ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 06/00526194
Origem: Prefeitura Municipal de Urussanga
Interessado: JosÉ VÂnio Piacentini
Assunto: (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) -DEN-04/06138109 + REC-06/00526003
Parecer n° COG- 104/09

Recurso de Reexame. Denúncia contra Prefeito. Multa em face da inobservância de reclassificação remuneratória de servidor público municipal aposentado. Antinomia de normas jurídicas gerais. Aplicação do critério da especialidade. Provimento do recurso. Cancelamento da multa.

É princípio jurídico fundamental que o conflito aparente entre duas normas de mesma hierarquia resolva-se pelo critério da especialidade, ou seja, prevalece a norma de natureza específica sobre a de caráter geral.

Senhor Consultor,

Trata-se de recurso de reexame interposto por José Piacentini, Prefeito de Urussanga no período de 1º/01/1993 a 31/12/1996, em face do Acórdão n. 1725/06, proferido nos autos do processo de denúncia n. 04/06138109 em que o Tribunal Pleno impôs-lhe multa de R$ 400,00 ante a transgressão dos arts. 21, § 1º, da Lei Municipal n. 1.515/94, 18, da Lei Municipal n. 409/75, 112, §§ 1º a 4º, da Lei Estadual n. 6.745/85 e 40, § 4º (redação original), da Constituição Federal.

Esta Consultoria Geral, por meio do parecer n. 217/07 de fls. 48/55, sugeriu o não conhecimento do recurso ante a sua intempestividade.

Os autos foram encaminhados ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, que emitiu o parecer MPTC n. 4090/07, de fl. 56, no qual acompanhou o posicionamento desta Consultoria.

O Sr. Conselheiro Relator exarou despacho às fls. 57 a 58, no qual decidiu por conhecer do recurso, por preencher os pressupostos de admissibilidade previstos no art. 80 da Lei Complementar n. 202/00, inclusive no que diz respeito à tempestividade.

É o relatório.

PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

As preliminares de admissibilidade foram satisfatoriamente analisadas no parecer n. 217/07 (fls. 48/55) no qual sugeriu-se o não conhecimento face a intempestividade do presente recurso, no entanto, como já observado pelo Exmo. Relator na decisão de fls. 57 a 58, o recurso é tempestivo, partindo-se de pronto para o exame do mérito.

III. MÉRITO

O recorrente se insurge contra a multa de R$ 400,00 aplicada em face da inobservância de reclassificação remuneratória do servidor Ary Silva, aposentado no cargo de contador.

Insurgindo-se contra a decisão, José Vânio Piacentini disse que se sentiu prejudicado ante a omissão do seu sucessor, que deixara o mandado de segurança tramitar à revelia do interesse municipal, já que não foi interposto recurso à instância superior depois do julgamento no Tribunal de Justiça. Alegou, pois, que o seu direito à ampla defesa restou violado.

Sustenta ainda, que o conflito ocorreu em virtude de a Lei Municipal n. 1.515/94 não contemplar os não operantes nem os inativos, sendo estes enquadrados em quadro suplementar.

Observou-se que o servidor, contador aposentado no último nível da carreira (à época nível 20), precisou assegurar judicialmente tal condição após a reclassificação dos níveis da sua categoria efetuada pela Lei Municipal n. 1.515/94, que, ao dispor sobre novo plano de cargos e salários, elevou o último degrau para o 22 (Mandado de Segurança 078.95.000430-5).

Ocorre que, a referida Lei Municipal não estendeu os benefícios aos servidores aposentados, sendo estes incluídos em quadro de pessoal suplementar. Cita-se:

Nesse norte, assim disciplina o art. 112, da Lei Estadual n. 6.745/85:

Como se vê, a Lei Estadual n. 6.745/85, ao contrário da Lei Municipal em questão, assegurou a extensão do benefício obtido pelos servidores ativos aos inativos.

Nesse sentido, constata-se a ocorrência de antinomia das disposições da Lei Municipal n. 1.515/94 com a Lei Estadual n. 6.745/85, devendo-se levar em conta as regras para resolução de conflitos aparentes de normas jurídicas, segundo os critérios da especialidade, hierarquia e cronológico.

Na hipótese de conflito de normas, é preciso que o intérprete elimine uma delas, para mandar aplicar a que considerar eficaz.

Acerca do tema, ensina Maria Helena Diniz, para a escolha do critério que haverá de estabelecer qual a lei prevalecente no caso:

Observando com atenção os diplomas legais em conflito aparente, descobre-se, com facilidade, que ambos são hierarquicamente equivalentes, porquanto estão no mesmo nível, já que não existe hierarquia entre Lei Federal, Lei Estadual e Lei Municipal.

Tocante ao segundo critério, o da especialidade, verifica-se que a Lei Municipal n. 1.515/94 dispõe sobre quadro de pessoal da administração direta do Município de Urussanga, instituindo novo plano de cargos e salários da administração pública, enquanto que a Lei Estadual n. 6.745/85 trata, genericamente, dos servidores públicos do Estado de Santa Catarina, sendo aquela mais específica que esta.

É princípio jurídico fundamental que o conflito aparente entre duas normas de mesma hierarquia resolve-se pelo critério da especialidade, ou seja, prevalece a norma de natureza específica sobre a de caráter geral, devendo ser adotado tal critério para a resolução da antinomia no presente caso.

Nesse sentido, Norberto Bobbio ensina:

Além disso, ao analisar o terceiro critério, que determina que a lei mais recente prepondera sobre a norma antiga, têm-se que a Lei Municipal n. 1.515/94 é mais recente do que a Lei Estadual n. 6.745/85, portanto, poderia-se aplicar também o critério de cronologia.

Logo, deveria prevalecer o preceito legal especial e posterior (Lei Municipal n. 1.515/94).

A manifestação técnica de fls. 458 a 460 deixou de apreciar a questão sob o enfoque do § 3º do art. 21 da Lei Municipal n. 1.515/94, que, expressamente, exclui os integrantes do Quadro Suplementar (aposentados e optantes) dos benefícios da lei. Essa omissão redundou na informação de que haveria direito líquido e certo à reclassificação.

Não há como sutentar a prática da irregularidade de não se promover a reclassificação do aposentado se o Mandado de Segurança foi rejeitado em 1ª instância (fls. 52 e 55-DEN) e obteve parecer do Ministério Público pelo desprovimento do recurso (fl. 56), só vindo a ser-lhe concedida a segurança no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

A irregularidade decorre do descumprimento de lei, porém, quando há razoável e idônea interpretação em favor do executor não há que se exigir, sob pena de sanção, que adote aquela que, futuramente, o Poder Judiciário adotará, como se a precognição fosse um sentido humano comum.

Por todo o exposto, sugere-se o cancelamento da multa aplicada, merecendo guarida a insurgência do recorrente.

IV. CONCLUSÃO

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator dos autos que em seu voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

1) Conhecer do Recurso de Reexame nos termos do art. 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/00, interposto contra o Acórdão n. 1725/06, exarado na Sessão Ordinária de 21/08/2006, nos autos do processo DEN - 04/06138109, e no mérito dar-lhe provimento para cancelar o item 6.2.1 da decisão recorrida.

2) Dar ciência do acórdão, relatório e voto do Relator que o fundamentam, bem como deste parecer COG ao recorrente, Sr. José Vânio Piacentini, ex-Prefeito de Urussanga.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral