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Processo n°: | CON - 08/00753399 |
Origem: | Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infra Estrutura de Itajaí |
Interessado: | Marcelo Almir Sodre De Souza |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-1029/08 |
Calamidade pública. Transferência de recursos.
Senhor Consultor,
Eis o breve relatório.
2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE
Prefacialmente, necessário analisar as formalidades inerentes às consultas, definidas no artigo 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas, in verbis:
Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:
I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;
II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;
III - ser subscrita por autoridade competente;
IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;
V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.
2.1 Da competência
2.2 Do objeto
A consulta prevista no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, objetiva esclarecer incertezas acerca de interpretação de lei ou questão formulada em tese.
Da análise dos autos verificou-se que a dúvida apresentada pelo Consulente versa sobre a possibilidade de órgãos da administração indireta efetuarem transferências financeiras a ente municipal em caso de calamidade pública ou situação de emergência.
Assim, nota-se que os questionamentos apresentados pelo Consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formulados em tese, razões pelas quais está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.
Por oportuno, impende registrar que a resposta oferecida em processo de consulta não constitui prejulgamento de fato ou caso concreto, mas apenas prejulgamento de tese apresentada pelo Consulente.1
2.3 Da legitimidade
Nesse contexto, no tocante à legitimidade, verifica-se que o Consulente, na qualidade de Diretor Geral da Autarquia Municipal, SEMASA - Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infra-Estrutura, detém legitimidade para o encaminhamento de peças indagativas a esta Corte de Contas.
2.4 Da INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA
Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.
2.5 Do parecer da assessoria jurídica
Entretanto, verifica-se que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.
Contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ser efetuada pelo Exmo. Relator e demais julgadores.
2.6 Do exame dos pressupostos de admissibilidade
Por conseguinte, desde que superada a falta do parecer jurídico, sugerimos ao Relator o conhecimento da presente consulta.
3. MÉRITO
A questão de transferências financeiras entre órgãos da administração é tratada expressamente na Constituição da República, mais precisamente no artigo 167, inciso VI. Vejamos:
Destarte, tratando-se de realocações de recursos orçamentários de uma categoria de programação para outra, ou de um órgão para outro, imprescindível a prévia autorização mediante lei específica.
Como se depreende, as figuras do artigo 167, VI, da Constituição terão como fundamento a mudança de vontade do Poder Público no estabelecimento das prioridades na aplicação dos seus recursos, fato que, pela própria natureza, demanda lei específica alterando a lei orçamentária. É o princípio da legalidade que exige, no caso, lei em sentido estrito; é o princípio da exclusividade que informa que ela é específica.
Com efeito, os termos remanejamento, transposição e transferência evidenciam que na gestão das atividades das entidades de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei) podem ocorrer mudanças ou modificações de natureza administrativa, econômica, social, financeira e patrimonial, com reflexos na estrutura original do orçamento e não apenas de natureza financeira ou patrimonial.
Contudo, a fim de atender despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública, é possível o Ente utilizar a abertura de créditos extraordinários, conforme art. 41, III da Lei nº 4.320/64, recepcionado pela Constituição de 1988, que dispõe em seu artigo 167, §§ 2º e 3º:
Depreende-se que o dispositivo constitucional em apreço permite que os créditos especiais e extraordinários, cujo o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses do mencionado exercício, e desde que reabertos nos limites de seus saldos, possam vigorar até o término do exercício financeiro subseqüente, sendo incorporados ao orçamento deste último.
Outrossim, a abertura do crédito está condicionada a ato do Poder Executivo, nos temos do artigo 44 da Lei n. 4.320/1964:
Inclusive, esta Corte de Contas já se pronunciou a respeito:
A respeito, o mestre Jacoby Fernandes ressalta que a consulta deve estar cercada das cautelas jurídicas, tanto para que não ocorra a banalização do instituto, como para evitar que ocorra o prejulgamento de caso concreto.
Eis as palavras do referido autor2:
Que a Consulta trata de matéria de competência deste Tribunal de Contas, nos termos do art. 104, inciso I, do Regimento Interno;
Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;
Que a Consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;
Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.
Sugere-se ao Exmo. Relator Auditor Gerson dos Santos Sicca que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Sr. Marcelo Almir Sodré de Souza, Diretor Geral do Ente Autárquico Semasa - Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infra-Estrutura, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:
1. Conhecer da Consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.
2. Responder a consulta nos seguintes termos:
2.1. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação e aplicação do art. 167, § 3º, da Constituição Federal (STF, ADI 4048/DF). Desse modo, situação de emergência poder vir a ser fato ensejador para abertura de crédito extraordinário, porém, somente na análise do caso concreto é possível verificar se a realidade fática é de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social.
2.2. A transferência de recursos entre órgãos da Administração Pública depende de prévia autorização legislativa, nos termos do inciso VI do artigo 167 da Constituição da República;
2.3. Em situações de despesas imprevísiveis e urgentes, como as decorrentes de calamidade pública, é possível a abertura de créditos extraordinários, mediante Decreto do Poder Executivo, com fundamento no artigo 167, § 3°, da Constituição Federal e artigo 44 da Lei n. 4.320/64, com o imediato conhecimento do ato ao Poder Legislativo.
3. Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas;
4. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao Sr. Marcelo Almir Sodré de Souza, Diretor Geral do Ente Autárquico Semasa - Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infra-Estrutura.
COG, em 11 de dezembro de 2008.
JOSIANE CORDOVA R. MOLARINHO
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
ANNE CHRISTINE BRASIL COSTA
Coordenadora de Consultas em Exercício
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Relator Gerson dos Santos Sicca, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2008.
Consultor Geral
2
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 305.
Art. 167. São vedados:
[...]
VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.
§ 2º Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente.
§ 3º. A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.
Art. 44. Os créditos extraordinários serão abertos por decreto do Poder Executivo, que deles dará imediato conhecimento ao Poder Legislativo. (grifo nosso)
A situação de calamidade pública pode surgir da manifestação de fenômenos da natureza, como tufão, terremoto etc., assim como de uma epidemia, por exemplo. O importante é que a superveniência do fato a ensejar despesas extraordinárias não seja previsível ao senso do homem comum.
Em ocorrendo calamidade pública, o art. 167, § 3°, da Constituição Federal, o art. 44, da Lei federal n° 4.320, de 17 de março de 1964,e o art. 151, § 3°, da Lei Orgânica Municipal, prevêem a possibilidade de abertura de créditos extraordinários, para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, quando a autorização da Câmara poderá ser posterior à despesa, observada a norma contida no § 2°, do art. 167, da Constituição Federal.
Entretanto, para casos desta natureza, e apenas para deixar registrado, o § 3°, do art.167 da Constituição Federal, prevê que "abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62", obedecida a regra estatuída pelo § 2°, do mesmo permissivo constitucional.
Hely Lopes Meirelles leciona que: Somente a abertura de créditos extraordinários independe de autorização legal prévia, porque se destina a atender a despesas imprevisíveis(por isso mesmo não dotadas na lei orçamentária) e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública(CF,art.167,§ 3°). Todavia, a própria Constituição limita a vigência do crédito extraordinário ao exercício em que foi autorizado, ou , no máximo, se a autorização ocorreu nos últimos quatro meses do exercício, ao término do subseqüente(art.167, § 2°), e a Lei 4.320/64 determina ao Executivo que dê conhecimento imediato de sua abertura ao Legislativo(art.44)( Direito Municipal Brasileiro, Malheiros Editores, 8ª Edição, 1996, p.212).
A Lei federal n° 4.320, de 17 de março de 1964, prevê a abertura de créditos extraordinários (art.44), que "não podem ser abertos, sem que antes o Executivo tenha decretado, com exposição justificativa, estado de calamidade ou outro de natureza idêntica; que não podem ser empregados em outro tipo de despesa, que não aquelas para as quais foram abertos; e que independem de recursos para a sua abertura, dada a natureza das operações, que correrão à sua conta"( J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, Lei 4.320 Comentada, IBAM, 25ª Edição, 1993, p.98).
J. Teixeira Machado Jr. e Heraldo da Costa Reis, comentam ainda, que "a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, subversão interna ou calamidade pública", sendo que "despesas imprevisíveis são aquelas que estão acima ou além da capacidade humana de prever"( ob. Cit. p. 90 ).
Para os casos desta natureza, o art. 167, § 3°, da Constituição Federal, o art. 44, da Lei federal n° 4.320, de 17 de março de 1964 prevêem a possibilidade de abertura de créditos extraordinários, para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de calamidade pública. (Excertos do Parecer COG - 762/97, o qual serviu de subsídio para o Prejulgado n. 524, autos do processo de consulta n. CON 0273508/70, Data da decisão: 16/03/1998)
Outrossim, cumpre ressaltar que a abertura do crédito extraordinário deve ser feita para atender despesas imprevisíveis e urgentes, sendo exemplos dessa imprevisibilidade e urgências as despesas decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, os quais constituem vetores para a interpretação e aplicação do artigo 167, § 3º, da Constituição da República.
Esse é o entendimento que se extrai da decisão proferida, em sede de medida cautelar, nos autos da ADI-MC 4048:
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS.
I. MEDIDA PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória. Precedentes.
II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.
III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e "calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de conseqüências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Suspensão da vigência da Lei n° 11.658/2008, desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008. (ADI-MC4048/DF. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 14/05/2008. Tribunal Pleno). (grifo nosso)
Por conseguinte, é o caso concreto, a situação fática instalada que possibilitará o enquadramento, ou não, de situações graves e de conseqüências imprevisíveis ensejadoras de abertura de crédito extraordinário pelo Poder Executivo.
Desse modo, em que pese uma situação de emergência poder vir a ser fato ensejador para abertura de crédito extraordinário, não compete a esta Corte de Contas apreciar tal situação em sede de consulta.
Exatamente para evitar o possível desvirtuamento da consulta é que é preciso efetivar os princípios da segregação das funções entre controle e administração, e do devido processo legal. A consulta deve versar sobre dúvida na aplicação de normas, e não no caso concreto. Afasta-se, com isso, o interesse de solucionar dúvidas sobre processos decisórios e sobre fatos. Preserva-se, desse modo, a relevância do controle. (grifo nosso)
Portanto, em caso de calamidade pública, é possível a abertura de créditos extraordinários, para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, mediante ato do poder executivo, sendo que a autorização da Câmara poderá ser posterior à despesa, observadas as normas contidas nos §§ 2° e 3º do artigo 167 da Constituição Federal.
IV. CONCLUSÃO
Em consonância com o acima exposto e considerando:
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
1
MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362