ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00004711
Origem: Prefeitura Municipal de Xanxerê
Interessado: Bruno Linhares Bortoluzzi
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-53/09

Pavimentação asfáltica. Contribuição de melhoria.

1. A contribuição de melhoria deve ser instituída e cobrada de acordo com o Código Tributário Nacional e o Decreto-Lei nº 195/1967.

2. A isenção somente é válida caso concedida por lei específica.

3. O desaparecimento de documentos públicos pode caracterizar ato de improbidade administrativa.

Senhor Consultor,

Trata-se de consulta protocolizada pelo Prefeito do Município de Xanxerê, Sr. Bruno Linhares Bortoluzzi, relativa à instituição de contribuição de melhoria decorrente de obra pública de pavimentação asfáltica.

Segundo o Consulente, em determinado município, foi aprovada em audiências públicas, a pavimentação de ruas por dois terços dos proprietários dos imóveis confrontantes, sendo que os documentos contendo as anuências dos moradores, imprescindíveis para a cobrança da contribuição de melhoria, não foram encontrados pela nova administração municipal quando do início do mandato do prefeito.

Relata ainda o Consulente que o ex-prefeito, ao término do último ano de mandato, teria anunciado publicamente a isenção de contribuições de melhorias concernentes às obras de pavimentação realizadas naquele ano, sem, no entanto, editar a lei correspondente.

Informa ainda que as obras de pavimentação asfáltica são executadas com recursos próprios, financiamento do BADESC e convênio a fundo perdido.

Por fim, formula os seguintes questionamentos:

É o relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.

§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.

2.1 DA COMPETÊNCIA

2.2 DO OBJETO

Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pelo Consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formuladas em tese, o que está de acordo com o que dispõem o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, razão pela qual está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

2.3 DA LEGITIMIDADE

O Consulente, na condição de Prefeito do Município de Xanxerê, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.

2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Dessa forma, o requisito previsto no art. 104, inciso V, não está preenchido, contudo, por força do que dispõe o § 2º do art. 105, ambos do Regimento Interno, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.

2.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que os requisitos previstos no art. 104, incisos I a III, essenciais para o conhecimento da consulta nos termos do art. 105, § 1º, ambos do Regimento, foram preenchidos, razão pela qual, caso superada a ausência de parecer jurídico, sugere-se o conhecimento do presente processo.

3. ANÁLISE DA CONSULTA

Preliminarmente, é importante registrar que como o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo Consulente.

Com a palavra, Hélio Saul Mileski1:

Nesse sentido, assim dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):

Quanto ao mérito, a seguir serão transcritas e analisadas as perguntas formuladas pelo Consulente:

1. É possível o Município efetuar nova audiência pública para ratificação do desejo dos munícipes em efetuar a pavimentação?

Conforme relatado acima, o Consulente informou que os documentos contendo as anuências de dois terços dos proprietários dos imóveis a serem beneficiados com a pavimentação de ruas não foram encontrados pela atual administração, o que impossibilitaria a cobrança da correspondente contribuição de melhoria.

Referidos documentos foram obtidos em audiências públicas realizadas durante a gestão anterior, razão pela qual o Consulente formulou a pergunta em análise.

Ocorre que a realização de audiência pública, bem como as anuências dos proprietários dos imóveis, não são necessárias para a contribuição de melhoria, isto porque estes não são requisitos para a instituição e cobrança deste tipo de tributo exigidos pela legislação que regula a matéria, conforme a seguir será demonstrado.

O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece em seu artigo 82, os requisitos mínimos para a lei instituidora da contribuição de melhoria, nos seguintes termos:

Importante esclarecer que a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é no sentido de que os artigos 81 e 82 do CTN continuam em vigor mesmo após a edição do Decreto-Lei nº 195/1967, conforme segue:

O Decreto-Lei nº 195/1967 acima mencionado, dispõe sobre a cobrança da contribuição de melhoria e estabelece em seu artigo 5º a necessidade de edital, que deve conter os seguintes elementos:

Assim, da leitura dos dispositivos legais acima transcritos, infere-se que a realização de audiência pública ou a anuência dos beneficiados com a obra pública, não são requisitos para a instituição e cobrança da contribuição de melhoria2, devendo ser observados

neste caso, tanto as disposições do CTN quanto as do Decreto-Lei nº 195/1967 a fim de evitar-se eventuais nulidades.

Ademais, a contribuição de melhoria é um tributo decorrente de realização de obra pública da qual resulte valorização imobiliária.

A obra pública, assim como toda ação do poder público, deve ser realizada quando houver interesse público envolvido e não apenas interesse privado, conforme ensina Leandro Paulsen3:

Por conseguinte, o poder público deve realizar ou não uma obra de acordo com o interesse público envolvido.

A cobrança da contribuição de melhoria decorrente da valorização dos imóveis especialmente beneficiados com a obra, como todo tributo, é compulsória, ou seja, deve ser paga pelo contribuinte independentemente de sua vontade ou de estar ou não de acordo com a realização da obra.

Contudo, desde que preservado o interesse público, nada impede que a administração considere a vontade do particular diretamente envolvido com a obra quando da tomada de decisão para realizá-la, o que revela uma gestão transparente e democrática, porém a concordância ou adesão de particulares, a rigor, é prescindível nesta hipótese.

Portanto, pelas razões acima expostas, responde-se objetivamente ao Consulente que a audiência pública não é indispensável para a cobrança de contribuição de melhoria decorrente de valorização imobiliária advinda de obra pública, contudo, nada impede a realização da mesma para o conhecimento dos anseios da população pela administração pública.

2. Qual a orientação a despeito do desaparecimento dos documentos, no que toca à(s) pessoa(s) envolvida(s)?

O desvio de documentos públicos pode caracterizar ato de improbidade administrativa previsto na Lei Federal nº 8.429/92, pois o agente público deve agir com honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, conforme estabelece o artigo 11 da citada lei, que contém a seguinte redação:

Contudo, a competência para apurar os atos de improbidade administrava pertence ao Ministério Público Estadual, razão pela qual orienta-se ao Consulente levar os fatos ao conhecimento do parquet catarinense.

3. Pode o município isentar totalmente os proprietários dos imóveis beneficiados pela obra pública, considerando as fontes supracitadas?

O Município pode conceder isenção relativa à contribuição de melhoria, desde que mediante lei específica e observado o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme será analisado na resposta ao item seguinte.

4. Se afirmativa, qual amparo legal próprio (Lei específica ou alteração do Código Tributário) e qual o procedimento?

Nos termos do artigo 176 do CTN, a isenção deve ser concedida mediante lei própria, a qual deverá especificar as condições e os requisitos para a concessão do benefício, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração.

O artigo 176 do CTN, in verbis:

Além da concessão mediante lei específica, a isenção deverá vir acompanhada das medidas previstas no artigo 14 da Lei Complementar nº 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo a qual:

Neste sentido, o prejulgado 1915:

Portanto, a isenção deve ser concedida mediante lei específica, nos termos do artigo 176 do CTN, bem como estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro atual e futura, observar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, além de satisfazer ao menos um dos requisitos previstos nos incisos I e II do artigo 14 da LRF.

5. Deve o Prefeito sucessor confirmar tal decisão tomada e divulgada pelo ex-Prefeito, de isentar a cobrança?

O Consulente relata que o ex-Prefeito divulgou verbalmente a isenção de contribuições de melhorias, sem que houvesse lei editada instituindo o benefício.

Logo, como a isenção deve ser concedida por lei, tem-se por inexistente a "isenção" anunciada.

6. Se a resposta for positiva, quais as conseqüências perante os contribuintes que já solveram contribuição de melhoria desta natureza e os futuros investimentos do município em igual sentido?

O atual questionamento tornou-se prejudicado, pois a resposta ao item anterior foi negativa.

7. Se a resposta for negativa, quais as providências legais a serem adotadas?

Para a instituição e cobrança da contribuição de melhoria, o Município deverá editar lei, nos termos do artigo 81 e 82 do CTN, bem como observar as disposições contidas no Decreto Lei nº 195/1967, conforme estudo acima realizado por ocasião da resposta ao item 1.

Com relação ao Decreto-Lei nº 195/1967, importante observar que o edital previsto no artigo 5º, anteriormente citado, segundo o STJ, pode ser realizado após a conclusão da obra, porém deve ser anterior à cobrança da contribuição de melhoria, conforme demonstra a seguinte decisão:

Acrescenta-se ainda, a título de orientação, que a cobrança da contribuição de melhoria deve se dar após a conclusão da obra que tenha gerado valorização imobiliária, situação esta que caracteriza a ocorrência do fato gerador do tributo.

Nesse sentido, Leandro Paulsen4:

E ainda o STJ:

        TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. OBRA INACABADA. HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA E FATO GERADOR DA EXAÇÃO. OBRA PÚBLICA EFETIVADA. VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL. NEXO DE CAUSALIDADE. INOCORRÊNCIA. DIREITO À RESTITUIÇÃO.
        1. Controvérsia que gravita sobre se a obra pública não finalizada dá ensejo à cobrança de contribuição de melhoria.
        [...]
        3. A base de cálculo da contribuição de melhoria é a diferença entre o valor do imóvel antes da obra ser iniciada e após a sua conclusão (Precedentes do STJ: RESP n.º 615495/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 17.05.2004; RESP 143996 / SP ; Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 06.12.1999)
        4. Isto porque a hipótese de incidência da contribuição de melhoria pressupõe o binômio valorização do imóvel e realização da obra pública sendo indispensável o nexo de causalidade entre os dois para sua instituição e cobrança.
        5. Consectariamente, o fato gerador de contribuição de melhoria se perfaz somente após a conclusão a obra que lhe deu origem e quando for possível aferir a valorização do bem imóvel beneficiado pelo empreendimento estatal.
        6. É cediço em doutrina que: "(...) Só depois de pronta a obra e verificada a existência da valorização imobiliária que ela provocou é que se torna admissível a tributação por via de contribuição de melhoria." (Roque Antonio Carrazza, in "Curso de Direito Constitucional Tributário", Malheiros, 2002, p. 499)
        7. Revela-se, portanto, evidente o direito de a empresa que pagou indevidamente a contribuição de melhoria, uma vez que incontroversa a não efetivação da valorização do imóvel, haja vista que a obra pública que deu origem à exação não foi concluída, obter, nos termos do art. 165, do CTN, a repetição do indébito tributário.
        8. Precedentes: RESP 615495/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 17.05.2004; RESP 143996/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 06.12.1999.
        9. Recurso Especial provido. (REsp 647134 / SP, 10/10/2006)grifos nossos.

Por fim, ressalta-se que a valorização imobiliária decorrente de obra pública é imprescindível para a cobrança da contribuição de melhoria, conforme pacífica jurisprudência do STJ, da qual destaca-se a seguinte decisão:

        AÇÃO DE ANULAÇÃO DE LANÇAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. BASE DE CÁLCULO. NECESSIDADE DE VALORIZAÇÃO DO IMÓVEL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO.
        I - A contribuição de melhoria é tributo cujo fato imponível decorre de valorização imobiliária causada pela realização de uma obra pública. Nesse passo, sua exigibilidade está expressamente condicionada à existência de uma situação fática que promova a referida valorização. Este é o seu requisito ínsito, um fato específico do qual decorra incremento no sentido de valorizar o patrimônio imobiliário de quem eventualmente possa figurar no pólo passivo da obrigação tributária. Precedentes: REsp nº 766.107/PR, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 28/04/08; REsp nº 629.471/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 05/03/07; REsp nº 647.134/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 01/02/07 e REsp nº 615.495/RS, Rel. Min.JOSÉ DELGADO, DJ de 17/05/04.
        II - Importante destacar que, tanto os arts. 81 e 82 do CTN, quanto os dispositivos do Decreto-lei nº 195/67, ainda continuam em vigor, os quais exigem a valorização do imóvel para a cobrança da contribuição de melhoria.[...] AgRg no REsp 1079924 / RS, 04/11/2008

E o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC):

        1599

Em resumo, para a instituição e cobrança da contribuição de melhoria, o Município deverá:

a) Editar lei instituindo o tributo, de acordo com o disposto nos artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional, bem como observar as disposições contidas no Decreto-Lei nº 195/1967;

b) Publicar o edital referido no artigo 5º, do Decreto-Lei nº 195/1967 antes da cobrança do tributo;

c) Cobrar a contribuição de melhoria somente após a conclusão da obra e desde que haja efetiva valorização imobiliária.

8. Acaso não seja realizado o lançamento da contribuição de melhoria decorrente da obra pública, e, não sendo editada lei que isente os beneficiados do pagamento do tributo, o ex-Prefeito, bem como o seu sucessor, terão incorrido em renúncia de receita?

Conforme orientação contida no item 2 do prejulgado 1177, não sendo o caso de isenção legalmente instituída, a contribuição de melhoria deve ser cobrada por exigência do artigo 11 da LRF, bem como do artigo 2º, inciso XI, da Lei Federal nº 10.257/01, a seguir transcritos:

Eis o Prejulgado em comento:

4. CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:


1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

2 As orientações contidas no item 1, do prejulgado 1177, não se aplicam ao presente caso, pois não se referem à obra pública e sim à execução de pavimentação de ruas diretamente pelos particulares, conforme segue: