ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 04/06239630
Origem: Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB
RESPONSÁVEL: José Orlando Battistoti
Assunto: Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -PCA-01/01586779
Parecer n° COG-392/08

Recurso de Reconsideração

Pagamento de multas.

As despesas com pagamento de multas não estão abrangidas nos objetivos das Empresas de Economia Mista, em afronta ao art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76.

Quando há incompatibilidade nos saldos apresentados com a natureza das contas contábeis, fica demonstrado o descontrole contábil, em afronta aos arts. 176 e 177 da Lei Federal n. 6.404/76 e 85 e 88 da Resolução n. TC-16/94 e aos itens 1.4.1 e 1.4.2 da Resolução CFC n. 785/95, havendo necessidade de ajustes nas demonstrações financeiras

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Reconsideração interposto pelo responsável, Sr. José Orlando Battistoti, ex-Presidente da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB, em face do Acórdão nº 0827/2004 proferido no processo nº PCA 01/01586779 (fls. 365 a 367), em sessão ordinária datada de 26/05/2004.

Em resposta ao ato notificatório, o Responsável apresentou suas alegações de defesa às fls. 267 à 319, dos autos principais.

O Ministério Público junto a este Tribunal, representado pelo Procurador Geral, Sr. César Filomeno Fontes, manifestou-se nos autos, através do Parecer MP/TC - 556/2004, acompanhando o entendimento do Corpo Técnico (fl. 356 e 358, autos principais).

A Relatora, Exma. Auditora Substituta de Conselheiro Thereza Marques (fls. 359 a 364, autos principais) entendeu por acompanhar parcialmente a posição expendida pelo corpo técnico desta Casa, fazendo suas considerações.

Na Sessão Ordinária do dia 04/10/2004, o Tribunal Pleno ao apreciar o processo nº PCA-01/01586779 prolatou a seguinte decisão:

Acórdão n° 0827/2004:

II. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Inicialmente cabe verificar a legitimidade do Sr. José Orlando Battistoti, para interpor o presente Recurso na modalidade de Reconsideração.

Dispõe o art. 136, parágrafo único, do Regimento Interno desta Corte de Contas que o Recurso de Reconsideração será interposto pelo Responsável. Considerando que a peça recursal vem devidamente subscrita pelo Sr. José Orlando Battistoti, sendo este o apontado no Acórdão referido como sendo o Responsável pelas restrições apuradas, resta configurada sua legitimidade para interposição do presente.

Nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, a modalidade de recurso foi adequadamente interposta como Recurso de Reconsideração, considerando que o presente processo é de prestação de contas.

Por fim, resta analisar a tempestividade do Recurso, conforme dispõe o art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, o qual oportuniza ao Responsável o prazo de 30 dias para interpor o Recurso de Reconsideração, contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.

A publicação do Acórdão recorrido se deu aos 30/07/2004 e o recurso foi ajuizado no dia 01/12/2004. É de se observar que foram concedidas prorrogações de prazo (fls. 375 e 379, autos principais), onde a última teve como data o dia 01/11/2004, desse modo, torna-se tempestivo o presente recurso.

III. RAZÕES RECURSAIS

a) O Tribunal Pleno imputou débitos ao responsável em razão de ter havido despesas irregulares:

a.1) Item 6.1.1, débito:

Quanto à irregularidade referente ao ressarcimento de quilometragem não amparadas legalmente, o Recorrente repete os argumentos apresentados por ocasião da defesa (fl. 281), os quais já foram analisados pelo Corpo Técnico por meio do Relatório 011/2004 (fl. 342, autos principais), cujo resultado, à época da reinstrução, foi pela não aceitação das justificativas do Recorrente.

O Recorrente justifica-se alegando que a "lei, trata exclusivamente do uso indevido de carros oficiais, e que no caso em tela a diretoria executiva da COHAB editou a ordem de serviço n° 05/99 que regulamentou a utilização de veículos particulares e estipulou a forma de ressarcimento do km percorrido".

Esta Corte de Contas, possui entendimento, em forma de prejulgados, acerca das despesas de combustível decorrentes do uso de veículo particular em serviço, conforme transcrição abaixo:

Ressalta-se que a Instrução de Serviço n° 05/99, editada pela diretoria executiva da COHAB, não é suficiente para autorizar o ressarcimento de despesa com quilometragem à empregados que viajam em veículos próprios, haja vista que existe a necessidade de lei específica que autorize os referidos pagamentos (princípio da legalidade). Nesse diapasão, cabe exemplificar com a Lei Complementar n. 278, de 27 de dezembro de 2004, que dispõe sobre a utilização de veículo particular em serviço e sobre o ressarcimento de despesas de combustível aos servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina, in verbis:

"LEI COMPLEMENTAR Nº 278, de 27 de dezembro de 2004

Dispõe sobre a utilização de veículo particular a serviço e sobre o ressarcimento de despesas de combustível aos servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA,

Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:

Art. 1º Os servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina, quando se deslocarem de sua sede funcional, temporariamente, a serviço, poderão utilizar veículos de sua propriedade, devidamente cadastrados no órgão competente deste Poder, sendo ressarcidos das despesas com combustível.

Art. 2º O Presidente do Tribunal de Justiça disciplinará, por meio de resolução, a utilização de veículos particulares a serviço, nos termos desta Lei Complementar, regulamentando o ressarcimento das despesas com combustível.

Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Florianópolis, 27 de dezembro de 2004".

Portanto, são requisitos, segundo orientação desta Corte de Contas, indispensáveis ao ressarcimento de despesas de combustível decorrentes do uso de veículo particular à serviço:

a) prévia autorização em lei específica;

b) relacionar-se a deslocamentos que visam ao exclusivo atendimento dos serviços e do interesse público;

c) o veículo particular a ser utilizado nestas condições seja de propriedade do servidor ou do agente político e esteja previamente cadastrado no órgão competente do Poder Público;

d) seja exigida declaração pessoal do proprietário que isenta a Fazenda Pública de responsabilidade civil e administrativa, em qualquer hipótese, pelos encargos decorrentes da propriedade, desgaste, multas e danos causados ao veículo ou a terceiros, em razão da utilização do veículo particular a serviço

e) seja definida a base de cálculo e a proporção do ressarcimento das despesas com combustível custeadas pelo servidor ou agente político,

f) esteja estabelecido que a indenização do combustível será concedida à vista da comprovação da quilometragem percorrida a partir do ponto de partida a ser fixado pela Administração, mediante relato do percurso e dos serviços efetivados, vinculados ao interesse público;

g) quando em viagem a serviço, a indenização prevista na letra anterior se fará de acordo com a quilometragem percorrida, cuja base de cálculo deverá ser definida pela Administração, senão vejamos:

No entanto, percebemos que o Recorrente não traz aos autos documentos que comprovem que os requisitos supratranscritos foram cumpridos.

Desse modo, considerando que tais despesas não são amparadas legalmente, e que como tal afronta o princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, opina-se pela permanência do débito R$ 559,90 (quinhentos e cinqüenta e nove reais e noventa centavos).

a.2) Item 6.1.2, débito:

6.1.2. R$ 6.063,30 (seis mil sessenta e três reais e trinta centavos), referente a despesas com pagamento de multas, não abrangidas nos objetivos da Companhia, previstos no art. 80 da Lei Estadual n. 9.831/95, caracterizando prática de ato de liberalidade do administrador, vedado pelo art. 154, §2º, "a", da Lei Federal n. 6.404/76, e contrariando Decisão deste Tribunal de Contas exarada em 10/08/1998 no Processo n. 254707/70 (item 20 do Relatório DCE);

Com relação à responsabilização pela realização de despesas com pagamento de multas, o Recorrente não traz defesa.

Cabe ressaltar que as justificativas já apresentadas, por ocasião de sua defesa nos autos originários (fl. 282), confirmaram que o pagamento de multas foram decorrentes de falta de recursos para pagamentos na época dos vencimentos.

Desse modo, considerando que tais despesas são desprovidas de caráter público, merece permanecer o débito R$ 6.063,30 (seis mil sessenta e três reais e trinta centavos).

a.3) Item 6.1.3, débito:

Quanto à irregularidade referente a despesas realizadas com locomoção de funcionário, destaca-se que no item 24 do recurso (fl. 06), o Recorrente justificou-se da seguinte forma: "Mantém a justificativa da Companhia".

No entanto, é de se observar que o Relatório Técnico à fl. 346, não considerou tais justificativas, uma vez ter permanecido a restrição (apontada no item 1.3 da conclusão do Relatório Técnico à fl. 352).

Desse modo, ante às razões recursais estarem relacionadas às justificativas prestadas à época do Relatório TCE/DCE/INSP. 4/n° 011/2004, e tendo este, concluído pela permanência das restrições, o posicionamento é pela manutenção do débito de R$ 467,00 (quatrocentos e sessenta e sete reais), do item 6.1.3 do Acórdão recorrido.

b) O Tribunal Pleno imputou multas ao responsável em razão de ter havido despesas irregulares:

b.1) Item 6.2.1:

Quanto a incompatibilidade dos saldos apresentados com a natureza das contas contábeis, demonstrando descontrole contábil o Recorrente assim justifica-se fl. 04, do recurso):

ITEM 13- CONTABILIZAÇÕES INDEVIDAS:

Complementando nossas informações anteriores, informamos que esta empresa tomou todas as providências para que tais fatos não mais venham a ocorrer, solicitando aos setores responsáveis maiores controles em seus registros.

Ressalta-se que, tanto nesta justificativa (fl. 04, do recurso) quanto na justificativa anterior (fl. 275, autos principais) o Recorrente admite que houve erro, e que providências foram tomadas para que tais fatos não voltem a ocorrer, justificativa esta, que não tem o condão de sanar a restrição.

Diante do exposto opina-se pela manutenção da multa de R$ 100,00 (cem reais), do item 6.2.1 do acórdão recorrido.

b.2) Itens 6.2.2, 6.2.3 e 6.2.4, 6.2.5 e 6.2.6 onde, todas as multas imputadas foram por infringência a resoluções.

Multas aplicadas ao Sr. José Orlando Battistoti, ex-Presidente da Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB,, em decorrência do Acórdão n° 0827/2004 (fls. 675 a 678, autos principais, vol. II), tiveram fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, com a seguinte redação:

Torna-se, nesse contexto, oportuna a transcrição de trechos da Informação nº COG-172/05, da lavra da Auditora Fiscal Walkíria Maciel, emitida nos autos do Processo nº REC-04/01498034 que, com muita propriedade, analisou situação análoga:

Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Direito Administrativo Brasileiro", nos traz a seguinte lição acerca dos denominados "atos normativos":

Na mesma seara, Edmir Netto de Araújo, em seu livro "Curso de Direito Administrativo", traça os seguintes comentários:

Os doutrinadores Marcelo Alexandrino a Vicente Paulo, na obra "Direito Administrativo", afirmam:

O STJ, no mesmo sentido, já averbou:

José dos Santos Carvalho Filho, em seu "Manual de Direito Administrativo", colabora com os entendimentos já esboçados:

Por fim, trazemos os comentários de Robertônio Santos Pessoa, em seu livro "Curso de Direito Administrativo Moderno", acerca das limitações ao poder regulamentar no direito positivo brasileiro, mais especificamente sobre os regulamentos:

Portanto, os atos normativos possuem conteúdo análogo ao das leis, com a principal diferença de que não podem inovar o ordenamento jurídico, e, conseqüentemente, não criam direitos ou deveres para os administrados, que não se encontrem previstos em lei.

À vista de todo o exposto, e ainda, analisando a irregularidade ensejadora da imputação de débito no caso em tela, concluímos que a mesma, por ser fundamentada em norma administrativa que hierarquicamente é inferior à norma legal e não possui "força" para, sozinha, caracterizar a obrigação do Recorrente junto ao erário.

b.3) Item 6.2.7:

Quanto à contratação de aluguel junto ao Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportadores Autônomos de Bens de Joaçaba, a incompatibilidade está em o Sr. Ademar A. Belotto ser gerente regional da Cia (COHAB) de Joaçaba, e ser presidente do sindicato, e, a quem foi efetuado o adiantamento do aluguel.

O Recorrente justifica-se afirmando que não tinha conhecimento de que além de ser Gerente Regional da COHAB, o Sr. Ademar A. Belotto, era Presidente do citado sindicato, fato este que não sana a restrição, uma vez que, o próprio contrato, inclui a assinatura das partes, e o recibo pré-impresso no valor de R$ 366,00, referente ao aluguel do mês de dezembro/99 foi emitido e assinado pelo presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportes Rodoviários Autônomos de Joaçaba, Ademar Beloto conforme transcrição de parte do Relatório Técnico n° 137/02 (fl. 224, autos principais):

Merece ser destacado a emissão do cheque 1630, na data de 06/01, no valor de R$ 931,79, nominal a Ademar Augusto Beloto, referente ao adiantamento 001/2000, para cobrir despesas da Regional Joaçaba, referente ao mês de janeiro/00, consta anexo a Prestação de Contas do adiantamento.

Como documento utilizado na prestação de contas entre outros consta o recibo pré-impresso no valor de R$ 366,00, referente ao aluguel do mês de dezembro/99, sendo este recibo emitido e assinado pelo presidente do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários e Transportes Rodoviários Autônomos de Joaçaba, Ademir A. Japão Beloto. (grifei).

[...]

Portanto, torna-se evidente que tal despesa foi imprópria à Cia (COHAB), devendo permanecer a multa contida no item 6.2.7 do acórdão recorrido.

III. CONCLUSÃO

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Conselheiro-Relator, que em seu Voto proponha ao Tribunal Pleno a seguinte decisão:

6.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão nº 0827/2004, exarado na Sessão Ordinária de 26/06/2004, nos autos do Processo nº PCA-0101586779, para, no mérito, dar-lhe provimento parcial para:

6.1.1. Cancelar as multas constantes dos itens 6.2.2, 6.2.3 e 6.2.4, 6.2.5 e 6.2.6 do acórdão recorrido.

6.1.2. Manter os demais termos da decisão recorrida.

6.2 Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam bem como deste Parecer COG, ao Sr. José Orlando Battistoti e à Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina - COHAB.

  HAMILTON HOBUS HOEMKE

Consultor Geral, em exercício


1 Cf. Apostila Comentários à Lei Orgânica e ao Regimento Interno. Florianópolis, 2004, p. 347, não publicada.

2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 14. ed. São Paulo:Malheiros, 2002, p.331-332.