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Processo n°: | REC - 08/00450736 |
Origem: | Prefeitura Municipal de São José do Cedro |
Interessado: | Ataides Ottobelli |
Assunto: | Referente ao processo -TCE-01/01728743 + PDI-01/00357539 |
Parecer n° | COG - 941/08 |
Jornada extraordinária. Pagamento. Regular liquidação.
O pagamento de horas extras sem a existência de controle do turno ordinário e extraordinário impossibilita a verificação da liquidação da despesa, em desacordo com o inciso III do § 2º do artigo 63 da Lei n. 4.320/64.
Gratificação. Concessão. Critérios.
O pagamento de gratificações instituídas em lei municipal, sem a previsão de critérios objetivos para o seu pagamento, viola o princípio constitucional da igualdade.
Movimentação de pessoal não informada ao Tribunal de Contas.
O não encaminhamento de informações, em descumprimento ao disposto no Art. 22 da Resolução n. TC-16/94, sujeita o infrator à aplicação de multa, com fundamento no art. 70, VII, da Lei Complementar n. 202/00.
Senhor Consultor,
Trata-se de Recurso de Reconsideração em que o Recorrente insurge-se contra o Acórdão n. 0870/2008, proferido nos autos do Processo n. TCE-01/01728743.
O citado processo é resultante da conversão do PDI - 01/00357539, conforme decisão n. 0724/2001, em virtude de restrições apuradas no processo das contas anuais de 1999, da Prefeitura Municipal de São José do Cedro - SC.
Devidamente citado, o Sr. Ataídes Ottobelli, ex-Prefeito do Município de São José do Cedro, apresentou defesa e documentos (fls. 08-308 dos autos de origem).
Em Relatório de Reinstrução n. 1.586/06 (fls. 310-355), a Diretoria de Controle dos Municípios - DMU sugeriu julgar irregulares, com imputação de débito, as contas pertinentes à Tomada de Contas Especial.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se mediante parecer de fls. 356-364.
De sua vez, o Exmo. Sr. Relator exarou Voto (fls. 365-371), o qual foi acolhido pelo Tribunal Pleno, mediante Acórdão n. 0870/2008 (fls. 376-377), proferido nos seguintes termos:
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alíneas "b" e "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da análise das contas anuais de 1999 da Prefeitura Municipal de São José do Cedro, e condenar o Responsável Sr. Ataídes Ottobelli - ex-Prefeito daquele Município, CPF n. 296.090.979-87, ao pagamento da quantia de R$ 24.780,94 (vinte e quatro mil setecentos e oitenta reais e noventa e quatro centavos), referente a despesas com pagamento de horas extraordinárias a 121 (cento e vinte um) servidores, sem a comprovação da realização do serviço e do controle das horas excedentes, caracterizando ausência de liquidação de despesa, em afronta ao disposto nos arts. 63, §§ 1º e 2º, e 2º da Lei (federal) n. 4.320/64, conforme apontado no item 8 do Relatório DMU, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).
6.2. Aplicar ao Sr. Ataídes Ottobelli - qualificado anteriormente, CPF n. 296.090.979-89, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento das referidas multas ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. com base no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 e 109, II, c/c 307, V, do Regimento Interno, com base nos limites previstos no art. 237, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, a multa no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), em face da concessão de vantagens financeiras a servidores sem observância de critérios objetivos para sua concessão, afrontando o princípio da igualdade e em descumprimento ao art. 5º da Constituição Federal (item 2 do Relatório DMU);
6.2.2. com base no art. 70, VII, da Lei Complementar n. 202/2000 e 109, VII, c/c 307, V, do Regimento Interno, com base nos limites previstos no art. 237, VIII, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, a multa no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), em face da movimentação de pessoal não informada ao Tribunal de Contas, em descumprimento ao art. 22 da Resolução n. TC-16/94 (item 10 do Relatório DMU).
[...]
Devidamente intimado do Acórdão (fls. 383), o responsável interpôs o presente Recurso de Reconsideração.
É o relatório.
2.1. Dos Pressupostos de Admissibilidade
Inicialmente, mister averiguar a legitimidade do Sr. Ataídes Ottobelli para interpor o presente Recurso de Reconsideração.
Nos termos do artigo 77, da LC n. 202/00 c/c o artigo 136 da Resolução n. TC-06/2001, cabe Recurso de Reconsideração contra acórdão proferido em processo de prestação ou tomada de contas, inclusive tomada de contas especial. Outrossim, poderá ser interposto pelo responsável ou pelo Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal.
No caso, verifica-se a legitimidade do Recorrente, na qualidade de Responsável, pois, à época, ocupava o cargo de Prefeito Municipal, atendendo ao disposto no § 1º, alínea "a", do artigo 133, do Regimento Interno.
No que tange à tempestividade, o Acórdão recorrido foi publicado no Diário Oficial Eletrônico em 26/06/2008 e a peça recursal em exame protocolizada neste Tribunal em 17/07/2008. Portanto, dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 136 do Regimento Interno.
Por fim, restou observado o princípio da singularidade, porquanto o recurso foi interposto uma única vez.
Em conseqüência, sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator o conhecimento do presente recurso de Reconsideração.
2.2. Das Razões Recursais
Cumpre destacar, primeiramente, que o responsável não apresenta, em sede recursal, novos argumentos, limitando-se a repetir as razões aduzidas por ocasião da defesa preliminar (fls. 08-29), já rechaçadas inteiramente pelo Relatório de Reinstrução n. 1586/2006 (fls. 310-354).
No tocante à imputação de débito, aduz que o Secretário da respectiva Pasta é quem realizava o controle da freqüência, e que suas declarações teriam presunção juris tantum de veracidade. Argumenta, ainda, que os serviços foram efetivamente prestados pelos servidores, razão pela qual o pagamento das horas extraordinárias era devido e por isso fora efetuado.
Quanto à multa do item 6.2.1, (concessão de vantagens financeiras a servidores sem observância de critérios objetivos) alega, em suma, que havia lei municipal autorizando.
Por fim, a respeito da multa constante no item 6.2.2, afirma que os dados e informações foram devidamente encaminhados ao Tribunal, e, mesmo que não tivessem sido, não houve prejuízo ao exercício de fiscalização por esta Corte de Contas.
2.4 Do Mérito
Item 6.1. - imputação de débito - despesas com pagamento de horas-extras a 121 servidores sem a comprovação da realização do serviço e do controle das horas excedentes, caracterizando ausência de liquidação de despesa.
O dispositivo legal invocado para o julgamento irregular das contas, com imputação do débito, é o artigo 63, §§ 1º e 2º da Lei 4.320/64:
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
O objetivo do dispositivo acima transcrito é evitar que se proceda a pagamentos indevidos, resultando em prejuízo ao Erário, além de resguardar os responsáveis pela liquidação da despesa por eventuais responsabilizações, em decorrência de deficiências nas VERIFICAÇÕES e CONFIRMAÇÕES exigidas no momento da liquidação.
Quanto à ausência da efetiva liquidação da despesa no pagamento de horas extras, o responsável não trouxe aos autos documentos comprobatórios da efetiva prestação de serviço pelos servidores nos horários extraordinários, em razão da ausência de um controle das horas trabalhadas, como a assinatura de registro de ponto.
Ora, "trabalho não fiscalizado ou controlado minimamente é insuscetível de propiciar aferição da real jornada laborada [...] Por essa razão é insuscetível de propiciar aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo trabalhador."1
Portanto, a inexistência de controle das horas extras prestadas pelos servidores impede a verificação da efetiva prestação dos serviços e impossibilita a regular liquidação da despesa, nos termos do artigo 63 da Lei Federal 4.320/64, em razão da falta de prova material.
Outrossim, como bem apontou o Representante do Ministério Público (fl. 361 dos autos principais), "a comprovação da realização de horas-extras demanda prova documental. O controle de ponto é o documento hábil a atestar a liquidação da despesa. Na ausência desta comprovação impõe-se reconhecer como não comprovada a liquidação da despesa."
Assinalo que esta Corte de Contas assim já decidiu, conforme Acórdão n. 2353/2007, sessão realizada em 28/11/2007, em conformidade com o Voto do Exmo. Relator Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall2.
Por outro lado, a responsabilidade do recorrente resta evidenciada nos autos. O argumento de que a comprovação efetiva do serviço era elaborada pelo superior hierárquico de cada servidor e que ao recorrente somente competia assinar os cheques para pagamento da folha, sem adentrar à análise técnica da confecção de tal documento, é refutada pelos documentos das fls. 188, 224/225, 230, 265/266, 268 e 272 dos autos da TCE-01/01728743, nos quais constam a assinatura do ora recorrente, Sr. Ataídes Ottobeli, atestando a comprovação e certificação da despesa.
Por tais razões, mantém-se hígido o item 6.1. do Acórdão n. 0870/2008.
Item 6.2.1. - multa no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) - concessão de vantagens financeiras a servidores sem observância de critérios objetivos para sua concessão - afronta ao princípio da igualdade e artigo 5º da Constituição Federal.
Outrossim, a ausência de critérios objetivos obsta à aplicação do dispositivo da referida lei municipal, a qual não tem o condão de autorizar, por si só, a realização do pagamento das gratificações, sob pena de afronta ao princípio constitucional da igualdade. A esse respeito, os ensinamentos do professor Bandeira de Mello4:
Igualmente, decidiu o Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "submetida a concessão de aumento da remuneração dos servidores públicos à reserva de lei formal (CF, art. 61, § 1º, II, a), a essa não é dado cingir-se à instituição e denominação de uma vantagem e delegar ao Poder Executivo - livre de quaisquer parâmetros legais - a definição de todos os demais aspectos de sua disciplina, incluídos os aspectos essenciais à sua quantificação." (RE n.º 264.289-4, Min. Sepúlveda Pertence).
Por conseguinte, sugere-se a manutenção da multa aplicada no item 6.2.1.
Item 6.2.2. - multa no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), em face da movimentação de pessoal não informada ao Tribunal de Contas, em descumprimento ao artigo 22 da Resolução TC - 16/94.
O recorrente aduz que a ausência de informação sobre a movimentação de pessoal, relacionada na fl. 350 dos autos principais (relatório de reinstrução n. 1586/2006) não prejudicou o exercício de fiscalização por esta Corte de Contas.
Entretanto, os argumentos do Recorrente não são suficientes para elidir a restrição encontrada.
Houve o descumprimento ao disposto no artigo 22 da Resolução n. TC 16/94, a qual determina que tais informações devem ser remetidas ao Tribunal de Contas até o último dia útil do mês subseqüente ao mês encerrado, por meio magnético ou de transmissão de dados.
Dessa forma, sugere-se a manutenção da multa constante no item 6.2.2. da decisão recorrida.
Consultor Geral
Com efeito, o pagamento foi fundamentado no artigo 68 da Lei Municipal n 2018/93, in verbis:
Art. 68. É facultado ao Prefeito conceder ao servidor municipal, por Decreto, vantagem horizontal pecuniária de até 80% (oitenta por cento), calculada respectivamente sobre o salário ou vencimento do servidor.
Como se vê, o dispositivo prevê genericamente a possibilidade de concessão de gratificações, sem estabelecer critérios objetivos para tanto, ficando ao arbítrio do Chefe do Poder Executivo Municipal a definição do quantum real a ser pago.
Verifica-se que o conteúdo da norma necessita de regulamentação específica, em virtude de seu caráter discricionário, genérico e abstrato. Assim, não houve deliberação legislativa exaustiva sobre o assunto, conforme determina a norma constitucional, deixando ao alvedrio do Poder Executivo a fixação do valor da gratificação, em evidente afronta ao princípio da legalidade estrita e da impessoalidade, eis que o vácuo normativo permite, por exemplo, a outorga de benefícios, com valores distintos, para servidores que desempenhem funções assemelhadas.
Dessa forma, trata-se de norma não auto-aplicável, cuja execução pressupõe a edição de norma que a regulamente. É o que elucida José Afonso da Silva3:
Normas (...) self-executing (...) são as desde logo aplicáveis, porque revestidas de plena eficácia jurídica, por regularem diretamente as matérias, situações ou comportamento de que cogitam, enquanto normas (...) not self-executing (...) são as de aplicabilidade dependente de leis ordinárias.
(...)
São auto-aplicáveis as [normas] que não reclamem, para sua execução:
(...)
III - o preenchimento de certos requisitos para sua execução;
IV - a elaboração de outras normas legislativas que lhes revistam de meios de ação, porque já se apresentam armadas por si mesmas desses meios, ou seja, suficientemente explícitas sobre o assunto de que tratam.
O princípio da impessoalidade traduz a idéia de que a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. [...] O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como "todos são iguais perante a lei" (art. 5º, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração.
CONCLUSÃO
Ante ao exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Relator dos autos que determine, em cumprimento ao disposto no art. 26, parágrafo único da Resolução n. 09/02 desta Corte de Contas, a notificação da parte Recorrente, Sr. Ataídes Ottobelli, acerca da data da sessão de julgamento do presente Recurso de Reconsideração, a fim de que possa exercer seu direito de sustentação oral, tal como requerido na peça recursal, e que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário:
1) Conhecer do Recurso de Reconsideração proposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar n. 202/2000, contra o acórdão n. 0870/2008, na sessão ordinária do dia 09/06/2008, no processo TCE-01/01728743, e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida.
2) Dar ciência do acórdão, do voto do Relator que o fundamentam, bem como deste parecer COG ao Sr. Ataídes Ottobelli, ex-Prefeito Municipal de São José do Cedro, à Prefeitura Municipal e à Câmara Municipal de São José do Cedro.
É o parecer.
À consideração superior.
COG, em 27 de novembro de 2008.
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Relator Gerson dos Santos Sicca, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2008.
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
1
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. Ed. São Paulo: LTr, p. 872.
2 O Voto do Exmo. Relator restou assim ementado: "É irregular o pagamento de horas-extras sem a existência de efetivo controle do turno ordinário e extraordinário, pois impossibilita a verificação da liquidação da despesa, em desacordo com o inciso III do § 2º do artigo 63 da Lei n. 4.320/64.[...]"
3 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 74-75.
4 Curso de direito administrativo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 96.