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Processo n°: | REC-05/03913057 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Brusque |
Interessado: | Ciro Marcial Roza |
Assunto: | Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000 TCE-03/03405945 |
Parecer n° | COG-662/2008 |
Senhor Consultor,
Tratam os autos de Recurso de Reconsideração n. REC-05/03913057, interposto pelo Sr. Ciro Marcial Roza, Prefeito do Município de Brusque, em face do acórdão n. 0457/2005 (fls. 181/182), exarado no processo TCE-03/03405945.
O citado processo TCE-03/03405945 é relativo à Tomada de Contas Especial - conversão do RPA-03/03405945, da Prefeitura Municipal de Brusque, empreendida por esta Corte de Contas, através da DDR.
Nestes termos, os autos foram encaminhados ao Ministério Público junto ao TC, que emitiu o Parecer MPTC n. 3111/2004, de fl. 175. Após os trâmites legais, os autos foram encaminhados ao Relator Sr. Luiz Roberto Herbst, que se manifestou às fls. 176/180.
Na sessão ordinária de 06/04/2005, o processo TCE-03/03405945 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o acórdão n. 0457/2005 (fls. 181/182):
Visando à modificação do acórdão supracitado, o Sr. Ciro Marcial Roza interpôs o presente Recurso de Reconsideração.
É o relatório.
Considerando que o processo n. TCE-03/03405945, é relativo à Tomada de Contas Especial - conversão do RPA-03/03405945, na Prefeitura Municipal de Brusque, tem-se que o Sr. Ciro Marcial Roza utilizou da espécie recursal adequada, em consonância com o art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000.
Assim, como o recorrente observou o prazo para interposição do recurso, sugere-se ao Exmo. Relator, conhecer o presente REC-05/03913057, por se revestir dos pressupostos de admissibilidade inscritos no art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000.
Destarte, examinando a RPA-03/03405945 + TCE-03/03405945, constata-se que a presente restrição deve ser cancelada, tendo em conta que este Tribunal de Contas não provou nos autos os fatos afirmados no processo, deixando de cumprir o ônus probatório que lhe incumbe.
Em outras palavras, os fatos narrados no item 6.1. da decisão recorrida, não foram provados, assim como, não se subsumem as normas jurídicas ditas violadas. Assim, in casu, nota-se ausência da indicação de motivação clara e congruente, bem como, a inexistência de descrição dos pressupostos de fato e de direito que fundamentam o acórdão n. 0457/2005.
Tendo em vista os vícios acima relatados, cumpre antes de adentrar ao exame do processo propriamente dito, tecer alguns comentários sobre o ônus da prova no processo administrativo e a motivação do ato administrativo.
A) ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
Relativamente ao tema ônus da prova, cabe salientar que é regra básica da ciência jurídica, que ao autor cumpre fazer a prova dos fatos constitutivos do seu direito, por determinação do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil:
Analisando o art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, Humberto Theodoro Júnior1 assevera que "há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados e do qual depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional".
No mesmo sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery2 assinalam que "o ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu".
Hordienamente, não existe mais controvérsia sobre a aplicabilidade do art. 333, inciso I, do CPC ao processo administrativo. Da mesma forma, em observância aos princípios da oficialidade, da legalidade, da verdade material e do devido processo legal, não mais se discute se em decorrência da presunção de legitimidade dos atos administrativos, está a Administração Pública isenta de provar suas alegações no processo administrativo.
Lançadas essas premissas fundamentais, é conveniente transcrever estudo realizado por Fabiana Del Padre Tomé3, que aborda de maneira contundente o tema do ônus da prova no processo administrativo, vejamos:
Analisando o estudo realizado pela Professora da PUC-SP, verifica-se que ao autor cumpre fazer a prova dos fatos constitutivos do seu direito (art. 333, I do CPC). Ademais, para provar algo, não basta apenas juntar um documento ao processo. É necessário estabelecer uma correlação lógica entre esse documento e o fato que o autor pretende provar nos autos.
Igualmente, o ônus da prova corresponde ao encargo que têm as partes de produzir provas para auxiliar o julgador na formação de seu convencimento. Nesse diapasão, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Dessarte, a autoridade administrativa tem o dever de provar os fatos por ela alegado, i. e., a motivação do ato administrativo deve ser respaldada em provas.
Neste passo, segundo a autora citada, compete à Administração Pública, no âmbito do processo administrativo, provar o fato afirmado, demonstrando isso nos autos, sob pena de ver frustrada a pretendida aplicação da sanção administrativa.
Mais adiante, assinala os festejados autores:
Assim, no processo administrativo (na qual o processo de controle externo é espécie), compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato afirmado, bem como demonstrar juridicamente nos autos que o fato violado pelo administrado, está fundamentado em dispositivos legais vigentes. Em outras palavras, é imprescindível à autoridade administrativa comprovar a existência de correlação lógica com o fato que se pretende dar por ocorrido no mundo fenomênico e a norma jurídica infringida (direito material).
Outro ponto importante, refere-se à presunção de legitimidade do ato administrativo (ou presunção de validade do ato administrativo). Como visto no estudo transcrito, a presunção de legitimidade do ato administrativo não exonera a Administração Pública do dever de comprovar a ocorrência do fato probando, bem como das circunstâncias em que este se verificou.
Em verdade, a presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; e em decorrência desse atributo, presume-se que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei e da ordem jurídica. Porém, esse referido atributo (presunção de legitimidade), não constitui um privilégio da Administração Pública, no sentido de inverter o ônus da prova no processo administrativo, quando destinado à aplicação de sanção ou imputação de débito ao cidadão.
Destarte, a presunção de legitimidade do ato administrativo não influencia no ônus/dever da Administração Pública de provar as suas alegações no processo administrativo. Da mesma maneira, "não é suficiente para ensejar a aplicação de pena administrativa, transferindo para o autuado o ônus de prova contrária" (AMS 1999.01.00.037217-6/MG, TRF 1ª Região. 25/10/2002. DJ p.144)".
Tal constatação implica dizer que não cabe ao administrado apresentar provas contrárias ao relatado no processo (inversão do ônus da prova). Ao administrado (réu) incumbe provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor; e à Administração Pública (autor) incumbe a prova dos atos constitutivos de seu direito. E neste sentido, se o autor não provar os atos constitutivos de seu direito, não cabe ao réu o ônus/dever de defender-se do que não foi provado pelo autor.
Por tais razões, "fatos administrativos não se presumem, mas devem ser comprovados segundo as regras gerais pertinentes à distribuição do ônus probatório. Em suma: cabe à Administração Pública, inexistindo matéria de fato e em caso de impugnação, demonstrar a legalidade do seu ato, pois incide, no caso, o princípio da legalidade como pano de fundo de qualquer conduta estatal5". (g.n.)
No âmbito dos tribunais brasileiros, a jurisprudência tem se manifestado conforme exposto acima, senão vejamos:
Dissertando sobre o assunto, Paulo de Barros Carvalho6 enfatiza que: "Com a evolução da doutrina, nos dias de hoje, não se acredita mais na inversão da prova por força da presunção de legitimidade dos atos administrativos e tampouco se pensa que esse atributo exonera a administração de provar as ocorrências que se afirma terem existido. Na própria configuração oficial do lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo seja devidamente fundamentado, o que significa dizer que o fisco tem que oferecer prova concludente de que o evento ocorreu na estrita conformidade da previsão genérica da hipótese normativa. Seguindo adiante, vindo o sujeito passivo a contestar a fundamentação do ato aplicativo lavrado pelo Fisco, o ônus de exibir a improcedência dessa iniciativa impugnatória volta a ser, novamente, da Fazenda, a quem quadrará provar o descabimento jurídico da impugnação fazendo remanescer a exigência. Vê-se, no fundo, que é função precípua do Estado-Administração, empregar a linguagem jurídica competente na produção dos atos de gestão tributária. O pressuposto de fato da incidência há que ser relatado de maneira transparente e cristalina revestido com os meios de prova admissíveis nesse setor do direito, para que possa prevalecer, surtindo os efeitos de estilo, quais sejam os de constituir o vínculo obrigacional, atrelando o particular ao Fisco, em termos da satisfação do objeto prestacional". (g.n.)
Na mesma linha de pensamento, Ney José de Freitas7 esclarece que "a presunção de validade do ato administrativo é uma inerência da função administrativa. Tal presunção, todavia, embora relativa, precisa, necessariamente, ser amenizada. É indispensável substituir a carga forte que se lhe atribuiu por uma carga tênue, mitigando-se os seus efeitos, para uma adequada compatibilização com o Estado Democrático de Direito, instaurado pela Constituição de 1988. Diante dessa forma de observação, a presunção de validade não provoca, como afirma a doutrina tradicional, a inversão do ônus da prova em benefício da Administração Pública, transferindo para o cidadão o ônus da prova. O único dever do cidadão é o de impugnar o ato administrativo. Se não o impugna, deve suportar os seus efeitos, prestando-lhe obediência e cumprindo seus mandamentos. Existindo impugnação, contudo, cessa de imediato a presunção de validade do ato administrativo, e a Administração Pública deve comprovar a legalidade do seu ato. Em caso de matéria de fato, a questão resolve-se pela teoria geral da prova, aplicando-se, então, com todas as suas conseqüências, o princípio da aptidão para o ônus da prova". (g.n.)
Do exposto, percebe-se que no processo administrativo vigora o entendimento de que a prova das alegações incumbe a quem as faz. Outrossim, tendo em conta os princípios da oficialidade, da legalidade e do devido processo legal, cabe à Administração Pública o dever de perseguir a prova (verdade material).
Como se disse, no processo administrativo (na qual o processo de controle externo é espécie), compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato afirmado, bem como demonstrar juridicamente nos autos, que o fato violado pelo administrado está fundamentado em dispositivos legais vigentes, sob pena de ver frustrada a pretendida aplicação da sanção administrativa.
Por fim, Lúcia Valle Figueiredo aludindo sobre a aplicação de multas pela Administração Pública, assevera que "muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração, provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção8". (g.n.)
B) MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO
Inicialmente, importa esclarecer que motivo não se confunde com motivação. Com efeito, "faz-se necessário mencionar que o motivo caracteriza-se como as razões de fato e de direito que autorizam a prática de um ato administrativo, sendo externo a ele, o antecedendo e estando necessariamente presente em todos eles. A motivação feita pela autoridade administrativa afigura-se como uma exposição dos motivos, a justificação do porquê daquele ato, é um requisito formalístico do ato administrativo9".
Realizada essa diferenciação, calha atestar que o administrador público tem o dever de motivar os atos administrativos que edita (vinculados e discricionários). A referida assertiva fundamenta-se no princípio da motivação, que é considerado, entre os demais princípios jurídicos, um dos mais importantes, haja vista que a motivação vincula-se ao contraditório e a ampla defesa, bem como, ao Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, motivar o ato administrativo está ligado à idéia de descrever o texto normativo aplicável ao caso concreto (fundamentação), e associar os fatos que efetivamente levaram à aplicação daquele dispositivo legal. Aqui, já se percebe a concatenação existente entre o princípio da motivação e o ônus/dever da prova no processo administrativo, haja vista que a motivação do ato administrativo deve ser respaldada em provas.
Examinando o teor do princípio da motivação no direito administrativo, calha citar estudo realizado por Flávia Moreira Guimarães Pessoa10, verbis:
De outro turno, Maria Silvia Zanella Di Pietro11 expõe que:
Tem razão Antônio Carlos de Araújo Cintra quando escreve que na motivação é necessária a indicação das premissas de direito e de fato em que se baseia o ato motivado, com a menção dos dispositivos legais aplicados. De qualquer sorte é razoável enunciar que motivar o ato administrativo, está relacionado com o ônus/dever da prova no processo administrativo, haja vista que a motivação do ato administrativo deve ser respaldada em provas.
Igualmente, motivar o ato administrativo está ligado à idéia de observância dos princípios da oficialidade, da legalidade, da verdade material e do devido processo legal inerentes ao regime jurídico-administrativo. Acrescente-se, ainda, que motivar o ato administrativo "é ter em atenção que a motivação há de observar os princípios da congruência e da presunção racional do julgador. Ou seja: a) a decisão há de harmonizar-se com a fundamentação, de sorte a estabelecer-se, entre elas, um liame de lógica formal do tipo premissa/consequência; b) a fundamentação há não só de refletir a convicção do julgador, quanto a ser a premissa necessária de seu dictum, como também deve revelar-se apta ao convencimento dos terceiros13".
Em suma, é imperioso asseverar que todos os atos administrativos dependem de motivação, como requisito indispensável de validade, haja vista que um ato administrativo sem motivação, é um ato eivado de nulidade absoluta, por lhe faltar um dos seus elementos ou requisitos essenciais de constituição.
É nulo, também, porquanto viola a legalidade e o devido processo legal (art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal) Assim, o princípio da motivação constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública. Nesse diapasão, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Do último acórdão citado, extrai-se do voto do Ministro Gilson Dipp, a seguinte lição:
Dos acórdãos transcritos e do ensinamento de Hely Lopes Meirelles citado pelo Ministro Gilson Dipp, no RMS 12856/PB, verifica-se que se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, resta evidente, que a motivação do ato administrativo deve, necessariamente, apontar o dispositivo legal violado. Ou nas palavras de Hely Lopes Meirelles: "trazer consigo a demonstração de sua base legal e de seu motivo".
Destarte, importa assinalar que a indicação do dispositivo legal violado (pressuposto de direito), é requisito indispensável a validade da atuação administrativa. Nesse contexto, revela-se de suma importância a correta indicação do dispositivo de lei, que embasa a decisão administrativa que imputa ao cidadão um débito ou uma multa.
Neste passo, constata-se que, caso a autoridade administrativa, não fundamente em lei à aplicação de uma sanção administrativa; ou caso, fundamente de forma inadequada (p. ex., indicando artigo de lei que não se subsume a situação fática), resta claro, que a decisão administrativa proferida está eivada de nulidade absoluta.
Assim, "impõe-se bradar em altas vozes: não há sanção administrativa admissível sem prévia capitulação legal (lei em sentido estrito). Nem é preciso, no particular, recorrer ao inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, assim evitando a polêmica com aqueles que pretendem a aplicabilidade desse comando exclusivamente ao crime: bastará nos afirmarmos ao inciso II do mesmo art. 5º, consagrador do princípio da legalidade, marco fundamental da atividade administrativa de qualquer natureza. Em definitivo: sanção administrativa só pode decorrer de lei anterior, e lei em cunho formal14". (g.n.)
Desse modo, a sanção administrativa deve se fundamentar em lei (princípio da reserva de lei em sentido formal), indicada de forma clara e congruente na motivação da decisão administrativa, tendo relação de pertinência com a situação fática descrita nos autos, sob pena do ato administrativo estar viciado de nulidade absoluta.
Em suma, o princípio da legalidade encontra guarida nas garantias fundamentais e individuais do cidadão, atuando como limitação constitucional ao poder do Estado. Sendo assim, o ato administrativo que cria obrigações, restringe direitos ou impõe multas, deve estar fundamentado na legalidade administrativa, sob pena de invalidade.
Sobre o princípio da reserva de lei em sentido formal, na atuação estatal, o Supremo Tribunal Federal tem-se manifestado da seguinte maneira:
Nestes termos, findada a análise dos temas ônus da prova no processo administrativo e motivação do ato administrativo, inicia-se a análise do processo propriamente dito (REC-05/03913057).
Nestes termos, importa assinalar que o presente processo origina-se de Representação (RPA-03/03405945), na qual denuncia irregularidades no pagamento de indenização a particular, em função de acidente de trânsito ocorrido pelo não funcionamento de um semáforo no Município de Brusque.
Diante desses fatos, este Tribunal de Contas responsabilizou o chefe do Poder Executivo do Município de Brusque, tendo em vista o pagamento de indenização, e em decorrência disso, a inércia em providenciar a apuração disciplinar do "possível" servidor (ação de regresso) que negligenciou no funcionamento do semáforo, causando, assim, o acidente de trânsito.
Inicialmente, o acórdão n. 0457/2005, enuncia que o recorrente é responsável pelo débito, haja vista "não ter providenciado, diante do fato, a adoção de qualquer medida paliativa que ao menos minorasse a possibilidade da ocorrência do sinistro, como seria sua atribuição, delegada pelo art. 12, incisos XXV, XXVI e XXXV, da Lei Orgânica Municipal".
O referido apontamento, fundamentado no art. 12, XXV, XXVI e XXXV, da Lei Orgânica Municipal, responsabiliza o chefe do Poder Executivo por não ter providenciado a adoção de qualquer medida paliativa que ao menos minorasse a possibilidade da ocorrência do sinistro, como seria sua atribuição.
Primeiramente, é conveniente aduzir que o art. 12, incisos XXV, XXVI e XXXV, da Lei Orgânica Municipal não possui consonância com o fato descrito e a responsabilização do chefe do Executivo, senão vejamos:
Como se vê do dispositivo legal transcrito, não é cabível responsabilizar o chefe do Poder Executivo pela conduta a ele imputada, com fulcro no artigo 12 da Lei Orgânica do Município de Brusque.
O art. 12 da Lei Orgânica do Município elenca, dentre outras atribuições, as competências administrativas e legislativas do Município de Brusque. O referido texto normativo é reprodução (com alguns acréscimos) do artigo 30 da Constituição Federal. Assim, o art. 12 da LOM é uma norma de estrutura que enuncia as competências do ente federado; contrapondo-se, às competências do Estado de Santa Catarina e da União.
Diante disso, calha observar que não é possível imputar responsabilidade ao prefeito do município, com base no art. 12 da LOM, pelo fato de "não ter providenciado a adoção de qualquer medida paliativa que ao menos minorasse a possibilidade da ocorrência do sinistro". Nesse contexto, em observância ao devido processo legal, é preciso que a motivação indique corretamente as premissas de direito e de fato em que se apóia o ato administrativo.
Neste momento, importa repetir, esta Corte de Contas não provou e nem fundamentou legalmente, que é função do Prefeito providenciar a adoção de qualquer "medida paliativa" quando um dos semáforos do Município de Brusque deixar de funcionar.
À evidência, não há como concordar com o raciocínio exposto no acórdão n. 0457/2005, porque o art. 12 da LOM - como dito acima -, é uma norma de estrutura que apenas enuncia as competências do ente federado (município).
Desse modo, os fatos narrados estão em dissonância com a situação fática descrita nos autos e os dispositivos legais supostamente violados (art. 12, incisos XXV, XXVI e XXXV, da Lei Orgânica Municipal). Ou seja, não há relação de pertinência (subsunção) entre os fatos e a norma jurídica, carecendo, assim, o referido apontamento de motivação idônea.
Como exposto em tópicos anteriores, compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato afirmado, bem como, demonstrar juridicamente nos autos, que o fato violado pelo administrado está fundamentado em dispositivos legais vigentes, sob pena de ver frustrada a pretendida aplicação de débito ou sanção administrativa.
Outrossim, a sanção administrativa deve se fundamentar em lei (princípio da reserva de lei em sentido formal), indicada de forma clara e congruente na motivação da decisão administrativa, tendo relação de pertinência com a situação fática descrita nos autos, sob pena do ato administrativo estar viciado de nulidade absoluta.
Prosseguindo, o acórdão n. 0457/2005 descreve que o recorrente é responsável pelo débito, haja vista a "não adoção de medidas cabíveis no sentido de vislumbrar responsabilidades no quadro funcional da municipalidade, tanto na esfera administrativa como na civil, tal como predispõem os arts. 151, 152, caput e §§, 154, 157, 158, caput e parágrafo único, 174, 176 e 179 da Lei Municipal n. 1.898/94".
Na TCE-03/03405945 (fls. 81/84) estão transcritos os arts. 151, 152, caput e §§, 154, 157, 158, caput e parágrafo único, 174, 176 e 179 da Lei Municipal n. 1.898/94.
Lendo os referidos artigos, verifica-se que os dispositivos legais não prescrevem que cabe tão somente ao chefe do Executivo, instaurar processo administrativo para apurar a responsabilidade civil e administrativa de servidor que causou dano ao erário (ação de regresso). Apenas o art. 174 da Lei Municipal n. 1.898/94 dispõe que "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata (...)".
Desse modo, este Tribunal de Contas não demonstrou nos autos (ônus probatório), que o prefeito do município é a autoridade responsável pelo não funcionamento de um semáforo do município e pela a não instauração do processo administrativo (ação de regresso).
Ao mesmo tempo, este Tribunal não explicou como é possível descobrir quem é responsável (culpa ou dolo), por não ter funcionado um semáforo do município. Talvez não fosse hipótese de caso fortuito. Mais uma vez, constata-se que não foi provada à causalidade com o fato que se pretende dar por ocorrido no mundo fenomênico e a norma jurídica violada.
Por outro turno, prescreve o art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, que a ação de regresso deve ser instaurada nos casos de dolo ou culpa do responsável pelo ato ilícito:
Sendo assim, esta Corte de Contas deixou de exercer o seu ônus/dever de provar de quem é a culpa ou dolo de não ter funcionado o semáforo (e como visto acima, o art. 12 da LOM, não fixa essa responsabilidade ao chefe do Executivo).
E se não há culpa ou dolo (mas, s.m.j., caso fortuito), não há que se falar em ação de regresso, segundo o Texto Constitucional. Assim, o recorrente não pode ser responsabilizado por uma conduta que o ordenamento jurídico não prescreve.
Por fim, o acórdão n. 0457/2005 enuncia que o recorrente é responsável pelo débito, haja vista "a não-adoção de critérios para a definição do quantum a ser indenizado, contrariando o princípio constitucional da economicidade inserto no art. 70, caput, da Constituição Federal; e d) por não esgotar as possibilidades de defesa do Município, já que não ficou cabalmente demonstrada a responsabilidade do ente no acidente; fatos estes que denotam o não-cumprimento de atribuições e competências delegadas ao Chefe da Administração através do art. 81 da Orgânica Municipal".
Os referidos apontamentos, fundamentados no art. 70, caput, da CF/88, e no art. 81 da Orgânica Municipal, responsabiliza o chefe do Poder Executivo pela não adoção de critérios para a definição do quantum a ser indenizado, e por não esgotar as possibilidades de defesa do Município.
Novamente, importa aduzir, que o art. 81 Lei Orgânica do Município de Brusque não possui consonância com o fato descrito e a responsabilização do chefe do Poder Executivo, senão vejamos:
O fato de o artigo 81 da Lei Orgânica do Município de Brusque, dizer que compete ao prefeito dirigir e defender os interesses do Município, não é suficiente para imputar responsabilidade pela a conduta de não adoção de critérios para a definição do quantum a ser indenizado.
