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Processo n°: | REC - 06/00263401 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Guabiruba |
RECORRENTE: | Luiz Moser |
Assunto: | (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -TCE-03/03246456 |
Parecer n° | COG-883/08 |
Repasse de recursos.
Para que haja legalidade no repasse de recursos financeiros à entidade privada, é necessário autorização legislativa específica.
Ordem cronológica dos pagamentos.
A Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) determina que a Administração Pública deve observar a estrita ordem cronológica dos pagamentos.
Senhor Consultor,
Trata-se de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Responsável, Sr. Luiz Moser, ex-Prefeito do Município de Guabiruba, em face da Acórdão nº 0507/2006 proferido no processo nº TCE 03/03246456.
O citado processo é relativo à conversão em Tomada de Contas Especial do Processo nº PDI-03/03246456 que concerne sobre irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Guabiruba no exercício de 2000.
A conversão do processo em Tomada de Contas Especial determinou a citação do Sr. Luiz Moser, para apresentar defesa acerca das irregularidades suscitadas.
O ato notificatório foi encaminhado ao Sr. Luiz Moser, sendo recebido e assinado pelo mesmo.
Em resposta a citação o Sr. Luiz Moser, atráves de seu Advogado, apresentou defesa (fls. 70 a 73, da TCE).
A Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o Parecer n° 221/2005 (fls. 89 a 133, TCE), onde concluiu, sugerindo ao Tribunal Pleno julgar irregulares com imputação de débito e multa, as contas da Prefeitura de Guabiruba.
O Ministério Público junto a este Tribunal, representado pelo Procurador-Geral, Dr. Marcio de Souza Rosa, manifestou-se nos autos, através do Parecer MP/TC - 1.408/2005 (fls. 135 a 136, TCE), acompanhando o entendimento da instrução técnica.
O Exmo. Relator do feito, Conselheiro Salomão Ribas Junior, em seu Parecer (137 a 147, autos da TCE, vol II), propondo ao Tribunal Pleno julgar irregulares com imputação de débito e multa, as contas da Prefeitura de Guabiruba.
Na Sessão Ordinária do dia 15/03/2006, o Tribunal Pleno ao apreciar o processo nº TCE 03/03246456 prolatou a seguinte decisão:
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da análise das contas anuais de 2000 da Prefeitura Municipal de Guabiruba, e condenar o Responsável Sr. Luiz Moser - ex-Prefeito daquele Município, CPF n. 398.776.639-53, ao pagamento da quantia de R$ 2.370,33 (dois mil trezentos e setenta reais e trinta centavos), referente a despesas com abastecimento do maquinário agrícola da Associação de Agricultores de Guabiruba - ADERG, caracterizando auxílio a entidade privada sem lei autorizativa, em confronto ao princípio da legalidade insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal, conforme apontado no item 4.1 do Relatório DMU, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).
6.2. Aplicar ao Sr. Luiz Moser - qualificado anteriormente, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face do pagamento de despesas sem observância à estrita ordem cronológica das exigibilidades, para cada fonte diferenciada de recursos, em afronta ao art. 5º da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2 do Relatório DMU) fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Guabiruba que:
6.3.1. cesse, de imediato, os pagamentos do referido "Abono Esposa", instituído pela Lei Municipal n. 05, de 05/07/1976, por não ter sido ela recepcionada pela Constituição Federal, ocorrendo, por isso, sua revogação tácita;
6.3.2. se abstenha, de imediato, de fornecer combustível à Associação de Agricultores de Guabiruba - ADERG até que seja regularizada a forma de repasse de tal auxílio, conforme determina o art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF e entendimento deste Tribunal constante da Decisão n. 2652/2005, de 05/10/2005;
6.3.3. regularize, de imediato, a situação dos servidores postos à disposição do Fórum daquela Comarca, nos moldes do que propõe o Prejulgado n. 1115 desta Corte de Contas.
6.3.4. cumpra o disposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal a cada nova concessão de isenção de IPTU, pois tal benefício, nos moldes preconizados no inciso III do art. 180 do Código Tributário Nacional, caracteriza isenção em caráter não geral;
6.3.5. adote providências junto ao órgão responsável pela análise dos procedimentos de concessão de isenção do IPTU desse Município, visando ao cumprimento dos critérios estabelecidos no Código Tributário Municipal e seus regulamentos, sob pena de responsabilidade solidária por eventuais abusos cometidos.
6.4. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, deste Tribunal, que adote providências visando à verificação do atendimento das determinações constantes dos itens 6.3.1 a 6.3.5 desta deliberação, procedendo à realização de diligências, inspeção ou auditoria que se fizerem necessárias.
6.5. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 221/2005, do Prejulgado n. 1115 e da Decisão 2652/2005, deste Tribunal, à Prefeitura Municipal de Guabiruba, ao Sr. Luiz Moser - ex-Prefeito daquele Município, e aos Procuradores do Responsável.
É o breve Relatório.
II. ADMISSIBILIDADE
Da análise preliminar dos autos vê-se que o Recorrente Sr. Luiz Moser, na condição de ex-Prefeito Municipal de Guabiruba à época dos fatos, figura nos autos como Responsável, consoante definição do art. 133, § 1º, "a" do regimento Interno desta Corte, e como tal possui legitimidade para pugnar pela reforma da decisão sob comento, conforme prevê o art. 139 do mesmo regulamento.
No que concerne ao tempo de interposição, verifica-se que o Recorrente observou o prazo legal de interposição do Pedido de Reconsideração tendo-se em conta que o Acórdão proferido nos autos fora publicado no DOE n° 17874, em 03/05/2006, e que a peça recursal, ora examinada, fora protocolizada neste Tribunal em 15/05/2006.
O Recurso de Reconsideração é o meio adequado para processos de prestação e tomada de contas. Diz o art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00:
Art. 77. Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.
Outrossim, cumpre o recurso o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.
Estão presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade.
III. MÉRITO
1) Item 6.1 do acórdão recorrido :
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da análise das contas anuais de 2000 da Prefeitura Municipal de Guabiruba, e condenar o Responsável Sr. Luiz Moser - ex-Prefeito daquele Município, CPF n. 398.776.639-53, ao pagamento da quantia de R$ 2.370,33 (dois mil trezentos e setenta reais e trinta centavos), referente a despesas com abastecimento do maquinário agrícola da Associação de Agricultores de Guabiruba - ADERG, caracterizando auxílio a entidade privada sem lei autorizativa, em confronto ao princípio da legalidade insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal, conforme apontado no item 4.1 do Relatório DMU, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).
Foi imputado um débito no valor de pagamento da quantia de R$ 2.370,33 (dois mil trezentos e setenta reais e trinta centavos), referente a despesas com abastecimento do maquinário agrícola da Associação de Agricultores de Guabiruba - ADERG, caracterizando auxílio a entidade privada sem lei autorizativa, em confronto ao princípio da legalidade insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal.
A norma violada nesta restrição foi:
Art. 37, caput, da Carta Magna.
O recorrente em suas razões recursais reconhece a ocorrência da irregularidade e justifica-se alegando:
Administração, agindo de total boa fé e na prevalecência do interesse público e da providade autorizou o fornecimento de combustível para a mesma.
[...]
Alega o Recorrente que todas as suas ações foram para o uso e interesse publico, e que não houve má fé. Porém, tais argumentos não justificam a despesa de R$ 2.370,33 (dois mil trezentos e setenta reais e trinta centavos) sem autorização legislativa.
Ademais, a ausência de má-fé do infrator é irrelevante na esfera administrativa, bastando a voluntariedade da conduta do agente. Nesse sentido, vale transcrever, as palavras do Professor Celso Antônio de Mello:
É muito discutido em doutrina se basta a mera voluntariedade para configurar a existência de um ilícito administrativo sancionável, ou se haveria necessidade ao menos de culpa. Quando menos até o presente, temos entendido que basta a voluntariedade, sem prejuízo, como é claro, de a lei estabelecer exigência maior perante a figura tal ou qual.1 (grifei)
Cumpre assinalar, que o fato de estar sendo questionada uma despesa, não quer dizer que a instituição não à mereça, porém, em acordo à Constituição Federal, hão de ser obedecidos os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência esculpidos no art. 37.
O Recorrente traz aos autos (fl. 06) o entendimento do Ministro Garcia Vieira, onde assinala algumas partes do Acórdão n° 213994/MG, todavia, o parecer do citado Ministro, deixa bem claro que não houve dano ao erário, já no caso em tela, houve dano ao erário, uma vez que foi efetuada uma despesa no montante de 2.370,33 (dois mil trezentos e setenta reais e trinta centavos), sem autorização legal, à uma entidade privada. Abaixo uma sinopse do Acórdão n° 213994/MG, citado pelo Recorrente em sua defesa:
Contrato irregular de servidor, sem prévia aprovação em concurso público, sob a égide da CLT, pela nulidade de que se reveste, não gera qualquer efeito jurídico, a não ser o pagamento dos salários como contraprestação laboral, dada a ausência de dano ao Erário Público Municipal e de enriquecimento ilícito por quem deu causa. (Sumula nº 1). No mesmo sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se colhe do seguinte aresto: ADMINISTRATIVO-RESPONSABILIDADE DE PREFEITO-CONTRATAÇÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO-AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. Não havendo enriquecimento ilícito e nem prejuízo ao erário municipal, mas inabilidade do administrador, não cabem as punições previstas na Lei n. 8.429/92.(STJ-1ª. Turma. REsp. n. 213994/MG. Rel. Ministro Garcia Vieira. Julgado em 17.08.99. Ac. Unânime. DJU de 27.09.99, p. 59). (grifei).2
O Recorrente ainda cita Maria Sylvia Di Pietro, cujo entendimento vale transcrever: " o que se deve punir são as infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios e fins", nesse viés, é possível verificar que houve um benefício indevido concedido pela Prefeitura de Guabiruba, há terceiros, ou seja, além da gravidade do ato, houveram conseqüências danosas ao patrimônio público, uma vez que o montante de 2.370,33 (dois mil trezentos e setenta reais e trinta centavos), há oito anos atrás foi relevante.
Cabe ressaltar, que as interpretações jurídicas valem em se considerando as lacunas que a lei apresenta, neste caso, resta claro, que em relação a princípios, não há que se falar em interpretação da lei por "critérios".
A Constituição Federal deixa bem claro a vedação à utilização de recursos, sem autorização legislativa específica. A irregularidade fere o princípio da legalidade, como veremos abaixo:
LEGALIDADE
Representa um princípio-ícone no direito brasileiro, constituindo-se pilar de toda ordem jurídica nacional.
Para o Direito Administrativo brasileiro o princípio da legalidade assume um significado muito especial, visto que ora traduz-se numa expressão de direito, ora revela-se elemento de garantia e segurança jurídicas.
Em função dessa dupla função atribuída ao princípio da legalidade na seara pública é que se sustenta que o famoso adágio "o que não é juridicamente proibido, é juridicamente permitido", denominado princípio da autonomia da vontade, não encontra acolhimento neste campo do Direito, pois nele os bens tutelados interessam a toda coletividade. Assim, no Direito Administrativo não se admite que o administrador público dê azo à sua imaginação sem que sua conduta esteja previamente definida e aparada por lei. Não bastam o talento e perspicácia do administrador público, pois não são apanágios jurídicos, mas qualidades essencialmente administrativas. A regulação estrita pela ordem jurídica da atuação dos agentes e órgãos públicos funciona como elemento garantidor daqueles que subsidiam e se servem da prestação dos serviços públicos. Por mais criativo e habilidoso que seja o administrador público, este deve conscientizar-se de que não age em nome próprio, mas sim em nome do Estado (e reflexamente, em nome da coletividade). Por isso, no campo público afirma-se que "o que não é juridicamente proibido, não é juridicamente permitido".
Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na administração pública só é permitido fazer o que a lei determina. Daí que o princípio da autonomia da vontade não encontra amparo no direito administrativo. Nesse sentido, encontramos o magistério de Diógenes Gasparinni.
Embora seja um princípio a ser observado por toda a malha da Administração Pública, o princípio da legalidade enunciado pelo caput do art. 37 encontra identidade de conteúdo material com aquele declarado pelo inciso II do artigo 5o. ("ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"). A aplicação do princípio da legalidade no âmbito do Direito Público requer adaptações que visam a adequar a sua funcionalidade neste setor do Direito, não aviltando a sua essência ontológica. Plasmado na mesma substância, até porque declarado pelo mesmo documento jurídico, o princípio da legalidade observado pelo Direito Administrativo traduz o sentido de que toda a atividade funcional do Estado encontra-se adstrita ao disposto em lei, pois que em última instância "todo poder emana do povo e em seu nome é exercido". Conforme lições de Hely Lopes Meirelles, "sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso."3
Ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina quanto ao princípio da Legalidade:
O Recorrente também alega (fl. 06, do recurso):
Frise-se que o fornecimento de parte do combustível utilizado para abastecer o maquinário agrícula da ADERG não se trata de ato ilegítimo, tampouco antieconômico injustificado...
Conforme supratranscrito, o Recorrente refere-se a despesa como sendo um ato legítimo, contudo, não faz prova nos autos da legitimidade de tal ato, tanto é que, em vista dessa e de outras irregularidades, foi instaurada a Tomada de Contas Especial.
Salienta-se que na instauração da Tomada de Contas Especial constatou-se que a despesa não possui amparo legal, constituindo ato ilegítimo, afrontando a legislação vigente e causando dano ao erário. Trata-se de um dispêndio de recursos contrariando preceitos legais e que, portanto, não deveria ter sido realizado.
A propósito, vale ressaltar as palavras do Professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, que traduz o objetivo da Tomada de Contas Especial destacando:
Portanto a Tomada de Contas Especial é o instrumento utilizado pela Administração Pública para reparar o dano causado ao Erário pelo agente público.
Nesse viés, De Plácido e Silva, a palavra dano "possui sentido econômico de diminuição ocorrida no patrimônio de alguém, por ato ou fato estranho à sua vontade. Equivale, em sentido, à perda ou prejuízo".5
Acerca da ilegalidade do ato, vale transcrever um texto retirado da obra de Hans Kelsen, citado pelo Min. J. Baptista Ramos e reproduzido por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes em seu Livro Tomada de Contas Especial:
"O indivíduo age como um órgão do Estado somente na medida em que ele age com base em alguma norma válida. Essa é a diferença ente o indivíduo e o Estado como pessoas capazes de agir; e isso significa a diferença que existe entre o indivíduo que age sem ser um órgão do Estado e o indivíduo que age como um órgão do Estado. A um indivíduo que não funciona como órgão do Estado é permitido fazer tudo aquilo, o que não esteja proibido fazer pela ordem legal, enquanto que o Estado, isto é, o indivíduo que funciona como órgão do Estado, somente pode fazer aquilo que a ordem legal o autoriza fazer. É supérfluo, portanto, sob o ponto de vista da técnica legal, proibir alguma coisa a um órgão do Estado. Basta não autorizá-lo. Se um indivíduo age sem autorização da ordem legal, ele não mais age como órgão do Estado. Seu ato é ilegal. Não se exige que um ato seja proibido pela norma legal, somente é necessário proibir um órgão de praticar certos atos quando se deseja restringir uma autorização prévia.". (grifei).6
Portanto o agente público somente pode realizar o que a lei autorizar. Essa é a essência do chamado Princípio da Legalidade, ao qual esta vinculado o Administrador Público na execução de todos seus atos.
Assim, vê-se que a ilegitimidade esta intimamente ligada à ilegalidade. Isso ocorre por que é a norma que estabelece os limites de competência dos atos praticados pela Administração Pública.
Como não restou comprovado nos autos que as despesas tiveram amparo legal, ficou caracterizada a concessão de benefício indevido, evidenciando assim a afronta ao princípio constitucional da Legalidade.
Diante de todo o exposto, é este parecer pela manutenção do débito do item 6.1 do acórdão recorrido.
9) Item 6.2 do acórdão recorrido:
6.2. Aplicar ao Sr. Luiz Moser - qualificado anteriormente, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face do pagamento de despesas sem observância à estrita ordem cronológica das exigibilidades, para cada fonte diferenciada de recursos, em afronta ao art. 5º da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2 do Relatório DMU) fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
Foi imputada uma multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face do pagamento de despesas sem observância à estrita ordem cronológica das exigibilidades, para cada fonte diferenciada de recursos
A norma violada nesta restrição foi:
O art. 5º da Lei Federal n. 8.666/93:
Art. 5° - Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestações de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.
O Professor Marçal Justen Filho nos ensina:
" inovação relevante, a Lei impôs que os pagamentos devidos pela Administração atentem para a ordem cronológica das exigibilidades.
Isso significa que a Administração não pode " a quem "" com o pagamento. Não é possível alterar a ordem cronológica dos pagamentos. (....) A Administração não pode beneficiar determinados particulares e estabelecer privilégios no tocante aos pagamentos. (...)
Quando o particular formula sua proposta, toma em vista a dilação de tempo necessária à obtenção de pagamento. É relevante para o particular não apenas o prazo em que sua obrigação é exigível, o que envolve um encargo para ele. Mas é fundamental a determinação do prazo previsto na lei, no ato convocatório ou no contrato para que a Administração satisfaça própria obrigação.
Observe-se que de nada serviria a Constituição fornecer todas as garantias à intangibilidade da equação econômico-financeira se, ao mesmo tempo, liberasse a Administração para realizar o pagamento como e quando bem o entendesse. A liberação para a Administração realizar o pagamento em condições, inclusive de prazo, que melhor lhe aprouvessem significaria tornar inútil todo o sistema constitucional de garantia à equação econômico-financeira do contrato. Isso seria um contra-senso, que conduziria à frustração da razão de ser de inúmeras e princípios constitucionais. Se a Constituição tutela o particular contra eventos aptos a impedir a obtenção integral das vantagens originalmente previstas, tem de reputar-se que essa garantia abrange inclusive e também a fixação de um prazo máximo para liquidação da obrigação assumida."
Feita a análise, a Diretoria de Controle dos Municípios constatou (fl. 95 a 97, dos autos principais) que houve a quebra da ordem cronológica dos pagamentos, fato reconhecido pelo próprio Recorrente (fl. 72, autos principais).
Cumpre assinalar que a lei destaca a obediência à estrita ordem cronológica dos pagamentos, o que significa a exata, a rigorosa e restrita obediência (Dicionário Michaelis-UOL).
Portanto houve a ofensa ao art. 5º da Lei Federal n. 8.666/93, tendo em vista o rigor da lei.
Cabe ressaltar que o Recorrente, em suas razões recursais, não apresentou justificativa com relação a este item.
Diante de todo o exposto, é este parecer pela manutenção da multa do item 6.2 do acórdão recorrido.
Ante todo o exposto, sugere-se ao Exmo. Conselheiro Relator que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário, o que segue:
1. Conhecer do Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000, contra o Acórdão nº 0507/2006, proferido na Sessão Ordinária de 15/03/2006, no Processo nº TC - 03/03246456 e no mérito, negar-lhe provimento, mantendo, na íntegra, o acórdão recorrido.
2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam bem como deste Parecer COG, ao Sr. Luiz Moser, à Prefeitura Municipal de Guabiruba e aos Procuradores do Recorrente.
Consultor Geral 2
Contrato de trabalho nulo. Art. 37, II, da CF/88.
Ato de improbidade. Responsabilização do chefe do Executivo. Competência da Justiça comum-Júlio Bernardo do Carmo, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, integrante da 4ª Turma e da 2ª SDI.
Sítio eletrônico:http://jus2.uol.com.br/doutrina
Acesso em: 29/10/2008 3
Ética na Administração em face dos Princípios Constitucionais de Administração Pública por :Felipe Vieira de Souza Sítio eletrônico:
http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_ordem=assunto&page_id=944&page_print=1
Acesso em : 27/10/2008. 4
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2005. 5
SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 2.v., p. 2. 6
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de Contas Especial. 2. Ed. Brasília. DF: Editora Brasília Jurídica, 1998.
Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.4
O objetivo da Tomada de Contas Especial é apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário; certificar a regularidade ou irregularidade das contas e identificar, no âmbito da Administração Pública, lato sensu, o agente público responsável por:
- omissão no dever de prestar contas;
- prestar contas de forma irregular;
- dano causado ao erário.
CONCLUSÃO
COG, em de de 2008
LILIANE C.F. CABRAL
Técnica de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. sr. conselheiro wilson rogério wan-dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2008
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
1
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.751.