|
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
|
Processo n°: |
REC - 08/00377397 |
Origem: |
Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina - AGESC |
responsável: |
Antônio Serafim Venzon |
Assunto: |
Processo - SPC-06/00525465 |
Parecer n° |
COG-475/08 |
Ausência de dano ao erário. Aplicação do princípio da proporcionalidade. Isenção da pena em face da culpa leve. Precedentes do TCU. Recurso provido.
Uma vez que a irregularidade não foi de tamanha gravidade a ponto de ensejar aplicação de multa, e já que o ato praticado pelo Recorrente não trouxe qualquer prejuízo ao erário, visto que o defeito averigüado diz respeito tão-somente ao aspecto meramente formal e excessivamente rigoroso. Dessarte, a aplicação do princípio da proporcionalidade é medida que se impõe a fim de isentar o pagamento da multa.
Salienta-se, por derradeiro, que mesmo no caso de culpa, há entendimento majoritário no Tribunal de Contas da União que se esta for leve, faz-se plenamente possível a isenção da pena, hipótese esta em que se enquadra o presente caso.
Senhor Consultor,
RELATÓRIO
Trata-se dos autos do Processo nº REC - 08/00377397 como Recurso de Reconsideração, pelo Sr. Antônio Serafim Venzon, ex-Diretor Executivo da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina - AGESC, em face do Acórdão nº 738/2008, proferido nos autos do Processo nº SPC - 06/00525465.
Com efeito, o citado Processo nº SPC - 06/00525465 refere-se à análise dos recursos antecipados pela Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina ao Servidor Salésio Rocha Machado em 23/11/2005.
No Relatório de Instrução nº DCE/INSP.1/ Nº 039/2007 (fls. 53 à 58 dos autos de origem), a Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, após analisar os dados enviados pelo Recorrente, sugeriu a citação do Sr. Antônio Serafim Venzon, ex-Diretor da AGESC, nos termos do artigo 15, inciso II da Lei Complementar 202/2000, para que apresentasse suas alegações de defesa.
Em resposta a citação, o ora responsável apresentou sua defesa, remetendo os documentos de fls. 62 à 77 dos autos de origem.
Procedida a análise dos documentos enviados pelo Recorrente, a Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, em seu Relatório de Instrução nº DCE/INSP.1/Nº 289/07 (fls. 79 à 88 dos autos de origem), entendeu por julgar regulares, com ressalva, as contas de recursos antecipados, e dar quitação ao responsável, com base no art. 20 da Lei Complementar nº 202/2000, de acordo com o citado relatório.
Contudo, o Representante do Ministério Público junto a esta Corte de Contas (fl. 89 e 91 dos autos de origem), e o Sr. Conselheiro Relator do feito (fls. 92 à 96), não acompanharam o entendimento exarado pelo Corpo Técnico.
Desta feita, sugeriram a aplicação de multas pelas seguintes irregularidades:
- Existência de documentos comprobatórios das despesas com datas anteriores ao repasse dos recursos, contrariando o disposto nos artigos 31 da Resolução TC 16/94 c/c 8º, inciso II, do Decreto nº 37/99;
- Face à emissão de cheques sem disponibilidade de fundos, contrariando o disposto no art. 4º da Lei Federal nº 7.357/85.
Assim, na sessão ordinária do dia 12/05/2008, o Tribunal Pleno ao apreciar o Processo nº SPC - 06/00525465 prolatou a seguinte decisão (738/2008):
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas de recursos antecipados referentes à Nota de Empenho n. 51, de 23/11/2005, P/A 0113, item 339014, fonte 0100, no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais).
6.2. Aplicar ao Sr. Antônio Serafim Venzon - ex-Diretor Executivo da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina - AGESC, CPF n. 216.819.619/20, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da existência de documentos comprobatórios das despesas com datas anteriores ao repasse dos recursos, contrariando o disposto no art. 31 da Resolução n. TC-16/94 c/c o art.
8º, II, do Decreto n. 037/99 (item 2.1 do Relatório DCE);
6.2.2. R$ 1.000,00 (mil reais), pela emissão de cheques sem disponibilidade de fundos, contrariando o disposto no art. 4º da Lei (federal) n. 7.357/85 (item 2.3 do Relatório DCE).
6.3. Determinar à Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina - AGESC que:
6.3.1. doravante não mais faça a concessão de diárias antes do repasse dos recursos, em atendimento ao disposto nos arts. 8º, II, do Decreto n. 037/99 e 31 da Resolução n. TC-16/94 (item 2.1 do Relatório DCE);
6.3.2. quando houver necessidade de substituição de cheque de pagamento de diárias, que anexe à prestação de contas os documentos originais substituídos bem como cópia dos que o substituíram, acompanhados das necessárias justificativas, a fim de possibilitar a comprovação do efetivo pagamento das diárias ao servidor, em atendimento ao disposto nos arts. 1º e 11 do Decreto n. 133/99 (item 2.2 do Relatório DCE);
6.3.3. somente efetue movimentação de conta bancária sobre recursos efetivamente disponíveis, em atenção ao disposto no art. 4º da Lei (Federal) 7.357/85 (item 2.3 do Relatório DCE).
6.4. Determinar ao Controle Interno da AGESC que, doravante, proceda à análise das prestações de contas da entidade, bem como anexe às mesmas o relatório e certificado de auditoria, com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, atendendo ao disposto nos arts. 8º do Decreto (Estadual) n. 3.372/05 e 11, III, da Lei Complementar n. 202/00 (item 2.5 do Relatório DCE).
6.5. Determinar à Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, deste Tribunal, que atente para o cumprimento das determinações exaradas no item 6.3 e 6.4 deste Acórdão.
6.6. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.1 n. 289/07, ao Sr. Antônio Serafin Venzon - ex-Diretor Executivo da AGESC e à Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina.
Com intuito de modificar o teor do decisum supratranscrito, o Sr. Antônio Serafim Venzon fez uso das vias recursais.
Esse é o Relatório.
II. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
O Sr. Antônio Serafim Venzon, na condição de agente político responsável pelo ato examinado por esta Corte de Contas no Acórdão nº 738/2008, possui plena legitimidade para pugnar pela reforma do referido pronunciamento.
Considerando que o Processo nº SPC - 06/00525465, consiste em uma Representação formulada pela pessoa jurídica de direito privado, a peça recursal interposta foi recebida como Recurso de Reconsideração, nos termos do artigo 77 da Lei Complementar nº 202/2000.
Considerando que a decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado em 30/06/2008 e o presente recurso foi interposto junto ao Tribunal de Contas em 11/06/2008, verifica-se que é TEMPESTIVO, já que o art. 139 do Regimento Interno desta Casa prevê o prazo de trinta dias contados da publicação da decisão ou do acórdão no DOE.
Desta feita, consideram-se satisfeitas as condições que autorizam o conhecimento do Recurso de Reconsideração, inscritas no artigo 77 da Lei Complementar nº 202/2000.
III. DISCUSSÃO
A decisão recorrida aplica multas ao Recorrente fundamentadas na análise procedida pela Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, que aponta como irregularidades os seguintes fatos:
R$ 1.000,00 (mil reais), em face da existência de documentos comprobatórios das despesas com datas anteriores ao repasse dos recursos, contrariando o disposto no art. 31 da Resolução n. TC-16/94 c/c o art.
8º, II, do Decreto n. 037/99;
R$ 1.000,00 (mil reais), pela emissão de cheques sem disponibilidade de fundos, contrariando o disposto no art. 4º da Lei (federal) n. 7.357/85.
Todavia, em suas razões recursais o Recorrente alega que:
"Na atualidade, a Agência Reguladora engloba em sua Administração interna, todas as suas despesas e receitas, pagamentos, etc., fato que não ocorria na sua instalação, período em que seu administrador era o Recorrente.
No período acima citado, quem procedia os repasses e os pagamentos era a Secretária Estadual da fazenda, que atráves dos pedidos da AGESC, procedia o repasse de verbas conforme a necessidade.
Ocorre que entende o Recorrente, que tal impasse na instalção da Ag~encia jamais poderia ser um empecilho para que a mesma desenvolvesse seu trabalho, princípio mor a que foi criada.
Assim, por haver necessidade máxima de urgência, fazia-se necessária o deslocamento de funcionários a Brasília, Capital Federal, fato que nos dias de hoja é corriqueiro.
Por haver urgência, a AGESC procedeu com requerimento à Secretaria da Fazenda, sendo que esta, até a data da viagem, ainda não havia liberado a verba, inobstante ao fato de cumprir rigorosamente a Lei, o recorrente autorizou a viagem, mediante promessa de repasse por parte da Secretaria da fazenda, sendo que a mesma cumpriu o que havia prometido, porém com alguns dias de atraso, o que ocasionou além da insuficiência de fundos no cheque emitido, também o fato das despesas comprovando a viagem com datas anterior a liberação do recurso.
Cabe ressaltar, que atualmente, por ser a Agência Reguladora responsável pela liberação de recurso, este pequeno erro não mais ocorre, principalmente por ter este Tribunal orientado neste norte.
Ressalta também, que as possíveis sanções administrativas que poderia ter sofrido a AGESC, nunca houve, face a rápida intervenção do ora recorrente, que juntamente com sua equipe de trabalho solucionou o problema, não deixando em momento algum, a Agência Reguladora ser incluída no rol de devedores (CCF)."
Analisando as alegações esboçadas pelo Recorrente, percebe-se que as irregularidades não foram de tamanha gravidade a ponto de ensejar aplicação de multas, já que o Recorrente além de demonstrar sua boa-fé, não causou nenhum prejuízo ao erário.
Nesse ínterim, para que haja a penalização do administrador público deve-se observar em primeiro lugar se o mesmo operou com culpa em sentido estrito (negligência, imperícia ou imprudência) ou dolo. No entanto, mesmo no caso de culpa, há entendimento majoritário no Tribunal de Contas da União que se esta for leve, faz-se plenamente possível a isenção da pena, hipótese esta em que se enquadra o presente caso.
Sobre a matéria, já se manifestou o Corte de Contas da União, ad litteram:
Precedente do STJ Vale referir, ainda outra vez, a importante decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do MS n.º 5.418/DF.
[...]O precedente tem grande utilidade por balizar a atividade de julgamento das propostas pelo princípio da proporcionalidade. Não basta comprovar a existência do defeito. É imperioso verificar se a gravidade do vício é suficientemente séria, especialmente em face da dimensão do interesse público. Admite-se, afinal, a aplicação do princípio de que o rigor extremo na interpretação da lei e do edital pode conduzir à extrema injustiça ou ao comprometimento da satisfação do interesse público."
[...]Mesmo vícios formais de existência irrefutável podem ser superados quando não importar prejuízo ao interesse público ou ao dos demais licitantes.(Processo nº 008.416/1997-4; acórdão 84/1999, Ministro Relator Lincoln M. da Rocha,DOU de 25/06/1999) (grifo nosso).
No mesmo sentido, pertinente ressaltar o entendimento de Benjamin Zymler exposto, com propriedade, em seu livro Direito Administrativo e Controle, in verbis:
A jurisprudência do TCU tem apontado no sentido de não ser cabível a apenação quando se estiver diante de culpa leve. É possível, portanto, que se verifique a ocorrência de ilegalidade, que tenha sido ela cometida por agente que tem sua conduta examinada, que se tenha aferido a culpa desse agente, mas que seja ela reduzida e, por isso, isente a apenação do responsável.
Poder-se-ia, por exemplo, deixar de apenar gestor de unidade orçamentária de grande porte, responsável pela condução de vários procedimentosl licitatórios e pela gestão de orçamento grandioso por haver, em razão de descuido (negligência leve), optado pela aquisição de material de expediente com fracionamento de despesa, quando poderia ter sido programada sua aquisição para o exercício interior, o que levaria à necessidade de realização de licitação.1 (grifo nosso).
O Tribunal de Contas da União, em síntese, ao extrair dos atos que examina as conseqüências de natureza civil ou administrativa pondera o elemento subjetivo da conduta do responsável. Ao desempenhar essa tarefa, busca dosar suas decisões levando em consideração o referencial do "administrador médio". Avalia, também, as condições concretas que circundavam a realidade vivenciada pelo agente que tem suas contas examinadas e indaga se teria ele atuado de forma satisfatória ou se seria razoável exigir-lhe que houvesse adotado providências distintas das que adotou.2 (grifo nosso).
Ademais, registra-se a necessidade da aplicação e observância do princípio da proporcionalidade, ao impor-se a penalidade administrativa, a fim de haver coerência entre os meios e fins. Em relação ao tema, destaca-se a lição de Fábio Medina Osório, verbis:
O certo é que o princípio da proporcionalidade, de matriz constitucional, é de ser aplicado pelos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo na elaboração e concretização das normas de Direito Administrativo Sancionador, seja na própria tipificação do ato ilícito, deixando de fora dos tipos legais comportamentos que não se mostrem materialmente lesivos aos valores tutelados pelo legislador e pelo constituinte de 1988, seja na adequação da resposta estatal, através das sanções, a ilícitos de menor gravidade, seja, finalmente, na manutenção de uma coerência mínima entre os tipos sancionadores e os resultados objetivados com a intervenção pública repressiva. Verifica-se, pois, a importância do princípio em exame na aplicação de todo Direito Administrativo Sancionador, eis que tal princípio jurídico limita, de um lado, a aparição e os contornos dos deveres de jurisdicionados e administrados, e, de outro, vincula o Estado na compreensão das condutas proibidas, definindo o âmbito de alcance dos tipos repressores e sua concreta aplicação.3
Pelo exposto, considerando que não houve dano ao erário, bem como que não houve comprovação da má-fé do Recorrente, é medida cogente a reforma da decisão que impôs as multas nos valores de R$ 1000,00 (um mil reais) cada, a fim de excluí-las.
IV. CONCLUSÃO
Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator que no seu voto propugne ao Plenário:
1) Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do artigo 77 da Lei Complementar 202/2000, interposto contra o Acórdão 738/2008, proferida na sessão ordinária do dia 12/05/2008, no Processo SPC - 06/00525465, e no mérito, dar-lhe provimento para:
1.1) cancelar a aplicação das multas expressas nos itens 6.2.1 e 6.2.2;
2) Dar ciência desta Decisão, bem como do Parecer e Voto que a fundamentam, ao Recorrente, Senhor Antônio Serafim Venzon.
COG, em 7 de julho de 2008.
De Acordo. Em ____/____/____
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Wilson Rogério Wan-dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
|
MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |
1
ZYMLER, Benjamin. Direito administrativo e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 342.2
ZYMLER, Benjamin. Op. cit., p. 338.
3
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 80.