ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 08/00467469
Origem: Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC
Interessado: Miguel Ximenes De Melo Filho
Assunto: Consulta
Parecer n° COG - 661/08

Administração Pública indireta. Celebração de convênios.

É possível a celebração de convênios entre empresa estatal e instituições sem fins econômicos sem que haja vinculação societária.

Senhor Consultor,

Trata-se de Consulta formulada pelo Presidente Executivo da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, Sr. Miguel Ximenes de Melo Filho, relativa à participação de sociedade de economia mista em empresa privada.

O Consulente esclarece que o estatuto social da CODESC, que é uma sociedade de economia mista, autoriza a Companhia a oferecer ao Estado garantias e contra garantias, bem como a negociar ações e cotas de outras sociedades, inclusive o controle do capital votante, tanto de sociedades de economia mista como de empresas privadas.

Após transcrever o art. 4º do mencionado estatuto, formula o Consulente os seguintes questionamentos:

É o relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.

§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.

2.1 DA COMPETÊNCIA

2.2 DO OBJETO

Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pelo Consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formuladas em tese, o que está de acordo com o que dispõem o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, razão pela qual está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

O Consulente, na condição de Presidente Executivo da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, I, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.

2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

A Consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Dessa forma, o requisito previsto no art. 104, inciso V, não está preenchido, contudo, por força do que dispõe o § 2º do art. 105, ambos do Regimento Interno, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.

2.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que os requisitos previstos no art. 104, incisos I a III, essenciais para o conhecimento da Consulta nos termos do art. 105, § 1º, ambos do Regimento, foram preenchidos, razão pela qual, caso superada a ausência de parecer jurídico, sugere-se o conhecimento do presente processo.

3. ANÁLISE DA CONSULTA

Conforme relatado acima, a Consulta versa sobre a participação de sociedade de economia mista em empresa privada.

Por oportuno, é importante registrar que como o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo Consulente.1

Nesse sentido, assim dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):

A seguir, serão respondidos os questionamentos na ordem em que foram formulados pelo Consulente, com exceção dos itens 2 e 4, que por uma questão de melhor compreensão do tema, serão vistos após a análise do item 3.

3.1. PARTICIPAÇÃO DO ESTADO EM EMPRESA PRIVADA. NATUREZA JURÍDICA.

A primeira pergunta objeto desta Consulta, possui o seguinte teor:

Como se sabe, a participação das entidades integrantes da Administração Indireta do Estado em empresa privada, com autorização legal, está prevista no inciso XX, art. 37, da Constituição Federal, bem como no § 2º, do art. 13, da Constituição Estadual.

No que diz respeito à conservação da natureza jurídica da empresa, ela continuará a ser uma pessoa jurídica de direito privado, independentemente da quantidade de ações que o Estado vier a adquirir, assim como as empresas públicas e sociedades de economia mista possuem personalidade jurídica de direito privado a despeito de pertencerem à Administração Pública indireta.

O que sofreria alteração seria o regime a que passaria a se subordinar a empresa privada, pois conforme foi informado pelo Consulente, a participação do Estado nesta sociedade, por meio de uma de suas entidades, concretizaria-se com a aquisição de cotas que representassem mais da metade do capital social com direito a voto.

Então, qual seria o regime jurídico aplicável à empresa que se encontrasse nesta situação?

É certo que de acordo com a Constituição Federal é possível a participação societária do Estado em empresa privada, desde que haja autorização legal.

Por outro lado, a Constituição Federal também estabelece em seu art. 173, caput, que, ressalvados os casos previstos no texto constitucional, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo e será exercida por meio das empresas estatais, mediante autorização legal.

Assim, será visto se a aquisição pelo Estado de cotas que representassem mais da metade do capital social com direito a voto de empresa privada seria a participação prevista no art. 37, inciso XX, in fine, ou a exploração direta da atividade econômica pelo Estado, prevista no art. 173, ambos da Constituição Federal.

Para o direito societário, a aquisição de mais da metade do capital social com direito a voto de empresa privada, poderia transformar o Estado, mais do que um mero participante, em o acionista controlador da companhia.

Segundo a Lei Federal 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades por ações, nesta hipótese, o Estado possuiria o direito de exercer o poder de controle da empresa, senão veja o que diz os artigos art. 116 e 243 §2º:

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho2:

Percebe-se que possuir mais da metade das ações ou cotas com direito a voto assegura à controladora, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

Portanto, nesta hipótese, o Estado, mais do que um simples participante, na qualidade de controlador possuiria o direito de exercer o poder de comando e direção da empresa privada, razão pela qual o Estado não estaria simplesmente realizando a participação societária prevista no art. 37, inciso XX, in fine, da Constituição Federal, mas sim exercendo diretamente a atividade econômica.

E a exploração direta da atividade econômica pelo Estado deve ser feita nos termos dos artigos 37, XIX e 173, caput, do texto constitucional, ou seja, por intermédio de empresas públicas e sociedades de economia criadas com autorização legal e quando necessárias aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme ensina Hely Lopes Meirelles3:

        Outra forma de atuação do Estado no domínio econômico é a instituição de empresas estatais - empresas públicas e sociedades de economia mista - cuja criação deve ser autorizada por lei específica (CF, art. 37, XIX), quando necessárias "aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei" (CF, art. 173). Lei federal, obviamente. Tais empresas só se justificam quando suas congêneres particulares forem insuficientes para atender à demanda do mercado em obras, produtos ou serviços, pois o Poder Público não pode nem deve competir com as atividades da indústria ou do comércio.

Por conseguinte, ao tornar-se acionista controlador de empresa, o Estado estaria explorando diretamente a atividade econômica, o que somente poderia ser feito pelas empresas estatais, motivo pelo qual a empresa privada que se encontrasse nesta situação seria considerada integrante da Administração Pública indireta do Estado.

O fato da criação da sociedade não ter sido autorizada por lei não pode ser utilizado como argumento para não considerar a empresa como integrante da Administração Pública, tão pouco como subterfúgio para não incidência das regras de direito público, pois uma transgressão da Constituição Federal não pode legitimar ações feitas ao seu arrepio.

Nesse sentido leciona Celso Antônio Bandeira de Mello4:

        [..]
        Regime jurídico das empresas estatais chamadas "clandestinas"
        Quid juris no que concerne às que tenham surgido sem autorização legislativa de qualquer espécie? Este desmando já ocorreu no Brasil inúmeras vezes, como dantes se averbou, e as pessoas assim nascidas aí estão há muitos anos. Entendemos que – apesar de haverem irrompido defeituosamente no universo jurídico – a circunstância de se constituírem em realidade fática da qual irrompeu uma cadeia de relações jurídicas pacificamente aceitas impõe que se as considere assujeitadas a todos os limites e contenções aplicáveis a sociedade de economia mista ou empresas públicas regularmente constituídas, até que sejam extintas ou sanado o vício de que se ressentem. Com efeito, seria o maior dos contra-sensos entender que a violação do Direito, ou seja, sua mácula de origem, deva funcionar como passaporte para que se libertem das sujeições a que estariam submissas se a ordem jurídica houvesse sido respeitada.

A propósito, este Tribunal de Contas já decidiu neste sentido no processo nº RPA 05/00501254, que em muito se assemelha com a hipótese levantada pelo Consulente, pois trata de aquisição pelo Estado, por intermédio da CODESC, de ações preferenciais que representam 90% do capital da empresa Sapiens Parque S/A5.

Naquela ocasião a relatora Auditora Sabrina Nunes Iocken, acompanhada pelo Pleno por meio da Decisão nº 4192/20076, entendeu que após a integralização do capital subscrito acima mencionado, a empresa Sapiens Parque S/A se tornou uma subsidiária da CODESC, integrando a Administração indireta do Estado, razão pela qual e tendo em vista ainda expressa autorização legislativa, não acolheu a restrição apontada pelo corpo técnico deste Tribunal, segundo o qual a alienação de terreno de propriedade da CODESC, com área de 3.403.509 m2, sob a matrícula nº 36.644, com valor de R$ 134.099.697,00, a título de integralização ao capital social da empresa Sapiens Parque S/A, teria ocorrido em desacordo com o art. 17, caput, da Lei 8.666/93, por falta de comprovação de interesse público, in verbis:

        Da mesma forma, não vejo ofensa ao art. 17, caput, da Lei 8.666/93, tendo em vista que expressa autorização legislativa para utilização do bem na integralização de capital social na Sapiens Paque S/A, que se tornou uma sociedade subsidiária e, como tal, pertencente à Administração Indireta do Estado. (g.n.)
        [...]

Portanto, tendo em vista a quantidade e a qualidade das ações que o Estado viesse a adquirir, bem como precedente deste Tribunal que no caso concreto considerou a Sapiens Parque S/A uma sociedade subsidiária da CODESC, que subscreveu e integralizou 90% das ações da empresa, pode-se afirmar que aplicar-se-ia à empresa objeto desta Consulta o regime jurídico de direito público, pois em tal situação ela pertenceria à Administração Pública indireta.

No caso do processo de representação nº RPA 05/00501254 acima citado, com acerto decidiu o Tribunal Pleno em considerar o Sapiens Parque S/A como uma entidade pertencente à Administração Indireta, pois além de ser constituída por 90% de capital público7, referida empresa é uma sociedade de propósito específico que objetiva executar o projeto de desenvolvimento regional denominado SAPIENS PARQUE, atribuição esta que é competência do Estado, conforme definido pelo art. 8º, inciso V, da Constituição Estadual, que possui o seguinte texto:

        [...]
        V - elaborar e executar planos metropolitanos, regionais e microrregionais de desenvolvimento; (g.n.)[...]

E o art. 1º, da Lei Estadual nº 13.436/05, esclarece o objetivo social da empresa Sapiens Parque S/A:

    Art. 1º Fica a Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC autorizada a participar societariamente na SAPIENS PARQUE S.A., sociedade de propósito específico que objetiva executar o projeto de desenvolvimento regional denominado "SAPIENS PARQUE", conforme disposto no art. 13, § 2º da Constituição do Estado, cuja subscrição foi realizada em 30 de maio de 2003." (g.n.)

    A execução de projetos regionais de desenvolvimento é serviço público por determinação constitucional, pois é uma atividade de competência do Estado, conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello8:

          17. A Carta Magna do País já indica, expressamente, alguns serviços antecipadamente propostos como da alçada do Poder Público federal. Serão, pois, obrigatoriamente serviços públicos (obviamente quando volvidos à satisfação da coletividade em geral) os arrolados como de competência das entidades públicas.
          [...]
          18. A enumeração dos serviços que o Texto Constitucional considera públicos não é exaustiva.
          Ademais, muitos serviços públicos são de alçada exclusiva de Estados, Distrito Federal ou dos Municípios, assim como outros serão comuns à União e a estas diversas pessoas. Por exemplo: "cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e da garantia das pessoas portadoras de deficiência" (art. 23, II), ou "proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência" (art. 23, V), " promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (art. 23, IX). (g.n.)

    Desta maneira, conclui-se que a empresa Sapiens Parque S/A, embora não tenha sido autorizada sua criação por lei, possui a essência das empresas estatais, pois presta serviço público na medida em que possui o objetivo social de executar projetos de competência do Estado, atuando como instrumento de ação do Poder Público.

    Sobre a essência das empresas estatais, Celso Antônio Bandeira de Mello9 ensina que tais entes são, por natureza, instrumentos de ação do Estado, nos seguintes termos:

          50. Empresas públicas e sociedade de economia mistas são, fundamentalmente e acima de tudo, instrumento de ação do Estado. O traço essencial caracterizador destas pessoas é o de se constituírem em auxiliares do Poder Público; logo, são entidades voltadas, por definição, à busca de interesses transcendentes aos meramente privados.
          [...]
          51. O traço nuclear das empresas estatais, isto é, das empresas públicas e sociedade de economia mista, reside no fato de serem coadjuvantes de misteres estatais. Nada pode dissolver este signo insculpido em suas naturezas. Dita realidade jurídica representa o mais certeiro norte para a intelecção destas pessoas. Conseqüentemente, aí está o critério retor para interpretação dos princípios jurídicos que lhes são obrigatoriamente aplicáveis, pena de converter-se o acidental - suas personalidades de Direito Privado - em essencial, e o essencial - seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado - em acidental.

    Veja que a outorga da titularidade dos serviços públicos deveria ser realizada por lei a uma das entidades integrantes da Administração Pública indireta, conforme leciona Hely Lopes Meirelles10:

          Quando a Administração Pública executa seus próprios serviços, o faz como titular dos mesmos; quando os comete a outrem, pode transferir-lhe a titularidade ou simplesmente a execução. A transferência da titularidade do serviço é outorgada por lei e só por lei pode ser retirada ou modificada; a transferência da prestação do serviço é delegada por ato administrativo (bilateral ou unilateral) e pela mesma forma pode ser retirada ou alterada, exigindo apenas, em certos casos, autorização legislativa. Entre nós, a outorga de serviço público ou de utilidade pública é feita às autarquias, fundações públicas e às empresas estatais, pois que a lei, quando as cria, já lhes transfere a titularidade dos respectivos serviços, e a delegação é utilizada para o trespasse da execução de serviços a particulares, mediante regulamentação e controle do Poder Público. [...] (g.n.)

    O mencionado autor também ensina que o particular somente pode receber a execução do serviço (e não a titularidade) mediante delegação, o que parece não ter ocorrido no caso da Sapiens Parque S/A.

    Aliás, a Lei Federal nº 11.079/04, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, que é uma das formas previstas pelo ordenamento jurídico de delegação de serviço público, veda à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de propósito específico (art. 9º, § 4º), nos seguintes termos:

          Capítulo IV
          DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO
          Art. 9o Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria.
          § 2o A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado.
          § 3o A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento.
          § 4o Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo.

    Além disso, confirmando o que se disse alhures sobre o dever de direção do acionista controlador sobre a sociedade controlada, ex vi o que dispõe o art. 116 e art. 243, § 2º, da Lei Federal 6.404/76, o art. 4º Lei Estadual nº 13.436/2005, que autorizou a participação societária da CODESC na Sapiens Parque S/A, estabeleceu o dever do Poder Executivo de participar efetivamente no comando da empresa, senão veja-se:

          Art. 4º Para preservar o interesse do patrimônio público e buscar o fim a que se propõe a SAPIENS PARQUE S.A., o Poder Executivo deverá, por meio da entidade partícipe, realizar todas as medidas inerentes ao pleno exercício da condição de acionista, podendo assinar acordo de acionistas, exercer direitos de preferência, permitir a participação de outros sócios, públicos ou privados, votar e eleger administradores.

    Portanto, respondendo objetivamente ao questionamento em enfoque, a aquisição pelo Estado, por intermédio por uma de suas entidades da Administração Pública indireta, de cotas ou ações de empresa privada que representassem mais da metade de seu capital social não modificaria a personalidade jurídica da empresa, que entretanto passaria a estar limitada por algumas regras de direito público (licitação, concurso público, prestação de contas ao TCE/SC, etc), pois neste caso não estaria configurada a participação societária prevista no artigo 37, inciso XX, in fine, da Constituição Federal, mas sim a exploração direta da atividade econômica pelo Estado prevista no art. 173, caput, também da Constituição Federal, na medida em que para o direito societário, a aquisição de mais da metade do capital social com direito a voto de empresa privada, poderia transformar o Estado, mais do que um mero participante, em o acionista controlador da companhia.

    A exploração direta da atividade econômica pelo Estado deve se dar por meio de empresa pública ou sociedade de economia mista, razão pela qual a empresa privada que exercer de fato esta atividade deve ser considerada como integrante da Administração Pública indireta do Estado, a despeito de ausência de autorização legal para sua criação, conforme precedente deste Tribunal de Contas e previsão doutrinária.

    Também é limitada pelas regras de regime de direito público a empresa privada que presta serviços públicos cuja competência seja atribuída constitucionalmente ao Estado, como no caso do serviço público de execução de projeto de desenvolvimento regional previsto no art. 8º, inciso V, da Constituição do Estado de Santa Catarina, pois a outorga da titularidade do serviço público deve ser feita às entidades integrantes da Administração Pública indireta.

    O vício de falta de autorização legislativa tanto para a criação da empresa estatal como para a outorga de serviço público deve ser sanado pelo Estado, sob pena de burla ao artigo 37, incisos XIX e XX, da Constituição Federal e art. 13, § 1º, inciso II, da Constituição Estadual.

    Ademais, reitera-se que a Lei Federal nº 11.079/04 veda à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de propósito específico.

    3.2. EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO.

    Esta foi a pergunta formulada no terceiro item:

          3. Passaria a empresa ao status de entidade integrante da administração pública estadual indireta?

    Em conformidade com os fundamentos expostos anteriormente, a empresa passaria a integrar a Administração Pública indireta, devendo o Estado sanar o vício de falta de autorização legislativa, conforme apontado acima.

    3.3. EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. SUJEIÇÃO AO REGIME DE DIREITO PÚBLICO.

    Eis a segunda pergunta objeto desta Consulta:

          2. Independentemente de sua natureza jurídica, estaria a empresa sujeita às normas atinentes às licitações e concursos públicos, e à contabilidade pública?

    Como integrante da Administração Pública indireta, a empresa estaria subordinada aos princípios e ditames previstos no art. 37, da Constituição Federal abaixo transcrito, inclusive no concernente às regras do concursos público e da licitação:

          Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
          [...]
          II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
          [...]
          XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

    No que se refere à contabilidade, as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços estatuídas pela Lei Federal 4.320/64, somente são aplicáveis à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, estando excluídas do campo de incidência da mencionada lei as entidades integrantes da Administração Pública indireta, conforme demonstra seu artigo 1º:

          Art. 1º Esta lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o disposto no art. 5º, inciso XV, letra b, da Constituição Federal.

    Por conseguinte, as empresas estariam sujeitas às normas atinentes às licitações e concursos públicos, exceto no que diz respeito à contabilidade, que permaneceria de direito privado, pois tais entidades não foram contempladas na Lei Federal nº 4.320/64.

    3.4. EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS.

    É a quarta pergunta:

          4. Estaria tal empresa sujeita a qualquer forma de prestação de contas ou submetida à fiscalização desse egrégio Tribunal de Contas?

    A empresa, na qualidade de integrante da Administração Pública indireta, estaria sujeita a fiscalização pelo Tribunal de Contas do Estado, nos termos do art. 70 e 71 da Constituição Federal e 58 e 59 da Constituição Estadual.

    3.5. EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. REGIME JURÍDICO DOS BENS INTEGRALIZADOS.

    Eis a quinta pergunta:

          5. Caso houvesse dispositivo legal expresso quanto a conservação da natureza jurídica dessa empresa e se o Estado realizasse sua participação por meio da transferência de bens, a título de integralização de capital, a que regime jurídico tais bens estariam sujeitos após efetuada a incorporação ao patrimônio da empresa?

    Conforme dito anteriormente, a aquisição pelo Estado de mais da metade do capital social com direito a voto de empresa privada não modificaria sua natureza jurídica, que permaneceria uma pessoa jurídica de direito privado, de maneira que se tornaria dispensável expressa previsão legal a este respeito.

    O que sofreria modificação, repita-se, seria o regime jurídico aplicável, que no caso apresentado seria de direito público, como exposto acima no item 3.1.

    Posto isto, os bens integralizados pelo Estado na empresa, estariam subordinados ao regime de direito público, pois a própria empresa seria integrante da Administração Pública indireta.

    3.6. EMPRESA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS.

    Por fim, a sexta pergunta:

          6. Caso a empresa estivesse subjugada aos princípios que regem a administração pública, seria possível que celebrasse convênios com instituições sem fins econômicos ou lucrativos para a execução de projetos de alta complexidade tecnológica, científica, ambiental, sócioeconômica, cultural ou acadêmica, independentemente de eventual vinculação societária entre as entidades e a referida empresa?

    O objeto da pergunta refere-se sobre a possibilidade de empresa considerada como integrante da Administração Pública indireta celebrar convênio com instituições sem fins econômicos ou lucrativos para execução de projetos de alta complexidade tecnológica, científica, ambiental, socioeconômica, cultural ou acadêmica, sem vinculação societária.

    O convênio celebrado pelo Poder Público com o particular, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro11, pressupõe a existência de fomento à iniciativa privada pelo Estado.

    Para esta autora, o convênio é o instrumento adequado para o Estado incentivar o particular a exercer atividades de interesse público, senão veja-se:

    Assim, o convênio possui a finalidade de incentivar o particular, por meio de auxílios financeiros ou subvenções, a realizar atividades que beneficiem a coletividade.

    Logo, as entidades sem fins econômicos podem celebrar convênios com a Administração Pública como forma de fomentar suas atividades, que devem ter interesse público e trazer benefícios para a sociedade.

    Particularmente com relação às atividades nas áreas tecnológica, científica, ambiental, socioeconômica, cultural e educacional, em princípio, elas podem ser consideradas atividades de interesse público, pois estão no âmbito das atividades sociais, conforme afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro12, in verbis:

          Assim é que o Estado, em vez de desempenhar, ele mesmo ou por meio de suas empresas, determinadas atividades comerciais, industriais ou financeiras, apenas auxilia o particular que queira fazê-lo; também no âmbito das atividades sociais, com ou sem fim lucrativo, como a cultura, a pesquisa, a educação, assistência social, o Estado tem a opção de prestá-las como serviços públicos próprios ou de incentivar o particular a prestá-las como serviços públicos impróprios (ver item 10.4).
          Já foi visto, em relação à saúde, que ela pode ser prestada pelo Estado como serviço público próprio, ou pelo particular, como serviço público impróprio. Quando prestada pelo particular, o Estado pode fomentar, pela outorga de auxílios e subvenções, que se formaliza mediante convênio. O serviço prestado pelo particular não perde a natureza de serviço privado para transformar-se em serviço público; ele continua sendo prestado como serviço privado, porém sujeito ao controle e fiscalização pelo Poder Público, não só com base no poder de polícia que se exerce normalmente sobre todas as atividades na área da saúde, mas também sobre a utilização dos recursos públicos, que deverá ser feita de acordo com as normas ajustadas no convênio. (g.n.)

    Observe que a citada autora, mencionando como exemplo a saúde, "mãe" das atividades sociais, expressamente admitiu o convênio como forma de fomento.

    Aliás, na área de saúde, a própria Constituição Federal, art. 199, § 1º, prevê o convênio como forma de cooperação entre as instituições privadas e o Estado, nos seguintes termos:

          Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
          § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.(g.n.)
          [...]

    Além disso, a Constituição Federal, nos artigos 174, 205, 213, 215, 218 e 225, estabelece o comando para o Estado de apoiar e incentivar as atividades tecnológica, científica, ambiental, socioeconômica, cultural e acadêmica (leia-se educacional), nos seguintes termos:

          Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
          [...]
          Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
          [...]
          Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
          I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
          II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
          § 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
          § 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público.
          [...]
          Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
          [...]
          Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.
          [...]
          Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (g.n.)

    E a Constituição Estadual, no artigo 9º, incisos V e VI, estabelece como competências do Estado:

          Art. 9º O Estado exerce, com a União e os Municípios, as seguintes competências:
          [...]
          V - proporcionar os meios de acesso a cultura, a educação e a ciência;
          [...]

    Portanto, considerando-se que as atividades no âmbito tecnológico, científico, ambiental, socioeconômico, cultural e educacional são atividades sociais e como tais possuem interesse público, conclui-se que é possível a utilização do convênio como forma do Estado incentivar instituições sem fins econômicos ou lucrativos.

    Neste caso, não haveria vinculação societária entre o Poder Público e o particular, pois o convênio visa somente o fomento de atividades desenvolvidas pelo particular que possuam interesse público.

    De qualquer maneira, os incentivos financeiros devem ser transferidos de acordo com o previsto constitucional e legalmente, como no caso da educação, cuja transferência de recursos deve se dar na forma do art. 213 da Constituição Federal acima transcrito e também sejam os recursos razoáveis e compatíveis com o instituto do fomento (incentivo, ajuda), recursos estes que serão fiscalizados pelo Tribunal de Contas, de acordo com o art. 71, inciso VI, da Constituição Federal e art. 59, inciso VI, da Constituição Estadual, que possuem as seguintes redações:

          Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
          [...]
          VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; (g.n.)
          Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:
          [...]
          VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado a Municípios, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento congênere, e das subvenções a qualquer entidade de direito privado; (g.n.)

    Entretanto, caso os projetos sejam de competência do Estado, como por exemplo o projeto de desenvolvimento regional previsto no art. 8º, inciso V, da Constituição Catarinense, a transferência ao particular deve ser feita por delegação, pois neste caso a execução dos projetos é considerada serviço público por determinação constitucional, conforme esclarecido no item 3.1 (fs. 13).

    Eis o teor do art. 8º, inciso V, da Constituição Estadual:

          Art. 8º Ao Estado cabe exercer, em seu território, todas as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal, especialmente:
          [...]
          V - elaborar e executar planos metropolitanos, regionais e microrregionais de desenvolvimento;
          [...]

    Desta forma, há que se tomar cuidado para que o convênio não seja utilizado impropriamente como meio de delegação de serviço público, pois este não é o instrumento adequado para tal finalidade.

    Para Maria Sylvia Zanela Di Pietro13 o convênio é incompatível com a delegação de serviços públicos, senão veja-se:

          [...]
          O convênio não se presta à delegação de serviço público ao particular, porque essa delegação é incompatível com a própria natureza do convênio; na delegação ocorre a transferência de atividade a uma pessoa para outra que não a possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências institucionais comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos.

    Hely Lopes Meirelles14 ensina que a delegação opera-se com a transferência da execução do serviço para o particular, permanecendo a titularidade do mesmo em poder do Estado, nos seguintes termos:

    No presente caso, a titularidade do serviço de execução de planos regionais, que é do Estado de acordo com o art. 8º, inciso V, da Constituição do Estado, permaneceria com ele, sendo transferida ao particular apenas a execução do mesmo.

    Por conseguinte, a celebração de convênio com instituições sem fins econômicos ou lucrativos com o objetivo de delegar-lhes serviços públicos não é possível, pois o convênio não pode ser utilizado para este fim.

    A delegação de serviços públicos aos particulares, tradicionalmente, ocorre por meio da concessão e da permissão, conforme previsto no art. 175 da Constituição Federal e regulamentado pela Lei Federal nº 8.987/95, havendo outros meios de delegação citados pela doutrina como a parceria público privada, regulamentada pela Lei Federal nº 11.079/04 e o contrato de gestão com organizações sociais, regulamentado pela Lei Federal nº 9.790/99 e Lei Estadual nº 12.929/04.

    Cabe ao administrador público verificar no caso concreto, dentro dos limites constitucionais e legais, qual a forma mais conveniente e oportuna para delegar os serviços de competência do Estado.

    De todo modo, qualquer que seja o meio utilizado para a delegação do serviço público, o particular deverá prestar contas a este Tribunal, na forma do art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal e art. 58, § único, da Constituição Estadual, segundos os quais:

          Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
          Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (g.n.)

          Art. 58. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e dos órgãos e entidades da administração pública, quanto a legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pela Assembléia Legislativa, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
          Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública ou privada que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária. (g.n.)

    Portanto, respondendo objetivamente ao questionamento proposto, seria possível a celebração de convênios entre empresa subjugada aos princípios que regem a Administração Pública e instituição sem fins econômicos ou lucrativos para execução de projetos de alta complexidade tecnológica, científica, ambiental, socioeconômica, cutural e educacional, sem que houvesse vinculação societária, desde que os convênios tenham como finalidade o fomento das atividades de interesse coletivo desenvolvidas pelas instituições particulares.

    Os incentivos financeiros devem ser transferidos de acordo com o previsto constitucional e legalmente e ser razoáveis e compatíveis com o instituto do fomento (incentivo, ajuda).

    Os recursos públicos repassados por meio dos convênios serão fiscalizados pelo Tribunal de Contas, de acordo com o art. 71, inciso VI, da Constituição Federal e art. 59, VI, da Constituição Estadual.

    Porém, a transferência ao particular de execução de projetos que sejam de competência do Estado, como por exemplo o projeto de desenvolvimento regional previsto no art. 8º, inciso V, da Constituição do Estado, deve ser feita por delegação de serviços públicos, cabendo ao administrador verificar, no caso concreto, dentro dos limites constitucionais e legais, quais os meios mais oportunos e convenientes para a Administração Pública.

    O delegatário do serviço público deve prestar contas a este Tribunal sobre os recursos públicos por ele administrados, nos termos do art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal e art. 58, parágrafo único, da Constituição Estadual.

        4. CONCLUSÃO

        Em consonância com o acima exposto e considerando:

          1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso I do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;

          2. Que a Consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

          3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.

          Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Salomão Ribas Junior que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Presidente Executivo da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, Sr. Miguel Ximenes de Melo Filho, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

          1. Conhecer da Consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

          2. Responder a consulta nos seguintes termos:

          2.1. A exploração da atividade econômica em regra compete à iniciativa privada, permite-se a intervenção do Estado por intermédio de empresas públicas e sociedades de economia mista, criadas com autorização legal, desde que seja imperioso à segurança nacional ou exista relevante interesse público;

          2.2. Pelo artigo 37, XIX, in fine, da Constituição da República, a Administração Pública, através das empresas públicas ou sociedades de economia mista, pode adquirir ações ou quotas de empresas privadas;

          2.3. Quando ocorrer aquisição, por parte das empresas estatais, de quotas ou ações representativas de mais da metade do capital social com direito a voto de empresa privada, a companhia passará ser administrada pelo Estado através da estatal controladora, o que, por conseqüência, a transformará em entidade integrante da administração indireta;

          2.4. A doutrina classifica essa nova sociedade, que se formou com a aquisição das quotas ou ações representativas de mais da metade do capital social com direito a voto de empresa privada, em empresa estatal clandestina;

          2.5. A empresa estatal clandestina manterá a personalidade jurídica de direito privado, mas embora permaneça sob a égide da contabilidade privada, passará a integrar a administração indireta do Estado, sofrendo as limitações do direito público, o que a obrigará a realizar licitação e concurso público, bem como ser jurisdicionada do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina;

          2.6. A outorga da titularidade de serviços públicos cuja competência seja atribuída constitucionalmente ao Estado, como, por exemplo, a execução de projeto de desenvolvimento regional previsto no art. 8º, inciso V, da Constituição do Estado de Santa Catarina, somente pode ser efetivada às entidades integrantes da Administração Pública indireta;

          2.7. Na hipótese de ser formalizada parceria público privada (Lei Federal nº 11.079/04), concessão simples (Lei Federal nº 8.987/95) ou mera prestação de serviço (Lei Federal nº 8.666/93), a existência de prévio procedimento licitatório é requisito fundamental para a regularidade do procedimento;

        2.8. Quando tratar-se de parceria público privada, a Administração Pública não poderá ser titular da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico (SPE);

        2.9. É possível a celebração de convênios entre empresa subjugada aos princípios que regem a Administração Pública e instituição sem fins econômicos ou lucrativos para execução de projetos de alta complexidade tecnológica, científica, ambiental, socioeconômica, cultural e educacional, sem que haja vinculação societária, desde que os convênios tenham como finalidade o fomento das atividades de interesse coletivo desenvolvidas pelas instituições particulares;

        2.9.1. Os incentivos financeiros devem ser transferidos de acordo com o previsto constitucional e legalmente e ser razoáveis e compatíveis com o instituto do fomento (incentivo, ajuda);

        2.9.2. Os recursos públicos repassados por meio dos convênios serão fiscalizados pelo Tribunal de Contas, de acordo com o art. 71, inciso VI, da Constituição Federal e art. 59, inciso VI, da Constituição Estadual;

        2.10. A transferência ao particular de execução de projetos que sejam de competência do Estado, como por exemplo o projeto de desenvolvimento regional previsto no art. 8º, inciso V, da Constituição do Estado, deve ser feita por delegação de serviços públicos, cabendo ao administrador verificar, no caso concreto, dentro dos limites constitucionais e legais, quais os meios mais oportunos e convenientes para a Administração Pública;

        2.11. O delegatário do serviço público deve prestar contas a este Tribunal sobre os recursos públicos por ele administrados, nos termos do art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal e art. 58, § único, da Constituição Estadual.

        3. Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas;

        4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao Presidente Executivo da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, Sr. Miguel Ximenes de Melo Filho.

        COG, em 20 de agosto de 2008.

        Valéria Rocha Lacerda Gruenfeld

        Auditora Fiscal de Controle Externo

        De Acordo. Em ____/____/____

        GUILHERME DA COSTA SPERRY

        Coordenador de Consultas

        DE ACORDO.

        À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

        COG, em de de 2008.

          MARCELO BROGNOLI DA COSTA

        Consultor Geral


        1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

        2 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 207

        3 MIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 647

        4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:Malheiros, 2007. p. 192 e 201

        5 Conforme consta no relatório emitido pela Auditora Sabrina Nunes Iocken, houve a subscrição de 138.593.397 ações preferenciais, com direito a voto, integralizadas mediante: a) 2.000.000 em espécie; b) 2.493.630, mediante investimentos realizados pela CODESC a título de planejamento e desenvolvimento do Projeto Sapiens Parque; c) transferência do terreno de propriedade da CODESC, com área de 3.403.509 m2, sob a matrícula nº 36.644, com valor de R$ 134.099.697,00.

        6 6. Decisão:

        O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

        6.1. Determinar a AUDIÊNCIA, nos termos do art. 35, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/00, do Sr. Içuriti Pereira da Silva, Presidente da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, para apresentar no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta deliberação, consoante o prescrito no art. 66, §2°, I, "b", do Regimento Interno (Resolução n. TC-06/2001), para apresentar as justificativas quanto às irregularidades abaixo arroladas, que constituem atos de grave infração à norma legal, ensejadoras de imputação da multa prevista no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00, em face de:

        6.1.1. Ausência de processo licitatório para a escolha dos parceiros que viabilizariam a execução do Projeto Sapiens Parque, cuja seleção ocorreu através de contratos, burlando os arts. 37, caput, da Constituição Federal e 3º da Lei (federal) n. 8.666/93, no que se refere à observância aos princípios constitucional da imparcialidade, da isonomia e da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, tendo a CODESC desembolsado o valor de R$ 138.593.327,00 para a consecução da parceria (item 6.1 do Relatório DDR).

        6.2. Determinar às Diretorias de Licitações e Contratações (DLC) e de Atividades Especiais (DAE), deste Tribunal, que adotem, imediatamente, procedimento de acompanhamento de editais lançados, ou em vias de lançamento, pela Sapiens Parque, adotando todas as medidas necessárias para dar o correto cumprimento ao § 2º do art. 113 da Lei (federal) n. 8.666/93 e à Instrução Normativa n. 01/2002.

        6.3. Determinar à Diretoria de Controle da Administração Estadual (DCE), deste Tribunal, que avalie a possibilidade de realização de auditoria no projeto que envolve a Sapiens Parque, bem como acompanhe o incidente de inconstitucionalidade suscitado nos autos da apelação n. 2007.009452-7.

        6.4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Relatório de Inspeção DDR n. 245/2007, à Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina - CODESC, ao Sr. Içuriti Pereira - ex-Presidente Executivo daquele entidade, e à SC Parcerias S.A.

        7 Tramita perante o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina a Apelação Cível nº 2007.009452-7, originada de ação popular que visa combater integralização pela CODESC, de 90% das ações da Sapiens Parque S/A, sem autorização legislativa, mediante entrega de um imóvel sem licitação, bem como a Arguição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível nº 2007.009452-7/0001.00, que tem por objeto a Lei Estadual nº 13.436/05, tendo o Ministério Público Estadual exarado parecer favorável pela declaração da inconstitucionalidade da referida lei (dispositivo do parecer disponível no site www.mp.sc.gov.br - serviços - processos com vista à PGJ).

        8 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 666-668

      9 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 189-191

      10 MEIRELLES, op. cit., p. 386

      11 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo:Atlas, 2008. p. 232

      12 DI PIETRO, op. cit., p. 232-233

      13 DI PIETRO, op. cit., p. 232-233

      14 MEIRELLES, op. cit., p. 386