TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

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PROCESSO

DEN 05/00791821
   

UNIDADE

Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul
   

RESPONSÁVEIS

Sr. Irineu Pasold - Prefeito Municipal (Gestão 2001/2004) e

Sr. Moacir Antônio Bertoldi - Prefeito Municipal (Gestão 2005/2008)

   
INTERESSADOS Sr. Rafael de Assis Horn - Presidente da Comissão de Moralidade Pública da OAB/SC, em exercício no ano de 2005 e

Sr. Adriano Zanotto - Presidente da OAB/SC em exercício no ano de 2005

   
ASSUNTO Denúncia acerca de irregularidades na aquisição de imóvel sem licitação, respectivo contrato e despesas conseqüentes realizadas em 2004/2005 - Reinstrução
   
RELATÓRIO N° 1.815/2008

INTRODUÇÃO

Cumprindo as atribuições de fiscalização conferidas ao Tribunal de Contas pela Constituição Federal, art. 31, pela Lei Complementar nº 202, de 15/12/2000, art. 65, §§ 1º ao 5º e pela Resolução nº TC 16/94, a Diretoria de Controle dos Municípios procedeu a audiência dos Responsáveis com vistas à apuração de irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul.

Tratam os autos de inspeção decorrente da manifestação do Egrégio Plenário deste Tribunal, em sessão de 11/07/2005 (fl. 70), Decisão nº 1.677/2005, que determinou a adoção de providências para apuração dos fatos denunciados.

A Decisão foi proferida em razão das irregularidades denunciadas, quando o Processo mereceu apreciação da Diretoria de Controle dos Municípios, através do Relatório de Admissibilidade nº 593/2005, de 25/05/2005 (fls. 61 a 63 dos autos).

Assim sendo, realizou-se Inspeção in loco, entre os dias 12 a 16 de dezembro de 2005, conforme Of. TCE/DDR nº 18.708/2005 (fl. 89), para verificação de irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul.

Os trabalhos foram confiados aos Srs. Sandro Luiz Nunes (Coordenador), e Najla Saida Fain.

Das ações de inspeção procedidas, originou-se o Relatório de Inspeção nº 123/2008, constante às fls. 352 a 365 dos autos, propugnando recomendação no sentido de proceder-se a Audiência dos Responsáveis em razão do cometimento de irregularidades conforme conclusão do referido relatório.

Os Srs. Moacir Antônio Bertoldi e Irineu Pasold receberam, em 12/03/2008 e 11/03/2008, respectivamente, o Relatório supra descrito comprovado pelos Avisos de Recebimento (AR-MP) nº's RC211170451BR e RC211170448BR, cujos prazos para defesa expiraram em 11/04/2008 e 10/04/2008.

O Sr. Moacir Antônio Bertoldi, através do Ofício s/nº, datado de 10/04/2008, protocolado neste Tribunal sob o nº 8587, em 10/04/2008, requeriu prorrogação de prazo por mais 30 (trinta) dias, pedido deferido pelo Relator do processo em 15/04/2008.

Assim sendo, de forma tempestiva, o Sr. Moacir Antônio Bertoldi, através do Ofício s/n.º, datado de 12/05/2008, protocolado neste Tribunal sob n.º 11098, em 13/05/2008, apresentou justificativas sobre as restrições anotadas no Relatório supracitado.

Apesar da comprovação do recebimento do Relatório supra descrito pelo Aviso de Recebimento (AR-MP), o Sr. Irineu Pasold não apresentou justificativas, motivo pelo qual a restrição que lhe cabe fica mantida nos termos iniciais.

II - DA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

Por força dos artigos 1º e 2º, da Resolução TC nº 10/2007, de 26 de fevereiro de 2007, que altera a estrutura e as competências dos órgãos auxiliares do Tribunal de Contas de Santa Catarina e artigo 1º, Inciso I, alínea "b" e III da Portaria nº TC 136/2007, de 27/02/2007 o presente processo foi encaminhado à Diretoria de Controle dos Municípios.

III - DA REINSTRUÇÃO

Procedida a reinstrução, a vista dos esclarecimentos prestados e dos documentos remetidos, apurou-se o que segue:

a) Dos procedimentos para aquisição da sede da Administração Pública Municipal

Em 20/01/2004, o Ex-Prefeito de Jaraguá do Sul, Sr. Irineu Pasold, publicou um "Edital de Chamamento" (fls. 91) para aquisição de um imóvel para a instalação da sede da Administração Pública Municipal destinada às suas atividades precípuas, contendo as seguintes especificações: Terreno plano contendo área contígua de 30.000 m2 até 50.000 m2, localizado num raio de até 5.000 m a contar do marco do IBGE – "Marco Zero"- situado na Praça Ângelo Piazera, nesta cidade, situado em zona mista diversificada – ZMD, contendo edificação ou edificações em alvenaria com área mínima de 10.000 m2 até o máximo de 20.000 m2, em bom estado de conservação/manutenção, devendo as propostas serem apresentadas até 30/01/2004, contendo Carta de Apresentação do proponente constando os dados de identificação, endereço completo e telefone para contato, dados de descrição do imóvel acompanhada da matrícula atualizada e declaração de que concorda com a eventual vistoria do imóvel.

Citado "Edital de Chamamento" baseava-se nos artigos 24 e 26 da Lei nº 8.666/93; foram realizadas 03 publicações em jornal de circulação estadual, nos dias 20, 21 e 22/01/2004 e no mural da Prefeitura Municipal entre os dias 20/01 à 02/02/2004 (fls. 92/95).

Às fls. 112, consta a Ata de Reunião de abertura dos envelopes apresentados ao edital de chamamento, datada de 02/02/2004, consignando que a única empresa interessada, que apresentou documentação de identificação, foi a Empresa Marisol S.A.

Em 03/02/2004, o então Prefeito à época, Sr. Irineu Pasold, designou através da Portaria n° 060/2004 (fls. 115), os servidores públicos municipais Sólon Carlos Schrauth, Clarice Lúcia Nardi Coral e Humberto José Travi para comporem a Comissão Especial de Análise e Julgamento do processo de "dispensa de licitação" para aquisição do imóvel destinado à sede da administração pública municipal.

Através da Ata de Reunião de avaliação da habilitação ao edital de chamamento para compra de imóvel para instalação da sede da administração municipal (fls.116), a comissão especial, em 04/02/2004, julgou aceitável o imóvel da empresa Marisol S/A, pois atendia as exigências mínimas do edital.

Somente em 13 de fevereiro de 2004 (ou seja, após o mesmo ter sido aceito pela Comissão de avaliação, já em 04/02/2004), a Empresa Marisol S/A apresentou sua proposta financeira (fls.119) para venda do imóvel ofertado, no valor de R$ 8.250.000,00 à vista, ou R$ 8.500.000,00 à prazo, nas seguintes condições:

-Março/2004: R$ 2.000.000,00

Abril a dezembro/2004: R$ 1.800.000,00, em 09 parcelas de R$ 200.000,00.

Janeiro e fevereiro /2005: R$ 400.000,00, em 02 parcelas de R$ 200.000,00

Março/2005: R$ 2.500.000,00

Abril a dezembro/2005: R$ 1.800.000,00, em 09 parcelas de R$ 200.000,00

-Com reajuste pela TJLP (Taxa de Juros a Longo Prazo) + 6% a.a pagos mensalmente, juntamente com o principal, incidente sobre o saldo devedor (Sistema BNDES).

-Atraso igual ou superior a 30 dias nos pagamentos, multa de 2% sobre as parcelas vencidas e juros de 1% ao mês.

-Escritura com reserva de domínio até quitação integral do valor.

O parecer exarado pela Procuradora adjunta do Município (fls.121/128), à época, Sra. Lucélia Lessmann, era no sentido de que havia possibilidade de adquirir o referido imóvel, com fundamento no artigo 24, X da Lei de Licitações, desde que o imóvel fosse destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização se condicionassem a sua escolha, e que o preço fosse compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia. Também, poderia o administrador optar pela desapropriação regulada pelo Decreto Federal nº 3.365/41. Juntou, ainda, pareceres da Zênite Consultoria e do Centro de Consultoria Pública/SC Ltda- CECOP, a fim de respaldar suas considerações. Ou seja, exarou parecer nada conclusivo.

Em 26/02/2004, a Comissão Especial de avaliação do referido imóvel, solicitou à Empresa Marisol S/A (fls. 134) que apresentasse Prova de Regularidade relativa à Previdência Social – INSS (CND); Prova de Regularidade com o FGTS; Certidões Negativas de Ações de Direito Real sobre o imóvel ofertado, emitidas pela Justiça Estadual e Federal. A mesma apresentou as devidas certidões, com algumas restrições (fls. 146/159).

A Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, através da Empresa Geitran Consultoria e Planejamento, em março de 2004, obteve uma avaliação econômico-financeira de investimento para aquisição de uma sede para a administração municipal (fls.160/165), onde a citada empresa considera que ficou demonstrada a ampla vantagem para a Prefeitura em adquirir o imóvel que ocupa atualmente como sede da administração pública, sobre a que pressupõe a transferência para outras instalações, mediante pagamento de aluguel, devendo ser observada a disponibilidade de recursos para a implementação da compra da sua sede própria, posto que a aquisição do imóvel implica em desembolsos mensais maiores nos próximos dois anos.

Diante disto, a Secretaria de Gestão do Município de Jaraguá do Sul, às fls. 166/167, apresentou uma declaração para fins da legalidade e autorização da despesa com aquisição do imóvel para a sede da Administração Municipal, nos termos do inciso II do artigo 16 da LC 101/2000, afirmando que estas estão previstas no Orçamento Fiscal vigente - Lei Municipal nº 3.325/2003 e alterações - existindo previsão de dotação e de recursos suficientes para atender as despesas, objeto deste projeto. Declarou, também que são compatíveis com o Plano Plurianual 2002/2005 - e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias – Lei Municipal n° 3.499/2003 e alterações.

Na oportunidade seguinte, o ex-Prefeito Municipal, declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação amigável, através do Decreto Municipal n° 5.128/2004, de 30/04/2004 (fls.168/169), o imóvel de matrícula R.3-13.110, de propriedade da Empresa Marisol S/A - Indústria do Vestuário, localizado na Rua Walter Marquardt, Bairro Barra do Rio Molha, perímetro urbano, que passaria a integrar o patrimônio público municipal na categoria de bem de uso público especial. Destaca-se que as despesas decorrentes deste ato seriam cobertas por dotação própria do orçamento vigente: Secretaria de Gestão – Divisão de Patrimônio e Serviços Gerais- Centro Administrativo Municipal - Inversões Financeiras - Aplicações Diretas - Aquisição de imóveis, no montante de R$ 3.376.000,00. Alude ainda o Decreto de desapropriação que o saldo remanescente deverá ser contemplado no orçamento dos exercícios subseqüentes.

Na seqüência, foi aprovada a Lei Municipal n° 3.562/2004, também datada de 30/04/2004 (fls. 173), autorizando o Município de Jaraguá do Sul a adquirir da Empresa Marisol S/A Indústria do Vestuário, o bem imóvel já citado no Decreto Municipal n° 5.128/2004, no valor de R$ 8.150.000,00. Menciona a Lei, ainda, que a aquisição dar-se-ia por escritura pública de compra e venda, mediante processo de desapropriação amigável homologado no valor de R$ 1.776.000,00 no ato da assinatura da escritura pública de compra e venda e o saldo corrigido na mesma data pela TJLP-Taxa de Juros a Longo Prazo - e juros de 7% a .a. ,amortizado até o montante de R$1.600.000,00 no exercício de 2004 e o resto em até 14 parcelas mensais e sucessivas, vencendo a primeira em 10/01/2005 e as demais 30 dias após.

Na data de 04/05/2004, o Município de Jaraguá do Sul firmou um "Termo de Compromisso de Desapropriação amigável à compra e venda" do imóvel citado(fls. 174).

Ademais, o imóvel em destaque, de propriedade da Empresa Marisol S/A, encontrava-se locado para a própria Prefeitura Municipal, desde 1997, conforme contrato, termos aditivos e comprovantes de despesas anexas (fls.181/235), o que confirma o interesse do Município em adquirir este mesmo imóvel. Incompreensível o Município ter optado por uma situação inexistente, juridicamente, como o "chamamento" para adquirir um imóvel , sendo que já dispunha do mesmo através da locação e que portanto tinha total interesse em adquiri-lo, existindo outros meios legais para isto, mas preferiu utilizar-se de uma fraude para finalmente comprar o mesmo imóvel.

Perante estas narrativas, passamos às seguintes considerações:

a) O Município de Jaraguá do Sul realizou a publicação de um "Edital de Chamamento", figura esta com base nos artigos da dispensa licitatória, da Lei 8.666/93. Todavia, esta Lei não contempla, dentre as suas modalidades de licitações, esta de "chamamento", um tanto extravagante.

Destacamos diversas irregularidades:

- Aquisição de imóvel através de uma modalidade inexistente no mundo jurídico, pois não se sabe se o processo iniciou-se por dispensa licitatória, por outra modalidade, ou apenas foi realizada uma desapropriação. Observou-se uma grande confusão entre todas estas situações, já que ora citava-se compra e venda de imóvel, ora indenização pela desapropriação, ora dispensa licitatória, conforme artigo 24, inciso X da Lei nº 8.666/93, enfim, figuras incompatíveis.

O § 8º do artigo 22, da Lei de Licitações assim fixou:

Assim sendo, não cabe à Administração Municipal "produzir" modalidade licitatória que não existe.

Na verdade, conforme prescreve o artigo 2° da Lei de licitações:

O imóvel adquirido pela Administração pública de pessoa jurídica de direito privado, como no caso em tela, está sujeito às normas estabelecidas pela Lei nº 8.666/93, ou ainda, ao que prescreve o artigo 5° , XXIV da CF (desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro).

Para a caracterização da necessidade de desapropriação de um imóvel determinado por utilidade pública, não haveria motivos para que se solicitassem outras propostas de terrenos que satisfizessem as exigências da administração. Se somente um terreno preenche os requisitos para a consecução de um projeto de necessidade ou utilidade pública, inútil realizar-se "chamamentos" ou valer-se de instrumentos equivalentes. Mas o que ficou evidente, é que havia a possibilidade de outros imóveis atenderem as solicitações da administração municipal, portanto, indispensável a realização de processo licitatório, para a garantia da observância do princípio constitucional da isonomia e para selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, conforme define o artigo 3°, do Estatuto Federal de Licitações e Contratos.

Nesta hipótese, nem mesmo a dispensa licitatória era possível, uma vez que as necessidades de instalação e localização NÃO condicionavam a escolha do imóvel, conforme apregoa o inciso X, do artigo 24 da Lei nº 8.666/93.

Consoante a estas constatações, salienta-se o fato de que (conforme já citado anteriormente), toda esta transação com a Empresa Marisol S/A para aquisição de um imóvel diante de um "Edital de Chamamento", pode ser considerada fraudulenta, já que o Município de Jaraguá do Sul possuía, desde julho/1997, com a referida empresa, um contrato de locação de n° 72/97, desta mesma área (fls. 181/183), cujo aluguel inicial era de R$ 19.500,00, sujeito a reajustes anuais pelo IGPM ou outro índice oficial que venha a substituí-lo, com edificações de alguns prédios, onde o Município (locatário) comprometeu-se, inclusive, em instalar sistema de climatização neste imóvel. Em 09/12/1998, firmaram o 1° Termo Aditivo n° 223/98 ao Contrato n° 072/97, acrescendo ao objeto da locação outras áreas (um terreno com 1.748,71 m2, destinado para estacionamento de 65 veículos da municipalidade, e um prédio com 858,07 m2 para abrigar o CMEI Carlos Emmendorfer), bem como reajustando o valor do contrato para R$ 22.443,10 (fls. 184/185). Em 30/08/1999, foi celebrado o 2° Termo Aditivo n° 168/99, acrescendo ao objeto da locação uma área compreendendo um campo de futebol suíço, área contígua à sede da Prefeitura Municipal, sem qualquer acréscimo financeiro (fls. 186). Pelo 3° Termo Aditivo, estabelecido em 24/04/2000, ficou excluída da locação, constante do contrato nº 072/97 e seus aditivos, o terreno com área de 1.748,71 m2, neste mesmo endereço, destinado ao estacionamento de 65 veículos , cujo valor correspondia a R$ 702,39, a partir de 01/04/2000 (fls. 187). Portanto, o valor do contrato original e seus aditivos passa a ser R$ 22.036,78 pelo prédio da sede administrativa do Município e R$ 1.512,84 pelo imóvel ocupado pela Creche Carlos Andrei Emmendorfer, perfazendo um total de R$ 23.549,62 mensais.

Em suma, apesar do Município ter efetuado vários atos em prol da desapropriação, esta ficou descaracterizada por razões como: a publicação de um edital de chamamento solicitando propostas de imóveis com atributos definidos, demonstrando que outros poderiam cumprir plenamente os anseios da administração para a consecução de uma sede municipal e a ausência de depósito prévio judicial do valor da indenização. Notou-se um total desconhecimento por parte da administração, à época, no que tange as possibilidades de aquisição do referido imóvel. Se possuíam a intenção de obter o imóvel, que inclusive já o conheciam, pois o ocupavam, por locação, havia 07 anos, porque não desapropriá-lo, conforme os mandamentos legais, ou ainda, adquiri-lo através de dispensa licitatória, devidamente justificada e dentro dos ditames da Lei nº 8.666/93, já que finalmente compraram o mesmo imóvel, só que através de um meio inexistente na esfera jurídica? A burla aos meios adequados, ou o total desconhecimento das normas jurídicas atinentes à situação, vieram em prejuízo da própria administração, que na tentativa de não perder este imóvel, desprezou a Lei de licitações. Desta forma, só caberia a realização do devido processo formal de licitação, na modalidade concorrência, já que não foram preenchidos os requisitos necessários para a desapropriação ou para a dispensa licitatória.

O ilustre mestre Hely Lopes Meirelles nos traz alguns ensinamentos sobre "Aquisição de bens pela Administração", vejamos:

O Tribunal de Contas do Estado já se manifestou em outra oportunidade, no sentido da obrigatoriedade de realização do processo licitatório para aquisição de bem imóvel, no Parecer COG 366/97, do Município de Itapiranga, Processo nº 0013504/79:

A dispensa licitatória, também aventada pelo Município, ou melhor, os artigos da Dispensa Licitatória que foram mencionados no "Edital de chamamento" não cabem na situação em tela, por não se enquadrar no inciso X, do artigo 24 da Lei nº 8.666/93.

Do texto legal, extrai-se os seguintes requisitos para a caracterização da hipótese de dispensa:

a) a operação pretendida deve ser a compra ou locação de imóvel pela Administração;

b) o imóvel deve ser destinado a atender as finalidades precípuas da Administração;

c) o imóvel deve apresentar características que sejam efetivamente relevantes para a escolha;

d) o imóvel deve ser o único capaz de satisfazer o interesse público;

e) o preço deve ser compatível com os praticados no mercado.

Dentre este elenco de requisitos extrai-se que a ausência de competição é exigência legal da letra "d". Se, nos termos do dispositivo, as características "condicionam" a escolha de um determinado imóvel, significa que não deve haver outro com os mesmos atributos. Neste sentido, assevera Marçal Justen Filho:

Logo, esta hipótese de dispensa licitatória estaria descartada.

Pelo exposto, registra-se a seguinte restrição:

a .1 - Aquisição de imóvel, no valor de R$ 8.150.000,00, para instalação da sede administrativa municipal de Jaraguá do Sul, sem o devido processo licitatório, tendo sido mencionadas diversas formas incompatíveis de aquisição numa mesma figura: desapropriação, dispensa licitatória e compra e venda, onde ao final, assinaram um Termo de Compromisso de Desapropriação amigável à compra e venda do objeto contratual, em dissonância com o artigo 2º da Lei nº 8.666/93, que determina a realização de processo licitatório, sujeitando a administração à cominação de multa, disposta no artigo 70, II da Lei Complementar nº 202/2000, por prática de ato de gestão ilegal e antieconômico.

(Relatório nº 123/2008 - da Inspeção "in loco" - Audiência item a.1)

Considerações da Instrução:

O Responsável por esta restrição, Sr. Irineu Pasold, não apresentou suas justificativas, portanto, mantém-se a restrição na sua íntegra.

b) Das despesas realizadas com a aquisição do imóvel da sede administrativa do Município de Jaraguá do Sul, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal

O Município de Jaraguá do Sul adquiriu da Empresa Marisol S/A, o imóvel, onde atualmente está estabelecida a sede administrativa municipal, sendo que para tanto contraiu obrigações de despesas a partir de 04/05/2004, data da assinatura do "Termo de Compromisso de Desapropriação amigável" (fls.174/180), que não puderam ser cumpridas integralmente naquele exercício, ou seja, as demais parcelas seriam pagas no exercício seguinte.

O artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, apregoa que :

Por conseguinte, o Município não poderia comprometer-se por mais de um exercício com estas despesas sem disponibilidade orçamentária e financeira, conforme documentação anexa (fls.326 ).

A cláusula quarta do citado termo de compromisso assentou as seguintes condições de pagamento do imóvel:

- 01 parcela de entrada no valor de R$ 1.776.000,00, no ato da assinatura da escritura pública de compra e venda e transcrição no registro de imóveis.

- O saldo devedor sofreria correção na mesma data pela TJLP- Taxa de Juros de Longo Prazo e juros de 7% a .a., amortizado até o montante de R$ 1.600.000,00 no exercício de 2004.

- O resto do valor, observado o disposto no item 4.1.2 do mesmo termo, será amortizado e pago em até 14 parcelas mensais e sucessivas, vencendo a primeira em 10/01/2005 e as demais 30 dias após, observado o disposto no item seguinte.

- O pagamento da parcela vincenda em data de 10/04/2005 será no valor, de no mínimo, R$ 2.274.000,00.

Tendo em vista as diversas dificuldades que a atual administração tem tido em cumprir as obrigações assumidas pela gestão anterior, a mesma firmou o Primeiro Termo Aditivo n° 146/2005 ao Termo de Compromisso n° 145/2004 de Desapropriação amigável entre o Município de Jaraguá do Sul e a Empresa Marisol S/A (fls.314/315).

Na cláusula primeira, da Renegociação, no item 1.2., o Município reconheceu o saldo devedor de R$ 5.414.980,11, comprometendo-se a pagar o valor, nas seguintes condições, onde será aplicada a TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo pré-fixada em 9,75%, mais juros de 6% ao ano, em substituição ao índice anteriormente convencionado de 7,0% ao ano, sendo que o valor total obtido é de R$ 6.774.945,12.

No item 1.3. determinaram que : Este saldo devedor será pago em 36 parcelas, iguais, mensais e sucessivas, todas com vencimento no dia 10 de cada mês, cada uma no valor fixo de R$ 188.192,92, cujos vencimentos ficam definidos como sendo a partir da presente data, 09/05/2005, (1a a 4a. parcela) e dezembro/2007 (36a. parcela).

Para o item 1.4. ficou consignado que: Em razão da existência de débito relativamente às parcelas inadimplidas até a presente data (09/05/2005), referente aos meses de janeiro/2005 (1a. parcela) a abril/2005 (4a. parcela), cujo valor total corresponde a R$ 752.771,68, o pagamento deste valor será efetuado de forma integral no ato da assinatura do presente termo aditivo - 09/05/2005, estipulando como multa, em caso de inadimplemento deste valor, o equivalente a 2%.

No que tange ao item 1.5. : Que as demais parcelas mencionadas no item 1.3., com vencimentos programados para 10 de maio de 2005 em diante (5a. parcela), até 10 de dezembro de 2007 (36a. parcela), deverão ser quitadas conforme o pactuado neste termo aditivo, especialmente o que pertine ao prazo, uma vez que a obtenção das mesmas resultou da aplicação da TJLP pré-fixada em 9,75%, mais juros de 6% ao ano, consoante já explicitado no item 1.2., acima mencionado.

Para o item 1.6. disciplinaram que: Para caso de inadimplemento das parcelas vincendas a partir do dia 10 de maio de 2005, inclusive, será aplicado o índice de 2% a título de multa moratória, bem como a fração de 0,0333% para cada dia de atraso, sendo ambos os índices calculados sobre o valor nominal de cada parcela de R$ 188.192,92.

Relativo ao item 1.7., determinaram que: Durante o período de vigência deste termo aditivo, ou seja, de maio de 2005 a dezembro/2007, caso ocorra variação da TJLP, seja positiva ou negativa, em relação ao índice que aqui foi livremente ajustado pelas partes e pré-fixado em 9,75% ao ano, tal variação, caso verificada, não se constituir-se-á em possibilidade para pedido de revisão, ou mesmo para pedido de suplementação ou de abatimento dos valores aqui definidos para nenhuma das partes, sob hipótese alguma.

Na Cláusula segunda deste termo aditivo, no item 2.1., foi explicitada a dotação orçamentária que daria suporte a estas despesas: natureza da despesa: 3.2.90.00 – Juros e Encargos da Dívida e 4.6.90.00 – Amortização da dívida.

No item 2.2., ficou declarado que o saldo remanescente deveria ser contemplado no orçamento dos exercícios subseqüentes.

Diante do explanado, confirmou-se que efetivamente o Município realizou um endividamento bastante além de suas possibilidades, sem contar que não possuía autorização legislativa para proceder à renegociação da dívida em pauta. Ou seja, o que inicialmente parecia bastante vantajoso para a administração, tornou-se uma grande dívida sem fim, não tendo respaldo financeiro para cobri-la.

Esta Corte de Contas tem se manifestado sobre o assunto em tela, senão vejamos:

O Município de Jaraguá do Sul, além de não possuir autorização legislativa para promover renegociação de dívida, muito mais para este porte, ajustou encargos financeiros correspondentes a atrasos e ao próprio parcelamento, extremamente superiores ao acordado inicialmente, que já não conseguiram cumprir, ou seja, em bases desvantajosas para o erário público, demonstrando a má aplicação dos recursos financeiros, evidenciando as conseqüências da não realização de um certame licitatório adequado, com definições benéficas ao Município, sujeitando, portanto, o administrador , ao reembolso de valores pagos a maior à pessoa jurídica de direito privado, decorrente de irregularidade administrativa e à responsabilização pela má gestão.

