ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: TCE - 07/00351302
Origem: Prefeitura Municipal de Imaruí
Interessado:  
Assunto: Referente ao processo REP-0105511153.
Parecer n° COG - 844/08

Tomada de Contas Especial. Dano ao erário.

É requisito fundamental para instauração de tomada de contas especial a inequívoca existência de dano ao erário.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Trata-se de tomada de contas especial a fim de apurar a origem dos débitos previdenciários objeto do termo de amortização, firmado em 31/10/1999, entre o Município de Imaruí e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

O Tribunal Pleno, mediante Decisão n. 1314/2003, em sessão realizada em 07/05/2003, deliberou nos seguintes termos:

O Relatório da tomada de contas especial instaurado pelo Município restou inconclusivo, em razão da ausência de alguns documentos originais e falta de clareza nos dados fornecidos pelo INSS (relatório das fls. 32-42).

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se nas fls. 72-73.

Por intermédio da decisão n. 2150/2005, sessão de 17/08/2005, o Tribunal Pleno, acompanhando o Voto do Conselheiro Relator, decidiu nos seguintes termos:

O Município de Imaruí, em cumprimento à decisão supra, instaurou nova TCE, conforme Portaria n. 604/2005 (fl. 79). Entretanto, não concluiu os trabalhos no prazo determinado, sendo que o pedido de prorrogação do prazo de conclusão restou indeferido pelo Conselheiro Presidente à época (fls. 83).

Em seqüência, os autos foram conclusos ao Exmo. Relator, o qual elaborou Voto, conforme fls. 91-94.

De sua vez, o Tribunal Pleno acompanhou o voto Exmo. Relator e, mediante Decisão n. 1554/2007, sessão de 11/06/2007, julgou da seguinte forma:

Em cumprimento à decisão n. 1554/07, a DMU apresentou informação n. 391/2007 (fls. 95-98), sugerindo o arquivamento dos autos em razão da "impossibilidade de individualização dos débitos, pela carência de uma base de informações fidedignas da composição dos passivos previdenciários e o fato do mesmo ser composto por débitos superiores a vinte anos, considera-se como remota a possibilidade de resultados conclusivos através de auditoria in loco na unidade".

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas acompanhou o entendimento externado pela Diretoria Técnica (fl. 100).

Por sua vez, o Exmo. Conselheiro Relator determinou a remessa dos autos a esta Consultoria para manifestação.

É o relatório.

II - MÉRITO

Tomada de Contas Especial (TCE) é o instrumento utilizado, no âmbito da Administração Pública, para recomposição ao Erário em virtude de danos causados por administradores e demais responsáveis.

Para o Professor Jorge Ulysses Jacoby Fernandes, a "Tomada de Contas Especial é um processo de natureza administrativa que visa apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário"1.

A Administração Pública, por intermédio da TCE, tem a oportunidade de visualizar os atos irregulares praticados e redirecionar a gestão à luz dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Seu fundamento reside no dever de prestar contas, dever este consagrado constitucionalmente, nos termos do parágrafo único do artigo 70 da Constituição da República. Dessa forma, qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos tem o dever de prestas contas.

Outrossim, o objetivo primordial da TCE consiste em apurar os fatos relativos a um prejuízo causado ao erário, identificar os responsáveis e quantificar o dano. A esse respeito, oportunas as palavras do professor Jacoby2:

O objetivo da Tomada de Contas Especial é apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário; certificar a regularidade ou irregularidade das contas e identificar, no âmbito da Administração Pública, lato sensu, o agente público responsável por:

- omissão no dever de prestar contas;

- prestar contas de forma irregular;

- dano causado ao erário.

O dever de prestar contas também tem previsão expressa na Constituição Estadual, conforme artigos 58 e 113, §1º. Igualmente, a Lei Orgânica e o Regimento Interno desta Corte de Contas disciplinam regras a respeito3.

A fase comumente denominada interna da TCE é instaurada pela autoridade administrativa, com a designação de comissão, a qual deve realizar a instrução do procedimento, coligindo provas que possam esclarecer e elucidar os fatos e a responsabilidade. Uma vez concluída, será imediatamente encaminhada ao Tribunal para julgamento.

Em regra, a TCE deve ser instaurada pela autoridade competente do próprio órgão ou entidade jurisdicionada (responsável pela gestão dos recursos), depois de esgotadas as providências administrativas internas com vista à recomposição do erário. A não adoção dessas providências no prazo máximo de cento e oitenta dias caracteriza grave infração à norma legal, sujeitando a autoridade administrativa competente omissa à imputação das sanções cabíveis, incluindo a responsabilidade solidária no dano identificado.

Para a instauração do processo, faz-se necessário os seguintes requisitos4:

        · existência de pessoa física ou jurídica responsável pelo dano, não sendo admitida, igualmente, a simples suspeita quanto à responsabilidade do agente;
        · que o dano esteja quantificado, a fim de propiciar a cobrança do valor do respectivo responsável; e
        · que fique patenteada a omissão do agente público no dever de prestar contas ou que, mesmo o fazendo, a documentação apresentada não contenha a totalidade das peças exigidas, inviabilizando a comprovação da boa e regular aplicação dos recursos que lhe foram disponibilizados mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos similares, bem como à conta de subvenções, auxílio e contribuições, respeitado o objeto pactuado. (grifo nosso)

A fase externa da TCE é realizada no Tribunal de Contas, ao qual compete o julgamento das contas. Possui etapas instrutivas e decisórias, garantidos o contraditório e a ampla defesa, com a possibilidade de interposição de recursos.

Entretanto, a instauração do procedimento, e o conseqüente julgamento, somente são possíveis se o processo contiver elementos de prova e convicção suficientes para se definir a conduta dos agentes públicos e demais responsáveis envolvidos, a quantificação do dano e, principalmente, o nexo de causalidade entre a conduta dos agentes e o dano ao erário.

Nesse sentido, posicionamento da Controladoria Geral da União5:

        2) A falta de um documento exigido para integrar a prestação de contas de um convênio ou instrumento congênere somente pode gerar uma TCE se a sua apresentação for indispensável à comprovação da regular aplicação dos recursos. Do contrário, as contas poderão ser aprovadas pelo Concedente, com ressalvas, em especial quando evidenciado o cumprimento do objeto, devendo o fato ser comunicado ao TCU por meio de Representação, ou no Relatório de Atividades do Gestor, nas próximas contas anuais do Ordenador de Despesas;
        3) Antes de ser recomendado o procedimento de TCE, há que se alertar, primeiramente, para que sejam esgotadas todas as medidas administrativas possíveis para a reparação do dano, somente devendo as contas ser instauradas caso não se obtenha êxito em tal intento;
        4) Ao se verificar a ocorrência da situação retratada na alínea anterior, deverá se atentar para a necessidade de alertar o Concedente ou o titular do órgão/entidade onde ocorreu o prejuízo para garantir ao responsável o direito ao contraditório e à ampla defesa, até como forma de ouvi-lo previamente, colhendo dele elementos para bem fundamentar a conclusão que será dada quanto à sua responsabilidade na ocorrência que gerou o prejuízo levantado;
        5) A instauração de TCE jamais deverá ser proposta partindo-se da presunção de prejuízo, vez que este deve estar adequadamente comprovado e quantificado, e o responsável pela autoria do fato que o ocasionou devidamente identificado;
        (...)
        8) No caso de prejuízo por desaparecimento de bens, somente deverá ser imputada responsabilidade ao servidor que detém a sua guarda, se restar comprovado que ele agiu com negligência no trato do bem, isso em processo administrativo especificamente aberto com tal finalidade;
        9) Recomendar, ao titular do órgão/entidade onde ocorreu prejuízo ao Erário, a necessidade de se responsabilizar nos autos, quando da instauração da TCE, todos os agentes que, de algum modo, contribuíram para o dano, devendo, nesses casos, estar devidamente configurada a participação de cada um dos envolvidos nos fatos irregulares praticados;
        (...)
        12) Nas recomendações de TCE evitar apontar o montante a ser responsabilizado, quando a análise não foi suficiente para firmar entendimento sobre o efetivo valor do prejuízo, deixando essa tarefa sob a responsabilidade das unidades técnicas do órgão/entidade onde ocorreu o dano. (grifo nosso).

No caso em análise, o objetivo da tomada de contas especial era apurar a exata origem dos débitos previdenciários objeto do termo de amortização de débitos fiscais firmado em 31 de outubro de 1999, bem como apurar as razões para o não pagamento da contribuição previdenciária na forma e prazo regulamentar; quantificar o valor do débito existente à época e os valores já pagos ao INSS durante o período de amortização, apontando o principal, os juros e eventual multa de mora. Ainda, objetivava, definir a responsabilidade individual ou solidária, caso restasse evidenciada pelos trabalhos desenvolvidos.

Entretanto, os fatos não foram elucidados; as provas coligidas não foram conclusivas e esclarecedoras. Tanto as informações constantes nos dados do Município quanto aquelas fornecidas pelo INSS não são conclusivas.

Evidentemente, a existência de prejuízo só poderia ser atestada se ficasse comprovado que o pagamento extemporâneo da dívida fiscal, de forma parcelada, fora realizado de forma desvantajosa para o Ente Municipal. Para tanto, exigiria o conhecimento exato das condições de parcelamento, dos valores devidos, do período a que referem, do valor pago a título de juros e correção monetária. Porém, esses dados não puderam ser levantados, conforme a seguir demonstrado.

Conforme relatório da Comissão (fls. 32-42), em razão da ausência de documentos, bem como na falta de clareza dos documentos obtidos junto ao INSS, não foi possível apurar a origem dos débitos previdenciários que ensejaram o parcelamento, o valor total do débito, tampouco os agentes responsáveis. Por conseguinte, concluiu não haver elementos suficientes nos autos capazes de levar ao entendimento de imputação de responsabilidades.

Como bem observado pela DMU, "foram relatadas também, divergências de informações entre sistemas do próprio INSS, sendo que para o débito n. 31.688.157-0, foram verificados três valores distintos, todos com base em informações do INSS" (fl. 97).

Não se pode olvidar da omissão por parte da Administração Municipal, pois, como igualmente observado pela Diretoria Técnica, "os fatos analisados indicam carência nos sistemas de controle da Prefeitura Municipal, que tem valores do FPM deduzidos a título de parcelamento de obrigações previdenciárias não recolhidas em época própria, sem saber exatamente qual a origem e valor das obrigações. Por outro lado, o INSS forneceu informações imprecisas dos passivos previdenciários cobrados pelo Município de Imaruí." (fl. 97)

Ora, não se pode ignorar que a própria Comissão reconhece em seu relatório o extravio dos termos de parcelamento firmados em 1992 e 1993 (fl. 35), bem como ausência de identificação, quanto a alguns pagamentos efetuados via banco, a que parcelamento e a que parcelas correspondem.

Por tais razões, com base na documentação acostada aos autos, ainda que não se possa afirmar categoricamente que não houve dano, não se vê razão para dar seqüência a este processo, já que tal prossecução resultaria infrutífera e antieconômica.

III. CONCLUSÃO

Pelo acima exposto, sugere-se ao Exmo. Conselheiro Relator o arquivamento dos autos, com fulcro no artigo 18, inciso II do Regimento interno, c/c o artigo 20 da Lei Orgânica.

Outrossim, sugere-se recomendar à Unidade Gestora a adoção de medidas necessárias de modo a prevenir a ocorrência de irregularidades semelhantes.

      COG, em 7 de novembro de 2008.
                  JOSIANE CORDOVA R. MOLARINHO
                  Auditora Fiscal de Controle Externo
      DE ACORDO.
        À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Luiz Roberto Herbst, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
          COG, em de de 2008.
              MARCELO BROGNOLI DA COSTA

            Consultor Geral


            1 In: Tomada de contas especial: processo e procedimento nos tribunais de contas e na administração pública. 3ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 678.

            2 Op. cit., p. 42.

            3 Vide artigos 10 a 25 da Lei Orgânica e 8º a 23 do Regimento Interno, ambos do TCE/SC.

            4 In.: Manual de Instruções sobre Tomada de Contas Especial. Set./05. Controladoria Geral da União. Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/cursos/IV-semana-AOFP-2007/oficina/Of73-CGU-TCE2.pdf

            5 In.: Manual de Instruções sobre Tomada de Contas Especial. op.cit.