À primeira vista, nota-se que o art. 81 da Lei Orgânica do Município de Brusque é amplo e genérico em demasia, para fundamentar a presente responsabilização. Da mesma forma, o art. 70, caput, da CF/88, haja vista que não ficou explicitado nos autos, em que sentido a não adoção de critérios para a definição do quantum a ser indenizado, viola o princípio da economicidade, e ao mesmo tempo, caracteriza a responsabilização.
No tocante à violação do princípio da economicidade, este Tribunal de Contas à fl. 171 da TCE-03/03405945, argumenta que a economicidade foi violada, porquanto o administrador não esgotou as possibilidades de defesa do município, haja vista não ter ficado cabalmente demonstrada à responsabilidade do mesmo no acidente.
Porém, analisando a questão, verifica-se que esta Corte de Contas não demonstrou nos autos, quais seriam as possibilidades para esgotar a defesa do município, tendo em vista que não foi apontado concretamente nenhum vício no Processo Administrativo n. 039/2002 (fls. 52/55 da TCE-03/03405945), que resultou no pagamento da indenização.
Além do mais, a responsabilidade de não esgotar as possibilidades de defesa do município, talvez fosse do Procurador-Geral do Município, que também assina o Parecer Conclusivo no Processo Administrativo n. 039/2002 (fls. 52/55 da TCE-03/03405945).
Ademais, o Processo Administrativo n. 039/2002 foi conduzido por uma Comissão Processante, nomeada pela Portaria n. 3.607/02, na qual é composta pelos servidores municipais Fábio Caetano Pereira, Saionara F. Carvalho e Marcos N. Quirino (fls. 46/51 da TCE-03/03405945).
Nesse contexto, em observância aos princípios da oficialidade, da legalidade, da verdade material e do devido processo legal, caberia a esta Corte de Contas perquirir e provar nos autos, a conduta ilícita de cada servidor municipal que participou do Processo Administrativo n. 039/2002 (Parecer Conclusivo, fls. 52/55 da TCE-03/03405945).
Outrossim, deveria esta Corte de Contas provar suas afirmações apontando na TCE-03/03405945, quais documentos e fatos que embasam as suas ilações; porquanto, conforme asseverado anteriormente, não basta apenas juntar um documento ao processo. É necessário estabelecer uma causalidade entre esse documento e o fato que este Tribunal pretende provar nos autos. Assim, fatos administrativos não se presumem, mas devem ser comprovados segundo as regras gerais pertinentes à distribuição do ônus probatório.
Como exposto acima, compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato afirmado, bem como demonstrar juridicamente nos autos, que o fato violado pelo cidadão está fundamentado em dispositivos legais vigentes, sob pena de ver frustrada a pretendida aplicação de débito ou sanção administrativa.
Ademais, constata-se que, caso a autoridade administrativa, não fundamente em lei à aplicação de uma sanção administrativa; ou caso, fundamente de forma inadequada (p. ex., indicando artigo de lei que não se subsume a situação fática), resta claro, que a decisão administrativa proferida está eivada de nulidade absoluta.
Sem mais delongas, é válido ressaltar que realmente examinando RPA-03/03405945 + TCE-03/03405945, percebe-se que o Processo Administrativo n. 039/2002 (fls. 52/55 da TCE-03/03405945) foi feito de forma simplória. É dizer: a indenização foi efetuada com base no entendimento de que a responsabilidade do município seria objetiva. Porém, existem posicionamentos jurisprudênciais, que no caso de ato omissivo da Administração Pública (faute du service), a responsabilidade é subjetiva:
Destarte, assiste razão a este Tribunal, ao apontar que não foram esgotadas as possibilidades de defesa do município. Todavia, segundo prescreve a Constituição Federal, não há como responsabilizar alguém por um fato não provado e ausente de motivação e de fundamentação legal.
Desse modo, em homenagem aos princípios da motivação, da oficialidade, da legalidade, da verdade material e do devido processo legal no processo administrativo (na qual o processo de controle externo é espécie), compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato afirmado, bem como demonstrar juridicamente nos autos que o fato violado pelo administrado, está fundamentado em dispositivos legais vigentes. Em outras palavras, é imprescindível à autoridade administrativa comprovar a existência de correlação lógica com o fato que se pretende dar por ocorrido no mundo fenomênico e a norma jurídica infringida (direito material).
Por fim, calha ressaltar que a responsabilidade (caso provada), não seria apenas do chefe do Poder Executivo, haja vista que a indenização (acordo extrajudicial) foi autorizada pelo Poder Legislativo (Lei Municipal n. 2686/2003).
Do exposto, examinando a RPA-03/03405945 + TCE-03/03405945, constata-se que a presente restrição deve ser cancelada, tendo em conta que este Tribunal de Contas não comprovou nos autos as suas afirmações, deixando de cumprir o ônus probatório que lhe incumbe.
Nestes termos, findada a análise do presente recurso, é o parecer para a conclusão.
Ante ao exposto, sugere-se ao Exmo. Relator que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário:
1) Conhecer do Recurso de Reconsideração, proposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, contra o acórdão n. 0457/2005, na sessão ordinária do dia 06/04/2005, no processo TCE-03/03405945, e, no mérito, dar-lhe provimento, para modificar o item 6.1 da decisão recorrida., nos seguintes termos:
2) Dar ciência deste acórdão, do relatório e do voto do Relator que o fundamentam, bem como deste parecer COG o Sr. Ciro Marcial Roza, Prefeito do Município de Brusque, bem como, a Prefeitura de Brusque.
É o parecer.
À consideração superior.
Consultor Geral em exercício 2
Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 4ª edição, Ed. RT, pág. 835. 3
O ônus/dever da prova no processo administrativo tributário. Http://www.ibet.com.br/flashpaper/FabianaPadre.swf. Acesso em: 10/09/2008 4
Editora Malheiros, 1ª ed., p. 55 e 134. 5
FREITAS. Ney José. Ato Administrativo: Presunção de validade e a Questão do Ônus da Prova. Editora Forúm. 2007, p. 122. 6
CARVALHO, Paulo de Barros. A Prova no Procedimento Administrativo Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 34, São Paulo: Oliveira Rocha Comércio e Serviços Ltda, julho 1998, p. 107/108. 7
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I Seminário de Direito Administrativo - TCMSP "Processo Administrativo". Http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/4Maria_Silvia3.htm. Acesso em: 10/09/2008. 12
Cintra. Antônio Carlos de Araújo. Motivo e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo: RT, p. 127/128. 13
Ferraz. Sérgio e Dallari. Adilson Abreu. Processo Administrativo. Editora Malheiros, 1ª ed., p. 162. 14
Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, Processo Administrativo, Editora Malheiros, 1ª ed., p. 154/155. 15
Processo Administrativo. Editora Malheiros, 1ª ed., p. 55 e 134.
"A prova, como relato lingüístico que é, decorre de atos de fala, caracterizadores de seu processo de enunciação, realizado segundo as normas que disciplinam a produção probatória. Produzido o enunciado protocolar correspondente à prova, este só ingressa no ordenamento por meio de uma norma jurídica geral e concreta, que em seu antecedente traz as marcas da enunciação (enunciação-enunciada), prescrevendo, no conseqüente, a introdução no mundo jurídico dos enunciados que veicula. Esse instrumento utilizado para transportar os fatos ao processo, construindo fatos jurídicos em sentido amplo, é o que denominamos meio de prova.
Isso não significa, contudo, que para provar algo basta simplesmente juntar um documento aos autos. É preciso estabelecer relação de implicação entre esse documento e o fato que se pretende provar. A prova decorre exatamente do vínculo entre o documento e o fato probando. Conquanto consistam em enunciados lingüísticos, os fatos só apresentarão o caráter de provas se houver um ser humano utilizando-os para deduzir a veracidade de outro fato.
[...]
Consignamos ser o ônus uma espécie de encargo jurídico a que se vêem submetidas as partes do processo com vistas a obter o resultado que o sistema outorga a quem realiza os atos na forma e tempo estabelecidos por esse sistema. A figura do ônus da prova, especificamente, decorre da necessidade de possibilitar a decisão em situações em que o conjunto probatório seja insuficiente para convencer o julgador. Ao mesmo tempo em que o ônus da prova corresponde ao encargo que têm as partes de produzir provas para demonstrar os fatos por elas alegados, serve ao julgador como auxiliar na formação de seu convencimento, em especial nas hipóteses em que a prova é insuficiente, incerta ou faltante. Nesse sentido, o ônus da prova está intimamente relacionado com problemas de valoração dos elementos carreados aos autos.
[...]
O direito à produção probatória decorre da liberdade que tem a parte de argumentar e demonstrar a veracidade de suas alegações, objetivando convencer o julgador. Por isso, ainda que não lhe tenha sido atribuído o ônus da prova, todos os elementos de convicção que levar aos autos serão importantes, interferindo no ato decisório.
Visto por outro ângulo, o direito à prova implica a existência de ônus, segundo o qual determinado sujeito do processo tem a incumbência de comprovar os fatos por ele alegados, sob pena de, não o fazendo, ver frustrada a pretendida aplicação do direito material.
Existem, assim, preceitos que determinam a quem incumbe o ônus de provar, denominados regras de distribuição do ônus da prova. A respeito delas, três são as principais teorias elaboradas pela doutrina: (i) do fato afirmativo, em que o ônus da prova cabe a quem alega; (ii) da iniciativa, segundo a qual é sempre do autor o encargo de provar os fatos por ele afirmados; e (iii) dos fatos constitutivos, impeditivos e extintivos, nos termos dos quais àquele que demanda compete provar os fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao demandado cabe provar fatos impeditivos ou extintivos de sua obrigação.
[...]
A prova compete a quem tem interesse em fazer prevalecer o fato afirmado. Por outro lado, se o autor apresenta provas do fato que alega, incumbe ao demandado fazer a contraprova, demonstrando fato oposto.
Os atos administrativos apresentam características que objetivam, simultaneamente, conferir garantia aos administrados e prerrogativas à Administração.
Dentre elas, releva destacar a presunção de legitimidade, caracterizando presunção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja considerado regularmente praticado, até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o.
Essa presunção, entretanto, não exime a Administração do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como das circunstâncias em que este se verificou. É que, sendo os atos de lançamento e de aplicação de penalidade vinculados e regidos, dentre outros, pelos princípios da estrita legalidade e da tipicidade, tais expedientes dependem, necessariamente, da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram. A motivação deve ser, portanto, respaldada em provas.
[...]
Inconcebível, portanto, o posicionamento segundo o qual, diante da presunção de legitimidade dos atos administrativos, caberia ao contribuinte apresentar provas contrárias ao relatado nos atos de lançamento e de aplicação de penalidade, incumbindo-se a autoridade administrativa apenas de ilidir as provas que o contribuinte juntar aos autos do processo instaurado. É insustentável o lançamento ou o ato de aplicação de penalidade que não tenha suporte em provas suficientes da ocorrência do evento.
[...]
É freqüente a afirmação da doutrina no sentido de que, configurando-se hipótese de presunção legal, ocorreria inversão do ônus da prova, ficando a autoridade administrativa dispensada de maiores providências probatórias, passando a ser do contribuinte o ônus de descaracterizar o fato presumido. Tal assertiva tem suas origens nos ensinamentos de direito processual civil, em que se costuma afirmar existir inversão do ônus da prova sempre que houver o estabelecimento de certas presunções legais de existência de fatos (quer constitutivos, quer extintivos, impeditivos ou modificativos) em favor de uma das partes, cabendo à parte contrária a produção de prova que invalide tal presunção. Não podemos, simplesmente, transportar esse raciocínio para a esfera tributária, pois esta é regida por princípios próprios, que se aproximam, em muitos aspectos, das rígidas diretrizes do direito penal. A tipicidade é uma delas. Por isso, mesmo quando existam presunções legais, compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato a partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo. Qualquer que seja a modalidade de presunção, é imprescindível a prova dos indícios para, a partir deles, demonstrar a existência de causalidade com o fato que se pretende dar por ocorrido. A diferença reside na circunstância de que, tratando-se da chamada presunção legal, a relação causal entre fato presuntivo e fato presumido dá-se no âmbito pré-legislativo. Identificando o aplicador do direito, no caso concreto, a situação prevista na hipótese da regra de presunção, há de concluir pela ocorrência do fato prescrito no conseqüente normativo: o fato presumido. A demonstração do fato presuntivo é condição inarredável para a constituição do fato presumido.
[...]
CONCLUSÃO
i) Por ônus compreende-se a espécie de encargo jurídico a que se vêem submetidas as partes do processo, com vistas a obter o resultado que o sistema outorga a quem realiza os atos na forma e no tempo por ele estabelecidos. A figura do ônus da prova decorre da necessidade de possibilitar a decisão em situações em que o conjunto probatório é insuficiente para convencer o julgador. Funciona, assim, como regra auxiliar na formação do convencimento do sujeito incumbido de compor conflitos.
ii) O direito à produção probatória decorre da liberdade que tem a parte de argumentar e demonstrar a veracidade de suas alegações, objetivando convencer o julgador. Visto por outro ângulo, o direito à prova implica a existência de ônus, segundo o qual determinado sujeito do processo tem a incumbência de comprovar os fatos por ele alegados, sob pena de, não o fazendo, ver frustrada a pretendida aplicação do direito material. Desse modo, a prova dos fatos constitutivos cabe a quem pretenda o nascimento da relação jurídica, enquanto a dos extintivos, impeditivos ou modificativos compete a quem os alega.
iii) A existência do ônus pressupõe um direito subjetivo disponível, razão pela qual não se pode falar que a autoridade administrativa tributária tenha o ônus da prova. Os atos de lançamento e de aplicação de penalidade pelo descumprimento de obrigação tributária ou de dever instrumental competem ao Poder Público, de modo privativo e obrigatório, tendo de fazê-lo com base nos elementos comprobatórios do fato jurídico e do ilícito tributário. Tem a Administração, por conseguinte, dever de provar. A circunstância de os atos administrativos tributários desfrutarem de presunção de legitimidade não dispensa a produção probatória que o fundamente, pois, sendo esses atos regidos pelos princípios da estrita legalidade e da tipicidade, tais expedientes dependem da cabal demonstração da ocorrência dos motivos que os ensejaram.
iv) Mesmo quando existam presunções legais, compete à autoridade administrativa apresentar provas do fato a partir do qual se estabelece o raciocínio presuntivo. É imprescindível a prova dos indícios para, a partir deles, demonstrar a existência de causalidade com o fato que se pretende dar por ocorrido. Descabe falar, portanto, em inversão do ônus da prova". (g.n.)
"Processual civil. Ônus da prova.- Incumbe ao réu a prova de fato modificativo do direito do autor. Art 333 do CPC. Decisões anteriores fundadas nas provas acostadas aos autos. Impossibilidade de reexame. Súmula 7/STJ.- Ao autor, incumbe a prova dos atos constitutivos de seu direito, devendo o réu provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. - Entenderam as instâncias ordinárias, após análise das provas dos autos, ter a recorrida comprovado a execução dos serviços. Lado outro, a recorrente somente provou o pagamento parcial dos serviços contratados. - A análise, em sede de recurso especial, da efetiva prestação dos serviços objeto da presente demanda implica na necessidade de revolvimento de todo o conjunto fático-probatório. Óbice da Súmula 7 do STJ. Recurso especial não conhecido. REsp 741235 / PR"
Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari4, no livro Processo Administrativo, retratam bem o que foi dito sobre a necessidade de demonstrar a causalidade com o fato que se pretende dar por ocorrido no mundo fenomênico e a norma jurídica violada, senão vejamos:
"É sempre necessária a previsão legislativa como condição de validade de atuação administrativa; mas isso, porém, não é suficiente. Não basta a existência de uma previsão geral e abstrata: é essencial que, no caso concreto, tenham efetivamente acontecido os fatos aos quais a lei estipulou uma consequência". (g.n.)
"Quanto ao ônus da prova, a lei federal [Lei n. 9.784/99], no art. 26, adota o princípio de que a prova das alegações incumbe a quem as faz, mas ressalva o dever de perseguir a prova, que é imposto à Administração por força do princípio da oficialidade". (g.n.)
"ATO ADMINISTRATIVO - REPERCUSSÕES - PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE - SITUAÇÃO CONSTITUIDA - INTERESSES CONTRAPOSTOS - ANULAÇÃO - CONTRADITORIO.
Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum a Administração e ao particular.
RE 158.543/RS - RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 30/08/1994 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA"
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. FUNDAMENTO, UNICAMENTE, EM AFIRMAÇÕES CONTIDAS EM SENTENÇA TRABALHISTA. DIFERENÇA DE CRITÉRIOS NA AVALIAÇÃO DA PROVA NO PROCESSO TRABALHISTA E NO PROCESSO ADMINISTRATIVO-PENAL. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO PARA INVERTER O ÔNUS DA PROVA EM PROCESSO PUNITIVO.
1. Inexiste distinção ontológica, mormente no campo da heterotutela, entre infração penal e infração administrativa, logo, comunicam-se à sanção administrativa os critérios do direito penal e do direito processual penal.
2. A presunção de legitimidade do ato administrativo, atributo que, por sua raiz absolutista, vem perdendo prestígio, não é suficiente para inverter o ônus da prova no processo administrativo destinado à aplicação de pena.
3. A afirmação em sentença trabalhista (que considera o princípio in dúbio pro misero), baseada em um único depoimento de testemunha, sem grande consistência, de fatos configuradores de infração, não é suficiente para ensejar a aplicação de pena administrativa, transferindo para o autuado o ônus de prova contrária (AMS 1999.01.00.037217-6/MG, TRF 1ª Região. 25/10/2002 DJ p.144)". (g.n.)
"1 INTRODUÇÃO
A administração pública realiza a sua função por meio de atos jurídicos, chamados amplamente de atos da administração. Entre tais, situam-se os atos administrativos, que podem ser classificados, de acordo com a liberdade de opção do administrador público na prática do ato, em vinculados e discricionários. Os primeiros são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização, não sendo dado ao administrador margem de escolha. Os segundos são os que a administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de sua conveniência, oportunidade e do modo de sua realização. Nesse último caso, a administração tem liberdade de atuação, obedecendo, contudo, aos limites fixados em lei, sob pena de a discricionariedade tornar-se arbitrariedade.
Discricionariedade e arbitrariedade têm em comum a idéia de liberdade. Contudo, a discricionariedade é liberdade limitada pela lei, enquanto arbitrariedade designa a liberdade ilimitada. A limitação legal, entretanto, somente se efetiva se houver motivação do ato administrativo discricionário, conforme se verá nos itens seguintes.
2 - A MOTIVAÇÃO NOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
O dever de motivar os atos administrativos não se encontra assegurado de maneira expressa no texto da Constituição Federal de 1988, também não figurando nas Constituições pretéritas. Por esse motivo, o tema suscita, desde longa data, discussões doutrinárias. A controvérsia gira, basicamente, em torno de três posições.
A vertente inicial defende que somente os atos vinculados devem ser obrigatoriamente motivados. Nesse sentido, Cretella Júnior defende que o ato administrativo discricionário é insuscetível de revisão pelo poder judiciário quanto aos motivos, não havendo o dever de motivar, mas, uma vez motivado, o ato submete-se à apreciação judicial: Em suma, tratando-se de ato discricionário, a motivação é dispensável. No entanto, se o administrador motiva o ato, o motivo deve conformar-se à lei, porque, do contrário, a motivação ilegal, eivada de abuso, excesso ou desvio de poder, torna o ato discricionário suscetível de revisão judicial (CRETELLA JÚNIOR, 2001.p. 156.).
Outra corrente doutrinária, por sua vez, entende que os atos discricionários devem ser sempre motivados, enquanto os vinculados em regra também devem sê-lo, salvo alguns casos excepcionais. Tal é a posição de Celso Antonio Bandeira de Mello:
A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato. Em algumas hipótese de atos vinculados, isto é, naqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de Direito aplicanda pode ser suficiente por estar implícita a motivação. Naqueloutros, todavia, em que existe discricionariedade administrativa ou em que a prática do ato vinculado depende de apurada apreciação e sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada. (MELLO, 1999, p. 82).
A terceira corrente, por fim, defende a necessidade de motivação de todos os atos, quer discricionários quer vinculados. Nesse sentido, a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de sua decisões. (...) A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle da legalidade dos atos administrativos (DI PIETRO, 2001,p. 82).
A partir das diversas posições expostas, ressai o caráter controvertido do tema, mas, ao mesmo tempo, pode-se verificar a nítida tendência atual da doutrina no sentido de ampliar os casos de motivação obrigatória dos atos administrativos. E essa direção na evolução do pensamento doutrinário procura o embasamento constitucional da necessidade de motivação dos atos administrativos, consoante exposto adiante.
3 - FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DO DEVER DE MOTIVAR OS ATOS ADMINISTRATIVOS
O dever de motivar os atos administrativos encontra-se exposto em diversos princípios e dispositivos insertos na Constituição, especificamente nos artigos 1º "caput", inciso II e parágrafo único, 5º XXXV e LIV e 93 X.
A teor do art. 1º da Constituição Federal, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, este entendido como a união dos conceitos de Estado de Direito e Estado Democrático que, fundidos, geram um conceito novo, que supera a mera justaposição dos elementos que o formam.
O Estado Democrático de Direito é aquele em que, além de serem observados os princípios do primado da lei e da Constituição, também se verifica a submissão à soberania popular. Ou seja, o povo participa não só da formação da vontade estatal como também no controle direto ou indireto dos atos administrativos.
Para assegurar a participação e controle popular, indispensável é a fundamentação do ato administrativo, único meio viabilizador de fiscalização. De se ressaltar que, ao lado da motivação do ato, deve haver a publicidade da mesma, para que se possibilite a efetiva participação do cidadão no controle da juridicidade dos atos emanados do poder público.
O dever de motivar os atos administrativos pode ainda ser extraído do princípio republicano, inserido também do art. 1º da Constituição de 1988, que institui: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito".
Por República entende-se não apenas a oposição à Monarquia, mas, principalmente, o regime político em que os exercentes de funções políticas representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o mediante mandatos renováveis periodicamente.
A partir do conceito exposto, verifica-se que o administrador, ao expedir seus atos, atua no âmbito da "res publicae" e deve arcar com as responsabilidades de seu ato. Tendo em vista tal responsabilização, a motivação do ato surge como essencial, pois permite ao administrado identificar a existência dos motivos, sua correspondência com a realidade, o móvel do agente, sua destinação a uma finalidade pública etc, dentre outras circunstâncias exigidas pela ordem jurídica.
De acordo com o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Melo (1989, p. 83), pode-se também afirmar que o princípio da motivação encontra-se implícito nos seguintes dispositivos constitucionais: a) no art. 1º, inciso II que indica a cidadania como um dos fundamentos da República; b) no parágrafo único do art. 1º, que disciplina que todo o poder emana do povo; c) no art. 5º, inciso XXXV, que cuida da apreciação, pelo poder judiciário, de lesão ou ameaça de lesão a direito.
No que tange aos dois primeiros dispositivos constitucionais citados, justifica-se o caráter implícito do princípio da motivação pelas razões expendidas quando da análise do dever de motivar enquanto corolário do Estado Democrático de Direito, uma vez que novamente aqui figura a afirmação da motivação do ato administrativo como único meio viabilizador da participação e controle popular.
Quanto à previsão de apreciação pelo Poder Judiciário das lesões ou ameaças de lesão a direito, sabe-se que não há meio de se possibilitar o controle judicial eficaz dos atos administrativos, principalmente a verificação da adequação desses mesmo atos aos princípios constitucionais expressos na Constituição Federal, em caso de inexistência de motivação do ato ou motivação ulterior, uma vez que sempre seria possível ao administrador fabricar razões a posteriori.
Dessa forma, o princípio da motivação dos atos administrativos encontra arrimo implícito na Constituição Federal, quer em razão do princípio republicano e da adoção do Estado Democrático de Direito, quer em virtude de dispositivos que se espalham por seu texto.
[...]
4 - CONCLUSÕES - CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO
Após todas as considerações realizadas, pode-se afirmar que os atos administrativos devem ser sempre motivados, mas a fundamentação é mais relevante e indispensável nos casos de prática de atos administrativos discricionários, tendo em vista a necessidade de minimizar a possibilidade de arbitrariedade da decisão.
A prática de ato administrativo sem a necessária motivação implica sua invalidação judicial, a não ser que o juiz conclua que, uma vez anulado o ato, a administração seria obrigada a repeti-lo com o mesmo conteúdo, embora sem o vício, tendo em vista ser aquela a única decisão possível.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20 ed. Atual por AZEVEDO, Eurico de Andrade, ALEIXO, Délcio Balestero e BURLE FILHO, José Emmanuel. São Paulo: Malheiros, 1990
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999
PIRES, Renato Barth. "A motivação do ato administrativo na Constituição Brasileira de 1988." In: FIGUEIREDO, Lúcia Valle (coord.) Ato administrativo e devido processo legal. . São Paulo: Max limonad, 2001". (g.n.)
"Com relação ao motivo, eu sempre o relaciono com o fato; motivo é o fato. Costuma-se definir o motivo como o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo. O motivo precede à prática do ato, ele é alguma coisa que acontece antes da prática do ato e que vai levar à administração a praticar o ato. Por exemplo, o funcionário pratica uma infração, a infração é o fato. O ato é a punição e o motivo é a infração; ele tem um fundamento legal, embora nem sempre a lei defina o motivo com muita precisão; normalmente quando nós falamos com base no artigo tal, nós estamos mencionando o motivo, o pressuposto de direito, porque aquele fato vem descrito ou vem previsto na norma; na hora em que aquele fato descrito na norma acontece no mundo real, surge um motivo para a administração praticar o ato.
Por exemplo, a lei diz: o funcionário que faltar 30 dias consecutivos incide em abandono de cargo. A falta por 30 dias é a infração, que levara a Administração a instaurar o processo e aplicar a pena.
Cabe ressaltar que o motivo não é a mesma coisa que a motivação. A motivação, embora tenha muita relação com o motivo, é uma formalidade essencial ao ato, ela não é o próprio motivo. Na motivação, a Administração Pública vai indicar as razões, quais foram os fatos, qual é o fundamento de direito, qual o resultado almejado; ela vai dar a justificativa do ato; ela pode até na motivação indicar qual foi o motivo, qual foi o fato que a levou a praticar aquele ato, mas não é a mesma coisa.
Quando dizemos que o ato é ilegal com relação ao motivo? Quando o fato não existiu ou quando existiu de maneira diferente do que a autoridade está dizendo. Quando ela diz que está mandando embora o funcionário porque não tem verba para pagar, o motivo é inexistência de verba, mas se existir verba, aquele motivo é falso, ela alegou um fato inexistente. Ou um funcionário pratica uma infração e a autoridade o pune por outra infração, diferente daquela que justificaria uma outra punição, então o motivo é ilegal.
Pela Lei de Ação Popular, o vício relativo ao motivo ocorre quando a matéria, de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Vejam vocês que essa Lei é de 1965 e já no conceito referido está embutido o princípio da razoabilidade, quando ela fala que é ilegal o motivo, se for materialmente inexistente ou juridicamente inadequado ao resultado obtido. Ele está praticando que exigindo uma relação entre meios e fins; sem usar a expressão razoabilidade, o dispositivo já consagrou o princípio.
[...]
No caso do motivo e da finalidade, eu diria que há uma impossibilidade até de fato, porque a lei não precisa dizer; imaginem que a Administração Pública praticou um ato e o motivo, quer dizer, o fato não existiu ou o fato foi diferente daquele que a administração declarou; como é que você vai corrigir o fato? É impossível corrigir o fato.
A administração aplicou uma pena porque diz que o servidor praticou uma infração, mas ele não praticou a infração; como é que você vai corrigir? É uma nulidade absoluta.
É a mesma coisa com relação à finalidade. Se a autoridade praticou o ato com uma finalidade que não era aquela própria do ato, você também não tem como corrigir o desvio de poder, que é alguma coisa que está na intenção da pessoa; não há como corrigir a intenção". (g.n.)
Analisando os estudos citados, nota-se que os atos administrativos devem sempre ser motivados. É dizer: a motivação deve ser prévia à expedição do ato administrativo. Nesse contexto, a motivação constitui garantia constitucional, e serve para que o Poder Judiciário possa controlar o mérito do ato administrativo quanto à sua legalidade.
As referidas assertivas fundamentam-se em diversos princípios e dispositivos insertos na Constituição Federal de 1988, tais como nos artigos 1º, caput, inciso II e parágrafo único, 5º XXXV e LIV e 93 X. De igual modo, o princípio da motivação se relaciona com os princípios do artigo 37 da Carta Magna, ou seja, com a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Outro aspecto merecedor de análise refere-se sobre a indicação das razões de fato e de direito que a levou a Administração Pública praticar aquele ato. Destarte, as razões de fato, relacionam-se com o ônus probatório que incumbe à autoridade pública no processo administrativo; e as razões de direito, corresponde à fundamentação legal que dá suporte a edição do ato (indicação dos dispositivos normativos).
Com efeito, "é preciso que a motivação indique as premissas de direito e de fato em que se apóia o ato motivado, com a menção das normas legais aplicadas, sua interpretação e, eventualmente, a razão da não aplicação de outras; e com referência aos fatos, inclusive a avaliação das provas examinadas pelo agente público, a seu respeito. Em segundo lugar, o agente público deve justificar as regras de inferência através das quais passou as premissas à conclusão (...) Por outro lado, sob o aspecto formal, a motivação deve ser clara e congruente, a fim de permitir uma afetiva comunicação com os seus destinatários12". (g.n.)
"RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO - ATO DISCRICIONÁRIO - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO RECURSO PROVIDO.
1. Independentemente da alegação que se faz acerca de que a transferência do servidor público para localidade mais afastada teve cunho de perseguição, o cerne da questão a ser apreciada nos autos diz respeito ao fato de o ato ter sido praticado sem a devida motivação. 2. Consoante a jurisprudência de vanguarda e a doutrina, praticamente, uníssona, nesse sentido, todos os atos administrativos, mormente os classificados como discricionários, dependem de motivação, como requisito indispensável de validade. 3. O Recorrente não só possui direito líquido e certo de saber o porquê da sua transferência "ex officio", para outra localidade, como a motivação, neste caso, também é matéria de ordem pública, relacionada à própria submissão a controle do ato administrativo pelo Poder Judiciário. 4. Recurso provido." (STJ, SEXTA TURMA, RMS 15459/MG, Rel. Min. PAULO MEDINA DJ 16.05.2005 p. 417)
ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - REMOÇÃO - ATO NÃO MOTIVADO - NULIDADE - ART. 8º, INCISO I DA LEI ESTADUAL Nº 5.360/91 - PRERROGATIVA DE INAMOVIBILIDADE - INEXISTÊNCIA - PRECEDENTES - RECURSO PROVIDO.
I - O princípio da motivação possui natureza garantidora quando os atos levados a efeito pela Administração Pública atingem a seara individual dos servidores. Assim, a remoção só pode ser efetuada se motivada em razão de interesse do serviço. Precedentes.
II - O art. 8º, inciso I da Lei Estadual nº 5.360/91 não impede que o servidor por ela regido seja removido. Não se cogita de inconstitucionalidade da expressão "fundamentada em razão do interesse do serviço" nele contida.
III - No caso dos autos, o ato que ordenou as remoções encontra-se desacompanhado do seu motivo justificador. Conseqüentemente, trata-se de ato eivado de nulidade por ausência de motivação, que desatende àquela regra específica que rege os Agentes Fiscais da Fazenda Estadual.
IV - Recurso provido".
(RMS 12856/PB; Relator(a) Ministro GILSON DIPP; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA; 2001/0004770-0) (g.n.)
"Acerca da exigência de motivação dos atos administrativos, assim preleciona HELY LOPES MEIRELLES, in "Direito Administrativo Brasileiro", 28ª ed., p. 96/97:
"No Direito Público o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos, suas ambições, sue programas, seus atos, não têm eficácia administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem alicerçados o Direito e na Lei. Não é a chancela da autoridade que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo ato administrativo.
Ora, se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, claro está que todo ato do Poder Público deve trazer consigo a demonstração de sua base legal e de seu motivo.
(...)
Pela motivação o administrador público justifica sua ação administrativa, indicando os fatos (pressupostos de fato) que ensejam o ato e os preceitos jurídicos (pressupostos de direito) que autorizam sua prática.
Claro está que em certos atos administrativos oriundos do poder discricionário a justificação será dispensável, bastando apenas evidenciar a competência para o exercício desse poder e a conformação do ato com o interesse público, que é pressuposto de toda atividade administrativa. Em outros atos administrativo, porém, que afetam o interesse individual do administrado, a motivação é obrigatória, para o exame de sua legalidade, finalidade e moralidade administrativa. (...).
A motivação, portanto, deve apontar a causa e os elementos determinantes da prática do ato administrativo, bem como o dispositivo legal em que se funda. (...)." - (g.n.)
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - REMUNERAÇÃO, SUBSÍDIOS, PENSÕES E PROVENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS, ATIVOS E INATIVOS, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - FIXAÇÃO DE TETO REMUNERATÓRIO MEDIANTE ATO DO PODER EXECUTIVO LOCAL (DECRETO ESTADUAL Nº 25.168/99) - INADMISSIBILIDADE - O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. (ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-01, DJ de 27-6- 03)
CADIN/SIAFI - INCLUSÃO, NESSE CADASTRO FEDERAL, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, POR EFEITO DE DIVERGÊNCIAS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CONVÊNIO MJ Nº 019/2000 - [...] - A imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do "due process of law", assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. - O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua "contra legem" ou "praeter legem", não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)". Doutrina. Precedentes. (ACO 1.048-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-8-07, DJ de 31-10-07)
CADASTRO ÚNICO DE CONVÊNIO (CAUC) - SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL - (INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01/2005) - [...] - A imposição estatal de restrições de ordem jurídica, quer se concretize na esfera judicial, quer se realize no âmbito estritamente administrativo (como sucede com a inclusão de supostos devedores em cadastros públicos de inadimplentes), supõe, para legitimar-se constitucionalmente, o efetivo respeito, pelo Poder Público, da garantia indisponível do "due process of law", assegurada, pela Constituição da República (art. 5º, LIV), à generalidade das pessoas, inclusive às próprias pessoas jurídicas de direito público, eis que o Estado, em tema de limitação ou supressão de direitos, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva e arbitrária. Doutrina. Precedentes. - O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. - O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua "contra legem" ou "praeter legem", não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite "sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)". Doutrina. Precedentes (AC 1.033-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-06, DJ de 16-6-06)" (g.n.)
2.2.1 - R$ 11.355,06 (onze mil trezentos e cinqüenta e cinco reais e seis centavos), referente a despesas com pagamento de indenização a particular por danos ocasionados em veículo de propriedade deste, em função de acidente de trânsito ocorrido pelo não-funcionamento de equipamento semafórico, de responsabilidade do Município; haja vista a) não ter providenciado, diante do fato, a adoção de qualquer medida paliativa que ao menos minorasse a possibilidade da ocorrência do sinistro, como seria sua atribuição, delegada pelo art. 12, XXV, XXVI e XXXV, da Lei Orgânica Municipal; b) a não-adoção de medidas cabíveis no sentido de vislumbrar responsabilidades no quadro funcional da municipalidade, tanto na esfera administrativa como na civil, tal como predispõem os arts. 151, 152, caput e §§, 154, 157, 158, caput e parágrafo único, 174, 176 e 179 da Lei Municipal n. 1.898/94; c) a não-adoção de critérios para a definição do quantum a ser indenizado, contrariando o princípio constitucional da economicidade inserto no art. 70, caput, da Constituição Federal; e d) por não esgotar as possibilidades de defesa do Município, já que não ficou cabalmente demonstrada a responsabilidade do ente no acidente; fatos estes que denotam o não-cumprimento de atribuições e competências delegadas ao Chefe da Administração através do art. 81 da Orgânica Municipal (item 6.1. da decisão recorrida).
Relativamente ao presente processo, o recorrente alega em sua peça recursal a nulidade da decisão recorrida, haja vista que a motivação foi insuficiente. Nesse contexto, analisando a TCE-03/03405945, verifica-se que assiste razão ao recorrente, porquanto o débito imputado a ele carece de motivação, de fundamentação legal e de demonstração dos fatos afirmados por esta Corte de Contas; ou seja, não existe correlação lógica entre as situações fáticas descritas nos autos e os dispositivos legais supostamente violados.
"Art. 12. Compete ao Município prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população e privativamente, dentre outras atribuições:
[...]
XXV - sinalizar as vias urbanas e rurais;
XXVI - regulamentar a utilização de vias e logradouros públicos;
XXXV - elaboração do plano geral de viação do Município, ajustando-o ao plano rodoviário do Estado e da União".
"§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Nesse instante, mister citar os ensinamentos de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari15, que subsumem ao presente caso: "É sempre necessária a previsão legislativa como condição de validade de atuação administrativa; mas isso, porém, não é suficiente. Não basta a existência de uma previsão geral e abstrata: é essencial que, no caso concreto, tenham efetivamente acontecido os fatos aos quais a lei estipulou uma consequência". (g.n.)
"Art. 81 Ao Prefeito Municipal, como Chefe da Administração, compete dar cumprimento às deliberações da Câmara Municipal, dirigir e defender os interesses do Município, bem como adotar, de acordo com a lei, todas as medidas administrativas de utilidade pública sem exceder as verbas orçamentárias".
"Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço faute du service dos franceses não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio."
(RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 4-11-03, DJ de 27-2-04)
3. CONCLUSÃO
6.1. Julgar regulares, com fundamento no art. 18, inciso I, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, realizada na Prefeitura Municipal de Brusque, decorrente de Representação formulada a este Tribunal, com abrangência sobre pagamento de indenização a particular por danos causados a veículo deste, pertinente aos exercícios de 2002 e 2003.
COG, em 19 de setembro de 2008.
MURILO RIBEIRO DE FREITAS
De acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. sr. conselheiro otávio gilson dos santos, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2008.
HAMILTON HOBUS HOEMKE
1
Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 22ª edição, Ed. Forense, 1997, pág. 423.