Diante do exposto, registra-se a seguinte restrição:

b.1. - Renegociação de dívida do Município com Empresa Privada, através de pagamento parcelado computando encargos financeiros que extrapolam o suporte orçamentário e financeiro existente, sem o devido consentimento legislativo, contrariando o disposto no artigo 42 da LRF, bem como submetendo o administrador aos ditames do artigo 70 da Lei Complementar nº 202/2000, ou seja, aplicação de multa.

(Relatório n.º 0123/2008, de inspeção "in loco" - Audiência item b.1)

O Responsável, Sr. Moacir Antônio Bertoldi, apresentou as seguintes justificativas:

"Em 10 de maio de 2004, o imóvel em questão foi adquirido por Escritura Pública de Desapropriação Amigável lavrada na f. 056/056v, Livro 82- D do Tabelionato de Notas da Cidade de Jaraguá do Sul, e Re-Ratificação lavrada na f. 129 do mesmo Livro e Tabelionato, pertinente ao imóvel constante da matrícula n. 13.110 do Oficio do Registro de Imóveis da Comarca de Jaraguá do Sul (documento anexo).

No que diz respeito a forma de pagamento a desapropriada manifestou expressamente a sua concordância com o valor da indenização, parceladamente, conforme comprovam os dois termos de desapropriação amigável que integram os autos.

Em 10 de dezembro de 2007, os representantes legais da empresa Marisol S.A. declaram expressamente a quitação total do débito relativo a Escritura Pública de Desapropriação lavrada na f. 056/056v, Livro 82- D do Tabelionato de Notas da Cidade de Jaraguá do Sul, e Re-Ratificação lavrada na f. 129 do mesmo Livro e Tabelionato, pertinente ao imóvel constante da matrícula n. 13.110 do Oficio do Registro de Imóveis da Comarca de Jaraguá do Sul.

O caso dos autos é a legalidade do processo de aquisição de bem imóvel, por desapropriação amigável, no último quadrimestre de que trata o artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para melhor compreensão da matéria oportuno tecer alguns comentários a respeito do procedimento adotado pelo Município de Jaraguá do Sul, para aquisição do bem.

Segundo a Lei Orgânica do Município de Jaraguá do Sul:

Art. 4 ° - Ao Município de Jaraguá do Sul compete:

1 - dispor sobre assuntos de interesse local, desenvolvendo plenamente suas funções sociais, proporcionando o bem-estar de seus habitantes, cabendo-lhe entre outras, as seguintes atribuições:

(-..)

6. adquirir bens, inclusive através de desapropriação por necessidade, utilidade pública ou por interesse social;

Art. 7° - Cabe à Câmara, com sanção do Prefeito, dispor sobre as matérias de competência do Município e especialmente:

1 - legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive suplementando a legislação federal e estadual;

(..)

X - autorizar a aquisição de bens imóveis;

Art. 71 - Ao Prefeito compete privativamente:

(••)

IX - expedir decretos, portarias e outros atos administrativos;

Art. 90 - A Administração Municipal, direta ou indireta, obedecerá aos

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e transparência.

§ 4° - Os atos administrativos de competência do Prefeito devem ser

expedidos com obediência às seguintes normas:

1- Decreto, numerado em ordem cronológica, nos seguintes casos:

e) declaração de utilidade pública ou necessidade social, para fins de desapropriação ou de servidão administrativa;

A aquisição do bem, também, está autorizada pela Lei Municipal n° 3.562/2004 de 30 de abril de 2004, abaixo transcrita:

Art.1 ° Autoriza o Município de Jaraguá do Sul a adquirir da empresa MARISOL S.A. INDUSTRIA DO VESTUÁRIO o bem imóvel constante da matrícula R.3-13.110, do CRI desta comarca, contendo uma área total de terreno de 35.482,22m2 e área total construída de 12.266,95m2, que passará a integrar o patrimônio público municipal na qualidade de bem de uso público especial, no valor de R$ 8.150.000, 00 (Oito milhões, cento e cinqüenta mil reais).

Parágrafo único. A aquisição dar-se-á por escritura pública de compra e venda mediante processo de desapropriação amigável homologado em Juízo.

Art.2° O preço total será pago em uma parcela de entrada no valor de R$ 1.776.000, 00 (Hum milhão, setecentos e setenta e seis mil reais) no ato da assinatura da escritura pública de compra e venda e o saldo corrigido da mesma data pela TJLP - Taxa de Juros de Longo Prazo e juros de 7% a.a (Sete por cento ao ano), amortizado até o montante de R$ 1.600.000,00 (Hum milhão e seiscentos mil reais) no exercício de 2004 e o resto em até 14 (quatorze) parcelas mensais e sucessivas, vencendo a primeira em 10/01/2005 e as demais 30 (trinta) dias após.

Art.3° As despesas decorrentes da presente Lei correrão por conta de dotação orçamentária própria do Orçamento vigente e subsequentes.

Art.4° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Em ato seqüencial, foi editado o Decreto n° 5.128/2004, de 30 de abril de 2004, para o fim de declarar de Utilidade Pública para fins de desapropriação amigável, o bem imóvel constante da matrícula R.3-13.110, do CRI desta comarca, contendo uma área total de terreno de 35.482,22m2 e área total construída de 12.266,95m2, situado à Rua Walter Marquardt, bairro Barra do Rio Molha, perímetro urbano, neste Município, de propriedade de MARISOL S.A. INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO.

O interesse público a ser almejado é a aquisição de sede governamental própria, sendo que as necessidades de instalação da Administração e a sua localização condicionaram a sua escolha.

Além disso, o imóvel destina-se ao atendimento das finalidades precípuas da Administração; restou realizada avaliação prévia; e o preço é compatível com o valor de mercado.

O estudo de viabilidade econômico-financeiro que integra os autos demonstrou a ampla vantagem em se adquirir o imóvel ora referido; e que o preço ofertado pelo imóvel, conforme avaliação técnica realizada, está de acordo com o preço de mercado.

Logo de plano, constata-se que, a aquisição para compor a sede administrativa do Município enquadra-se na hipótese de dispensa de licitação expressamente prevista no inciso XV do art. 24 da Lei n° 8.666/93, cujo texto assinala o seguinte:

Art. 24. É dispensável a licitação:

XV - para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.

A contratação direta encontra lugar nas situações em que houver somente um imóvel cujas características atendam aos interesses da Administração, pelo que, a rigor jurídico, está-se diante da hipótese já prevista no inciso 1 do artigo 25 da Lei n° 8.666/93, relativa à inexigibilidade provocada pela exclusividade do bem, o que é o caso.

De fato, só é lícito comprar ou locar imóvel cujas necessidades de instalação e de localização condicionem a sua escolha, nos termos do inciso X do artigo 24 da Lei n° 8.666/93.

Em relação ao tema, JOEL DE MENEZES NIEBUHR já se manifestou da seguinte forma:

"O inciso X do artigo 24 da Lei n° 8.666/93 declara que a licitação é dispensável "para comprar ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e de localização condicionem a sua escolha, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado".

Esse é um dos dispositivos - aos quais foi feito referência - que, em vez de dispensa, consignam hipóteses de inexigibilidade. Note-se que só é licito comprar ou locar imóvel cujas necessidades de instalação e de localização condicionem a escolha. Portanto, se a Administração quiser comprar ou locar imóvel em região central de determinado município e existirem vários imóveis que podem atender aos seus propósitos, é inevitável proceder á licitação pública. A contratação direta encontra lugar nas situações em que houver somente um imóvel cujas características atendam aos interesses da Administração, pelo que, a rigor jurídico, está-se diante da hipótese já prevista no inciso I do artigo 25 da Lei n° 8.666/93 relativa à inexigibilidade provocada pela exclusividade do bem.

Ora, em sentido contrário, se houvesse vários imóveis, todos prestantes aos propósitos da Administração, não há a mínima justificativa para contratar diretamente. Como visto, o legislativo não recebeu do constituinte espécie de carta branca para dispensar de licitação o que bem ou mal lhe aprouvesse. Antes disso, só lhe é licito criar hipótese de dispensa em face de situações em que a realização de licitação imporia prejuízo ou gravame ao interesse público.

Nesse quadro, é patente que realizar licitação para comprar ou locar imóvel não implica prejuízo ou gravame algum, por isso, o legislador não agrega competência para qualificar como dispensa casos desse naipe, que, se fossem criados, forçosamente ensejariam o reconhecimento de desvio de poder legislativo, que é espécie de inconstitucionalidade. Então para evitar tachar de inconstitucional o dispositivo em preço, é imperioso interpretá-lo conforme a Constituição, para o efeito de reconhecera ele incidência somente nos casos em que o imóvel visado pela Administração desfrute de características que o singularize, ainda que, para tanto, seja inevitável admitir trata-se de hipótese de inexigibilidade, não de dispensa.

Em síntese: reputa-se o inciso X do artigo 24 da Lei n° 8.666/93 como espécie de inexigibilidade, tudo porque só é aplicável para a compra ou locação de bens cujas características os singularizem, pois - como exprime o propósito texto legal - as necessidades de instalação da Administração e a sua localização condicional a sua escolha. Por isso tributo a isso, uma vez reconhecido tratar-se de inexigibilidade, o que importa é motivar a singularidade, perdendo importância os demais requisitos estampados no inciso em causa.

Esses demais requisitos são os seguintes: a) o imóvel deve se destinar ao atendimento das finalidades precípuas da Administração; b) seja realizada avaliação prévia; c) e o preço seja compatível com o valor de mercado.

A respeito do primeiro requisito, há de se ponderar que a finalidade de órgão administrativo é definida por lei, sempre com vista a contemplar o interesse público. O fato é que não há finalidade precípua em contraposição a finalidade acessória. Ou o órgão foi incumbido de aportar a dadas finalidades e, por ilação, tudo o que for relacionado a isso é legítimo, inclusive a compra ou locação de bens imóveis por meio de contratação direta; ou ao órgão não foi atribuída finalidade e, então ele não pode fazer nada que vise a ela, sob pena de desvio de poder. Dessa sorte, condicionar a contratação direta ao fato de o imóvel se destinar ao atendimento das finalidades precípuas da Administração não traz utilidade alguma, porque, em sentido oposto, ela não poderia comprá-lo ou locá-lo de modo nenhum mesmo por meio de licitação pública, haja vista que, só por isso, já estaria in correndo em desvio de poder.

Quanto aos demais requisitos, não há o que se impugnar. A Administração, antes de comprar ou locar imóvel, deve avaliá-lo, justamente para evitar que se pague por ele valor acima do praticado no mercado." (Dispensa e inexigibilidade de licitação pública. São Paulo: Dialética, 2004. P. 303-305)

Extrai-se do trecho destacado que, para ser legítima a operação pretendida, devem, portanto, ser respeitados os seguintes pressupostos: (a) o imóvel deve se destinar ao atendimento das finalidades precípuas da Administração; (b) seja realizada avaliação prévia; (c) e o preço seja compatível com o valor de mercado.

É isso que se extrai da orientação editada pela Consultoria Zênite, a respeito do assunto. Confira-se:

"Quais requisitos devem estar presentes para a caracterização da hipótese de dispensa prevista no art. 24, inc. X, da Lei n° 8.666/93?

RESPOSTA: Veja-se o dispositivo mencionado:

"Art. 24 É dispensável a licitação:

(.)

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia; "

Do texto legal retiram-se os seguintes requisitos para a caracterização da hipótese de dispensa:

    a) a operação pretendida deve ser compra ou locação de imóvel pela Administração

    b) o imóvel deve ser destinado a atender às finalidades precípuas da Administração

    c) o imóvel deve apresentar características que sejam efetivamente relevantes para a escolha;

    d) o imóvel deve ser o único capaz de satisfazer o interesse público;

    e) o preço deve ser compatível com os praticados no mercado.

    No tocante à letra "b", é necessário esclarecer que "finalidade precípua" da Administração é sua atividade-fim, essencial, aquela que fundamenta sua existência e em função da qual se desenvolvem todas as demais atividades. O dever de licitar estará afastado apenas se o imóvel for destinado a atendê-la, subsistindo em relação aos demais casos.

    Em vista da letra "c", cabe atentar que as especificações de instalações e localização devem ser sempre justificáveis e, a rigor, estar atreladas ao desempenho da atividade precípua. Salvo se forem realmente imprescindíveis à satisfação do interesse público, não se admite a indicação de características exclusivas apenas para viabilizar a concretização da hipótese legal.

    A ausência de competição é requisito extraído da letra "d". Se, nos termos do dispositivo, as características "condicionam" a escolha de um determinado imóvel, significa que não deve haver outro com os mesmos atributos. O traço peculiar é à idéia de inexigibilidade de licitação, prevista no art. 25 da Lei, e que denota inadequação na inclusão dessa hipótese entre as de dispensa.

    Estando presentes todos os elementos apontados acima, poderá ocorrer a dispensa com fulcro no art. 24, inc. X, da Lei (Perguntas e respostas: Dispensa de licitação - Imóveis - Compra ou locação - Art. 24, inc. X da Lei n° 8.666/93 - Requisito. Informativo de Licitações e Contratos. 515/1 I2/JUN/2003

    Com relação à opção de compra, a mesma Consultoria Zênite também já editou orientação apropriada para a questão em consulta. Leia-se:

    "Para efeito de celebração de contratos, pela Administração Pública, locação de bens e compra de bens constituem, em princípio, objetos distintos e, portanto, inconfundíveis, reclamando a contratação de cada qual licitação específica.

    Deve ser considerado também que, não obstante a modalidade apropriada de licitação, a ser definida em face do valor estimado da contratação, possa vir a ser a mesma, quer se trate de locação e ou compra de bens (arts. 6°, II e III, e 23, 11 da Lei n° 8.666/93), licitações distintas, quando e se necessário, poderão ser mais adequadas ao atendimento do interesse público.

    Todavia, não há nada que impeça abertura da licitação objetivando a escolha da melhor proposta para contratar locação de bens com opção de compra, pela Administração. Para tanto, dentre as cautelas e exigências a serem observadas cumpre à Administração consignar no instrumento convocatório do certame que das propostas deverão constar tanto o preço do aluguel quanto de venda dos bens, caso a Administração opte, a final, pela compra dos mesmos. E para esse efeito o edital deverá especificar também as condições de pagamento, deixando claro que o julgamento será levado a efeito considerando o menor preço tanto do aluguel quanto o de eventual aquisição dos bens pela Administração.

    Cabe registrar ainda que a celebração de contrato, com objeto assim composto, poderá ser até sem licitação desde que perfeitamente caracterizada situação de dispensa ou inexigibilidade tanto com relação à locação quanto à eventual aquisição dos bens, nos termos da lei. " (Perguntas e respostas: Locação - Exercício da opção da compra - Cabimento. Informativo de Licitações e Contratos. 36/23/JAN/1996).

    No caso concreto, o encaminhamento adequado seria a contratação direta por dispensa com fundamento no dispositivo acima mencionado, respeitada a realização de todos os trâmites administrativos regulares.

    Apenas a título de esclarecimento, vale lembrar que o instituto de desapropriação não é o instrumento adequado quando se tratar de compra e venda.

    A desapropriação é o ato administrativo de tomada forçada da propriedade, mediante indenização justa. Como bem lembra Marçal Justen Filho:

    "A desapropriação não se confunde com uma compra e venda, caracterizada pelo acordo de vontades de duas partes sobre a coisa e o preço. Na desapropriação, o Estado delibera a supressão da propriedade privada, sem que a tanto se possa opor o titular do domínio" (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, p. 422).

    Consta dos autos que, o valor da proposta foi aceito pela empresa proprietária do patrimônio. Existe, portanto, uma acordo de vontades de compra e venda que afasta a incidência, no caso, da necessidade de deflagrar um processo de desapropriação.

    Portanto, observou-se uma FALHA DE NATUREZA FORMAL.

    De outro lado, evidente a INVIABILIDADE DE COMPETICÃO em decorrência das características do imóvel (localização, dimensão, edificação, destinação,...).

    Ao comentar sobre o texto legal no livro "Comentário à Lei de Licitações e Contratos" Marçal Justen Filho, se posiciona esclarecedoramente afirmando: "A ausência de licitação deriva da impossibilidade de o interesse público ser satisfeito através de outro imóvel, que não aquele selecionado. As características do imóvel (tais corno localização, dimensão, edificação, destinação etc.) são relevantes de modo que a Administração não tem outra escolha. Quando a Administração necessita de imóvel para destinação peculiar ou com localização determinada, não se torna possível a competição entre particulares. Ou a Administração localiza o imóvel que se presta a atender seus interesses ou não o encontra".

    O que importa para a regularidade do procedimento é que não foi constatado nenhum prejuízo ao erário, vez que a administração pagou o preço compatível com o praticado no mercado, conforme determina a Lei de Licitações.

    Além disso, conforme determina o inciso III do artigo 15 da Lei de Licitações, a aquisição submete-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado. Logo, os parcelamentos adotados encontram amparo legal no inciso III do artigo 15 da Lei de Licitações. Com efeito, o artigo 65 da referida lei, permite a celebração de termos aditivos, para contemplar a alteração de prazos.

    Nesse compasso, as partes firmaram um aditamento de prazo para pagamento do preço do imóvel, para garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a da proposta mais vantajosa para a Administração.

    Com efeito, o procedimento está em consonância com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, e dos que lhes são correlatos.

    No que diz respeito as questões orçamentárias e financeiras, as despesas decorrentes do ato para o exercício de 2004 foram cobertas por dotação orçamentária própria do Orçamento 2004. O saldo remanescente foi contemplado no Orçamento dos exercícios subseqüentes, nos termos do Decreto e Termos de Desapropriação Amigável que integram os autos.

    Com efeito, não há que se falar em ofensa ao disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

    Sobre o regime da Lei de Responsabilidade Fiscal, oportuna a transcrição da lição de Marçal Justen Filho:

    "8.2) A regra geral contida no art. 15 da LRF

    Em primeiro lugar, o art. 15 da LRF determina presumirem-se "não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público" a geração de despesa ou a assunção de obrigação sem observância aos arts. 16 e 17. Observe-se que o dispositivo não determina a nulidade absoluta e automática das contratações realizadas com infração aos referidos dispositivos. Deve reputar-se, por isso, que se trata de presunção relativa. Um exemplo permite compreender melhor a questão.

    Suponha-se que a Administração tenha promovido licitação e contratação com infração aos ditos arts. 16 e 17. Imagine-se no entanto, que o procedimento licitatório tenha sido perfeito, formal e materialmente. Considere-se que a contratação resultante é altamente vantajosa para a Administração, a qual dispõe de recursos para seu custeio. Seria um formalismo destituído de sentido promover a invalidação desses atos sob fundamento de infração aos arts. 16 e 17. haveria ofensa ao princípio da proporcionalidade, eis que a invalidação dos atos geraria efeitos muito mais negativos para o interesse público.

    Portanto, a ausência de prejuízo efetivo afasta o defeito derivado da infração aos dispositivos referidos.

    8.3) As exigências do art. 16 da LRF

    Por outro lado, é imperiosa a observância das exigências do art. 16, que são condições não apenas para empenho, mas também para licitação (§4°). Isso significa que a criação de qualquer despesa deve ser acompanhada da estimativa do impacto orçamentáriofinanceiro no exercício em vigorará (e, se for o acaso, nos dois subseqüentes) tal como a declaração do ordenador da despesa de que a obrigação compatibiliza-se orçamentária e financeiramente com a legislação orçamentária.

    8.3.1) Adequação orçamentária

    A adequação orçamentária envolve a previsão de recursos orçamentários para satisfação da despesa a ser gerada por meio da futura contratação. Observe-se que o art. 16, §1°, inc. 1, da LRF afastou um expediente primário, mas largamente utilizado pela Administração Pública. Impôs o dever de considerar todas as despesas subordinadas a determinada rubrica orçamentária. Tornou-se explicitamente vedado o artificio de sujeitar uma série de despesas a um crédito genérico, tomando em vista o valor isoladamente de cada despesa. Assim, cada despesa isoladamente era inferior ao crédito orçamentário, mas o somatório total das despesas ultrapassava largamente a previsão orçamentária. Portanto, há um

    dever de previsão e acompanhamento, que exige que cada licitação e contratação produzam a redução dos valores disponíveis nos créditos orçamentários gerais - ainda que tal não equivalha a uma espécie de empenho antecipado.

    8.3.2) Adequação financeira

    Outra inovação extremamente relevante trazida pela LRF foi a necessidade de adequação financeira da despesa e da licitação. Trata-se de medida complementar à repressão a uma espécie de falsidade ideológica largamente praticada no âmbito das leis orçamentárias. Institucionalizara-se o artificio de estimar as receitas de acordo com as despesas previstas no orçamento. Isso tornava inútil a lei orçamentária, já que a receita estimada nunca se realizava, o que resultava em despesas realizadas sem cobertura de recursos reais - mas formalmente regulares do ponto de vista orçamentário.

    A primeira providência adotada pela LRF foi a submissão das estimativas de receita futura às receitas efetivamente auferidas nos últimos exercícios (art. 12). Portanto, passam a ser inválidas estimativas injustificadas de receitas em valor superior aos resultados obtidos efetivamente no passado.

    A segunda determinação reside no dever de acompanhamento da realização da receita (art. 9°). Não basta a previsão teórica da lei orçamentária para autorizar a instauração da licitação ou a formalização do contrato. A referência à adequação financeira é extremamente relevante, eis que a execução do orçamento pode frustrar as estimativas prévias. Ou seja, é necessário verificar não apenas a previsão teórica do orçamento, mas também examinar a evolução dos fatos e apurar a existência de (ou dados indiretos relacionados com) recursos financeiros efetivos para liquidação da despesa.

    Daí se extrai que a instauração da licitação não depende propriamente da efetiva disponibilidade dos recursos necessários para o pagamento. Dependerá da previsão de recursos orçamentários, mas não apenas disso. Esse é requisito necessário, mas não suficiente. E indispensável verificar-se a adequação financeira da futura contratação. Isso significa exame dos recursos efetivamente disponíveis no momento da abertura da licitação e da consideração às receitas e despesas futuras - mas não apenas sob o ponto de vista das projeções realizadas por ocasião da elaboração do orçamento. Deve recorrer-se aos dados concretos, acerca da execução do orçamento. O ordenados da despesa tem o dever de manifestar-se, indicando se a realização das despesas e o ritmo das receitas permitem estimar a existência de recursos suficientes para propiciar a liquidação oportuna das despesas derivadas da contratação.

    Lembre-se que o acompanhamento da evolução da receita é dever do gestor público. O art. 9° da LRF previu que a constatação, ao final de cada bimestre, de que a realização da receita "poderá" não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal. O descompasso entre as estimativas e a realidade pode conduzir à vedação à realização de novas despesas. Esse dever é mais severo no tocante aos entes da Federação, mas se aplica genericamente a todas as entidades estatais, ainda quando não enquadradas no conceito de empresa estatal dependente, cuja manutenção faz-se através de transferências de recursos estatais.

    Não existindo indicações de que as receitas serão suficientes para o atendimento das despesas (ou o cumprimento das metas), torna-se juridicamente inviável a licitação. Ou seja, o conceito de autorização orçamentária deixa de ser estático e dissocia-se da mera existência de disponibilidades teóricas numa rubrica orçamentária.

    8.3.3) Insuficiência da simples previsão de recursos orçamentários

    Daí deriva que a instauração da licitação não pressupõe a liberação dos recursos, mas se vincula à existência concomitante de a) previsão na lei orçamentária e b) realização satisfatória das receitas e despesas, que permita inferir a possibilidade de disponibilidade efetiva, no futuro, dos recursos necessários. A ausência de um desses dois dados inviabiliza a instauração da licitação.

    Uma vez desencadeada a licitação, o contrato apenas poderia ser realizado (com o correspondente empenho) na medida em que o novo exame indicasse a perspectiva da disponibilidade de recursos.

    Poderia contrapor-se que a conclusão da licitação não gera para o adjudicatário o direito à contratação, mas apenas o direito a não ser preterido. Portanto, seria possível realizar licitação ainda que não houvesse recursos disponíveis para a efetiva contratação. O argumento prova demais e conduziria à possibilidade de licitação ainda que não houvesse previsão de recursos orçamentários.

    Na verdade, a concepção da ausência de direito à contratação vem sendo atenuada nos últimos tempos, tal como se apontará adiante. Tal deriva, em especial, do reconhecimento da vedação à atuação administrativa inútil. O princípio da indisponibilidade do interesse público exclui a possibilidade de licitações destituídas de seriedade. Por isso, a verificação da ausência de plausibilidade para a futura contratação afastará a possibilidade da instauração da licitação. Existindo elementos indicativos da impossibilidade da contratação, seria um despropósito desencadear a licitação - inclusive porque inúmeros potenciais interessados se afastariam da disputa por reputar que a licitação envolveria despesas inúteis (já que a contratação nunca viria a ocorrer). Em última análise, licitação nessa circunstância envolve elevação sensível dos custos da transação, o que se traduz na redução das potenciais vantagens para o interesse público e na redução do universo de licitantes.

    8.3.4) Ressalva: licitação para sistema de registro de preços

    As considerações acima realizadas não se aplicam à hipótese de licitação que tenha por objeto a seleção de propostas para registro de preços. E que, nesse caso, a licitação não gerará necessariamente uma certa contratação, mas propiciará a formação de uma espécie de cadastro de fornecedores. Na hipótese, haverá a contratação se e quando houver recursos disponíveis. Logo a licitação para registro de preços não envolve a perspectiva imediata e determinada da realização de uma contratação.

    8.3.5) Ausência da declaração exigida no art. 16 da LRF

    Suponha-se que a declaração exigida pelo art. 16 da LRF não seja emitida. Qual a solução jurídica? Em princípio, cabe responsabilizar o agente que omitiu as providências cabíveis. No tocante à licitação e contratação, a eventual invalidação deverá observar o princípio da proporcionalidade e a efetiva ocorrência de lesão ao interesse público.

    8.4) A vedação a contratações prevista no art. 42 da LRF

    O disposto no art. 42 da LRF tem gerado grandes dúvidas, especialmente por uma interpretação literal destituída de maior cabimento. Considerando seus termos puramente literais, alguns passaram a defender o entendimento de que absolutamente nenhuma contratação poderia ser avençada durante os oito últimos meses do mandato, se isso importasse algum efeito para o exercício subseqüente. Outros reputaram que, pelo menos, as despesas obrigatórias de caráter continuado (arts. 17 e ss. da LRF) não seriam afetadas pelo art. 42. Reputa-se que a questão deriva da ausência de consideração aos princípios mais amplos da hermenêutica.

    8.4.1) A interpretação sistemática

    Primeiramente, deve ter-se em vista a interpretação sistemática, que ponha a Lei de Responsabilidade Fiscal no contexto amplo do ordenamento jurídico. Daí se extrai a impossibilidade de uma lei (ainda que complementar) introduzir restrição dessa ordem à atividade administrativa, inerente à autonomia do Poder Executivo. Seria inconstitucional a disposição que vedasse, em termos absolutos, ao titular de função administrativa a realização de despesas durante os últimos oito meses de seu mandato, ainda que sob o fundamento de que elas extravasam o limite da lei orçamentária.

    E que os limites dessa ordem já foram fixados constitucionalmente. Basicamente, aplica-se a determinação contida no art. 167, inc. II, da CF/88 - disposição de cunho exaustivo.

    Ocorre, ademais disso, que a própria Constituição Federal impôs o dever de previsão de despesas cuja execução ultrapassasse os limites de um único exercício. O art. 165, incs. I e II da CF/88 determina a obrigatoriedade da consagração legislativa do plano plurianual e das diretrizes orçamentárias.

    Mais além disso, o § 1° do art. 167 estabelece que "Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade ".

    Ou seja, a Constituição admitiu como juridicamente admissível que o Estado promova empreendimentos cuja execução ultrapasse os limites de um exercício orçamentário nem poderia ser diversamente por motivos óbvios. Nesse caso, no entanto, o projeto deverá constar do plano plurianual, de modo que os custos correspondentes já se encontram previstos no planejamento de médio e longo prazo do Estado.

    Ressalte-se que a única restrição imposta constitucionalmente reside em que o investimento esteja previsto no plano plurianual. Não há outras restrições constitucionais.

    8.4.2) A inclusão no plano plurianual e seus efeitos jurídicos

    Imagine-se, então, que determinado projeto seja incluído no aludido plano plurianual. Figure-se que se processa à licitação, seleciona-se um particular para ser contratado e se concluem todas as formalidades prévias indispensáveis. Na ocasião de promover a contratação, verifica-se que o mandato do dirigente do órgão se encerrará no prazo de sete meses. Isso produziria o efeito de vedar a possibilidade da contratação? Ter-se-ia de aguardar o novo governante tomar posse para que pudesse ser promovida a contratação? Responder afirmativamente a essas perguntas pressuporia uma espécie de irracionalidade legislativa.

    Ora, se o projeto foi incluído no plano plurianual, sua execução se constitui em dever do administrador. Cabe-lhe cumprir fielmente o plano plurianual, o que significa precisamente executar, a cada exercício, a parcela correspondente do projeto. Afinal, se um determinado empreendimento tiver sua execução paralisada em um exercício, tal afetará o todo do projeto, constrangendo à necessidade de reprogramação dos cronogramas originais.

    Ou seja, se a vontade constitucional fosse de vedar o início de projetos plurianuais nos últimos oito meses do mandato do governante, a solução seria estabelecer proibições quanto à elaboração dos planos plurianuais. Então, deveria estabelecer-se a impossibilidade de inclusão nos planos plurianuais de projetos cuja execução tivesse de iniciarse nos últimos oito meses de mandato do governante.

    Enfim, a conclusão que se extrai é que a previsão de um certo projeto no plano plurianual produz o efeito jurídico de legitimar sua execução, independentemente do período em que tal ocorra e mesmo nos últimos dias do mandato do gestor dos recursos públicos.

    Insista-se sobre esse ponto: não há conduta abusiva do governante que inicia, mesmo que nos últimos dias de seu mandato, um projeto previsto em lei e incluído no plano plurianual.

    8.4.3) A disposição do art. 42 da LRF

    A interpretação extraída da Constituição é perfeitamente corroborada pela LFR, especialmente quando se produz uma interpretação jurídica - não a mera leitura - do art. 42.

    Observe-se, primeiramente, que o dispositivo se encontra na Seção VI - Dos Restos a Pagar. O art. 42 disciplina restos a pagar. Não se trata de regra geral sobre contratação administrativa ou endividamento público. Observe-se que os princípios gerais sobre contratação administrativa encontram-se na Seção 1- Da Geração da Despesa no Capítulo IV - Da Despesa Pública. Ali se estabelecem as exigências a propósito de formalidades para a criação de novas dívidas e produção de contratação administrativa. As regras básicas são aquelas constantes dos arts. 15 a 17 da LRF. Nesses dispositivos, não se estabelecem condicionamentos vinculados ao período em que a despesa vier a ocorrer. A referência aos dois últimos quadrimestres surge no art. 42, o qual se encontra em oura Seção, pertinente a matéria de outra ordem.

    E bem verdade que um princípio hermenêutico fundamental reside na irrelevância da colocação topológica do dispositivo. Mas essa ressalva deve ser interpretada em termos. Não é cabível interpretar a disposição destinada a reger os restos a pagar como amplamente vinculante para toda e qualquer contratação administrativa.

    Ou seja, a leitura correta do art. 42 consiste em considerar que, a propósito dos restos a pagar ou invocando os restos a pagar, é vedado ao administrador contrair despesas que não possam ser cumpridas integralmente dentro do período dos dois últimos quadrimestres de sua gestão - ou, quando menos, para as quais não haja recursos de caixa disponíveis.

    Portanto, a "despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele" - a que alude o art. 42 da LRF - não é aquela derivada de um projeto incluído no plano plurianual. Mais precisamente, o que se impõe é que haja recursos para a realização da despesa pertinente ao exercício. Até porque, aliás, a despesa referente aos exercícios posteriores não pode nem deve ser cumprida no exercício anterior.

    Isso significa vedação à criação de despesa que deva mas não possa ser liquidada no mesmo exercício, o que envolve princípio geral do Direito Financeiro. O dispositivo apenas se dirige a evitar que, invocando a pretensa existência de restos a pagar, um governante extrapole os limites de disponibilidade de caixa.

    8.4.4) A referência à disponibilidade de caixa

    Mas o art. 42 faz referência a outra alternativa, em que fica evidente a sua não aplicabilidade a projetos plurianuais. Na parte final, faz-se referência a despesa "que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito ".

    Ora, essa conceituação não apresenta qualquer vínculo de pertinência com projetos plurianuais. Quanto a esses, há parcelas a serem pagas em exercício futuro, mas não é logicamente cogitável a disponibilidade de caixa para sua liquidação. E que as despesas de exercício futuro terão de ser liquidadas com as verbas previstas no orçamento correspondente.

    A passagem ora considerada indica que as despesas a serem pagas no exercício futuro devem ser custeadas com recursos do exercício anterior. Trata-se da hipótese clássica em que uma despesa é incluída em restos a pagar.

    A compreensão correta no art. 42 apresenta muito maior facilidade quando se considerar o preço vetado do art. 41. Não se trata de atribuir algum efeito jurídico ao dispositivo, eis que o veto produz o efeito de impedir a entrada em vigência do texto vetado. O texto vetado definia as dívidas que seriam inscritas em restos a pagar. Rigorosamente, a conceituação ali adotada não envolvia alguma novidade jurídica, motivo pelo qual o veto não impede reputar-se que a figura de restos a pagar continue a existir em nosso sistema. A expressão indica algumas despesas que são objeto de empenho em um exercício, mas que acabam não sendo efetivamente pagas dentro dele.

    A disciplina federal sobre restos a pagar permite compreender melhor o tema. Segundo o art. 67 do Dec. Fed. n° 93.872, "Considerem-se restos a pagar as despesas empenhadas e não pagas até 31 de dezembro, distinguindo-se as despesas processadas das não processadas (Lei n° 4.320/64, art. 36). " O § 1 ° do art. 67 esclarece que se entendem "por processadas e não processadas, respectivamente, as despesas liquidadas e as não liquidadas". E o art. 68 fixa que "A inscrição de despesas como restos a pagar será automática, no encerramento do exercício financeiro de emissão da Nota de Empenho, desde que satisfaça às condições estabelecidas neste Decreto, e terá validade até 31 de dezembro do ano subseqüente."

