|
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
|
Processo n°: |
REC - 05/04217860 |
Origem: |
Câmara Municipal de Major Gercino |
Interessado: |
Valmor da Silva |
Assunto: |
(Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) - TCE-03/06727676 |
Parecer n° |
COG-893/08 |
Recurso de Reconsideração. Cargos comissionados. Pagamento de gratificações. Ausência de previsão legal. Impossibilidade.
1. Lei municipal que prevê genericamente a possibilidade de concessão de gratificações não é instrumento bastante para autorizar a realização de tais pagamentos.
2. A ausência de critérios objetivos para a concessão de gratificações fere o princípio da legalidade e da impessoalidade (arts. 37, caput, da Constituição da República).
Recurso de Reconsideração. Prestação de serviços. Exigência de documento fiscal. Obrigatoriedade.
A exigência da emissão de documento fiscal decorre do disposto no art. 61 da Resolução TC nº 16/94 e busca garantir o recolhimento do tributo devido.
Recurso de Reconsideração. Cargos de provimento em comissão. Funções de direção, chefia e assessoramento. Exclusividade.
1. Para verificar se a natureza da função é condizente com a natureza do cargo em comissão e com as atribuições de direção, chefia e assessoramento, cumpre examinar as prerrogativas inerentes ao cargo (art. 37, V, Constituição).
2. Não se coadunam com o conceito de direção, chefia e assessoramento o desempenho de funções subalternas, cujas atribuições caracterizam-se como serviços comuns (limpeza, datilografia, pintura), ou como serviços técnicos profissionais, que exigem habilitação especial.
Recurso de Reexame. Câmara Municipal. Criação de cargos por resolução. Possibilidade.
É possível a criação de cargos no âmbito do Poder Legislativo Municipal mediante resolução, nos termos dos arts. 49 e 51 da Constituição da República.
Senhor Consultor,
RELATÓRIO
Tratam os presentes autos de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Sr. Valmor da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Major Gercino no exercício de 2003, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, em face do Acórdão nº 518/2004 (fls. 143-145), proferido nos autos da Tomada de Contas Especial nº 03/06727676, que julgou irregulares, com imputação de débito, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, na forma do art. 18, III, c, da Lei Complementar nº 202/2000. A decisão imputou ao recorrente débito de R$ 6.290,00 (seis mil duzentos e noventa reais), referente a gratificações pagas a servidores ocupantes de cargos de provimento em comissão, em descumprimento aos princípios da legalidade e da impessoalidade previstos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil. Aplicou multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de nota fiscal comprovando prestação de serviços de escrituração, consultoria e assessoramento contábeis, em inobservância ao disposto no art. 61 da Resolução n. TC-16/94. Impôs multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da nomeação de três servidores para exercício de cargos em comissão, cujas atribuições são desprovidas das características de direção, chefia ou assessoramento, em descumprimento ao art. 37, V, da Constituição da República Federativa do Brasil, e à obrigatoriedade de concurso público (art. 37, II, da Constituição). Aplicou, por fim, multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ocupação do cargo de Consultor Jurídico por servidora nomeada por resolução, em desacordo com os arts. 37, II e V, da Constituição da República.
O procedimento de Tomada de Contas Especial em epígrafe é resultante da conversão da Auditoria Ordinária nº 03/06727676 - realizada entre 9 e 12 de setembro de 2003, na Câmara Municipal de Major Gercino. Foi instaurado por força da decisão de fls. 46-47, para a apuração de algumas restrições, após a realização de auditoria no local (Relatório nº 1.150/2003, de fls. 37-44).
Cientificado da autuação da presente Tomada de Contas Especial (fl. 48), o responsável, Sr. Valmor da Silva, apresentou defesa às fls. 49-86.
No Relatório de Reinstrução nº 149/2003 (fls. 88-104), a Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) apontou restrições, sugerindo a aplicação de débito e multas.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas exarou parecer acolhendo os apontamentos feitos pela Diretoria de Controle dos Municípios (fl. 106).
Em sessão ordinária realizada em 19/04/2004, o Tribunal Pleno, por unanimidade, acompanhou o voto do Relator, Conselheiro Luiz Roberto Herbst (fls. 107-112), lavrando o Acórdão nº 518/2004, nos seguintes termos (fls. 113-114):
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Câmara Municipal de Major Gercino, envolvendo a verificação dos mecanismos de controle interno e a fiscalização financeira e orçamentária referentes ao exercício de 2003, e condenar o Responsável Sr. Valmor da Silva - Presidente daquele Órgão em 2003, ao pagamento da quantia de R$ 6.290,00 (seis mil duzentos e noventa reais), referente a despesas com gratificações pagas a servidores nomeados para cargos de provimento em comissão, concedidas de forma discricionária em face da ausência regulamentação específica, em descumprimento aos princípios da legalidade e impessoalidade insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal (item 2.2 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).
6.2. Aplicar ao Sr. Valmor da Silva - Presidente da Câmara Municipal de Major Gercino em 2003, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de nota fiscal relativa à prestação de serviços de escrituração, consultoria e assessoramento contábeis, no montante de R$ 4.250,00, em inobservância ao disposto no art. 61 da Resolução n. TC-16/94 (item 1.1 do Relatório DMU);
6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da existência de três servidores nomeados para exercer cargos de provimento em comissão, com base na Lei Municipal n. 732/99, cujas atribuições executadas não possuem as características de direção, chefia ou assessoramento, em afronta ao disposto no art. 37, II e V, da Constituição Federal, e evidenciando inobservância à obrigatoriedade de realizar concurso público, em descumprimento ao estabelecido no inciso II do mesmo artigo (item 2.3 do Relatório DMU);
6.2.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ocupação do cargo de Consultor Jurídico por servidora nomeada para cargo em comissão, amparado por resolução, em desacordo com a Constituição Federal, art. 37, II e V (item 2.4 do Relatório DMU).
6.3. Recomendar à Câmara Municipal de Major Gercino que, doravante, com vistas à comprovação de efetiva liquidação de despesa, atente para necessário controle de freqüência dos servidores, em atendimento ao disposto nos arts. 63, § 2º, III, da Lei Federal n. 4.320/64 e 4º da Resolução n. TC-16/94 (item 2.5 do Relatório DMU).
6.4. Determinar à Câmara Municipal de Major Gercino a adoção de providências visando à regulamentação da concessão de gratificações a servidores ocupantes de cargos comissionados, de modo a definir as situações e critérios para concessão e percepção de tais vantagens pessoais.
6.5. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, deste Tribunal, que inclua na sua programação de auditoria na Câmara Municipal de Major Gercino a verificação do cumprimento da determinação e recomendação constantes dos itens 6.3 e 6.4 desta deliberação.
6.6. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n. 149/2003, à Câmara Municipal de Major Gercino e ao Sr. Valmor da Silva - Presidente daquele Órgão em 2003.
O Acórdão foi publicado em 09/06/2004, no Diário Oficial do Estado nº 17.413.
Em 08/11/2005, foi protocolado o presente Recurso de Reconsideração.
É o relatório.
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
O Recurso de Reconsideração é o meio adequado para provocar a reapreciação de prestação de contas. Diz o art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00:
Art. 77. Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.
O recorrente, Valmor da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Major Gercino no exercício de 2003, é parte legítima para o manejo do presente recurso, porquanto se enquadra no conceito de responsável enunciado pelo art. 133, § 1º, da Resolução nº TC 16/2001:
Art. 133. § 1º. Para efeito do disposto no caput, considera-se:
a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;
Ademais, as sanções - objeto do recurso - foram contra ele impostas, nos termos do art. 112 da Resolução TC-6/2001:
Art. 112 da Resolução TC-6/2001. A multa cominada pelo Tribunal recairá na pessoa física que deu causa à infração e será recolhida ao Tesouro do Estado no prazo de trinta dias a contar da publicação da decisão no diário Oficial do Estado.
O presente recurso de reconsideração foi interposto tempestivamente, em 08/11/2005, tendo em vista que a decisão de fl. 137 prorrogou o prazo recursal, conforme Aviso de Recebimento de fl. 186.
Outrossim, cumpre - o recurso - o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.
Estão presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO
a) Do débito de R$ 6.290,00 (seis mil duzentos e noventa reais), referente a gratificações pagas a servidores ocupantes de cargos de provimento em comissão, em descumprimento aos princípios da legalidade e da impessoalidade previstos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil
Insurge-se o recorrente, inicialmente, contra o débito de R$ 6.290,00 (seis mil duzentos e noventa reais), aplicado em face do pagamento de gratificações a servidores ocupantes de cargos de provimento em comissão, em descumprimento aos princípios da legalidade e da impessoalidade previstos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil.
De acordo com o Relatório de Reinstrução nº 149/2003 (fls. 88-104 dos autos da TCE), as gratificações foram pagas nos seguintes termos (fl. 94 dos autos da TCE):
Nome |
Cargo |
Jan. |
Fev. |
Mar. |
Abr. |
Maio |
Jun. |
Jul. |
Ago. |
Total |
Elineide Lícia Martins |
Consultora Jurídica |
R$ 600,00 |
- |
R$ 600,00 |
R$ 600,00 |
R$ 600,00 |
R$ 600,00 |
R$ 600,00 |
R$ 480,00 |
R$ 4.080,00 |
Solange Amorin Fermiano |
Secretário Administrativo |
- |
- |
- |
R$ 160,00 |
R$ 140,00 |
R$ 140,00 |
R$ 140,00 |
R$ 80,00 |
R$ 660,00 |
Paulo Gilberto Herartt |
Tesoureiro |
- |
- |
- |
R$ 100,00 |
R$ 100,00 |
R$ 100,00 |
R$ 100,00 |
R$ 100,00 |
R$ 500,00 |
Jade José Davi |
Tesoureiro |
R$ 350,00 |
R$ 350,00 |
R$ 350,00 |
- |
- |
- |
- |
- |
R$ 1.050,00 |
Total |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
R$ 6.290,00 |
Alega o recorrente que o pagamento das gratificações foi amparado pela Lei Municipal nº 732/99, sustentando sua auto-aplicabilidade. Requer a redução do valor da gratificação apontada em relação ao servidor Jade José David, de R$ 1.050,00 para R$ 350,00. Defende a inexistência de dano ao erário, afirmando que os serviços foram efetivamente prestados. Sustenta que não houve violação do princípio da impessoalidade, alegando que "para a concesssão da gratificação, observou-se a natureza, o grau de responsabilidade, as peculiaridades e a complexidade dos cargos" (fl. 12). Afirma que as gratificações vêm sendo pagas desde 2 de janeiro de 2000, com base na Lei 732/99, "sem qualquer manifestação contrária desta Corte de Contas, que aprovou, sem qualquer restrição às despesas de pessoal, as contas do Poder Legislativo de Major Gercino referente ao exercício de 2000 e 2001" (fls. 12-13). Aponta, por fim, a inexistência de declaração de inconstitucionalidade em relação à norma municipal. Requer o cancelamento da multa.
Cumpre destacar, primeiramente, que o responsável não apresenta, em sede recursal, novos argumentos, limitando-se a repetir as razões aduzidas por ocasião da defesa preliminar (fl. 49-86), já rechaçadas inteiramente pelo Relatório de Reinstrução nº 149/2003 (fls. 88-104) e pelo voto de fls. 107-112.
Com efeito, o pagamento foi fundamentado no art. 2º da Lei Municipal nº 732/99, in verbis:
Art. 2º. Os vencimentos dos cargos em comissão a que se refere o artigo anterior são fixados mediante especificação do Anexo I, parte integrante desta Lei, podendo ainda ser concedida uma gratificação de até 50% (cinqüenta por cento) sobre o vencimento do cargo a que for nomeado. (grifou-se)
Como se vê, o dispositivo prevê genericamente a possibilidade de concessão de gratificações, sem estabelecer critérios objetivos para tanto.
Trata-se de norma não auto-aplicável, cuja execução pressupõe a edição de norma regulamentadora. É o que elucida José Afonso da Silva1:
Normas (...) self-executing (...) são as desde logo aplicáveis, porque revestidas de plena eficácia jurídica, por regularem diretamente as matérias, situações ou comportamento de que cogitam, enquanto normas (...) not self-executing (...) são as de aplicabilidade dependente de leis ordinárias.
São auto-aplicáveis as [normas] que não reclamem, para sua execução:
III - o preenchimento de certos requisitos para sua execução;
IV - a elaboração de outras normas legislativas que lhes revistam de meios de ação, porque já se apresentam armadas por si mesmas desses meios, ou seja, suficientemente explícitas sobre o assunto de que tratam.
A ausência de critérios objetivos obsta à aplicação da Lei Municipal nº 732/99, que não tem o condão de autorizar, por si só, a realização do pagamento das gratificações.
Nesse sentido, houve violação do princípio da legalidade e da impessoalidade. Diz o art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. (grifou-se)
De fato, a atuação da Administração Pública está adstrita aos estritos limites da lei, não podendo transcender aos comandos legais. É o que destaca, com muita propriedade, o Relatório de Reinstrução nº 149/2003 (fls. 88-104 dos autos da TCE):
Verifica-se que o conteúdo da norma acima citada necessita de regulamentação específica, em virtude de seu caráter discricionário, genérico e abstrato. Nesse contexto, caberia ao Legislativo traduzir em atos e fatos administrativos as determinações contidas na norma legal. Para esse fim, poderia expedir decretos definindo situações e critérios para a concessão de gratificações.
Ressalta-se, nesse sentido, que o Presidente do Legislativo não pode atuar com vistas a beneficiar determinados servidores em detrimento de outros, afastando-se dos princípios constitucionais estabelecidos pela Carta Magna, no art. 37, caput.
Em síntese, o princípio da legalidade limita a atuação da Administração Pública, que somente pode agir em conformidade com o estabelecido em lei. Nesse sentido, diz a doutrina:
Podemos (...) afirmar que neste ramo do Direito Público, a legalidade traduz a idéia de que a Administração, no exercício de suas funções, somente poderá agir conforme o estabelecido em lei.
Inexistindo previsão legal para uma hipótese, não há possibilidade de atuação administrativa, pois a vontade da Administração é a vontade expressa na lei, sendo irrelevantes as opiniões ou convicções pessoais de seus agentes.
Assim, diz-se que a Administração, além de não poder atuar contra a lei ou além da lei, somente pode agir segundo a lei (...). Os atos eventualmente praticados em desobediência a tais parâmetros são atos inválidos e podem ter sua invalidade decretada pela própria Administração que o haja editado (...).
A respeito do princípio da impessoalidade, preleciona Hely Lopes Meirelles2:
O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. (...) E a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público. Todo ato que se apartar desse objetivo sujeitar-se-á a invalidação por desvio de finalidade (...). Desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. (...) O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder (...).
Como se vê, o princípio da impessoalidade também está intimamente relacionado ao cumprimento da lei, assegurando a abstração e a generalidade da atuação administrativa.
Dessa forma, apenas por meio de lei seria possível aferir "a natureza, o grau de responsabilidade, as peculiaridades e a complexidade dos cargos" (fl. 12), autorizando o pagamento das gratificações.
Quanto ao pleito de redução do valor da gratificação apontado em relação ao servidor Jade José David, de R$ 1.050,00 para R$ 350,00, vale destacar a manifestação do Corpo Técnico (fl. 95 dos autos da TCE):
Preliminarmente, convém esclarecer que o valor da gratificação atribuída ao Sr. Jade José David, na importância de R$ 350,00, encontrava-se registrada no extrato mensal da folha de pagamento fornecida pelos funcionários da Câmara que atenderam à equipe de auditoria, conforme consta dos autos folhas 14 a 20. Assim, se existiu qualquer incorreção, a mesma partiu da própria Câmara.
Acrescenta-se, ainda, que não poderá esta instrução reconsiderar o valor em questão, uma vez que a documentação remetida - Folha de Pagamento dos Vereadores, folhas, 68 a 62, refere-se ao exercício de 2001, sendo que o período auditado é o ano de 2003. (grifou-se)
Por outro lado, não há que se falar na inexistência de dano ao erário. Inexistindo amparo legal para o pagamento das gratificações, a retribuição devida pelos serviços prestados deveria se restringir aos vencimentos devidamente estabelecidos pela norma municipal.
Igualmente, o fato de o pagamento das gratificações ter iniciado em 2 de janeiro de 2000 - com base na Lei 732/99 e sem oposição desta Corte de Contas - não tem o condão de assentar a legalidade do ato. Nesse ponto, cumpre destacar o pronunciamento feito pelo Corpo Técnico no Relatório nº 149/2003 (fls. 99-100):
Já a observação de que somente neste processo vem o Tribunal de Contas se manifestar sobre o tema em análise, após aprovadas as contas referentes aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, convém esclarecer que o exame procedido nas Contas Anuais caracteriza-se por conter veracidade ideológica apenas presumida e ser realizado por amostragem, podendo o Tribunal de Contas a qualquer época e desde que venha a ter ciência de ato ou fato que a desabone, reexaminar, reformular seu entendimento e emitir novo pronunciamento a respeito.
De outro modo, não cabe o argumento de que este Tribunal contraria o seu próprio entendimento, pois o período auditado é o exercício de 2003, sobre o qual ainda não foi emitido qualquer pronunciamento sobre aprovação ou rejeição das contas da Câmara de Major Gercino.
Ainda, muitas vezes é somente por meio de auditoria in loco que se pode verificar determinadas situações, que não se apresentam nos Balanços e nas informações remetidas por meio magnáetico - ACP, como ora constatadas.
Em síntese, a irregularidade não é passível de convalidação pela mera ausência de apuração anterior por parte desta Corte de Contas.
Por fim, no que concerne à alegada ausência de declaração de inconstitucionalidade da norma, cabe transcrever trecho do Relatório de Reinstrução nº 149/2003 (fl. 96), in verbis:
Em nenhum momento foi citado pela instrução ser inconstitucional a Lei nº 0732/99. Mas sim que o conteúdo da norma carecia de regulamentação específica, em virtude de seu caráter genérico e abstrato.
Em síntese, o pagamento de gratificações, baseado exclusivamente na previsão genérica da Lei municipal nº 732/99, fere o princípio da legalidade e da impessoalidade (arts. 37, caput, da Constituição da República), razão pela qual há de ser mantida a penalidade.
b) Da multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), aplicada em face da ausência de nota fiscal referente à prestação de serviços de escrituração, consultoria e assessoramento contábeis, em infração ao art. 61 da Resolução n. TC-16/94
O recorrente insurge-se, ainda, contra a multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), aplicada em face da ausência de nota fiscal referente à prestação de serviços de escrituração, consultoria e assessoramento contábeis, em infração ao art. 61 da Resolução n. TC-16/94.
Alega, em síntese, que o recibo juntado aos autos é documento hábil para a comprovação da despesa, nos termos dos Prejulgados nº 66, 238 e 321 deste Tribunal de Contas. Requer o cancelamento da multa.
Não assiste razão ao recorrente.
A questão cinge-se à indispensabilidade de emissão de documento fiscal na hipótese de prestação de serviços à Administração.
No presente caso, Gilberto Orlando Derigon prestou serviços contábeis à Câmara Municipal de Major Gercino no exercício de 2003, sem, contudo, emitir as respectivas notas fiscais. A tabela de fl. 89 dos autos da Tomada de Contas Especial nº 03/06727676 aduz tais despesas:
NE |
CREDOR |
DATA |
VALOR |
5.083 |
Gilberto Orlando Dorigon |
02/05/2003 |
R$ 850,00 |
5.100 |
Gilberto Orlando Dorigon |
12/06/2003 |
R$ 850,00 |
5.125 |
Gilberto Orlando Dorigon |
27/06/2003 |
R$ 850,00 |
5.148 |
Gilberto Orlando Dorigon |
25/07/2003 |
R$ 850,00 |
5.170 |
Gilberto Orlando Dorigon |
28/08/2003 |
R$ 850,00 |
Total | | |
R$ 4.250,00 |
A exigência da emissão de documento fiscal decorre do disposto no art. 61 da Resolução TC nº 16/94 e busca garantir o recolhimento do tributo devido. In verbis:
Art. 61. Sempre que for obrigatória a emissão de documentos fiscais, os destinatários das compras ou serviços são obrigados a exigir estes documentos dos que devam emiti-los.
Parágrafo único. Serão exigidos documentos fiscais para comprovar despesas de construção de obras, executadas por empreiteiros.
Com efeito, a presente irregularidade não diz respeito à comprovação da liquidação da despesa, que, nos termos do art. 58 da Resolução nº TC 16/94, foi considerada regular com a mera apresentação do recibo. Diz o dispositivo:
Art. 58. Constituem-se comprovantes regulares da despesa pública, a nota fiscal, recibo, folha de pagamento, roteiro de viagem, ordem de tráfego, bilhete de passagem, guia de recolhimento de encargos sociais e tributos, entre outros, que deverão ser fornecidos pelo vendedor, prestador de serviços, empreiteiro e outros. (grifou-se)
A irregularidade refere-se à não emissão do documento fiscal, que caracteriza o não recolhimento do respectivo imposto (ISS) e, por conseqüência, a renúncia de receita.
Com efeito, os recibos constantes dos autos não têm o condão de comprovar a regularidade no recolhimento do respectivo imposto, porquanto não se tratam de notas fiscais.
Nesse sentido, a Diretoria de Controle dos Municípios constatou a não exigência, por parte da Câmara, da emissão de documentos fiscais. É o que sintetiza o Relatório DMU nº 149/2003, às fls. 89-90:
Evidencia-se (...) que para cada despesa empenhada foi emitido um documento o qual não se caracteriza como comprovante hábil, no caso nota fiscal de prestação de serviços.
A não exigência, por parte da Câmara, da emissão de documentos fiscais remete para outro tipo de restrição, qual seja, ausência de recolhimento do ISS, o que caracteriza renúncia de receita, nos termos da Lei Complementar 101/2000, artigo 11.
Em sua defesa, a Unidade remeteu cinco notas fiscais de serviços, emitidas de forma seqüencial, na mesma data, qual seja, 16 de outubro de 2003, pelo prestador de serviço Gilberto Orlando Dorigon. Esse fato conduz ao entendimento de que as mesmas somente vieram à tona após constatação de sua ausência, pela equipe técnica de auditoria. Nesse sentido, conclui-se que a emissão de notas se deram de forma intempestiva, posterior à prestação de serviço (...).
Quanto ao argumento de que não houve renúncia de receita, vez que o pagamento do ISS é efetuado pelo regime de estimativa, cabe registrar que a Origem não apóia semelhante entendimento em legislação específica, sendo impossível esta instrução aceitar quaisquer justificativas nesse sentido, mesmo porque, o regime de estimativa é válido tão-somente para os serviços prestados no Município onde ele requereu o regime de estimativa, no caso Angelina, conforme documentação anexa ao processo, folhas 63 a 66. Além disso, segundo registra Hugo de Brito Machado (...): 'resta pacífico ao Superior Tribunal de Justiça que o fato gerador do ISS reputa-se ocorrido no local da efetiva prestação do serviço, independentemente de onde seja estabelecido o prestado'.
Como se vê, não há nos autos documentos capazes de comprovar o efetivo recolhimento do tributo. firmar a efetividade da prestação do serviço.
Nesses termos, é o presente parecer pela manutenção do débito.
c) Da multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), aplicada em face da nomeação de três servidores para exercício de cargos em comissão sem atribuições de direção, chefia ou assessoramento, com infração ao art. 37, II e V, da Constituição da República Federativa do Brasil
No mais, questiona a imposição da multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), aplicada em razão da nomeação de três servidores para exercício de cargos em comissão sem atribuições de direção, chefia ou assessoramento, com infração ao art. 37, II e V, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Argumenta que as nomeações foram amparadas pela Lei Municipal nº 732/99, que não teve a sua inconstitucionalidade declarada. Alega que a situação perdura desde a edição da norma municipal, em 01º/07/1999, sem qualquer objeção anterior desta Corte de Contas.
Não assiste razão ao recorrente.
In casu, a Câmara Municipal de Major Gercino procedeu à nomeação de três servidores para o exercício de cargos em comissão, vale dizer, Assessor Técnico, Secretário Administrativo e Tesoureiro (fl. 98).
Contudo, as atividades supramencionadas não condizem com o desempenho de atividades de direção, chefia e assessoramento, próprias de cargos em comissão. É o que demonstra o Anexo II da Lei Municipal nº 732/99 (fl. 98 dos autos da TCE), in verbis:
CARGOS |
DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES |
Assessor Técnico |
Prestar assistência técnica e responsabilizar-se pelas funções de orientação, controle e registro dos atos e fatos contábeis da Câmara de Vereadores. |
Secretário Administrativo |
Prestar assistência técnica e responsabilizar-se pela parte burocrática oficial da Câmara de Vereadores, sua redação, encaminhamento, recepção, registro, guarda e conservação. |
Tesoureiro |
Prestar assistência técnica e responsabilizar-se pelo controle, registro, guarda do numerário da Câmara de Vereadores e movimentar contas bancárias em conjunto dom o presidente. |
Nesse sentido, houve descumprimento ao comando constitucional contido no art. 37, V, da Constituição da República Federativa do Brasil, que confere aos cargos de confiança as atribuições de direção, chefia e assessoramento:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998) (grifou-se).
Neste Tribunal de Contas, a matéria é bem elucidada pelos seguintes prejulgados, mutatis mutandis:
1. Os cargos em comissão, atualmente integrantes do plano de cargos e salários da Administração Pública, que não se destinam às atribuições de direção, chefia e assessoramento, devem ser extintos por Lei, posto que estão em desacordo com o disposto no inciso V do art. 37 da Constituição Federal.
2. Enquanto não normatizadas as condições e percentuais de cargos comissionados destinados aos servidores de carreira, em consonância com o preconizdo no art. 37, inciso V, da Constituição Federal, o provimento dos cargos em comissão se dará em conformidade com a discricionariedade do administrador público. (...)
(Reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02.12.2002, através da decisão nº 3089/2002, exarada no processo nº PAD-02/10566680).
1. O arcabouço normativo pátrio, com apoio doutrinário e jurisprudencial, atribui a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública a servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos efetivos - admitidos mediante concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal - ou por ocupantes de cargos comissionados, de livre nomeação e exoneração. Contudo, deve-se atentar para o cumprimento do preceito constitucional inscrito no art. 37, inciso V, da Constituição Federal, segundo o qual os cargos em comissão são destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia e assessoramento, devendo ser criados e extintos por lei local, na quantidade necessária ao cumprimento das funções institucionais do Órgão, limitados ao mínimo possível, evitando-se a criação desmesurada e sem critérios técnicos, obedecendo-se também aos limites de gastos com pessoal previstos pela Lei Complementar nº 101/00.
2. Havendo necessidade de diversos profissionais do Direito para atender aos serviços jurídicos de natureza ordinária do ente, órgão ou entidade, que inclui a defesa judicial e extrajudicial e cobrança de dívida ativa, é recomendável a criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal), podendo ser criado cargo em comissão para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional (Procuradoria, Departamento Jurídico, Assessoria Jurídica, ou denominações equivalentes). Se a demanda de serviços não exigir tal estrutura, pode ser criado cargo em comissão de assessor jurídico, de livre nomeação e exoneração.
3. Para suprir a falta transitória de titular de cargo, quando não houver cargo de advogado, assessor jurídico ou equivalente na estrutura administrativa da Prefeitura ou Câmara, ou pela necessidade de ampliação do quadro de profissionais, e até que haja o devido e regular provimento, inclusive mediante a criação dos cargos respectivos, a Prefeitura ou a Câmara, de forma alternativa, podem adotar: a) contratação de profissional em caráter temporário, com autorização em lei municipal específica, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, que discipline as condições de seleção, contratação, direito e deveres, carga horária, horário de expediente, prazo da contratação e remuneração compatível com a jornada de trabalho e o mercado regional; b) contratação de serviços jurídicos por meio de processo licitatório (arts. 37, XXI, da Constituição Federal e 1º e 2º da Lei Federal nº 8.666/93), salvo nos casos de dispensa previstos nos incisos II e IV do art. 24 da Lei Federal nº 8.666/93, atendidos aos requisitos do art. 26 daquele diploma legal, cujo contrato deverá especificar direitos e obrigações e responsabilidades do contratado, a carga horária e horário de expediente, prazo da contratação e o valor mensal do contrato, observada a compatibilidade com a jornada de trabalho e o valor de mercado regional.
4. A contratação de profissional do ramo do Direito por inexigibilidade de licitação só é admissível para atender a específicos serviços (administrativo ou judicial) que não possam ser realizados pela assessoria jurídica dada a sua complexidade e especificidade, caracterizando serviços de natureza singular, e que o profissional seja reconhecido como portador de notória especialização na matéria específica do objeto a ser contratado, devidamente justificados, e se dará nos termos dos arts. 25, II, § 1º combinado com o art. 13, V e § 3º, e 26 da Lei Federal nº 8.666/93, observado o disposto nos arts. 54 e 55 da mesma Lei e os princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Os serviços jurídicos ordinários da Prefeitura (apreciação de atos, processos, procedimentos e contratos administrativos, projetos de lei, defesa do município judicial e extrajudicial, incluindo a cobrança da dívida ativa) e da Câmara (análise de projetos de lei, das normas regimentais, e de atos administrativos internos) não constituem serviços singulares ou que exijam notória especialização que autorize a contratação por inexigibilidade de licitação.(...)
6. Quando a municipalidade realizar contratação de advogados mediante licitação, não poderá limitar somente à sociedade de advogados, devendo possibilitar a contratação do profissional autônomo, sob pena de limitação do universo de participantes, procedimento vedado pelo art. 3º, § 1º, I, da Lei Federal nº 8.666/93.
(Consulta nº CON-04/02691326, Parecer COG-203/04, Acórdão nº 2334/2004, Câmara Municipal de Mondaí, Relator Conselheiro José Carlos Pacheco, Data da sessão: 30/08/2004).
Os cargos em comissão somente poderão ser destinados às funções de direção, chefia e assessoramento, consoante os termos do art. 37, V, da Constituição Federal.
(Consulta nº CON-04/02691326, Parecer COG-203/04, Acórdão nº 2334/2004, Câmara Municipal de Mondaí, Relator Conselheiro José Carlos Pacheco, Data da sessão: 30/08/2004).
Os cargos em comissão a serem preenchidos por servidores de carreira, nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, nos termos do art. 37, inciso V, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98.
(Consulta nº CON-TC5280500/95, Parecer COG-362/99, Prefeitura Municipal de Gaspar, Relator Auditor José Carlos Pacheco, Data da sessão: 04/08/1999).
A doutrina conceitua os cargos de provimento em comissão da seguinte forma:
Os cargos de provimento em comissão (cujo provimento dispensa concurso público) são aqueles vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também, pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, quem os esteja titularizando3.
Os cargos de provimento em comissão são próprios para direção, comando ou chefia de certos órgãos, para os quais se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover direção superior da Administração. Também destinam-se ao assessoramento (art. 37, V, da CF). (...) Tal criação, desmedida e descabida, deve ser obstada, a todo custo, quando a intenção evidente é burlar a obrigatoriedade do concurso público para o provimento de cargos efetivos. De sorte que os cargos que não apresentam aquelas características ou alguma particularidade entre seu rol de atribuições, como seu titular privar da intimidade administrativa da autoridade nomeante (motorista, copeiro), devem ser de provimento efetivo, pois de outro modo cremos que haverá desvio de finalidade na sua criação e, portanto, possibilidade de anulação4.
Com efeito, não importa o nomen juris que a lei atribua ao cargo. Para verificar se a função é condizente com a natureza do cargo em comissão e com as atribuições de direção, chefia e assessoramento, cumpre examinar as prerrogativas inerentes ao cargo.
No presente caso, não é difícil concluir que as atribuições de "registro de atos e fatos contábeis", "registro, guarda e conservação" e "movimentação de contas bancárias" não se coadunam com o conceito de direção, chefia e assessoramento, enquadrando-se na definição de funções subalternas.
Atividades subalternas são aquelas desempenhadas por servidores que não exerçam chefia, direção ou assessoramento. São cargos cujas atribuições caracterizam-se como serviços comuns (limpeza, datilografia, pintura), ou como serviços técnicos profissionais, que exigem habilitação especial e só podem ser exercidos por profissionais legalmente habilitados5. In verbis:
[Os cargos efetivos] são próprios para o desempenho de atividades subalternas, em que seus titulares não exercem chefia, comando, direção, assessoramento, nem precisam para a nomeação ou permanência no cargo gozar da confiança da autoridade nomeante. São cargos cujas atribuições caracterizam-se como serviços comuns (não exigem habilitação especial, qualquer um pode executá-los), a exemplo dos serviços de limpeza, de datilografia, de pintura, ou como serviços técnicos profissionais (exigem habilitação especial; só podem ser executados por profissionais legalmente habilitados), como são os de engenharia, os de medicina e os de advocacia6.
Com efeito, não procede a alegação de que a nomeação foi autorizada por lei municipal. Isso porque lei local que contraria vedação expressamente contida na Carta Magna deve ter sua aplicação afastada. É o que preleciona a doutrina:
O Poder Executivo, assim como os demais Poderes de Estado, está obrigado a pautar sua conduta pela estrita legalidade, observando, primeiramente, como primado do Estado de Direito Democrático, as normas constitucionais. Dessa forma, não há como exigir-se do chefe do Poder Executivo o cumprimento de uma lei ou ato normativo que entenda flagrantemente inconstitucional, podendo e devendo, licitamente, negar-se cumprimento, sem prejuízo do exame posterior pelo Judiciário. (...) Portanto, poderá o Chefe do Poder Executivo determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos normativos que considerar inconstitucionais7.
Igualmente, não assiste razão ao recorrente quanto à alegação de que a situação perdura desde a edição da norma municipal, em 01º/07/1999, e de que não houve objeção anterior desta Corte de Contas. Nesse ponto, cumpre destacar o pronunciamento feito pelo Corpo Técnico no Relatório nº 149/2003 (fls. 99-100):
Já a observação de que somente neste processo vem o Tribunal de Contas se manifestar sobre o tema em análise, após aprovadas as contas referentes aos exercícios de 1999, 2000 e 2001, convém esclarecer que o exame procedido nas Contas Anuais caracteriza-se por conter veracidade ideológica apenas presumida e ser realizado por amostragem, podendo o Tribunal de Contas a qualquer época e desde que venha a ter ciência de ato ou fato que a desabone, reexaminar, reformular seu entendimento e emitir novo pronunciamento a respeito.
De outro modo, não cabe o argumento de que este Tribunal contraria o seu próprio entendimento, pois o período auditado é o exercício de 2003, sobre o qual ainda não foi emitido qualquer pronunciamento sobre aprovação ou rejeição das contas da Câmara de Major Gercino.
Ainda, muitas vezes é somente por meio de auditoria in loco que se pode verificar determinadas situações, que não se apresentam nos Balanços e nas informações remetidas por meio magnáetico - ACP, como ora constatadas.
Nesses termos, a irregularidade não é passível de convalidação pela mera ausência de apuração anterior por parte desta Corte de Contas.
Considerando, assim, a ausência de caracterização da natureza de direção, chefia e assessoramento dos cargos, é o presente parecer pela manutenção da multa.
d) Da multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), aplicada em face da ocupação de cargo de Consultor Jurídico criado por resolução, em desacordo com os arts. 37, II e V, da Constituição da República
Insurge-se o recorrente, por fim, contra a multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), imposta em face da ocupação de cargo de Consultor Jurídico criado por resolução, em desacordo com os arts. 37, II e V, da Constituição da República.
Alega que a nomeação tem amparo na Lei Orgânica Municipal e no Regimento Interno da Câmara. Argúi que o cargo de Consultor Jurídico foi criado por meio da Resolução nº 4/2000. Afirma que o cargo vem sendo ocupado desde 2000, sem qualquer insurgência anterior deste Tribunal de Contas. Argumenta que a Resolução 4/2000 não teve a inconstitucionalidade declarada, defendendo sua higidez e aplicabilidade.
Assiste razão ao recorrente.
Cumpre destacar, inicialmente, os termos da restrição apontada por ocasião do Relatório DMU nº 1.150/2003 (fls. 37-44), in verbis: "2.4 - Cargo de Consultor Jurídico exercido pela servidora nomeada para cargo em comissão, sem previsão legal, em desacordo com a Constituição Federal, art. 37, II e V, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/98" (fl. 42).
O Relatório DMU nº 149/2003 (fls. 88-104), por seu turno, alterou a imputação, nos seguintes termos: "Cargo de Consultor Jurídico exercido por servidora nomeada para cargo em comissão, amparado por resolução, em desacordo com a Constituição Federal, art. 37, II e V, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/98" (fl. 102).
Como se vê, a modificação do conteúdo da restrição não foi seguida da posterior manifestação do responsável, o que, por si só, já inviabilizaria a manutenção da respectiva penalidade, em face da inobservância do princípio do contraditório e da ampla defesa.
Analisando o mérito, contudo, observa-se ainda que a multa foi fundamentada na impossibilidade de criação de cargo por meio de resolução - a Resolução nº 4/2000, o que não se sustenta.
Com efeito, os arts. 48 e 51 da Constituição da República Federativa do Brasil asseguram a possibilidade de criação de cargo no Poder Legislativo mediante resolução ou decreto legislativo, independentemente de sanção do Chefe do Poder Executivo. Dizem os dispositivos:
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União (...).
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)
O art. 51 da Constituição da República Federativa do Brasil delega à Câmara dos Deputados a competência para dispor sobre a criação, a transformação e a extinção de seus cargos. O art. 48, por seu turno, dispensa a Casa Legislativa da necessidade de edição de lei para tratar dos assuntos relacionados no art. 51 da Carta Magna, permitindo que o faça por meio de resolução ou decreto legislativo.
Em face do princípio da simetria, o comando constitucional que autoriza a Câmara dos Deputados a criar cargos por meio de resolução ou decreto legislativo também se aplica às Câmaras Municipais.
Nesses termos, enuncia o Prejulgado nº 1.136 deste Tribunal de Contas. In verbis:
Prejulgado nº 1.136. Compete privativamente à Câmara de Vereadores dispor sobre seu quadro de pessoal, criação, transformação e extinção dos cargos e funções por instrumento normativo previsto na Lei Orgânica ou no seu regimento interno. No entanto, a remuneração dos cargos e funções deve ser fixada e alterada por lei (com sanção do Prefeito) de iniciativa do Poder Legislativo, sempre com observância dos limites de despesas da Câmara e gastos com pessoal previstos nos arts. 29 e 29-A da Constituição Federal e 18 a 23 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), bem como autorização da lei de diretrizes orçamentárias, existência de recursos na lei do orçamento (art. 169 da Constituição Federal) e atendimento aos requisitos dos arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
(...)
(Consulta nº 01/01121709, Parecer COG-075/02, Decisão: 615/2002, Origem: Câmara Municipal de Barra Velha, Relator: Auditor José Carlos Pacheco, Data da Sessão: 15/04/2002, Data do Diário Oficial: 07/06/2002)
Desse modo, não se vislumbra ilegalidade na criação de cargo no Poder Legislativo Municipal por meio de resolução.
De outra banda, registre-se que, não há nos autos, elementos suficientes para a caracterização de eventual irregularidade na natureza - de provimento em comissão - do cargo de Consultor Jurídico. É que não há informações acerca das características das atribuições do cargo.
Nesse sentido, não é possível apurar se houve descumprimento ao comando constitucional contido no art. 37, V, da Constituição da República Federativa do Brasil, que confere aos cargos de confiança as funções de direção, chefia e assessoramento:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998) (grifou-se).
Com efeito, para verificar se a atribuição é condizente com a natureza do cargo em comissão e com as funções de direção, chefia e assessoramento, cumpre analisar as prerrogativas inerentes ao cargo, o que, no presente caso, não é possível.
Ademais, conforme já dito, a restrição imposta originalmente não foi essa e eventual alteração no seu fundamento deveria ser precedida da cientificação do responsável, o que não foi feito.
Nesses termos, é o presente parecer pelo cancelamento da multa.
CONCLUSÃO
Em face do exposto, propõe o presente parecer:
4.1 O conhecimento do presente Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, interposto em face do em face do Acórdão nº 518/2004 (fls. 143-145), proferido nos autos da Tomada de Contas Especial nº 03/06727676;
4.2 No mérito, o provimento parcial para:
4.2.1 Cancelar a multa constante do item 6.2.3 do Acórdão recorrido, aplicada em face da ocupação de cargo de Consultor Jurídico criado por resolução, em desacordo com os arts. 37, II e V, da Constituição da República, tendo em vista que os arts. 48 e 51 da Constituição da República Federativa do Brasil autorizam o Poder Legislativo a criar cargos por meio de resolução ou decreto legislativo;
4.3 A ciência do decisum, parecer e voto ao Sr. Valmor da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Major Gercino no exercício de 2003, e à Câmara Municipal de Major Gercino.
À consideração de Vossa Excelência.
COG, em 23 de outubro de 2008.
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____.
Coordenador de Recursos e. e.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
|
MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |
1
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 74-75.2
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 90.
3
MELO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. P. 293.
4
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 269-270.
5
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 269-270.
6
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 269-270.
7
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 632-633.