ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 08/00739728
Origem: Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte
RESPONSÁVEL: Luiz Kuerten
Assunto: Referente ao Processo -PCA-07/00221190
Parecer n° COG-133/09

Recurso de Reconsideração. Prestação de Contas de Administrador. Programa de Saúde da Família (PSF). Terceirização. Inconstitucionalidade e Ilegalidade. Contas irregulares. Multa. Precedentes deste Tribunal. Conhecer e negar provimento.

Por constituir-se de serviço público essencial e atividade-fim do Poder Público, inserida na Atenção Básica à Saúde, cuja execução é de competência do gestor local do SUS, as atividades dos demais profissionais de saúde, tais como, médico, enfermeiro e auxiliar ou técnico de enfermagem, necessários ao atendimento do Programa de Saúde da Família-PSF, não podem ser delegadas a organizações não-governamentais com ou sem fins lucrativos, nem terceirizadas para realização por intermédio de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas conforme a Lei Federal n. 9.790, de 1999, mediante celebração de convênio, termo de parceria, credenciamento ou mesmo contratação através de licitação, assim como, não encontra amparo legal o credenciamento direto de pessoal ou a contratação de prestadores autônomos de serviço, ou quaisquer outras formas de terceirização. (Prejulgado 1867).

Senhor Consultor,

I - RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de Recurso na modalidade de Reconsideração interposto pelo Sr. Luiz Kuerten, ex-Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte, com supedâneo no art. 77 da Lei Complementar Estadual (LCE) n° 202/2000, em face do Acórdão n° 1619/2008, proferido pelo Plenário desta Corte nos autos do processo de Prestação de Contas de Administrador - PCA n° 07/00221190 que, com fulcro no art. 18, inc. III, alínea "b" c/c parágrafo único do art. 21 da LCE n° 202/2000 (Lei Orgânica desta Corte), julgou irregulares, sem imputação de débito, as contas anuais de 2006 referentes a atos de gestão da Unidade Gestora sob sua responsabilidade, aplicando-lhe multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), com fundamento no art. 69 da referida lei complementar c/c parágrafo único do art. 108 do Regimento Interno (Resolução n° TC-06/2001), em razão da transferência de recursos públicos à ABRAS - Associação Braçonortense de Assistência Social, entidade não-governamental, para implantação e execução do Programa de Saúde da Família (PSF), em desacordo com o art. 16 da Lei n° 11.350/06 e com o entendimento deste Tribunal de Contas constante na Decisão n° 4027/2004 e expresso no Prejulgado 1867.

O processo originário refere-se à Prestação de Contas de Administrador do Fundo Municipal de Sáude do Município de Braço do Norte (PCA n° 07/00221190 em apenso), concernente ao exercício financeiro de 2006, à época sob responsabilidade do Sr. Luiz Kuerten o qual, em atendimento ao art. 20 da Resolução n° TC-16/94, encaminhou por meio do Ofício n° 07/07 cópia do Balanço Geral Consolidado e documentos outros para exame por esta Corte de Contas, através da sua Diretoria de Controle dos Municípios - DMU (fls. 02 a 48 dos autos originais).

Após o exame da referida documentação, a DMU emitiu o Relatório nº 1824/2008, sugerindo a citação do Responsável para apresentar alegações de defesa em relação às restrições apontadas (fls. 49 a 55).

Acolhendo a sugestão da instrução técnica, o Relator do feito determinou à DMU que procedesse à citação do Responsável, a fim de que apresentasse suas justificativas, em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa (Despacho aposto à fl. 56), a qual foi efetivada por meio do Ofício DMU/TC n° 7.031/2008 (fl. 57).

Em resposta ao ato notificatório, o Gestor apresentou esclarecimentos (fls. 59/69). Posteriormente, juntou aos autos documentos complementares com o mister de sanar as irregularidades apontadas no relatório técnico desta Corte.

Reanalisando o feito, a DMU elaborou o Relatório n° 3.305/2008 (fls. 111 a 132), emitindo parecer técnico pelo julgamento irregular das contas, com aplicação de multa em razão da transferência irregular de recursos públicos à ABRAS - Associação Braçonortense de Assistência Social, entidade não-governamental, para implantação e execução do Programa de Saúde da Família (PSF) (item 1.1 da conclusão), além de recomendação à Unidade Gestora (item 2).

Ouvido o Ministério Público de Contas, este, por meio do Parecer n° 5500/2008 da lavra da Exma. Procuradora Cibelly Farias, manifestou-se pelo julgamento irregular das contas, em face do ato descrito no item 1.1 da conclusão do relatório da instrução e também pela contratação de empresa para antedimento fisioterápico, serviço cuja natureza é contínua e permanente, pela aplicação de multas ao Responsável em face das citadas irregularidades e pela recomendação sugerida pela Área Técnica (fls. 134/139).

Logo após, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator César Filomeno Fontes emitiu Voto de fls. 140/143, o qual foi acolhido a unânimidade pelo Tribunal Pleno desta Corte na sessão ordinária do dia 29/10/2008, lavrando-se na oportunidade o Acórdão n° 1619/2008 (fls. 144/145), nos seguintes termos:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à Prestação de Contas do Exercício de 2006 do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte.

Considerando que o Responsável foi devidamente citado, conforme consta na f. 57 e 58 dos presentes autos;

Considerando que as alegações de defesa e documentos apresentados são insuficientes para elidir irregularidade(s) apontada(s) pelo Órgão Instrutivo, constante(s) do Relatório DMU n. 3305/2008;

Considerando que o exame das contas de Administrador em questão foi procedido mediante auditoria pelo sistema de amostragem, não sendo considerado o resultado de eventuais auditorias ou inspeções realizadas;

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2006 referentes a atos de gestão do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte, no que concerne ao Balanço Geral composto das Demonstrações de Resultados Gerais, na forma dos anexos e demonstrativos estabelecidos no art. 101 da Lei Federal n. 4.320/64, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.

6.2. Aplicar ao Sr. Luiz Kuerten - Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte em 2006, CPF n. 019.069.929-91, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da transferência de recursos públicos à ABRAS – Associação Braçonortense de Assistência Social, entidade não-governamental, para implantação e execução do Programa de Saúde da Família, em desacordo ao art. 16 da Lei n. 11.350/06 e entendimento deste Tribunal de Contas constante da Decisão n. 4027/2004 e do Prejulgado n. 1867 (item B.1.2 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Determinar ao Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte, com fundamento no art. 1º, XII, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, que, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da publicação desta deliberação no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, comprove a este Tribunal as medidas adotadas com vistas à realização de concurso público para preenchimento dos cargos de profissionais da saúde, a fim de regularizar o processo de gestão direta do Programa de Saúde da Família.

6.4. Alerta-se que o não-cumprimento do item 6.3 retrocitado implicará na cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar n. 202/2000, conforme o caso, e no julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, § 1º, da Lei Complementar n. 202/2000.

6.5. Determinar à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que acompanhe a deliberação constante do item 6.3 desta deliberação e comunique à Diretoria Geral de Controle Externo e ao Relator, após o trânsito em julgado desta Decisão, para fins de registro no banco de dados e encaminhamento à Diretoria competente para juntada ao processo de contas do gestor.

6.6. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 3305/2008, à Prefeitura Municipal de Braço do Norte, ao Fundo de Saúde daquele Município e ao Sr. Luiz Kuerten - Gestor daquele Fundo em 2006. (grifou-se).

O decisum foi publicado no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas - DOTC-e n° 128, em 03/11/2008.

Inconformado, o Sr. Luiz Kuerten interpôs o presente recurso em 28/11/2008, autuado sob o n° REC 08/00739728, com as razões de insurgência de fls. 02/05, acompanhada dos documentos anexos às fls. 06/90.

É o relatório.

II - DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

No que se refere à modalidade, considerando que o acórdão recorrido foi prolatado em processo de Prestação de Contas de Administrador, o Recurso de Reconsideração mostra-se como via impugnativa adequada para atacá-lo, ex vi do art. 77 da LCE 202/00 (Lei Orgânica deste Tribunal) e art. 136 do Regimento Interno (Resolução n° TC-06/01).

São requisitos para a admissibilidade deste recurso, nos termos do mencionado art. 77 da Lei Orgânica1 : a singularidade, a legitimidade e a tempestividade.

No que se refere à singularidade, esta foi observada, porquanto "interposto uma só vez por escrito".

Quanto à legitimidade, o Sr. Luiz Kuerten, gestor do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte em 2006, é parte legítima para interpor o recurso sob exame, nos termos do art. 133, § 1º, alínea "a" do Regimento Interno desta Corte, uma vez que o mesmo foi considerado responsável pelas irregularidades apontadas no Acórdão n° 1619/2008 (fls. 144/145) ora combatido.

Por fim, é também tempestivo, vez que protocolizado em 28/11/2008, enquanto que a publicação do Acórdão n° 1619/2008 no DOTC-e ocorreu em 03/11/2008, dentro, portanto, do prazo regimental previsto (trintídio).

Desta forma, estão presentes os pressupostos de admissibilidade que autorizam o conhecimento do presente recurso.

III - DAS RAZÕES RECURSAIS

Pretende o Recorrente o cancelamento da multa de R$ 600,00 (seiscentos reais), aplicada pelo Plenário desta Corte com fulcro no art. 69 da Lei Orgânica c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, em razão da transferência de recursos públicos à ABRAS - Associação Braçonortense de Assistência Social, entidade não-governamental, para implantação e execução do Programa de Saúde da Família (PSF), em desacordo com o art. 16 da Lei n° 11.350/06 e com o entendimento deste Tribunal de Contas constante da Decisão n° 4027/2004 e do Prejulgado 1867.

Para tanto, afirma que tal sanção é "injusta", vez que este Tribunal desconsiderou as providências administrativas e legais que adotou desde o início de sua gestão para sanar as contratações irregulares nessa seara ocorrentes há longo tempo. (fl. 03).

Na seqüência, aduz: "A cronologia a seguir, é prova da preocupação e dos esforços enviados para colocar termo definitivo à gestão terceirizada da Sáude, desenvolvida pela ABRAS - Associação Braçonortense de Ação Social [...]". (fl. 03 - grifou-se).

Neste sentido, após fazer um histórico de tais medidas, afirma, em síntese, que as providências adotadas pela Administração visando à observância da determinação constitucional trazida pela Emenda Constituicional n° 51/2006, bem como das exigências legais contidas na Lei n° 11.350/06 (art. 16), "tiveram seu início em 2007, estendendo-se até o exercício de 2008, sendo alcançada com a nomeação e posse dos servidores aprovados, e componentes das equipes do Programa de Saúde" (fl. 04 - grifou-se).

Sustenta que "a simples rescisão do convênio com a ABRAS, envolveria a descontinuidade da prestação de serviços de saúde, impossível de suprir pelo Município, enquanto não se tivessem cumpridos os atos legais e regulamentares que possibilitassem a formação do quadro de pessoal e, no que tange ao Programa de Saúde da Família, as correspondentes equipes". (fl. 04).

Ao final, pugna pelo cancelamento da multa constante no item 6.2 do decisum.

Para comprovar o alegado, juntou aos presentes autos cópia dos seguintes documentos: a) Lei Complementar Municipal n° 044/2006 - autoriza a contratação de pessoal por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, dentre eles para atender ao Programa de Saúde da Família - PSF (fls. 07/16); b) Edital de Seleção Pública n° 001/2007, destinado a prover vagas de empregos no PSF, dentre outros (fls. 17/32); c) Ação Civil Pública Cautelar ajuizada pelo Ministério Público Estadual, a fim de cancelar o processo seletivo supramencionado (fls. 34/48); d) acordo extrajudicial assinado entre as partes comunicando ao juízo a anulação do processo seletivo referido (fls. 49/50); e) documentos que comprovam o lançamento de novo edital de seleção pública e sua respectiva anulação pelo mesmo procedimento acima (fls. 53/83); e, f) documentos que atestam a homologação do processo seletivo n° 001/2008, cujo concurso destinou-se a seleção de pessoal para atuar nos cargos destinados ao PSF, "cargos estes que eram ocupados por funcionários da Associação Braçonortense de Ação Social - ABRAS" (fls. 85/90).

Entretanto, em que pese os argumentos expendidos, o recurso não merece guarida.

De início, urge observar que da leitura das razões recursais (fls. 02/05), sobretudo dos trechos acima transcritos e destacados, bem como das justificativas apresentadas às fls. 66/69 dos autos de origem, constata-se que o Responsável pela gestão do Fundo, ora Recorrente, expressamente declara e confirma a ocorrência da irregularidade indicada no item 6.2 do acórdão em análise, qual seja, a transferência de recursos à ABRAS - Associação Braçonortense de Assistência Social, entidade não- governamental, para implantação e execução do Programa de Saúde da Família (PSF) naquele Município, razão esta que serviu de fundamento para a aplicação da multa ora objeto de impugnação.

Assim, há nos autos o reconhecimento e a confissão por parte do Recorrente acerca da ocorrência do ato de gestão irregular durante todo o ano de 2006, sendo, portanto, fato incontroverso.

Atente-se, a propósito, que foram as contas e os atos de gestão referentes ao exercício financeiro de 2006 do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte objeto de apreciação e deliberação deste Tribunal de Contas no processo de origem, estando o juízo de valor exarado no decisum recorrido vinculados somente a este período.

Isto posto, no que se refere aos documentos acostados à presente irresignação, estes apenas reforçam o juízo de valor exarado por esta Corte na decisão recorrida, pois atestam e comprovam que durante todo o exercício de 2006 a irregularidade indicada no item 6.2 do decisum ocorreu, persistindo até o ano de 2008, data em que finalmente o processo seletivo para a contratação de servidores para atuarem no Programa de Saúde da Família chegou ao seu termo final, como acima alegado.

Desta forma, os documentos apresentados nesta fase recursal pelo Recorrente não possuem o condão de afastar, por si só, a aplicação da multa ora objeto de irresignação, vindo apenas a possivelmente suprir e comprovar a este Tribunal que a determinação que fora imposta ao Gestor do Fundo Municipal em comento, constante no item 6.3 do acórdão em combate (qual seja, a determinação de que o Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte, no prazo de 180 dias, contados a partir da publicação do Acórdão n° 1619/2008 comprove a este Tribunal as medidas adotadas com vistas à realização de concurso público para preenchimento dos cargos de profissionais da saúde, a fim de regularizar o processo de gestão direta do Programa de Saúde da Família) foi cumprida, não sendo tal material probatório hábil a retroagir e afastar a irregularidade ocorrida durante todo o ano de 2006.

Destaque-se que a maioria dos documentos juntados pelo Recorrente são os mesmos anexados às fls. 89/109 dos autos principais, já tendo sido objeto de análise pela Diretoria Técnica, pelo Ministério Público de Contas e pelo egrégio Órgão Plenário, não servindo para infimar a irregularidade sob exame.

Afora tais documentos, constata-se que nenhum novo argumento de fato ou de direito foi trazido à apreciação neste momento processual a fim de elidir a irregularidade apontada, sendo todos já devidamente analisados e refutados por este Tribunal durante a instrução e julgamento do processo de origem.

Com efeito, no que diz respeito ao meritum causae, o aresto recorrido não merece reparos.

De acordo com a Portaria n° 1886/GM de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Sáude (item 7 e seguintes do Anexo 1; item 4 e seguintes do Anexo 2), resta cristalino que a execução material e a gestão operacional do Programa de Sáude de Família (PSF) e do Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS) cabe ao Município que, entre outras atribuições, possue a obrigação de selecionar, contratar e remunerar os profissionais que integram as equipes de saúde de família e os agentes comunitários, além de garantir a infra-estrutura e os insumos necessários para a operacionalização e realização das atividades destes programas.

Outrossim, tem-se que a terceirização efetuada é manifestamente ilegal, tendo em vista que o PSF e o PACS são programas do Governo Federal, cuja execução foi descentralizada por este mediante convênios celebrados com os Estados e os Municípios brasileiros. Assim, entende-se que não é possível a descentralização de algo que já havia sido descentralizado anteriormente. Se fosse para descentralizar a execução desses programas para entidades civis, a União assim o teria feito.

Destarte, consigne-se ainda que a terceirização em comento configura, na verdade, um contrato administrativo, por meio do qual o Município de Braço do Norte, por intermédio de seu Fundo Municipal de Saúde, contratou entidade civil para prestar serviço na área da saúde, o que, se fosse possível, deveria obedecer rigorosamente o disposto na Lei n° 8.666/93, inclusive no que diz respeito à licitação. Ocorre que a transferência de recursos (federais, a propósito) para organizações não-governamentais ou qualquer outra associação ou entidade civil para a implantação, execução e gestão de serviço referentes a programas na área da saúde (PSF e PACS) não é possível, seja em razão da ausência de previsão legal para tanto, seja ainda porque ilegal a transfêrencia da execução e gestão de atividade-fim do Poder Público.

Nesse sentido, esclarecedoras as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a qual, após afirmar que a terceirização "foi uma das muitas fórmulas que se arrumou para burlar todo um capítulo da Constituição Federal (do art. 37 ao 41), para servir aos ideais de nepotismo e apadrinhamento a que não pode resistir tradicionalmente a classe política brasileira"2, abordou especificadamente a terceirização na área da sáude3:

É importante realçar que a Constituição, no dispositivo citado, permite participação de instituições privadas "de forma complementar", o que afasta a possibilidade de que o contrato tenha por objeto o próprio serviço de saúde, como um todo, de tal modo que o particular assuma a gestão de determinado serviço. Não pode, por exemplo, o Poder Público transferir a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de saúde prestadas por um hospital público ou por um centro de saúde; o que pode o Poder Público é contratar instituições privadas para prestar atividades-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnico-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas etc.; nesses casos, estará transferindo apenas a execução material de determinadas aitivdades ligadas ao serviço de saúde, mas não sua gestão operacional.

A Lei n° 8.080, de 19-9-90, que disciplina o Sistema Único de Saúde, prevê, nos arts. 24 a 26, a participação complementar, só admitindo-a quando as disponibilidades do SUS "forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área", hipótese em que a participação complementar "será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público (entenda-se, especialmente, a Lei n° 8.666, pertinente a licitações e contratos). Isto não significa que o Poder Público vai abrir mão da prestação de serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros; ou que estes venham a administrar uma entidade pública prestadora de serviço de saúde; significa que a instituição privada, em suas próprias instalações e com seus próprios recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e serviços de saúde, mediante contrato ou convênio.

Importante registrar que, no momento que o Fundo Municipal transfere à entidade privada o gerenciamento da maioria dos recursos destinados à saúde, além da afronta às normas que regem o Sistema Único de Saúde, restam comprometidos diversos princípios constitucionais que devem reger a Administração Pública, como, por exemplo, a obrigatoriedade de licitação e de realização de concurso público, e o dever de prestar contas. Aliás, as dificuldades no exercício do controle externo acerca da regular aplicação desses recursos permite vislumbrar uma elevada probabilidade de comprometimento, inclusive, dos princípios da moralidade, da impessoalidade, da eficiência e da economicidade.

A propósito, uma vez que a irregularidade apontada foi detectada no exercício financeiro de 2006, impende observar que, já em 2003, por intermédio da Decisão n° 1107/2003, proferida pelo Órgão Plenário desta Corte na sessão de 23/04/2003, resultando no Prejulgado 1347, este Tribunal consolidou entendimento no sentido de que, a respeito da equipe de pessoal para atuar no Programa Saúde da Família (PSF) e no Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS), não é possível delegar a atividade a entidade civil sem fins lucrativos, tal qual a Associação Braçonortense de Assitência Social - ABRAS com que o Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte firmou convênio, por se tratar de atividade típica do Poder Público, a ser gerida e desenvolvida por pessoal vinculado ao respectivo ente. Confira-se o item 1.6 do Prejulgado 1347:

Prejulgado 1347

1. Para viabilizar a execução do PSF-Programa Saúde da Família e/ou do PACS-Programa dos Agentes Comunitários de Saúde, a Administração Municipal, não dispondo de pessoal próprio suficiente e capacitado para a prestação dos serviços, deverá implementar o regime de empregos públicos, que se submete às regras ditadas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, para a admissão dos profissionais da saúde e dos agentes comunitários de saúde necessários para constituir a(s) Equipe(s), por tempo indeterminado, os quais não adquirem estabilidade no serviço público (art. 41 da Constituição Federal);

[...]

1.6. Por constituir-se de serviço público essencial e atividade-fim do Poder Público, inserida na Atenção Básica à Saúde, cuja execução é de competência do gestor local do SUS, as atividades dos demais profissionais de saúde, tais como, médico, enfermeiro e auxiliar ou técnico de enfermagem, necessários ao atendimento do Programa de Saúde da Família-PSF, não podem ser delegadas a organizações não-governamentais com ou sem fins lucrativos, nem terceirizadas para realização por intermédio de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas conforme a Lei Federal n. 9.790, de 1999, mediante celebração de convênio, termo de parceria, credenciamento ou mesmo contratação através de licitação, assim como, não encontra amparo legal o credenciamento direto de pessoal ou a contratação de prestadores autônomos de serviço, ou quaisquer outras formas de terceirização.

[...]4. (grifou-se).

Vale acrescentar que tal entedimento foi confirmado na Decisão n° 4027/20045 e reafirmado por este egrégio Tribunal em seu Prejulgado 1867, conforme se verifica abaixo, in verbis:

Observe-se que o posicionamento desta Corte encontra-se em consonância com a Emenda Constitucional n° 51, de 14/02/20067, e Lei Federal n° 11.350/06, sobretudo art. 168, como bem destacado pelo acórdão impugnado, legislação que regula a matéria em tela.

Assim, no tocante à Administração Pública, restam violados, dentre outros, os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, bem como as disposições da Lei n° 8.666/93, da Instrução Normativa - IN n° 1/997 da STN, da Portaria n° 1886/GM, de 18 de dezembro de 1997, do Ministério da Saúde, da Emenda Constitucional n° 51/06 e da Lei Federal n° 11.350/06, entre outras normas legais, além do entendimento desta Corte de Contas esposado nos Prejulgados acima mencionados.

Ademais, apenas a título de argumentação, saliente-se que a contratação de mão-de-obra pelo Poder Público, por meio de entidade civil interposta, frauda direitos trabalhistas dos empregados contratados (a depender do entendimento que se adotar, se o empregador é o município ou a entidade civil), o que é vedado pelo art. 9° da CLT9, além de servir como instrumento de burla à Lei de Responsabilidade Fiscal no que diz respeito ao limite de gastos com pessoal.

Desta forma, verifica-se que a decisão ora combatida deu ao caso a melhor solução de direito, refletindo o entendimento pacífico deste Tribunal sobre o tema em questão, sendo o julgamento irregular das contas de responsabilidade do Recorrente e a conseqüente aplicação da multa ora vergastada medida que se impunha.

Por derradeiro, necessário se faz tecer algumas considerações a respeito do valor arbitrado à multa imputada.

Primeiramente, vale dizer que o valor da sanção foi baseado no art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06/2001):

Art. 108 [...]

Parágrafo único: O Tribunal aplicará multa aos responsáveis por contas julgadas irregulares de que não resulte débito, nos termos do § 1° do art. 22 deste Regimento, no valor compreendido entre oito por cento e cem por cento do montante referido no caput do artigo 109.

Art. 109. O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais, observada a gradação abaixo, aos responsáveis por:

Como se pode observar, a multa aplicada por contas julgadas irregulares de que não resulte débito pode variar entre 8 e 100% do valor estabelecido no caput do artigo 109 - R$ 5.000,00 - ou seja, entre R$ 400,00 a R$ 5.000,00.

Com efeito, "a determinação do valor da multa, em cada caso concreto, está submetida à fundamentação do Relator, consoante critérios de razoabilidade. Nesse sentido, para ser legal e válida, é suficiente que tenha sido estipulada dentro dos limites da lei, pois, do contrário, seria arbitrária - e conseqüentemente, ilegítima"10. (grifou-se).

De acordo com a doutrina, o princípio da razoabilidade serve ao balizamento da discricionariedade do aplicador da norma, fornecendo critérios de adequação e necessidade da medida, além de proporcionalidade entre meios e fins. In verbis:

In casu, não é difícil concluir que a aplicação da multa é medida necessária e adequada à punição do Responsável pelo descumprimento da norma constante na Portaria 37, inciso II, da Constituição Federal. Ademais, apesar das alegações no sentido de que inexistiram dolo ou má-fé, não se pode olvidar que a conduta do administrador deve se pautar, antes de mais nada, no princípio da legalidade (art. 5º, II e art. 37, caput, da Constituição Federal).

Além disto, considerando que a multa foi arbitrada em R$ 600,00 (seiscentos reais), cumpre dizer que se encontra dentro do balizamento traçado pelo dispositivo regimental supramencionado, sendo, portanto, válida e legal.

Portanto, irretocável a decisão.

      IV - CONCLUSÃO

      Em face do exposto, propõe o presente parecer:

      4.1 O conhecimento do presente Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, interposto em face do Acórdão nº 11619/2008 (fls. 144/145), proferido nos autos da Prestação de Contas de Administrador - PCA n° 07/00221190 e, no mérito, negar-lhe provimento, permanecendo incólume a decisão atacada;

      4.2 Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como deste Parecer n° COG-133/09, ao Sr. Luiz Kuerten, ex-Gestor do Fundo Municipal de Saúde de Braço do Norte e ora Recorrente e ao atual Gestor da Unidade em comento.

      À consideração de Vossa Excelência.

          COG, em 13 de março de 2009.
          ANA SOPHIA BESEN HILLESHEIM
          Auditora Fiscal de Controle Externo
                      De Acordo. Em ____/____/____
                      HAMILTON HOBUS HOEMKE
                      Coordenador de Recursos
          DE ACORDO.
          À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Moacir Bertoli, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
            COG, em de de 2009.
            MARCELO BROGNOLI DA COSTA

          Consultor Geral


          1 Art. 77. O Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. (grifou-se).

          2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 178.

          3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit. p. 186.

          4 Processo: CON-02/00328387. Parecer: COG-163/03. Decisão: 1107/2003. Origem: Prefeitura Municipal de Guaraciaba. Relator: Conselheiro Luiz Roberto Herbst. Data da sessão: 23/04/2003. Data do Diário Oficial:23/06/2003.

          5 Processo: CON-04/02706960. Decisão: 4027/2004. Origem: Prefeitura Municipal de Agrolândia. Relator: Luiz Roberto Herbest. Data da sessão: 13/12/2004.

          TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1°, XV, da Lei Complementar n. 202/2000, decide:

          6.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.

          6.2. Reformar o Prejulgado 1419, que passa a ter a seguinte redação:

          6.2.1. Para atender aos programas de caráter transitório com recursos repassados pela União ou Estado, o Município pode admitir pessoal em caráter temporário, atendidos aos pressupostos do art. 37, IX, da Constituição Federal. Se os programas assumirem caráter de permanência e definitividade e se referirem a atividades típicas do Município (saúde, educação, saneamento, trânsito, etc.), o procedimento adequado é a admissão de pessoal em cargos de provimento efetivo (mediante concurso público);

          6.2.2. No caso do Programa de Saúde da Família - PSF e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS, ambos do Governo Federal, o Município pode adotar as seguintes soluções:

          6.2.2.1. admissão de pessoal em cargos de provimento efetivo criados por lei, mediante prévia aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal, situação em que o servidor adquire estabilidade após três anos de efetivo exercício e o ente público municipal fica responsável pela aposentadoria, de acordo com as regras da Constituição Federal, onerando os cofres públicos do Município;

          6.2.2.2. contratação temporária, caracterizada a necessidade temporária de excepcional interesse público, mediante lei específica que estabeleça as regras, os prazos de vigência dos contratos, a forma e critérios de seleção, os direitos dos contratados, a remuneração, sua vinculação ao Regime Geral da Previdência Social, entre outras normas pertinentes;

          6.2.3. Não encontra amparo legal a celebração de convênio ou contratação de organizações não-governamentais sem fins lucrativos para a execução do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e Programa de Saúde da Família.

          6.2.4. Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida, as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.

          6 Processo: CON-05/00173222. Parecer: GC-OGS/2007/040. Decisão: 1007/2007. Origem: Prefeitura Municipal de Mirim Doce. Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos. Data da sessão: 18/04/2007. Data do Diário Oficial: 07/05/2007.

          7 EC n° 51/2006: Art. 1º O art. 198 da Constituio Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:

          8 Lei Federal n° 11.350/2006 - Art. 16. Fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável.

          9 Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

          10 Parecer COG 507/06, lavrado pela Auditora Fiscal de Controle Externo, Flávia Bogoni, no REC 07/00007601, relativo ao PCA 05/04272616.