ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 08/00235410
Origem: Prefeitura Municipal de São Miguel do Oeste
Responsável: Luiz Basso
Assunto: Referente ao Processo - RPJ-06/00468488
Parecer n° COG-603/08

Prescrição. Pretensão punitiva. Código Civil. Prazo decenal.

1. Deve-se considerar o lapso prescricional de 10 (dez) anos para a pretensão punitiva quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, em conformidade com o estabelecido na Lei nº 10.406/02.

2. A interrupção do prazo prescricional se dá com o despacho de citação do responsável, nos termos do art. 202, I, do Código Civil.

3. Acolhida a preliminar de prescrição, deve o processo ser extinto nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil.

Recurso de Reconsideração. Cargo de provimento em comissão. Funções de direção, chefia e assessoramento. Exclusividade. Necessidade de concurso público.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

A Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) lavrou o Parecer nº 1.306/2007 (fls. 9-11), sugerindo o não conhecimento da Representação.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, de outro lado, manifestou-se pelo conhecimento da Representação (Parecer nº 3.407/2007), às fls. 13-14.

Por meio da decisão de fls. 15, a Representação foi conhecida.

A Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) lavrou o Relatório nº 2.235/2007, sugerindo a audiência do responsável (fls. 26-28).

Por despacho, o Relator, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, determinou a audiência do responsável (fl. 30).

O responsável apresentou defesa às fls. 32-40.

A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado nº 18.315, em 05/03/2008.

Em 04/04/2008, o Sr. Luiz Basso protocolou o presente Recurso de Reexame, por meio do qual requer o cancelamento da multa aplicada.

É o relatório.

PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

O recurso de reexame é disciplinado pelo art. 80 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, in verbis:

Art. 80. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, poderá ser interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. (grifou-se)

O recorrente, Sr. Luiz Basso, Prefeito Municipal de São Miguel do Oeste entre os exercícios de 1993 e 1996, é parte legítima para o manejo do presente recurso, porquanto se enquadra no conceito de responsável enunciado pelo art. 133, § 1º, da Resolução nº TC 16/2001:

O presente recurso de reconsideração foi interposto tempestivamente, em 04/04/2008, tendo em vista que a decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado nº 18.315, em 05/03/2008.

Outrossim, cumpre - o recurso - o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.

Estão presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade.

PRELIMINAR

Preliminarmente, argúi a prescrição, rechaçando a aplicação dos prazos prescricionais constantes do Código Civil ao presente caso. Defende a utilização do prazo prescricional da Lei 8.429/92. Alega que, mesmo considerando o prazo prescricional - de 10 anos - do direito civil, a prescrição teria ocorrido em 1º de janeiro de 2007, tendo em vista que o mandato do responsável se encerrou em 31 de dezembro de 1996. Argumenta, ainda, a inaplicabilidade da Lei Complementar 202/00 e da Resolução nº TC 06/2001, por se referir - o presente caso - a fatos anteriores à sua vigência.

Razão não lhe assiste.

Inicialmente, não há que se falar na inaplicabilidade da Lei Complementar 202/00 e da Resolução nº TC 06/2001, porquanto se referem a normas de direito processual - com aplicação imediata.

Por outro lado, cumpre rechaçar a aplicação da Lei nº 8.429/92, vale dizer, do prazo qüinqüenal ao presente caso. Diz o art. 23, I, da Lei 8.429/92:

Com efeito, a Lei 8.429/92 restringe-se à aplicação de sanções aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.

Não há que se falar, assim, na aplicação de tal diploma ao presente caso, porquanto não se perquire, aqui, eventual punição de ato de improbidade administrativa, mas sim o exercício do controle externo sobre o ato administrativo de contratação de servidora, sem prévia seleção por concurso público.

Quanto à prescrição, esta Corte de Contas tem adotado, como regra, o prazo prescricional de 10 anos previsto no art. 205 do Novo Código Civil. In verbis:

É o que se depreende do Relatório exarado nos autos do Processo Diverso nº 01/01547447, pelo Exmo. Sr. Conselheiro Relator Moacir Bertoli:

O mesmo entendimento é adotado pelo Tribunal de Contas da União. Diz o Acórdão nº 175/07, publicado no Diário Oficial da União em 02/03/07, com relatoria do Min. Ubiratan Aguiar:

8. Análise: Na vigência do Código Civil de 1916, esta Corte de Contas entendia que a Lei nº 9.873/99, que regulava a ação punitiva movida pela Administração Pública Federal, não se aplicava às pretensões punitivas desta Corte, uma vez que a atividade judicante do TCU não teria como fundamento o exercício do poder de polícia mas sim o controle externo previsto constitucionalmente (Acórdão nº 71/2000-Plenário, Acórdão nº248/2000-Plenário e Acórdão nº 61/2003-Plenário).

9. Quanto ao Acórdão nº 248/2000-Plenário, trago à colação os seguintes trechos:

'19.2.7 No que diz respeito à prescrição da pretensão punitiva, qual seja, a extinção do direito de punir do Estado, vale repisar que a própria Constituição Federal, em seu art. 37, § 5º, remete à lei ordinária a competência para estabelecer os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente público. Entendo, também, não deva prosperar a tese esposada pelos recorrentes no sentido de que, no ordenamento positivo, o atendimento à referida determinação constitucional deu-se com o advento da Medida Provisória n.º 1.708-2, posteriormente convertida na Lei nº 9.873, de 23.11.99(...)19.2.9É de se frisar que, com a edição da Lei n.º 9.268/96, a multa, sem perder a natureza penal, passou a ser considerada dívida de valor, à qual se aplicam as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, por sua vez disciplinada pela Lei de Execução Fiscal. De fato, como bem destacou o recorrente, o art. 2º da Lei n.º 6.830/80 afirma que se deve entender por dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei n.º 4.320/64, que, por seu turno (art. 39, § 2º), elenca os créditos da Fazenda Pública classificados como integrantes da dívida ativa não tributária. Analisando o rol apresentado neste dispositivo legal, forçoso é concluir estarem inseridos os originários das multas aplicadas por esta Corte.'

10. Cumpre destacar que o prazo de prescrição qüinqüenal é aplicável às ações de cobrança das dívidas passivas da União, conforme disciplinado pelo Decreto nº 20.910/32, enquanto que, no caso em comento, a União figura no pólo ativo. A jurisprudência desta Corte caminhou para existência de prescrição vintenária sobre as dívidas ativas da União (Acórdão nº 08/97-2a Câmara, Acórdão nº 11/98-2a Câmara, Acórdão nº 71/2000-Plenário e Acórdão nº 05/2003- 2a Câmara), baseada no art. 177 do Código Civil de 1916.

11. Com a edição do novo Código Civil de 2002, os prazos prescricionais passaram a obedecer o disposto no seu art. 205, in verbis: 'a prescrição ocorre em 10 anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.'.

12. O Exmo. Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, em sua Proposta de Decisão condutora do Acórdão nº 1727/2003-1a Câmara, discorreu sobre a prescrição após o advento do novo Código Civil bem como a regra de transição a incidir sobre fatos ocorridos na vigência do antigo diploma civil, in verbis:

'9. Registre-se que o novo Código não trouxe previsão de prazo prescricional específico para a cobrança de dívidas ativas da União, dos Estados ou dos Municípios, o que, ante a ausência de outra legislação pertinente, nos leva à aplicação da regra geral para as dívidas ativas decorrentes de atos praticados após 01/01/2003.

10. Com referência aos prazos já em andamento quando da entrada em vigor do novo Código Civil, este estabeleceu em seu art. 2.028:

'Art. 2.028 Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada'.

11. Desta feita, entendo, salvo melhor juízo, que quando ocorrerem, simultaneamente, as duas condições estabelecidas no artigo retromencionado - quais sejam, redução do prazo prescricional pelo novo Código Civil e transcurso, em 01/01/2003, de mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada - continuarão correndo os prazos na forma da legislação pretérita.'

13. Assim, no caos em tela, em que os fatos reputados como irregulares ocorreram em 1990, portanto, transcorridos 13 anos da data de entrada em vigor do Novo Código (2003), não há que se falar em prescrição.

Dessa forma, no âmbito dos Tribunais de Contas, não há que se falar na aplicação de prazo diverso do previsto no Novo Código Civil.

Feitas essas considerações, cumpre destacar a regra de transição aduzida pelo art. 2.028, do Código Civil, que diz:

In casu, como até 11/01/03 (data da entrada em vigor do Novo Código Civil) não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional, deve-se utilizar o interstício de 10 anos (art. 205 do Código Civil), e não o prazo prescricional de 20 anos estabelecido pelo art. 177 do Código Civil de 1916.

Assim, a despeito de a contratação da Sra. Sônia Beatriz Spinelli Peitter ter sido feita em 1º/02/1993, a irregularidade da admissão, em relação ao recorrente, perdurou até 31/12/1996 - data da cessação do mandato de prefeito municipal - sendo este o dies a quo do prazo prescricional.

Como a interrupção do prazo prescricional se deu apenas com o despacho de citação do responsável, em 16/10/2007 (fl. 29), transcorreram mais de 10 anos contados a partir do término do mandato do responsável, em 31/12/1996. Assim, houve prescrição.

É que nos termos do art. 202, parágrafo único, do Código Civil, reinicia-se a contagem do prazo prescricional ou do ato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper. Assim:

Nesse sentido, deve ser o presente processo extinto, nos termos do art. 269 do Código de Processo Civil. In verbis:

Por todo o exposto, é o presente parecer pelo acolhimento da presente preliminar, com a conseqüente extinção do processo nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil.

Passa-se, contudo, à análise do mérito.

MÉRITO

No mérito, argúi o recorrente que "a contratação da servidora Sônia Beatriz Spinelli Peiter (...) deu-se em 1º de fevereiro de 1993, no cargo de provimento em comissão de Assistente de alimentação e Limpeza, criado pela Lei Municipal nº 3.217, de 29 de janeiro de 1993, em face da necessidade imperiosa da Administração Pública, para os serviços de seu cargo junto às Escolas Municipais, no atendimento da merenda escolar, uma vez que na oportunidade eram de suma importância esses serviços para o préstimo da alimentação dos alunos da rede municipal de ensino. Acrescenta que a contratação da serviço para a ocupação de cargo em comissão foi fundamentada na Lei Municipal nº 3.217, de 29 de janeiro de 1993, "não cometendo qualquer ato ilícito, e na oportunidade de extrema necessidade desses serviços" (fl. 5). Alega boa-fé. Requer o cancelamento da multa, e, subsidiariamente, a redução da penalidade, proporcionalmente ao período de seu mandato, vale dizer, entre 1º de janeiro de 1993 e 31 de dezembro de 1997.

Não assiste razão ao recorrente.

Cumpre destacar, inicialmente, que o recorrente não apresenta, em suas razões recursais, justificativa nova, limitando-se a repetir os fundamentos aduzidos por ocasião da defesa preliminar, já rechaçadas, em sua integralidade, pelo Relatório de Reinstrução DMU nº 3.745 (fls. 41-47) e pelo Voto de fls. 55-57.

In casu, o Município de São Miguel do Oeste procedeu à nomeação de servidora para o exercício de cargo em comissão de Assistente em Alimentação e Limpeza, Nível 4, do Grupo FEC-SMC, conforme Portaria nº 278/93 (fl. 37 dos autos da RPJ nº 06/00468488.

Contudo, a atividade de "alimentação e limpeza" não condiz com o desempenho de atividades de direção, chefia e assessoramento, próprias de cargos em comissão.

Nesse sentido, houve descumprimento ao comando constitucional contido no art. 37, V, da Constituição da República Federativa do Brasil, que confere aos cargos de confiança as atribuições de direção, chefia e assessoramento:

Neste Tribunal de Contas, a matéria é bem elucidada pelos seguintes prejulgados, mutatis mutandis:

A doutrina conceitua os cargos de provimento em comissão da seguinte forma:

Com efeito, não importa o nomen juris que a lei atribua ao cargo. Para verificar se a função é condizente com a natureza do cargo em comissão e com as atribuições de direção, chefia e assessoramento, cumpre examinar as prerrogativas inerentes ao cargo.

No presente caso, não é difícil concluir que as funções de assistência em alimentação e limpeza não se coadunam com o conceito de direção, chefia e a assessoramento, enquadrando-se na definição de funções subalternas ou comuns.

As funções comuns são aquelas que não exigem habilitação especial, podendo ser desempenhada por qualquer um, a exemplo dos serviços de limpeza, de datilografia, de pintura3.

Dessa forma, a despeito dos nomes dos cargos em comissão em análise, não restou caracterizada a natureza de direção, chefia e assessoramento.

Não se enquadrando a atividade de "assistente em alimentação e limpeza" na definição de direção, chefia e a assessoramento, resta caracterizado o descumprimento do disposto no art. 37, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, que exige a aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo público. In verbis:

Note-se que a contratação temporária é admitida excepcionalmente, durante situação transitória. É o que diz o art. 37, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil:

Com efeito, a contratação temporária justifica-se nas hipóteses de vacância, criação e provimento de cargo por concurso público, calamidade, convênio, substituições em licenças, afastamentos e aposentadorias, durante tempo determinado.

No presente caso, todavia, não se vislumbra a excepcionalidade.

O cargo de assistente de alimentação e limpeza não têm natureza excepcional, mas sim de permanência e imprescindibilidade. Destina-se a prover as necessidades técnicas de qualquer município, devendo integrar o quadro de pessoal efetivo.

Ademais, conforme preceituam os Prejulgados nº 1.277 e 996 deste Tribunal de Contas, a contratação em caráter temporário deve observar alguns requisitos formais, não podendo ser feita livremente, ao talante do administrador. In verbis:

Como se pode observar, a contratação temporária de profissional decorrente da inexistência de cargo público correspondente exige: edição de lei municipal específica autorizadora, fixação prévia do prazo de contratação ou realização de prévia licitação.

No presente caso, houve descumprimento de, pelo menos, duas dessas formalidades. Não consta dos autos informação quanto à efetiva edição contemporânea de lei municipal autorizando a contratação, assim como não se tem notícia da existência de fixação prévia do prazo.

Prova dessa irregularidade é a própria Portaria de nomeação nº 278/93 (fl. 37 dos autos da RPJ nº 06/00468488), que não estabeleceu o prazo da investidura da servidora. Note-se, ademais, que a investidura da servidora foi sendo sucessivamente prorrogada até 2004 (fls. 17-25 dos autos da RPJ nº 06/00468488), atingindo os mandatos seguintes.

Cumpre destacar, ainda nesse sentido, o teor da Consulta nº 07/00413421, Decisão nº 2.591/2007, da lavra do Auditor Cléber Muniz Gavi:

            (...)

Nesses termos, não caracterizada a situação de necessidade temporária de excepcional interesse público, é o presente parecer pela manutenção da multa.

CONCLUSÃO

Em face do exposto, propõe o presente parecer:

4.1 O conhecimento do presente Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, interposto em face do Acórdão nº 1.581/2007 (fls. 101-102), proferido nos autos da Prestação de Contas de Administrador nº 06/00095355;

4.2 No mérito, o provimento para:

4.2.1 Cancelar a multa constante do item 6.2 do Acórdão recorrido, aplicada em face da contratação da servidora Sônia Beatriz Spinelli Peitter, em 1º/02/1993, sem prévia seleção por concurso público, em descumprimento ao disposto no art. 37, II, da Constituição da República Federativa do Brasil, tendo em vista a ocorrência de prescrição, com a conseqüente extinção do processo, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil;

4.3 A ciência do decisum, parecer e voto ao Sr. Valdeci Figueredo, Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Forquilhinha no exercício de 2005, e à Prefeitura Municipal de Forquilhinha.

À consideração de Vossa Excelência.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral