à Administração para a prestação de serviços, com o gravame de ficar a Administração na dependência da posse dos mesmos, o que, dada a natureza do contrato de comodato é precária.

Neste aspecto é oportuno salientar como princípio vetor do serviço público o funcionamento contínuo. A Lei 8.987/95 - concessão de serviço público - indica a continuidade e a regularidade entre as condições do serviço adequado.

Conforme assere Hely Lopes Meirelles1, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) considera como básico do usuário a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral (art. 6º) e, em complemento, obriga o Poder Público ou seus delegados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, dispondo sobre os meios para o cumprimento daquelas obrigações e a reparação dos danos.

Destarte, fica evidente que a própria essência do serviço público exige meios próprios para a sua prestação de forma continuada, e a insegurança de se contar com bens cedidos em comodato, cuja posse é incerta, não condiz com a necessária permanência da prestação do serviço.

A lei tida como imprescindível deverá autorizar e delinear as condições para a formalização do contrato, dentre elas o prazo de vigência e a fonte de custeio de despesas com manutenções necessárias que eventualmente ocorram em razão do comodato.

O permissivo legal não pode ser apontado como uma amarra à celebração de contratos dessa natureza pela Administração, obstando a utilização graciosa de bens, mas sim como uma forma de garantir e prevenir o cumprimento do contrato, assegurando meios e recursos de zelar e manter a coisa dada em comodato e principalmente, explicitar o interesse público na recepção de um bem para emprego em benefício da Administração ou dos administrados.

Nesta senda, vale ressaltar que sem supedâneo normativo autorizando e estabelecendo as condições para a efetivação do contrato, resta evidente a impossibilidade de se programar no orçamento os gastos, por exemplo, com a manutenção de bens cedidos em comodato, pois pairaria sob a Administração a incerteza de quais, quantos e por quanto tempo indeterminados bens se submeteriam ao seu uso, posto que são estranhos ao patrimônio público.

Mais tranqüilo e seguro para a Administração seria a obtenção da propriedade dos bens que pessoas físicas ou jurídicas de direito privado pretendem ceder em comodato, procedendo, portanto, a doação dos bens. Assim, o intento pretendido pelo comodante seria atingido, qual seja, auxiliar a Administração instrumentalizando-a para melhor prestar serviços públicos. Por outro lado, com a doação, ter-se-ia superado o problema envolto com a manutenção dos bens, que passariam a ser públicos.2

De acordo com o parecer supratranscrito, a utilização do instrumento de comodato para o empréstimo de bem imóvel particular para que nele a municipalidade construa praça pública, não é recomendável, pois não traz a necessária tranqüilidade e segurança para a Administração Pública. Melhor seria, conclui o parecer, a doação de bens.

Diante das razões expostas sugere-se a manutenção da multa aplicada.

CONCLUSÃO

Ante o exposto sugere ao Relator que em seu voto propugne a Pleno para:

Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, interposto contra o Acórdão 0425/2008, exarado na Sessão Ordinária do dia 24/03/2008, nos autos do processo nº TCE - 01/04501146, para, no mérito, negar-lhe provimento para:

1) Manter na íntegra a decisão proferida.

2) Dar ciência desta decisão, assim como, do Parecer e Voto que a fundamenta, a Senhora, Ângela Regina Heinzen Amin Helou, ex-Prefeita Municipal de Florianópolis.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral


1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000. Pág. 305.

2 SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Processo de Consulta nº CON-00/04866983. Rel. Auditor Evângelo Spyros Diamantaras. Origem: Polícia Militar de Santa Catarina. Consulente: Cel. Walmor Backes. Parecer nº COG-696/2000. Parecerista: Dr. Marcelo Brognoli da Costa.