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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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Processo n°: |
REC - 04/06239630 |
Origem: |
Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB |
RESPONSÁVEL: |
José Orlando Battistoti |
Assunto: |
Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -PCA-01/01586779 |
Parecer n° |
COG-392/08 |
Recurso de Reconsideração
Despesa com quilometragem.
É vedado o pagamento de despesa com quilometragem quando o veículo além de não pertencer à empresa, não possui autorização legal para o ressarcimento, em afronta ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76
Pagamento de multas.
As despesas com pagamento de multas não estão abrangidas nos objetivos das Empresas de Economia Mista, em afronta ao art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76.
A concessão de despesas de viagem à servidores das empresas públicas e sociedades de economia mista, depende da prévia autorização do Conselho de Política Financeira - CPF, homologação pelo Governador do Estado e publicação no Diário Oficial do Estado, sendo condicionada, ainda, à observância da Lei Complementar Federal nº 101/2000 (LRF) (Prejulgado 1443).
Saldos credores no ativo e saldos devedores no passivo.
Quando há incompatibilidade nos saldos apresentados com a natureza das contas contábeis, fica demonstrado o descontrole contábil, em afronta aos arts. 176 e 177 da Lei Federal n. 6.404/76 e 85 e 88 da Resolução n. TC-16/94 e aos itens 1.4.1 e 1.4.2 da Resolução CFC n. 785/95, havendo necessidade de ajustes nas demonstrações financeiras
Incompatibilidade entre o conceito de "grave infração à norma regulamentar" e o descumprimento de preceito de Resoluções.
Quando ocorre a aplicação de multa com base no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, é porque houve grave ofensa à norma regulamentar, não sendo possível a ofensa estar esculpida em Resolução, haja vista que a dita expressão concerne à possibilidade dada ao Chefe do Executivo de, por meio de ato geral e abstrato, explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados, ou seja, o Decreto. Se não fosse assim, haveria incompatibilidade entre a exigência da grave infração com a inobservância de um ato de importância normativa inferior.
Há incompatibilidade na contratação quando o representante da empresa contratada como prestadora do serviço e o locatário forem a mesma pessoa (art. 37, caput C. F.).
Senhor Consultor,
RELATÓRIO
Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo responsável, Sr. José Orlando Battistoti, ex-Presidente da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB, em face do Acórdão nº 0827/2004 proferido no processo nº PCA 01/01586779 (fls. 365 a 367), em sessão ordinária datada de 26/05/2004.
O Presidente da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB, em 18/05/01, o Balanço Anual de 2000 (fls. 02 a 191, autos principais), para exame por esta Corte de Contas, através da Diretoria de Controle da Administração Estadual.
Após o exame da referida documentação, a DCE emitiu o Relatório nº TCE/DCE/INSP.4/DIV.XII N° 137/02 (fls. 192 a 253, autos principais), sugerindo a citação do Responsável para apresentar alegações de defesa em relação às irregularidades evidenciadas.
Em resposta ao ato notificatório, o Responsável apresentou suas alegações de defesa às fls. 267 à 319, dos autos principais.
Em seqüência, a DMU analisou os documentos juntados aos autos e elaborou o Relatório de Reinstrução nº TCE/DCE/INSP.4/nº 011/2004 (fls. 321 a 354, autos principais), emitindo parecer técnico pelo julgamento irregular das contas prestadas pelo Sr. José Orlando Battistoti, com imputação débito.
O Ministério Público junto a este Tribunal, representado pelo Procurador Geral, Sr. César Filomeno Fontes, manifestou-se nos autos, através do Parecer MP/TC - 556/2004, acompanhando o entendimento do Corpo Técnico (fl. 356 e 358, autos principais).
A Relatora, Exma. Auditora Substituta de Conselheiro Thereza Marques (fls. 359 a 364, autos principais) entendeu por acompanhar parcialmente a posição expendida pelo corpo técnico desta Casa, fazendo suas considerações.
Na Sessão Ordinária do dia 04/10/2004, o Tribunal Pleno ao apreciar o processo nº PCA-01/01586779 prolatou a seguinte decisão:
Acórdão n° 0827/2004:
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, alíneas "c",
c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2000 referentes a atos de gestão da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB/SC, e condenar o Responsável Sr. José Orlando Battistoti - ex-Diretor-Presidente daquela entidade, ao pagamento das quantias abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar perante este Tribunal o recolhimento dos débitos aos cofres da COHAB/SC, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais, calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, do mesmo diploma legal):
6.1.1. R$ 559,90 (quinhentos e cinqüenta e nove reais e noventa centavos), referente a despesas com ressarcimento de quilometragem, não amparadas legalmente, em afronta ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 19 do Relatório DCE);
6.1.2. R$ 6.063,30 (seis mil sessenta e três reais e trinta centavos), referente a despesas com pagamento de multas, não abrangidas nos objetivos da Companhia, previstos no art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76, e contrariando Decisão deste Tribunal de Contas exarada em 10/08/1998 no Processo n. 254707/70 (item 20 do Relatório DCE);
6.1.3. R$ 467,00 (quatrocentos e sessenta e sete reais), referente a despesas de viagem irregulares, relacionadas a deslocamentos do Diretor Técnico Cláudio Gadotti da cidade de Major Vieira a Florianópolis, caracterizando realização de dispêndios não abrangidos nos objetivos da Companhia, previstos no art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, e prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 24 do Relatório DCE).
6.2. Aplicar ao Sr. José Orlando Battistoti - ex-Diretor-Presidente da COHAB/SC, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas abaixo discriminadas, com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 300,00 (trezentos reais), em face da incompatibilidade dos saldos apresentados com a natureza das contas contábeis, demonstrando descontrole contábil, em afronta aos arts. 176 e 177 da Lei Federal n. 6.404/76 e 85 e 88 da Resolução n. TC-16/94 e aos itens 1.4.1 e 1.4.2 da Resolução CFC n. 785/95, havendo necessidade de ajustes nas demonstrações financeiras (item 8 do Relatório DCE);
6.2.2. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da utilização de contas genéricas por parte da empresa,
em desatendimento ao disposto no art. 88 da Resolução n. TC-16/94 (item 9 do Relatório DCE);
6.2.3. R$ 300,00 (trezentos reais), em face da ausência de extratos bancários, em descumprimento à Resolução n. CFC-597/85, que aprovou a NBC T 2.2, em especial ao item 2.2.1 (item 10 do Relatório DCE);
6.2.4. R$ 200,00 (duzentos reais), em face de contabilizações efetuadas de forma indevida: erro de classificação e históricos não condizentes com os fatos, em descumprimento ao art. 85 da Resolução n. TC-16/94 (item 13 do Relatório DCE);
6.2.5. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da aceitação, como comprovantes de despesa, de documentos preenchidos em desacordo com o art. 60 da Resolução n. TC-16/94 (item 21 do Relatório DCE);
6.2.6. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da comprovação inadequada de despesas, em desacordo com os arts. 57 e 58 da Resolução n. TC-16/94 (item 22 do Relatório DCE);
6.2.7. R$ 100,00 (cem reais), em face da contratação de aluguel junto ao Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportadores Autônomos de Bens de Joaçaba, presidido por Ademar A. Belotto, que, incompativelmente, também é o gerente regional de Joaçaba, e a quem foi efetuado o adiantamento, em ofensa ao princípio da impessoalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 25 do Relatório DCE).
6.3. Recomendar à COHAB/SC à adoção de providências visando à correção das restrições apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes dos itens 2.1 a 2.4, 2.8, 2.9, 2.11 e 2.12 do Relatório da Instrução, e à prevenção da ocorrência de outras semelhantes.
6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.4/Div.10 n. 011/2004, à Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB/SC e ao Sr. José Orlando Battistoti - ex-Diretor-Presidente daquela entidade.
Inconformado com o decisum, o Responsável interpôs, em data de 01/12/04, Recurso de Reconsideração, com base nos artigos 76 e 77 da Lei Orgânica - Lei Complementar nº 202/2000.
II. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Inicialmente cabe verificar a legitimidade do Sr. José Orlando Battistoti, para interpor o presente Recurso na modalidade de Reconsideração.
Dispõe o art. 136, parágrafo único, do Regimento Interno desta Corte de Contas que o Recurso de Reconsideração será interposto pelo Responsável. Considerando que a peça recursal vem devidamente subscrita pelo Sr. José Orlando Battistoti, sendo este o apontado no Acórdão referido como sendo o Responsável pelas restrições apuradas, resta configurada sua legitimidade para interposição do presente.
Nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, a modalidade de recurso foi adequadamente interposta como Recurso de Reconsideração, considerando que o presente processo é de prestação de contas.
Por fim, resta analisar a tempestividade do Recurso, conforme dispõe o art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, o qual oportuniza ao Responsável o prazo de 30 dias para interpor o Recurso de Reconsideração, contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.
A publicação do Acórdão recorrido se deu aos 30/07/2004 e o recurso foi ajuizado no dia 01/12/2004. É de se observar que foram concedidas prorrogações de prazo (fls. 375 e 379, autos principais), onde a última teve como data o dia 01/11/2004, desse modo, torna-se tempestivo o presente recurso.
III. RAZÕES RECURSAIS
a) O Tribunal Pleno imputou débitos ao responsável em razão de ter havido despesas irregulares:
a.1) Item 6.1.1, débito:
6.1.1. R$ 559,90 (quinhentos e cinqüenta e nove reais e noventa centavos), referente a despesas com ressarcimento de quilometragem, não amparadas legalmente, em afronta ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 19 do Relatório DCE);
Quanto à irregularidade referente ao ressarcimento de quilometragem não amparadas legalmente, o Recorrente repete os argumentos apresentados por ocasião da defesa (fl. 281), os quais já foram analisados pelo Corpo Técnico por meio do Relatório 011/2004 (fl. 342, autos principais), cujo resultado, à época da reinstrução, foi pela não aceitação das justificativas do Recorrente.
O Recorrente justifica-se alegando que a "lei, trata exclusivamente do uso indevido de carros oficiais, e que no caso em tela a diretoria executiva da COHAB editou a ordem de serviço n° 05/99 que regulamentou a utilização de veículos particulares e estipulou a forma de ressarcimento do km percorrido".
Esta Corte de Contas, possui entendimento, em forma de prejulgados, acerca das despesas de combustível decorrentes do uso de veículo particular em serviço, conforme transcrição abaixo:
Compete ao Município, nos termos dos arts. 29 e 30 da Constituição Federal e 110 e 112 da Constituição Estadual, legislar sobre matéria de interesse local, no que se inclui matérias relativas à Administração Pública Municipal, observadas as disposições constitucionais.
O Poder Público Municipal poderá ressarcir as despesas de combustível decorrentes do uso de veículo particular a serviço, mediante o estabelecimento e observância, no mínimo, das seguintes condições: a) prévia autorização em lei municipal específica; b) relacionar-se a deslocamentos que visam ao exclusivo atendimento dos serviços e do interesse público; c) o veículo particular a ser utilizado nestas condições seja de propriedade do servidor ou do agente político e esteja previamente cadastrado no órgão competente do Poder Público Municipal; d) seja exigida declaração pessoal do proprietário que isenta a Fazenda Pública Municipal de responsabilidade civil e administrativa, em qualquer hipótese, pelos encargos decorrentes da propriedade, desgaste, multas e danos causados ao veículo ou a terceiros, em razão da utilização do veículo particular a serviço; e) seja definida a base de cálculo e a proporção do ressarcimento das despesas com combustível custeadas pelo servidor ou agente político, citando-se, como parâmetro, que o Executivo Estadual adota a proporção de 1/4 e o Poder Judiciário a proporção de 1/6 do preço do litro da gasolina comum, por quilômetro rodado; f) esteja estabelecido que a indenização do combustível será concedida à vista da comprovação da quilometragem percorrida a partir do ponto de partida a ser fixado pela Administração, mediante relato do percurso e dos serviços efetivados, vinculados ao interesse público; g) quando em viagem a serviço, a indenização prevista na letra anterior se fará de acordo com a quilometragem percorrida, cuja base de cálculo deverá ser definida pela Administração Municipal, citando-se, como parâmetro, que, no âmbito do Estado, é utilizado o mapa do Estado de Santa Catarina editado pelo DEINFRA ou pelo DNIT.
Diante das características singulares que cercam o uso de veículo particular a serviço, com a responsabilidade sendo exclusiva do servidor ou agente político proprietário do veículo, fica afastada a hipótese de a condução desse veículo efetivar-se através de servidor público ocupante de cargo ou emprego de motorista do quadro de pessoal da Administração Municipal.
Processo: CON-05/04273698 Parecer: COG-1055/05 e Voto do Relator Decisão: 850/2006 Origem: Prefeitura Municipal de Imbituba Relator: Conselheiro Moacir Bertoli Data da Sessão: 05/04/2006 Data do Diário Oficial: 24/05/2006
A Câmara Municipal poderá ressarcir as despesas de combustível de veículos particulares, desde que (a) previamente autorizada em lei específica, (b) relacionada a deslocamento dos Vereadores para fora de jurisdição municipal, (c) os assuntos tratados nas viagens sejam de interesse público, (d) haja expressa autorização da Câmara Municipal para a realização da viagem, (e) os veículos utilizados nestas condições estejam previamente cadastrados no órgão competente do Pode Legislativo e (f) sejam aplicáveis somente a casos excepcionais.
Processo: CON-02/07448892 Parecer: COG-644/02 Decisão: 3314/2002 Origem: Câmara Municipal de Anita Garibaldi Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini Data da Sessão: 10/12/2002 Data do Diário Oficial: 25/04/2003
É admitida a conversão do valor da passagem em combustível quando o servidor militar usar para deslocamento o seu veículo particular, desde que seja por um dos motivos citados nos incisos do § 2º do artigo 51 da Lei Estadual nº 5.645/79.
O valor despendido com a conversão poderá ser pago por conta de adiantamento para as despesas de combustível.
Todos os veículos particulares de propriedade dos policias militares, sujeitos à utilização para os fins previstos nos incisos do § 2º do artigo 51 da Lei Estadual nº 5.645/79, devem ser cadastrados.
A Corporação deverá editar instrumento normativo a respeito do assunto, estabelecendo os requisitos a serem satisfeitos pelos interessados, bem como os procedimentos para formalizar o cadastramento, resguardando-se de eventuais responsabilidades pelo uso optativo, pelo policial-militar, de veículo de sua propriedade privada.
Processo: CON-TC1247804/59 Parecer: COG-334/95 Origem: Polícia Militar do Estado de Santa Catarina Relator: Conselheiro Antero Nercolini Data da Sessão: 28/08/1995".
Ressalta-se que a Instrução de Serviço n° 05/99, editada pela diretoria executiva da COHAB, não é suficiente para autorizar o ressarcimento de despesa com quilometragem à empregados que viajam em veículos próprios, haja vista que existe a necessidade de lei específica que autorize os referidos pagamentos (princípio da legalidade). Nesse diapasão, cabe exemplificar com a Lei Complementar n. 278, de 27 de dezembro de 2004, que dispõe sobre a utilização de veículo particular em serviço e sobre o ressarcimento de despesas de combustível aos servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina, in verbis:
"LEI COMPLEMENTAR Nº 278, de 27 de dezembro de 2004
Dispõe sobre a utilização de veículo particular a serviço e sobre o ressarcimento de despesas de combustível aos servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA,
Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1º Os servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina, quando se deslocarem de sua sede funcional, temporariamente, a serviço, poderão utilizar veículos de sua propriedade, devidamente cadastrados no órgão competente deste Poder, sendo ressarcidos das despesas com combustível.
Art. 2º O Presidente do Tribunal de Justiça disciplinará, por meio de resolução, a utilização de veículos particulares a serviço, nos termos desta Lei Complementar, regulamentando o ressarcimento das despesas com combustível.
Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.
Florianópolis, 27 de dezembro de 2004".
Portanto, são requisitos, segundo orientação desta Corte de Contas, indispensáveis ao ressarcimento de despesas de combustível decorrentes do uso de veículo particular à serviço:
a) prévia autorização em lei específica;
b) relacionar-se a deslocamentos que visam ao exclusivo atendimento dos serviços e do interesse público;
c) o veículo particular a ser utilizado nestas condições seja de propriedade do servidor ou do agente político e esteja previamente cadastrado no órgão competente do Poder Público;
d) seja exigida declaração pessoal do proprietário que isenta a Fazenda Pública de responsabilidade civil e administrativa, em qualquer hipótese, pelos encargos decorrentes da propriedade, desgaste, multas e danos causados ao veículo ou a terceiros, em razão da utilização do veículo particular a serviço
e) seja definida a base de cálculo e a proporção do ressarcimento das despesas com combustível custeadas pelo servidor ou agente político,
f) esteja estabelecido que a indenização do combustível será concedida à vista da comprovação da quilometragem percorrida a partir do ponto de partida a ser fixado pela Administração, mediante relato do percurso e dos serviços efetivados, vinculados ao interesse público;
g) quando em viagem a serviço, a indenização prevista na letra anterior se fará de acordo com a quilometragem percorrida, cuja base de cálculo deverá ser definida pela Administração, senão vejamos:
No entanto, percebemos que o Recorrente não traz aos autos documentos que comprovem que os requisitos supratranscritos foram cumpridos.
Desse modo, considerando que tais despesas não são amparadas legalmente, e que como tal afronta o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, opina-se pela permanência do débito R$ 559,90 (quinhentos e cinqüenta e nove reais e noventa centavos).
a.2) Item 6.1.2, débito:
6.1.2. R$ 6.063,30 (seis mil sessenta e três reais e trinta centavos), referente a despesas com pagamento de multas, não abrangidas nos objetivos da Companhia, previstos no art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76, e contrariando Decisão deste Tribunal de Contas exarada em 10/08/1998 no Processo n. 254707/70 (item 20 do Relatório DCE);
Com relação à responsabilização pela realização de despesas com pagamento de multas, o Recorrente não traz defesa.
Cabe ressaltar que as justificativas já apresentadas, por ocasião de sua defesa nos autos originários (fl. 282), confirmaram que o pagamento de multas foram decorrentes de falta de recursos para pagamentos na época dos vencimentos.
Desse modo, considerando que tais despesas são desprovidas de caráter público, merece permanecer o débito R$ 6.063,30 (seis mil sessenta e três reais e trinta centavos).
a.3) Item 6.1.3, débito:
6.1.3. R$ 467,00 (quatrocentos e sessenta e sete reais), referente a despesas de viagem irregulares, relacionadas a deslocamentos do Diretor Técnico Cláudio Gadotti da cidade de Major Vieira a Florianópolis, caracterizando realização de dispêndios não abrangidos nos objetivos da Companhia, previstos no art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, e prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76 (item 24 do Relatório DCE).
Quanto à irregularidade referente a despesas realizadas com locomoção de funcionário, destaca-se que no item 24 do recurso (fl. 06), o Recorrente justificou-se da seguinte forma: "Mantém a justificativa da Companhia".
No entanto, é de se observar que o Relatório Técnico à fl. 346, não considerou tais justificativas, uma vez ter permanecido a restrição (apontada no item 1.3 da conclusão do Relatório Técnico à fl. 352).
Desse modo, ante às razões recursais estarem relacionadas às justificativas prestadas à época do Relatório TCE/DCE/INSP. 4/n° 011/2004, e tendo este, concluído pela permanência das restrições, o posicionamento é pela manutenção do débito de R$ 467,00 (quatrocentos e sessenta e sete reais), do item 6.1.3 do Acórdão recorrido.
b) O Tribunal Pleno imputou multas ao responsável em razão de ter havido despesas irregulares:
b.1) Item 6.2.1:
6.2.1. R$ 300,00 (trezentos reais), em face da incompatibilidade dos saldos apresentados com a natureza das contas contábeis, demonstrando descontrole contábil, em afronta aos arts. 176 e 177 da Lei Federal n. 6.404/76 e 85 e 88 da Resolução n. TC-16/94 e aos itens 1.4.1 e 1.4.2 da Resolução CFC n. 785/95, havendo necessidade de ajustes nas demonstrações financeiras (item 8 do Relatório DCE);
Quanto a incompatibilidade dos saldos apresentados com a natureza das contas contábeis, demonstrando descontrole contábil o Recorrente assim justifica-se fl. 04, do recurso):
ITEM 13- CONTABILIZAÇÕES INDEVIDAS:
Complementando nossas informações anteriores, informamos que esta empresa tomou todas as providências para que tais fatos não mais venham a ocorrer, solicitando aos setores responsáveis maiores controles em seus registros.
Ressalta-se que, tanto nesta justificativa (fl. 04, do recurso) quanto na justificativa anterior (fl. 275, autos principais) o Recorrente admite que houve erro, e que providências foram tomadas para que tais fatos não voltem a ocorrer, justificativa esta, que não tem o condão de sanar a restrição.
Diante do exposto opina-se pela manutenção da multa de R$ 100,00 (cem reais), do item 6.2.1 do acórdão recorrido.
b.2) Itens 6.2.2, 6.2.3 e 6.2.4, 6.2.5 e 6.2.6 onde, todas as multas imputadas foram por infringência a resoluções.
Multas aplicadas ao Sr. José Orlando Battistoti, ex-Presidente da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB,, em decorrência do Acórdão n° 0827/2004 (fls. 675 a 678, autos principais, vol. II), tiveram fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, com a seguinte redação:
6.2.2. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da utilização de contas genéricas por parte da empresa,
em desatendimento ao disposto no art. 88 da Resolução n. TC-16/94 (item 9 do Relatório DCE);
6.2.3. R$ 300,00 (trezentos reais), em face da ausência de extratos bancários, em descumprimento à Resolução n. CFC-597/85, que aprovou a NBC T 2.2, em especial ao item 2.2.1 (item 10 do Relatório DCE);
6.2.4. R$ 200,00 (duzentos reais), em face de contabilizações efetuadas de forma indevida: erro de classificação e históricos não condizentes com os fatos, em descumprimento ao art. 85 da Resolução n. TC-16/94 (item 13 do Relatório DCE);
6.2.5. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da aceitação, como comprovantes de despesa, de documentos preenchidos em desacordo com o art. 60 da Resolução n. TC-16/94 (item 21 do Relatório DCE);
6.2.6. R$ 200,00 (duzentos reais), em face da comprovação inadequada de despesas, em desacordo com os arts. 57 e 58 da Resolução n. TC-16/94 (item 22 do Relatório DCE);
As multas cominadas ao Recorrente tiveram por fundamento o art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, portador da seguinte redação:
Art. 70. O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais aos responsáveis por:
II - ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; Grifo nosso
Ocorre que a ofensa a preceitos insculpidos na Resolução TC nº 16/94 e na Resolução n° 597/85 do Conselho Federal de Contabilidade, não podem ser considerados como "grave infração a norma regulamentar", haja vista que dita expressão concerne à possibilidade dada ao Chefe do Poder Executivo de, por meio de ato geral e abstrato, explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados, ou seja, o Decreto. Se não fosse assim, haveria incompatibilidade entre a exigência da grave infração com a inobservância de um ato de importância normativa inferior.1
Desta forma, as demais maneiras pelas quais se vale a Administração para disciplinar suas atribuições - resoluções, portarias, instruções, ordens de serviço etc. - não estão abrangidas de per si, pelo termo grifado; só merecendo atenção para fins de punição, caso a violação alcance a lei ou decreto que deu vazão à sua origem. Faz-se necessário a denominada dependência e subordinação normativa.
Nas palavras do Ilustre Professo Celso Antônio Bandeira de Mello:
Tudo quanto se disse a respeito do julgamento e de seus limites aplica-se, ainda com maior razão, a instruções, portarias, resoluções, regimentos ou quaisquer outros atos gerais do executivo. É que, na pirâmide jurídica, alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é o ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores.
Tratando-se de atos subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento.
Assim, toda a dependência e subordinação do regulamento à lei, bem como os limites em que se há de conter, manifestam-se revigoradamente no caso de instruções, portarias, resoluções, regimentos ou normas quejandas.
[...] Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo intruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por via legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, mesmo ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta.2
Torna-se, nesse contexto, oportuna a transcrição de trechos da Informação nº COG-172/05, da lavra da Auditora Fiscal Walkíria Maciel, emitida nos autos do Processo nº REC-04/01498034 que, com muita propriedade, analisou situação análoga:
Em distinto artigo, Luís Roberto Barroso, no texto abaixo transcrito, faz uma importante análise acerca do exercício do poder regulamentar pelo Tribunal de Contas, a partir de uma acepção constitucional:
Convém, a próposito deste tópico, traçar algumas distinções essenciais entre lei, regulamento e atos administrativos inferiores. Com a ascensão da ideologia liberal e a consagração da separação de Poderes, os Estados democráticos, há mais de duzentos anos, se organizam atribuindo as funções estatais de legislar, administrar e julgar a órgãos diversos. Como corolário de tal ordenação de Poderes, é nota essencial desta modalidade de Estado a submissão de todas as atividades dos cidadãos e dos órgãos públicos a normas gerais preexistentes. Tal peculiariade recebe a designação de princípio da legalidade.
O tema abriga complexidades e sutilezas que envolvem conceitos como os de preferência da lei e reserva da lei, e, dentro desta última, a reserva absoluta e relativa, e a reserva de lei formal e de lei material. Não será necessário tal aprofundamento para os fins do raciocínio aqui desenvolvido. Basta que se assinale que o princípio da legalidade, na sua aplicação aos particulares, traduz-se em que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", na locução clássica reproduzida no inciso II do art. 5º da Carta de 1988. Inversamente, no que toca à Administração Pública, seus órgãos e agentes, o princípio tem significado simétrico: só se pode fazer aquilo que a lei autoriza ou determina. A nova Constituição também abrigou a regra (art. 37, caput).
Pois é de tal circunstância que decorre a distinção fundamental, ao ângulo material, entre a lei e o regulamento. Um e outro, é certo, são atos normativos, de caráter geral e impessoal. Mas somente a lei - e não o regulamento - pode inovar na ordem jurídica, modificando situação preexistente. Sempre a lei, e jamais o regulamento, será a via legítima de se criarem obrigações para os particulares. A doutrina é indiscrepante na matéria. A faculdade regulamentar, lembra Sergio Ferraz, longe de infirmar o princípio da separação dos Poderes, antes o confirma: o regulamento é uma das princípais formas de manifestação da atuação administrativa, e não poderá contrariar a lei formal.
O conceito de poder regulamentar foi expresso, com a clareza habitual, pelo saudoso professor Hely Lopes Meirelles:
"O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes do Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre a matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV)."
No mesmo sentido veja-se a lição do professor Caio Tácito, expondo, de forma didática, os diferentes níveis de atuação normativa do Estado:
"A capacidade ordinária do Estado se manifesta por meio de círculos concêntricos que vão, sucessivamente, da Constituição à lei material e formal, isto é, aquela elaborada pelos órgãos legislativos; desce aos regulamentos por meio dos quais o Presidente da República complementa e particulariza as leis; e, finalmente, aos atos administrativos gerais, originários das várias escalas de competência administrativa."
Como se constata, singelamente, não é controvertido, em doutrina, que o poder regulamentar é privativo do Chefe do Executivo. A única polêmica que existe na matéria é sobre a existência ou não de regulamentos autônomos, ao lado dos regulamentos de execução, generalizadamente admitidos. Estes últimos têm seu fundamento constitucional no art. 84, IV, ao passo que os primeiros legitimar-se-iam nos incisos II e VI do mesmo artigo. A discussão não é importante para os fins aqui visados.
À vista da clareza da dicção constitucional, bem como da univocidade da doutrina quanto à competência privativa do Chefe do Executivo para exercer o poder regulamentar, coloca-se a questão da validade da norma do inciso I, do art. 4º, da Lei Complementar 63, de 1º de agosto de 1990, do Estado do Rio de Janeiro - a chamada Lei Orgânica do Tribunal de Contas -, onde se lê:
"Art. 4º Compete, ainda, ao Tribunal de Contas:
I - exercer o poder regulamentar, podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre a aplicação de leis pertinentes a matéria de suas atribuições e organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."
É de grande interesse assinalar, desde logo, que a regra acima transcrita foge do modelo da lei federal, que não faz menção a atos e instruções "sobre a aplicação de leis pertinentes a matéria de suas atribuições", utilizando tão-somente a locução "atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições." Vale dizer: o que vai ser regulamentado não são as leis - porque jamais poderia caber ao Tribunal de Contas fazê-lo - mas apenas as matérias que a lei já lhes atribuiu. Confira-se o texto federal, extraído do art. 3º da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992:
"Art. 3º Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste o poder regulamentar; podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."
De todo modo, embora a diferença assinalada acima não seja de pouca relevância, o problema é com as palavras "poder regulamentar", presentes em ambos os textos. Entendida no seu sentido mais óbvio, a expressão é evidentemente inconstitucional. De fato, do longo elenco de competências atribuídas ao Tribunal de Contas, constante dos onze incisos do art. 71, da Constituição, não consta a referida expressão, até porque, como já se viu, o poder regulamentar é privativo do Poder Executivo. A inconstitucionalidade, portanto, seria patente.
Porém, a doutrina e a jurisprudência brasileiras, inspiradas pela produção do Tribunal Constitucional Federal alemão, têm desenvolvido e aplicado a diversos casos a chamada interpretação conforme a Constituição. Por este mecanismo, procura-se resguardar a validade de uma determina norma, excluindo-se expressamente a interpretação mais óbvia - que conduziria à sua inconstitucionalidade - e estabelecendo uma outra interpretação, que permita ao dispositivo ser aplicado em harmonia com o texto constitucional maior. Por esta técnica, é possível admitir a validade da expressão "poder regulamentar", desde que se entenda que o legislador quis referir-se a uma competência administrativa normativa. Vale dizer: fez referência à espécie - regulamento -, quando queria significar o gênero: ato administrativo normativo.
De fato, parece aceitável reconhecer-se ao Tribunal de Contas competência para editar atos normativos administrativos, como seu Regimento Interno, ou para baixar uma Resolução ou outros atos internos. Poderá, igualmente, expedir atos ordinatórios, como circulares, avisos, ordens de serviço. Nunca, porém, será legítima a produção de atos de efeitos externos geradores de direitos e obrigações para terceiros, notadamente quando dirigidos a órgãos constitucionais de outro Poder. Situa-se ao arrepio da Constituição, e foge inteiramente ao razoável, o exercício, pelo Tribunal de Contas, de uma indevida competência regulamentar, equiparada ao Executivo, ou mesmo, em alguns casos de abuso mais explícito, de uma competência legislativa, com inovações à ordem jurídica.
Tal é o caso, por exemplo, de Deliberação que estabeleça regras para contratação de empresas para prestação de serviços à Administração ou para terceirização. Não pode o Tribunal de Contas expedir regulamento autônomo, nem muito menos invadir esfera legislativa, impondo requisitos e vedações que não têm lastro em texto legal. Da mesma sorte, não há juridicidade em editar o Tribunal de Contas normatização sobre contratação temporária, estabelecendo critérios próprios, substituindo-se ao administrador e ao legislador.
O Supremo Tribunal de Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 828-5-RJ, fulminou, por insconstitucionais, pretensões normativas do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Assim é que considerou inválida a Deliberação nº 45, na qual se previa que a solução de consulta encaminhada ao Tribunal teria caráter normativo. Também já se pronunciou a invalidade da Resolução Normativa que, em estranhíssimo conteúdo, adiou, no Rio de Janeiro, a vigência da Emenda à Constituição Federal nº 1/92, que limitou a remuneração de deputados estaduais e vereadores.
Não bastassem os argumentos incontestáveis até aqui deduzidos, um outro fundamento evidencia a implausibilidade do exercício de poder regulamentar pelo Tribunal de Contas. É que, na hipótese de abuso de poder regulamentar pelo Executivo, a Constituição provê expressamente o mecanismo de sanção: compete ao Legislativo "sustar os atos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar". Não existe qualquer mecanismo constitucional destinado a neutralizar o abuso por parte do Tribunal de Contas. Como não há competência constitucional insuscetível de controle, a conclusão é que simplesmente não há a competência invocada pelo Tribunal de Contas.
Em síntese das idéias enunciadas neste tópico, é possível deixar assentado que a referência feita pela lei ao poder regulamentar do Tribunal de Contas somente será constitucional se interpretada no sentido de uma competência normativa limitada, consistente na ordenação interna de sua própria atuação. Não tem competência o Tribunal de Contas para editar atos normativos genéricos e abstratos, vinculativos para a Administração, nem muito menos para invadir esfera legislativa, estabelecendo direitos e obrigações não contemplados no ordenamento. (grifo nosso)
Também não é demais frisar que nenhuma penalidade deve ser criada por resolução ou instrução normativa sem que tenha amparo na Lei Complementar nº 202/00, neste sentido é o julgado do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. MULTA. CRIADA POR RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DA PARAÍBA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. ILEGALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DAS PENAS (ART. 5º, XXXIX, DA CF).
1 1. A Resolução nº 12/2001 do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, ao regulamentar o art. 56 da Lei Orgânica daquele órgão, extrapolou os limites aí estabelecidos, criando nova hipótese de incidência de multa, o que ofende, além da própria Lei Orgânica, o princípio constitucional da legalidade.
2. A ilegalidade manifesta-se na criação de nova hipótese típica, não prevista na lei, bem como pelo caráter automático da multa, que não permite a sua gradação, o que afronta o comando contido no §2º do art. 56 da referida Lei Orgânica.
3. Voto pelo provimento do recurso. (MS nº 15.577/PB, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 17/06/2003, por unanimidade). (grifo nosso)
No tocante ao Recurso Extraordinário nº 190.985-4, mencionado no ofício, em nada choca-se com o posicionamento desta Consultoria, ao contrário em muitos aspectos o afirma, como por exemplo, a amplitude do termo dano ao erário, a existência de um poder de polícia dos Tribunais de Contas, a distinção entre multa-sanção e coerção, etc.
Portanto, o entendimento esboçado sequer teve o condão de negar o poder regulamentar desta Corte de Contas, apenas o interpreta à luz dos princípios gerais que norteiam o Direito Administrativo, sobretudo, das Constituições federal e estadual, e da própria Lei Complementar nº 202/00.
Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Direito Administrativo Brasileiro", nos traz a seguinte lição acerca dos denominados "atos normativos":
"Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de conteúdo geral.
Tais atos, conquanto normalmente estabeleçam regras gerais e abstratas de conduta, não são leis em sentido formal. São leis apenas em sentido material, vale dizer, provimentos executivos com conteúdo de lei, com matéria de lei. Esses atos, por serem gerais e abstratos, têm a mesma normatividade da lei e a ela se equiparam para fins de controle judicial, mas, quando, sob a aparência de norma, individualizam situações e impõem encargos específicos a administrados, são considerados de efeitos concretos e podem ser atacados e invalidados direta e imediatamente por via judicial comum, ou por mandado de segurança, se lesivos de direito individual líquido e certo." (grifo nosso)
Na mesma seara, Edmir Netto de Araújo, em seu livro "Curso de Direito Administrativo", traça os seguintes comentários:
"(...) No aspecto formal, em uma escala gradativa de imperatividade ou cogência para a Administração e para a coletividade em geral, o Direito Administrativo tem como fonte por excelência a lei formal, que em seu sentido mais amplo abrange a Constituição, Emendas constitucionais, Leis Orgânicas municipais, Leis complementares, Leis Delegadas e Leis ordinárias. Sem esquecermos, entretanto, as Medidas Provisórias, que como lei se qualificam, enquanto vigentes.
Ressalta-se a importância desse tipo de fonte, ao constatar-se que a própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, II, declara que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o que, para o Poder Público, significa fazer apenas o que a lei determina ou autoriza (princípio da restritividade).
Seguem-se, nessa gradação, as norma jurídicas administrativas que não são leis formais, tais como os decretos gerais e regulamentares, decretos legislativos, provimentos dos Tribunais, despachos normativos, resoluções, portarias e outros atos administrativos dotados dos atributos de imperatividade, presunção de legitimidade e auto-executoriedade, cada qual com aplicabilidade restrita à sua esfera político-jurídica, e aos administrados que se enquadrem nas respectivas hipóteses normativas.
O princípio da legalidade nos termos do art. 5º, II, da Carta Magna, significa, para os particulares, que estes poderão fazer tudo o que a lei não proíbe, e que só a lei poderá obrigá-los a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
Já o seu correspondente para o Poder Público, mencionado no srt. 37, significa que o agente público, as autoridades, a Administração, enfim, só poderão fazer o que a lei determina ou permite expressamente, devendo agir de acordo com a lei e o interesse público, não podendo prevalecer frente a este decisões e interesses individuais. Este desdobramento do princípio da legalidade é conhecido, em Direito Administrativo, como princípio da legalidade estrita, ou princípio da restritividade: as leis administrativas são de ordem pública, contendo "poderes-deveres" irrelegáveis pelos agentes públicos, que não as podem, portanto, descumprir.
A ilegalidade pode ser explícita ou considerada em sentido amplo, como nos casos de desvio, abuso ou excesso de poder: tudo se reflete sobre a legalidade ocasionando a nulidade do ato da Administração, e deflagrando as respectivas responsabilidades do Estado, de suas atividades e de seus agentes.
Na verdade, o princípio da legalidade estrita significa que a Administração não pode inovar na ordem jurídica por simples atos administrativos, não pode conceder direitos, criar obrigações, impor vedações, compelir comportamentos: para tudo isso, e em outras hipóteses, é necessário o respaldo da lei, e mesmo que em certos casos a atividade administrativa pareça realizar-se sem essa particularidade, só será legítima se houver lastro em determinação ou autorização legal.
Os doutrinadores Marcelo Alexandrino a Vicente Paulo, na obra "Direito Administrativo", afirmam:
"(...) Os atos normativos possuem conteúdo análogo ao das leis, com a principal diferença de que não podem inovar o ordenamento jurídico criando direitos ou deveres para os administrados que não se encontrem previstos em lei.
A função dos atos normativos não é, entretanto, simplesmente repetir o que se encontra enunciado na lei. Sendo destinados a possibilitar a fiel execução de leis pela Administração, os atos normativos devem esmiuçar, explicitar o conteúdo das leis que regulamentam. (...)"
O STJ, no mesmo sentido, já averbou:
"Lei e Regulamento - Distinção - Poder Regulamentar - Ampliação.
É da nossa tradição constitucional admitir o regulamento apenas como ato normativo secundário subordinado à lei, não podendo expedir comando contra ou extra legem, mas tão-somente secundum legem" (Resp nº 3.667-SC, 1ª Turma, Rel. Min. Pedro Aciolik, 1990).
José dos Santos Carvalho Filho, em seu "Manual de Direito Administrativo", colabora com os entendimentos já esboçados:
"(...) Por via de conseqüência, não podem considerar-se legítimos os atos de mera regulamentação, seja qual for o nível da autoridade de onde se tenha originado, que, a pretexto de estabelecerem normas de complementação da lei, criam direitos e impõem obrigações aos indivíduos. Haverá, nessa hipótese, indevida interferência de agentes administrativos no âmbito da função legislativa, com flagrante ofensa ao princípio sa separação de Poderes insculpido no art. 2º da CF. Por isso, de inegável acerto a afirmação de que só por lei se regula liberdade e propriedasde; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não fazer, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos."
Por fim, trazemos os comentários de Robertônio Santos Pessoa, em seu livro "Curso de Direito Administrativo Moderno", acerca das limitações ao poder regulamentar no direito positivo brasileiro, mais especificamente sobre os regulamentos:
Uma questão importante que aqui se impõe diz respeito aos limites deste poder de criação de normas novas. Este é um dos problemas cruciais a serem enfrentados pela doutrina e pela jurisprudência em matéria de poder regulamentar. Nesta matéria, dois critérios básicos podem ser apontados com vista a fazer com que o regulamento mantenha sua identidade básica de operação de "execução" DA LEI (ART. 84, IV, da CF): o critério do "complemento indispensável" e o critério da "não contradição".
Para delimitação dos contornos desta atividade de desenvolvimento e complementação, Santa María Pastor assinala que a doutrina tem se utilizado do conceito de "complemento indispensável", de origem francesa, que compreende dois aspectos básicos. Primeiro, o de que o regulamento não pode limitar os direitos ou situações jurídicas favoráveis que a lei estabelece, nem tão pouco ampliar ou endurecer as obrigações ou situações desfavoráveis. E segundo, que o regulamento deve incluir todo o indispensável para assegurar a correta aplicação e a plena efetividade da lei que pretende executar e desenvolver. Por outro lado, o regulamento não pode acrescentar mais do que seja estritamente indispensável para a garantia destes fins (PASTOR, 2001:349).
Portanto, os atos normativos possuem conteúdo análogo ao das leis, com a principal diferença de que não podem inovar o ordenamento jurídico, e, conseqüentemente, não criam direitos ou deveres para os administrados, que não se encontrem previstos em lei.
À vista de todo o exposto, e ainda, analisando a irregularidade ensejadora da imputação de débito no caso em tela, concluímos que a mesma, por ser fundamentada em norma administrativa que hierarquicamente é inferior à norma legal e não possui "força" para, sozinha, caracterizar a obrigação do Recorrente junto ao erário.
Destarte, a afronta a preceito constante da Resolução TC nº 16/94 e a resolução n° 597/85 do Conselho Federal de Contabilidade, não autoriza a aplicação de multa com base no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000, razão pela qual devem as multas dos itens, 6.2.2, 6.2.3 e 6.2.4, 6.2.5 e 6.2.6 serem canceladas.
b.3) Item 6.2.7:
6.2.7. R$ 100,00 (cem reais), em face da contratação de aluguel junto ao Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportadores Autônomos de Bens de Joaçaba, presidido por Ademar A. Belotto, que, incompativelmente, também é o gerente regional de Joaçaba, e a quem foi efetuado o adiantamento, em ofensa ao princípio da impessoalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 25 do Relatório DCE).
Quanto à contratação de aluguel junto ao Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportadores Autônomos de Bens de Joaçaba, a incompatibilidade está em o Sr. Ademar A. Belotto ser gerente regional da Cia (COHAB) de Joaçaba, e ser presidente do sindicato, e, a quem foi efetuado o adiantamento do aluguel.
O Recorrente justifica-se afirmando que não tinha conhecimento de que além de ser Gerente Regional da COHAB, o Sr. Ademar A. Belotto, era Presidente do citado sindicato, fato este que não sana a restrição, uma vez que, o próprio contrato, inclui a assinatura das partes, e o recibo pré-impresso no valor de R$ 366,00, referente ao aluguel do mês de dezembro/99 foi emitido e assinado pelo presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportes Rodoviários Autônomos de Joaçaba, Ademar Beloto conforme transcrição de parte do Relatório Técnico n° 137/02 (fl. 224, autos principais):
Merece ser destacado a emissão do cheque 1630, na data de 06/01, no valor de R$ 931,79, nominal a Ademar Augusto Beloto, referente ao adiantamento 001/2000, para cobrir despesas da Regional Joaçaba, referente ao mês de janeiro/00, consta anexo a Prestação de Contas do adiantamento.
Como documento utilizado na prestação de contas entre outros consta o recibo pré-impresso no valor de R$ 366,00, referente ao aluguel do mês de dezembro/99, sendo este recibo emitido e assinado pelo presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportes Rodoviários Autônomos de Joaçaba, Ademir A. Japão Beloto. (grifei).
[...]
Portanto, torna-se evidente que tal despesa foi imprópria à Cia (COHAB), devendo permanecer a multa contida no item 6.2.7 do acórdão recorrido.
III. CONCLUSÃO
Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Conselheiro-Relator, que em seu Voto proponha ao Tribunal Pleno a seguinte decisão:
6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão nº 0827/2004, exarado na Sessão Ordinária de 26/06/2004, nos autos do Processo nº PCA-0101586779, para, no mérito, dar-lhe provimento parcial para:
6.1.1. Cancelar as multas constantes dos itens 6.2.2, 6.2.3 e 6.2.4, 6.2.5 e 6.2.6 do acórdão recorrido.
6.1.2. Manter os demais termos da decisão recorrida.
6.2 Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam bem como deste Parecer COG, ao Sr. José Orlando Battistoti e à Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB.
Técnica de Controle Externo
À consideração do Exmo. sr. conselheiro salomão ribas jUnior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
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HAMILTON HOBUS HOEMKE Consultor Geral, em exercício |
1
Cf. Apostila Comentários à Lei Orgânica e ao Regimento Interno. Florianópolis, 2004, p. 347, não publicada.2
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo:Malheiros, 2002, p.331-332.