    Mas um aspecto fundamental para a configuração do resto a pagar reside na realização do empenho. Somente pode configurar-se resto a pagar quando a despesa estiver empenhada no exercício anterior, com pagamento previsto para o exercício subseqüente. Ora, o empenho pressupõe a disponibilidade de recursos.

    A situação de restos a pagar deriva da impossibilidade de submeter o desenvolvimento normal da atividade administrativa a uma segmentação cronológica artificial, tal como ocorre em relação ao exercício orçamentário. Assim, suponha-se um prestador de serviços de vigilância, cuja remuneração seja devida mensalmente pela Administração e deva ser liquidada até o quinto dia útil do mês seguinte ao da prestação. A prestação por ele executada no mês de dezembro deverá ser paga em janeiro. Existirão dois exercícios orçamentários. Encerrar-se-á o exercício sem que a despesa pertinente a ele tenha sido paga - mas terá ocorrido o empenho e a verba do exercício orçamentário anterior terá de ser reservada para o pagamento no subseqüente. São essas as despesas a que se dirige o art. 42 da LRF. O que se impõe é o dever de o administrador contrair despesas que sejam compatíveis com a lei orçamentária do exercício, ainda que o pagamento possa (deva) ocorrer em período posterior. Ou seja, é impossível gerar despesas que não teriam cobertura em orçamento algum: nem naquele pertinente ao exercício anterior (eis que extrapolado o limite da disponibilidade de caixa) nem, muito menos, no relativo ao exercício posterior.

    Nenhuma relação existe entre essa vedação e a licitação, contratação ou execução de projetos incluídos no plano plurianual.

    8.4.5) A confirmação da tese: o art. 17 da LRF

    A interpretação acima proposta é confirmada por outra via. Basta considerar o art. 17 da LRF, que dispõe sobre despesas obrigatórias de caráter continuado. Afigura-se evidente que despesas com essa natureza não estão sujeitas aos limites do art. 42 Justamente por apresentarem natureza obrigatória (em virtude de determinação normativa), essas despesas não podem ser interrompidas. Portanto, deverá produzir-se a correspondente contratação, mesmo se tal envolver os dois últimos quadrimestres do mandato do governante.

    Ora, o art. 17 não contém qualquer alusão ao art. 42, nem vice-versa. Se a contratação prevista no art. 17 fosse uma exceção à vedação contida no art. 42, assim teria constado da Lei. Mas não existe essa ressalva, o que demonstra que o art. 42 não veicula um princípio geral, nem tem aplicação generalizada. A Lei, ao tratar das despesas obrigatórias de caráter continuado, não se refere ao previsto no art. 42 porque esse dispositivo não tem qualquer pertinência com despesas que se vinculam a exercícios orçamentários diversos." (Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, p. 113-118). Sem grifos no original.

    Dito isto, conclui-se que "EM PRINCÍPIO" nenhuma despesa poderá ser contraída no último quadrimestre de cessão (ano eleitoral), sem a adequada e suficiente disponibilidade de recursos. O seu cumprimento é requisito para a caracterização da gestão fiscal responsável.

    O termo acima explicitado, "em princípio", decorre do fato de que é possível, por alguma circunstância a ser oportuna e devidamente justificada, a possibilidade de início de alguma obra prevista no PPA ou de serviço de execução contínua, que mereçam prosseguir. Nessas hipóteses, certamente que preexistia previsão legal de recurso e o empenhamento no exercício de competência será feito apenas do que nele será executado, devendo ocorrer a alocação de recursos no orçamento do próximo exercício para a execução futura.

    Para estes casos - o que é o caso dos autos - a expressão "cumprida integralmente" (art. 42 LRF) deve ser entendida tão-somente quanto às parcelas do contrato que vencer-se-ão até 31 de dezembro.

    As parcelas vencíveis no novo exercício, somente criarão obrigação de pagamento com a realização do seu objeto no mês de competência do novo exercício.

    A exigência do art. 42 da LRF dirige-se aos compromissos assumidos nos dois últimos quadrimestres, razão pela qual não se aplica ao parcelamento firmado em abril/2005."

    Considerações da Instrução:

    O Sr. Moacir Antônio Bertoldi teceu explanação acerca dos procedimentos adotados para a aquisição da sede da Administração Pública Municipal. Entretanto, salienta-se que referida irregularidade, constante do item "a" deste Relatório, é de responsabilidade do Sr. Irineu Pasold. Assim, neste tópico, as considerações desta instrução ficarão restritas às justificativas apresentadas relativas à renegociação de dívida do Município com Empresa Privada, de responsabilidade do Sr. Moacir Antônio Bertoldi.

    O Responsável alega que as despesas decorrentes da compra do imóvel no exercício de 2004 foram cobertas por dotações orçamentárias próprias e que o saldo remanescente foi previsto nos Orçamentos dos exercícios subseqüentes.

    Pondera também, que, o compromisso foi assumido em abril de 2005, portanto, fora dos dois últimos quadrimestres da gestão, não se configurando em afronta ao art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

    A efetivação da compra do imóvel deu-se em 30/04/2004, portanto fora dos dois últimos quadrimestres do mandato do Sr. Irineu Pasold e a renegociação da dívida deu-se em 09/05/2005, conforme o Termo Aditivo nº 146/2005 ao Termo de Compromisso nº 145/2004, ou seja, já no mandato do Sr. Moacir Antônio Bertoldi desconfigurando, assim, a restrição como afronta ao artigo 42 da Lei Complementar nº 101/2000.

    Cabe ressaltar, entretanto, que a renegociação da dívida está em desacordo com o artigo 35, caput, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que assim dispõe:

    "Art. 35 - É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente."

    O Responsável juntou aos autos o Termo de Quitação (fls. 392), datado de 10/12/2007, no qual a empresa Marisol S.A. declara expressamente que o Município de Jaraguá do Sul quitou totalmente o imóvel sob análise neste Relatório.

    Assim, pela inexistência de infração ao art. 42 da LRF, desconfigura-se a presente restrição.

    CONCLUSÃO

    À vista do exposto e considerando a inspeção "in loco" realizada na Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, entende a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, com fulcro nos artigos 59 e 113 da Constituição do Estado c/c o artigo 1º, inciso III da Lei Complementar n.º 202/2000, que possa o Tribunal Pleno, decidir por:

    1 - CONHECER do presente Relatório de Reinstrução, decorrente do Relatório de Inspeção nº 123/2008, resultante da inspeção "in loco" realizada na Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, para, no mérito:

    2 - CONSIDERAR IRREGULARES, na forma do artigo 36, § 2º, "a" da Lei Complementar n.º 202/2000, o ato abaixo relacionado, aplicando ao Sr. Irineu Pasold, CPF 093.245.699-53, residente à Rua José Stulver, nº 101, CEP 89.256-020 multa prevista no artigo 70, da Lei Complementar n.º 202/2000, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n.º 202/2000:

    2.1 - (inciso I) Aquisição de imóvel no valor de R$ 8.150.000,00 para instalação da sede administrativa municipal de Jaraguá do Sul, sem o devido processo licitatório, tendo sido mencionadas diversas formas incompatíveis de aquisição numa mesma figura: desapropriação, dispensa licitatória e compra e venda, onde ao final, assinaram um Termo de Compromisso de Desapropriação amigável à compra e venda do objeto contratual, em dissonância com o artigo 2º da Lei nº 8.666/93, que determina a realização de processo licitatório (item a.1, deste Relatório).

    3 - DAR CIÊNCIA da decisão aos Denunciados, Srs. Moacir Antônio Bertoldi e Irineu Passold, e aos Denunciantes, Srs. Adriano Zanotto e Rafael de Assis Horn.

    É o Relatório.

    TCE/DMU/DCM 4, em...../07/2008

    Sabrina Maddalozzo Pivatto

    Auditora Fiscal de Controle Externo

    Chefe de Divisão

    De Acordo

    EM......../07/2008.

    Paulo César Salum

    Coordenador de Controle

    Inspetoria 2

     

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    PROCESSO DEN
       

    UNIDADE

    Prefeitura Municipal de ....................
       
    ASSUNTO
      xxxxxxxxxxxxxxxxxxx - Reinstrução

    ÓRGÃO INSTRUTIVO

    Parecer - Remessa

    Ao Senhor (Conselheiro ou Auditor) Relator, ouvida a Douta Procuradoria, submetemos à consideração o Processo em epígrafe.

    TC/DMU, em ...../....../.......

    GERALDO JOSÉ GOMES

    Diretor de Controle dos Municípios