ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00004800
Origem: Prefeitura Municipal de Gaspar
Interessado: Pedro Celso Zuchi
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-70/09

Contrato administrativo. Revisão.

A revisão do contrato administrativo por acordo das partes pressupõe requerimento do contratado, bem como pode abranger período anterior ao pedido, desde que solicitado e feito em tempo razoável.

Senhor Consultor,

Trata-se de consulta protocolizada pelo Prefeito do Município de Gaspar, Sr. Pedro Celso Zuchi, relativa à revisão de contrato administrativo, formulada nos seguintes termos:

O Consulente cita parecer da lavra do Sr. Joel de Menezes Niebuhr, consultor da FECAM, que conclui ser possível o pagamento retroativo ao pedido do fornecedor, bem como não ser necessário o pedido dos contratantes para a revisão contratual, que deve ser feita de ofício pela Administração tão logo ocorra o evento autorizador da alteração do contrato.

Todavia, como foi ressaltado no parecer acima mencionado, há entendimento doutrinário no sentido contrário, ou seja, de que a revisão depende do pedido do contratado, razão pela qual o Consulente solicita a posição deste Tribunal de Contas sobre o tema.

É o relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.

§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.

2.1 DA COMPETÊNCIA

2.2 DO OBJETO

Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pelo Consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formuladas em tese, o que está de acordo com o que dispõem o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, razão pela qual está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

O Consulente, na condição de Prefeito do Município de Gaspar, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.

2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Dessa forma, o requisito previsto no art. 104, inciso V, não está preenchido, contudo, por força do que dispõe o § 2º do art. 105, ambos do Regimento Interno, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.

2.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que os requisitos previstos no art. 104, incisos I a III, essenciais para o conhecimento da consulta nos termos do art. 105, § 1º, ambos do Regimento, foram preenchidos, razão pela qual, caso superada a ausência de parecer jurídico, sugere-se o conhecimento do presente processo.

3. ANÁLISE DA CONSULTA

Preliminarmente, é importante registrar que como o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo Consulente.

Com a palavra, Hélio Saul Mileski1:

Nesse sentido, assim dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):

Quanto ao mérito, a seguir será transcrita e analisada a pergunta formulada pelo Consulente:

3.1 É possível conceder aumento de valor de contrato por desequilíbrio econômico financeiro com efeitos retroativos e anteriores à data do requerimento do fornecedor?

A Lei nº 8.666/93, que regula os contratos administrativos, em seu art. 65, inciso II, alínea "d", admite a revisão do contrato por acordo das partes para a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro inicial, senão veja-se:

Entretanto, de acordo com art. 65, II, "d", para que seja possível a revisão, o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser causado pelo aumento de despesas extraordinárias e extracontratuais decorrentes de fatos supervenientes imprevisíveis, ou previsíveis, mas de conseqüências incalculáveis provocados pelo Poder Público (fato do príncipe2) ou pela ocorrência de força maior/caso fortuito.

Em outras palavras, a revisão dos preços pode ser feita: 1) caso ocorram fatos novos após a celebração do contrato; 2) os fatos novos devem ser imprevisíveis ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis; 3) os fatos novos devem ainda ser provocados pelo Poder Público ou pela ocorrência de força maior/caso fortuito; 4) os fatos novos também devem ocasionar aumento de encargos extraordinários e extracontratuais; e 5) deve haver desequilíbrio da equação econômica-financeira do contrato.

Nesse sentido, Marçal Justen Filho3:

        O restabelecimento da equação econômico-financeira depende da concretização de um evento posterior à formulação da proposta, identificável como causa do agravamento da posição do particular. Não basta a simples insuficiência na remuneração. Não se caracteriza rompimento do equilíbrio econômico-financeiro quando a proposta do particular era inexeqüível. A tutela à equação econômico-financeira não visa a que o particular formule proposta exageradamente baixa e, após vitorioso, pleiteie elevação da remuneração.
        [...]

Sobre a matéria, este Tribunal de Contas emitiu os Prejulgados nº 1952, 848 e 869, com os seguintes teores:

        1952

        [...]
        0869

É oportuno registrar que a revisão do contrato não deve ser confundida com o reajuste, que é previsto no art. 55, inciso III e art. 65, §8º, ambos da Lei 8.666/93.

O reajustamento de preços é o meio de garantir a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato tendo em vista o aumento dos encargos durante a sua vigência, porém, diferente do ocorre com a revisão, o aumento de tais encargos decorrem de fatos ordinários.

O reajuste deve estar previsto no edital de licitação e no contrato. Sua peridiocidade é anual.

Hely Lopes Meirelles4 ensina que:

No mesmo sentido, o item 2 do Prejulgado nº 848 deste Tribunal de Contas:

        0848

Assim, as despesas ordinárias, decorrentes do risco típico empresarial que ocorrerem durante a vigência do contrato devem ser suportadas pelo reajuste previsto no art. 55, inciso III e art. 65, §8º e não pela revisão prevista no art. 65, inciso II, alínea "d", ambos da Lei 8.666/93.

Esclarecidos os pontos acima expostos, quais sejam, quando é o caso da revisão, bem como a diferença entre revisão e reajuste de preços, doravante serão vistos objetivamente os aspectos ventilados na consulta em análise.

O primeiro aspecto, refere-se sobre a possibilidade da Administração Pública conceder a revisão de ofício, sem que haja pedido do interessado.

Segundo a doutrina especializada, o requerimento é um pressuposto para o exercício do direito do particular à recomposição do equilíbrio, pois não há interesse público na atuação de ofício pela Administração neste caso.

Nesse sentido, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes5

        O reequilibrio que visar a majoração de preços deve ter sempre por base o pleito do contratado, do mesmo modo que os que visem a redução de preços deve se basear na verificação da Administração Pública da redução do preço do mercado.
        É ao contratado, quando pretende a majoração de preços, que cabe pedir e demonstrar o direito ao reequilibrio. A atuação de ofício, demonstra o interesse do agente público de zelar por interesse privado, absolutamente incompatível com a austeridade de quem gere recursos públicos. (grifos nossos)

E Marçal Justen Filho6:

        [...]
        Uma vez verificado o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, o particular deve provocar a Administração para adoção das providências adequadas.

E ainda, Diogenes Gasparini7:

Ressalta-se que Diogenes Gasparini, citado pelo Consulente às fs. 04 para fundamentar a prescindibilidade do pedido do administrado, apresentou novo entendimento na obra ora consultada, mais recente do que o Informativo de Licitações e Contratos utilizado como fonte do consultor da FECAM, que elaborou o parecer.

Portanto, com base na doutrina acima mencionada, conclui-se que, em se tratando de revisão de contrato, a Administração Pública não pode agir de ofício, sendo indispensável o requerimento do interessado.

Com relação aos efeitos retroativos do pedido de revisão feito pelo interessado, que foi o principal aspecto envolvido no questionamento proposto, importante conferir os ensinamentos de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes8.

Para o citado autor, o período a ser considerado na revisão é o atual (momento da ocorrência dos fatos supervenientes) e o da época da proposta ou do último reajuste ou reequilibro, nos seguintes termos:

        2. demonstração de equilíbrio
        Ao pleitear o reequilibrio caberá ao contratado apresentar duas planilhas de custos: uma do tempo atual e outra da época da proposta (ou do último reajuste ou reequilibrio).
        São esses os períodos a serem considerados pela Administração Pública e somente esses justificam o atendimento do pleito.[...]

Ou seja, o contratado deve demonstrar que à época da proposta (ou do último reajuste ou reequilibro), o seu custo era de "x" e que depois da ocorrência dos fatos supervenientes previstos no artigo 65, II, "d", da Lei 8.666/93, o custo aumentou para "2x", por exemplo.

No entanto, conforme estudo realizado pelo consultor da FECAM, Joel de Menezes Niebuhr, o contratado poderá levar alguns dias para reunir a documentação pertinente, tais como planilhas de custos, pareceres, laudos, pesquisas de preços, perícias etc., por meio dos quais se possa aferir o motivo concreto que ensejou a revisão e calcular o montante a ser aplicado, não apresentando o pedido à Administração de imediato.

Com a palavra, Joel de Menezes Niebuhr:

        Ocorre que, muitas vezes, o contratado precisa reunir documentos para apresentar à Administração pedido de revisão do contrato, o que demanda algum tempo. Demais disso, a Administração também consome algum tempo para avaliar o pedido de revisão. Então, continuando no exemplo, embora o evento que enseja a revisão tenha ocorrido em 1º de junho, o contratado somente formulou o pedido em 8 de junho e a Administração somente se pronunciou em 25 de agosto. Como dito, o contratado faz juz à revisão desde a data do evento que a autoriza, nada obstante o pedido dele tenha sido formulado posteriormente e a Administração tenha reconhecido o direito a ela ainda mais tarde.
        Isso significa que a revisão opera efeitos ex tunc, isto é, os efeitos dela retroagem à data do evento que lhe serve de fundamento. [...]

Assim, é razoável que o pedido de revisão não seja apresentado no mesmo dia da ocorrência dos fatos supervenientes, contudo, isto não impede que a revisão abranja período anterior ao pedido, desde que o contratado postule efeitos retroativos ao pleito (pois a Administração não pode agir de ofício), comprove que a revisão solicitada refira-se ao período compreendido entre o atual e o da época da proposta ou do último reajuste ou reequilibro, conforme ensinou Jorge Ulisses Jacoby Fernandes.

Contudo, o pedido não pode demorar para ser feito, pois um dos períodos a ser considerado é o atual, requisito este que seria esvaziado com o passar do tempo. Conforme exemplificou o consultor Joel de Menezes Niebuhr no parecer acima transcrito, considera-se uma semana, prazo justo para a apresentação do pedido.

Observa-se que o prejulgado 848 emitido por este Tribunal de Contas, assevera que a demonstração do desequilíbrio econômico-financeiro deve ser realizada pelo contratado tão logo ocorra o fato superveniente justificador da alteração, nos seguintes termos:


        [...]

Portanto, a revisão pode abranger período anterior ao pedido, desde que o contratado postule efeitos retroativos ao pleito (pois a Administração não pode agir de ofício), comprove que a solicitação refira-se ao período compreendido entre a data da ocorrência dos fatos supervenientes previstos no artigo 65, II, "d", da Lei 8.666/93 e o da época da proposta ou do último reajuste ou reequilibro e que o requerimento seja feito em tempo razoável, tão logo toda documentação pertinente seja reunida pelo interessado na revisão.

    4. CONCLUSÃO

    Em consonância com o acima exposto e considerando:

      1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;

      2. Que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

      3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.

      Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Cleber Muniz Gavi que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Prefeito do Município de Gaspar, Sr. Pedro Celso Zuchi, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

      1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

      2. Responder a consulta nos seguintes termos:

      2.1. A revisão do contrato administrativo prevista no artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/93, depende de requerimento do interessado, pois a Administração Pública não pode agir de ofício;

      2.2. A revisão pode abranger período anterior ao pedido, desde que o contratado postule efeitos retroativos ao pleito, comprove que a solicitação refira-se ao período compreendido entre a data da ocorrência dos fatos supervenientes previstos no artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei 8.666/93 e o da época da proposta ou do último reajuste ou reequilibro e que o requerimento seja feito em tempo razoável, tão logo toda documentação pertinente seja reunida pelo interessado na revisão.

      3. Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua assessoria jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno do Tribunal de Contas;

      4. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao Prefeito do Município de Gaspar, Sr. Pedro Celso Zuchi.

      COG, em 19 de fevereiro de 2009.

      Valéria Rocha Lacerda Gruenfeld

      Auditora Fiscal de Controle Externo

      De Acordo. Em ____/____/____

      GUILHERME DA COSTA SPERRY

      Coordenador de Consultas

      DE ACORDO.

      À consideração do Exmo. Sr. Relator Cleber Muniz Gavi, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

      COG, em de de 2009.

        MARCELO BROGNOLI DA COSTA

      Consultor Geral


    1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

    2 Segundo a doutrina, fato do príncipe é aquele fato superveniente, imprevisível ou previsível porém de conseqüências incalculáveis que alterem o equilíbrio da equação econômica financeira do contrato provocado pelo Poder Público e que incide sobre todos os contratos celebrados com a administração. Também enseja a revisão do contrato o chamado fato da administração, que é um fato superveniente, imprevisível ou previsível porém de conseqüências incalculáveis que alterem o equilíbrio da equação econômica financeira do contrato, provocado pelo Poder Público, porém incide sobre um ou alguns contratos apenas.

    3 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 11ª. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 543

    4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 210.

    5 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vademecum de Licitações e Contrato. Belo Horizonte:Fórum, 2004. p. 675

    6 JUSTEN FILHO, op. cit., p. 543

    7 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2007. p. 679

    8 FERNANDES, op. cit., p. 675