ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 08/00315014
Origem: Secretaria de Estado da Fazenda
Interessado: Nara Terezinha Barreto Gervasoni
Assunto: Processo -TCE-05/04125400
Parecer n° COG - 338/08

Recurso de Reconsideração. Processual. Ilegitimidade Passiva.

Os administradores de entidades privadas beneficiárias de verbas de subvenção são considerados responsáveis pela prestação de contas em relação ao dinheiro público recebido por aquelas.

Citação Ficta. Ausência de Defesa.

A ausência de defesa quando a citação é ficta, ou seja, por edital, resulta na nomeação de curador especial (art. 9º, II, CPC) ou suspensão do processo (art.366, CPP).

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Tratam os autos de manifestação recursal interposta contra o Acórdão 0233/2008, prolatado no Processo TCE - 05/04125400, deliberação proferida na sessão ordinária do dia 03/03/2008, razões recursais firmadas pela Senhora, Nara Terezinha Barreto Gervasoni, ex-Presidenta da Creche Comunitária Lar das Crianças de Itapema, autuado nesta Corte de Contas como Recurso de Reconsideração, REC - 08/00315014, protocolo nº 010618, com data de 07/05/08, com o objetivo de ver modificado o acórdão proferido que responsabilizou a recorrente.

Compulsando-se os autos da Tomada de Contas Especial observa-se que em oficício de fls. 02 a Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina informa que encaminhou à este Tribunal processo relativo à Tomada de Contas Especial instaurada naquela Secretaria de Estado, conforme consta às fls. 03 a 72.

Mediante relatório de auditoria nº 431/05, fls. 74 a 76, a Diretoria de Controle da Administração Estadual sugeriu a citação da Sra. Nara Terezinha Barreto Gervasoni para apresentação de defesa, além de concluir como passível de imputação de débito e multa.

Em despacho de fls. 77 o Conselheiro Relator, Salomão Ribas Júnior, determinou a citação da responsável para alegações de defesa.

Como consta às fls. 79 e 80 o referido ofício de citação foi devolvido pela Empresa de Correios e Telégrafos com a anotação de "ENDEREÇO INSUFICIENTE".

Sendo assim, o Relator manifestou-se em despacho de fls. 81 determinando a citação por edital da responsável. Em seguida, conforme consta às fls. 82, a Secretaria Geral tratou de encaminhar cópia do edital para fins de publicação no Diário Oficial do Estado.

Foi sugerido pela Diretoria de Controle da Administração Estadual, através de relatório de reinstrução nº 088/2007 de fls. 86 a 90, julgar irregulares as contas de recursos antecipados a Creche Comunitária Lar das Crianças de Itapema, além da aplicação de multa à responsável.

O Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas manifestou-se mediante parecer nº 5580/2007 de fls. 91 a 93. Concluiu como irregular a prestação de contas de recursos liberados pela Secretaria de Estado da Fazenda, em favor da Creche Comunitária Lar das Crianças de Itapema, além de declarar impedida tal entidade e a responsável de receberem recursos do erário até a regularização do fetito, bem como pela aplicação de multa à Sra. Nara Terezinha Barreto Gervasoni.

No mesmo sentido manifestou-se o Conselheiro Relartor Salomão Ribas Junior em seu relatório e voto de fls. 94 a 98.

O Pleno proferiu o Acórdão nº 0233/2008 às fls. 101 e 102, assim redigido:

Esse é o relatório.

PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE.

1 - Legitimidade.

O recurso foi proposto pela recorrente e autuado pela Secretaria Geral desta Corte de Contas como Recurso de Reconsideração, a teor do disposto no artigo 77 da Lei Complementar 202/2000, que determina:

No que tange aos pressupostos de admissibilidade da peça recursal, considerando o princípio da ampla defesa, a recorrente é parte legítima para o manejo do recurso.

2 - Adequação.

O recurso mostra-se adequado, uma vez que, seu processo original é de Tomada de Contas Especial, sendo aquele proposto na modalidade de Reconsideração, art 77 da Lei Complementar mº 202/2000, e caput do art. 136 da resolução nº TC-06/2001, que traz a seguinte redação:

3 - Singularidade.

Outrossim, cumpre - o recurso - o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.

4 - Tempestividade.

O recurso foi proposto de forma intempestiva, considerando o disposto na parte final do artigo 77 que determina a contagem do prazo a partir da publicação da decisão, que ocorreu em 28/03/2008, sendo o presente recurso protocolado em 07/05/2008, oito dias após a data do término do prazo para propositura do recurso, dia 29/04/2008.

Analisando-se a peça recursal, encontram-se presentes as notas de empenho (fls. 20 a 22) referentes aos gastos realizados pela Creche Comunitária Lar das Crianças de Itapema após o repasse de subvenção pela Secretaria de Estado da Fazenda, prestando contas do valor recebido.

De acordo com o art. 135, § 1º, I do Regimento Interno do TCE/SC, o presente recurso, mesmo intempestivo, pode ser conhecido, pois:

Diante o exposto, presentes os pressupostos de admissibilidade, sugere-se o conhecimento do recurso proposto.

MÉRITO.

1 - Fatos.

A Responsável foi condenada pelo Tribunal Pleno em face da irregularidade na prestação de contas de recursos liberados pela Secretaria de Estado da Fazenda, em favor da Creche Comunitária Lar das Crianças de Itapema, além de aplicação de multa devido a não-observância do prazo legal para apresentação da prestação de contas de recursos antecipados, assim redigido:

2 - Alegações de Defesa.

Inicialmente, observando o recurso interposto, a parte Responsável faz referência ao direito ao contraditório e à ampla defesa, além do princípio do devido processo legal, alegando que as partes tem por direito o exercício de suas faculdades e poderes processuais, para o correto exercício da jurisdição, devendo-se atentar para o que a Lei Orgânica deste Tribunal determina acerca de tal ponto.

Alega também que o presente caso não acarretou desfalque ou desvio de dinheiro, bem ou valor público; ou ainda, alguma prática de ato ilegal ou ilegítimo que pudesse refletir em dano ao Erário.

Tratou como essencial a correção de falhas formais e materiais que exsurgem no procedimento de tomada de contas especial, para que se afastem as nulidades que maculam o processo de controle. Registra ainda, ausência de motivação, consagrada na Constituição Federal para toda e qualquer decisão administrativa.

Destaca que, mais do que princípios legais a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade, a economicidade e a eficiência são princípios constitucionais, devendo nortear as atividades de associações de fins públicos e sociais.

A parte recorrente tenta comprovar que a irregularidade apontada não se justifica pelo fato das pequenas Entidades de Interesse Social carecerem de profissionalização dos gestores, que acabam por cometer, excepcionalmente, falhas formais. Informa que o gestor da Creche Comunitária Lar das Crianças de Itapema cumpre com rigor as obrigações sociais. Além disso, a entidade carece de recursos públicos, e afirma que o impedimento de obtenção de novos recursos inviabilizará a continuidade de ações sociais desempenhadas pela Associação.

Por fim, apresenta documentação necessária à prestação de contas: notas fiscais, fotografias e despesas da Associação após o repasse da subvenção.

3 - Análise das Alegações de Defesa - Preliminar.

Analisando a Tomada de Contas Especial constata-se que houve a tentativa de citação da Responsável via A.R. com o intuito de apresentação de alegações de defesa e justificativas quanto as restrições (fls. 79 e 80)

Art. 213. Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender.

Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.

(....)

Art. 215. Far-se-á a citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado.

Nesse sentido a Súmula nº 59 do Tribunal de Contas da União estabelece que:

A citação do responsável, para apresentar alegações de defesa ou recolher o débito, constitui formalidade essencial, que deve preceder o julgamento do processo dos responsáveis por bens, valores e dinheiros públicos, pelo Tribunal de Contas.

Tal citação acabou não obtendo êxito, uma vez que o ofício foi devolvido pela Empresa de Correios e Telégrafos com a seguinte anotação "ENDEREÇO INSUFICIENTE".

Assim sendo, em despacho do Conselheiro Relator Salomão Ribas Júnior, foi determinada a realização de citação por edital da Sra. Nara Terezinha Barreto Gervasoni.

Sobre tal espécie de citação o Código de Processo Penal nos traz a seguinte redação:

Findado o prazo para apresentação de defesa pela Responsável, esta não se manifestou acerca dos fatos. Como é sabido, a citação por edital é ficta, e como a parte responsável não apresentou sua defesa, três eram as possibilidades para que o processo pudesse continuar seu trâmite legal: insistência na citação; suspensão do processo (art. 366, do CPP); ou determinação de curador especial (art. 9º, II, do CPC)

Mesmo sem a manifestação da parte responsável, não houve tentativa de nova citação, suspensão do feito, ou mesmo, nomeação de curador especial para promoção de defesa ao revel da citação editalícia, e efetivar o princípio do contraditório. Com a continuação do feito não foram observados os princípios de ampla defesa, contraditório e devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da CF)

Sobre a possibilidade de anulação de atos devido a nulidade de citação o Código de Processo Civil preceitua que:

Neste sentido GRECO FILHO afirma que:

Deste modo, não se poderia ter a continuação do feito do modo como foi procedido devido à falta de citação da parte responável.

Acerca do assunto, em Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tem-se o seguinte:

1) Matéria: PROCESSO CIVIL

Título: CITAÇÃO PELO CORREIO

Subtítulo: PESSOA FÍSICA

Entendimentos:

Órgão Julgador: 1ªT, 3ªT, 4ªT, 5ªT

A citação pelo correio de pessoa física deve ser entregue pessoalmente ao citando, de quem se exigirá a assinatura no AR (aviso de recebimento), não bastando a entrega da carta no endereço do réu a outra pessoa, mesmo que esta assine o recibo."

Órgão Julgador: 3ªT

É válida a citação de pessoa física pelo correio com AR entregue no endereço indicado pelo autor se assinada pelo porteiro, administrador, zelador ou outra pessoa responsável pelo recebimento da correspondência. Não sendo necessário que seja assinada pelo destinatário pessoalmente. Pode o citando alegar vício desta citação, provando que houve dolo (má-fé) por parte de uma das pessoas envolvidas na entrega da correspondência.

2) Acórdão: 164661/SP

Publicação: DJ 16/08/1999

Relator:Min. Sálvio de F. Teixeira

Órgão Julgador: 4ª Turma

Ementa: Direito processual civil e civil. Citação. Via postal. Pessoa física. Procedimento. Interpretação do art. 223, parágrafo único, CPC. Entrega pessoal ao citando. Necessidade. Ônus do autor de provar, no caso, a validade da citação. Precedente da Turma. Legislação anterior. Irrelevância. Condomínio. Convenção aprovada não registrada. Obrigação para as partes signatárias. Legitimidade do condomínio. Recurso especial. Prequestionamento. Ausência. Recurso acolhido.

I - Na citação de pessoa física por via postal, é indispensável a entrega diretamente ao citando, devendo o carteiro colher seu ciente.

II - Se o aviso de recebimento da carta citatória for assinado por outra pessoa, que não o próprio citando, e não houver contestação, o autor tem o ônus de demonstrar que o réu, ainda que não tenha assinado o aviso, teve conhecimento da demanda que lhe foi ajuizada.

(...).

O Tribunal de Contas da União manifesta entendimento no sentido de considerar nulas as citações que não atendam aos requisitos exigidos pela Lei Processual Civil:

Acórdão 46/1995

Processo nº TC 474.138/92-5

EMENTA. Recurso de Revisão sobre decisão da 1ª Câmara. Tomada de Contas Especial julgada irregular, com arquivamento do processo, dado o pequeno valor do débito. Débito recolhido. Quitação concedida mantendo-se a inclusão em lista específica para efeito de inelegibilidade. Conhecimento e provimento ao recurso, face a invalidade da citação.

(....)

De início merece, relevo mencionar que a assinatura aposta no "Aviso de Recebimento - AR" às fls. 40, documento que encaminhou o ofício citatório nº 828/92, realmente não pertence ao responsável, demonstrando, portanto, que não foi regularmente citado.

Observa-se a propósito desse assunto, o estabelecido nos "caputs" dos artigos 214, 215 e artigos 247, 248 do Código de Processo Civil .... .

(....)

Assim, é fato a nulidade da citação, razão porque reputamos procedentes as alegações do recorrente."

Sobre o assunto Meirelles afirma que:

A Constituição Federal tem a seguinte redação acerca do direito ao contraditório e à ampla defesa:

              Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
              (...)
              LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

    No entendimento de Ferraz:

              A Constituição de 1988, ao garantir que ninguém será privado da liberdade ou dos bens sem o devido processo legal, sendo assegurado, ainda, aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5°, LIV e LV), alçou ao nível de garantia fundamental o princípio do due process of law em sua face material.
              A ampla defesa e o contraditório são corolários da garantia do devido processo legal. Completam-se. A ampla defesa sugere a extensão em que deve ser concebido o direito: o adjetivo, ampla, não quer significar irrestrita, mas indica que ao interessado é dado manifestar-se, desde que de maneira lícita, com plenitude no transcorrer do processo. O contraditório apresenta o meio, a forma com que se deve dar a manifestação da defesa, demonstrando a estrutura dialéitca das situações ativas e passivas em que se vê inserido o interessado ao longo do processo.
              Dentro desta perspectiva deve ser analisada a possibilidade de imposição de cominações que afetam a ação e o patrimônio dos indivíduos pelos Tribunais de Contas. No particular, o órgão de controle, conquanto detentor de prerrogativas especiais, participa de sujeições impostas pelo regime jurídico-administrativo.
              Com efeito, o processo que perante eles - Tribunais de Controle Externo - se desenrola se nos afigura, para todos os efeitos, típico processo administrativo, tornando inevitável o respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa, nos termos do art. 5, °LV da Constituição.3

    Sobre o contraditório Greco Filho ensina que: