ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00079720
Origem: Prefeitura Municipal de São Bernardino
Interessado: Waldir Antonio Walker
Assunto: Consulta
Parecer n° COG - 162/2009

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Eis o breve relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

Prefacialmente, necessário analisar as formalidades inerentes às consultas, definidas no artigo 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas, in verbis:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

2.1. Da competência

2.2. Do objeto

A consulta prevista no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar n. 202/2000, objetiva esclarecer incertezas acerca de interpretação de lei ou questão formulada em tese.

Da análise dos autos verificou-se que a dúvida formulada diz respeito a contratações de agentes públicos e a caracterização de nepotismo na Administração Pública, à luz da legislação municipal e da Súmula Vinculante n. 13 do STF.

Assim, em que pese o parecer da assessoria jurídica do ente consulente se referir a uma situação concreta, os questionamentos apresentados pelo Consulente possuem natureza interpretativa e foram formulados em tese. Por tais razões, para viabilizar a análise da presente consulta não será considerada a situação descrita no aludido parecer.

Dessa forma, considerando que os questionamentos foram formulados em tese, resta preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

Impende registrar que a resposta oferecida em processo de consulta não constitui prejulgamento de fato ou caso concreto, mas apenas prejulgamento de tese apresentada pelo Consulente.1

2.3. Da legitimidade

Nesse contexto, no tocante à legitimidade, verifica-se que o Consulente, na qualidade de Prefeito do Município de São Bernardino, detém legitimidade para o encaminhamento de peças indagativas a esta Corte de Contas.

2.4. Da INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉrSIA

Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5. Do parecer da assessoria jurídica

Verifica-se que a consulta veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente (fls. 04-08), motivo pelo qual restou preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso V, do Regimento Interno.

2.6. Do exame dos pressupostos de admissibilidade

Por conseguinte, sugerimos ao Exmo. Relator o conhecimento da presente consulta.

3. MÉRITO

O nepotismo consiste em "favoritismo de parentes e apaniguados dos detentores do poder nos seus mais variados níveis, sem a observância do concurso público que privilegia o sistema de mérito."2

A vedação ao nepotismo é regra constitucional que decorre do núcleo dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas, insculpidos no caput do art. 37 da CF, o qual prescreve que "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]."

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito, conforme acórdão cuja ementa restou assim redigida:

Com fundamento na força normativa dos princípios constitucionais da moralidade e legalidade, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n. 13, a qual detém força vinculante e obrigatória em todas as esferas da Administração Pública:

Diante dessa breve introdução ao tema, controvertido e atual, passaremos a analisar os questionamentos do Consulente.

3.1. Pode um empregado público, regido pela CLT e por legislação municipal complementar, contratado por prazo indeterminado (antes da posse dos atuais agentes políticos), e que tenha grau de parentesco vedado pela legislação local em relação ao Prefeito, Vice-Prefeito, Secretário ou Vereador, ser mantido no emprego público?

No âmbito da legislação municipal do ente consulente, dispõe o artigo 77, §1º, da Lei Orgânica Municipal de São Bernardino:

Verifica-se que a legislação municipal veda, tão-somente, a nomeação para cargo em comissão e a contratação por tempo determinado para atender a excepcional interesse público.

De sua vez, a Súmula Vinculante n. 13 do STF prescreve que viola a Constituição Federal a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada. Verifica-se que a súmula tem maior abrangência que a legislação municipal, à medida que se refere também às funções gratificadas, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.

Porém, ambas as disposições não se referem a nomeações para cargos de provimento efetivo nem para empregos públicos. E não poderia ser diferente, em razão de que o ingresso no serviço público para o exercício de cargo efetivo ou emprego público exige a prévia aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos, conforme prescreve o art. 37, inciso II, da Constituição da República.

Aliás, somente os cargos em comissão e as funções gratificadas não exigem concurso público para o seu provimento, sendo de livre nomeação da autoridade administrativa. Contudo, não se pode olvidar que a escolha dos ocupantes dos cargos em comissão, apesar de livre, deve recair sobre pessoas qualificadas para o desempenho de tais funções. São nessas situações que há possibilidade de favorecimento de parentes pelos detentores do poder, em prejuízo da moralidade administrativa, o que se denomina de nepotismo.

Por conseguinte, as nomeações para cargo ou emprego público, de provimento efetivo e mediante prévia aprovação em concurso público, não se enquadram nas hipóteses de nepotismo. Somente a nomeação ou designação para exercício de cargos ou funções, os quais não exigem concurso público para o seu provimento, sendo de livre nomeação da autoridade administrativa, podem acarretar situações de nepotismo.

Quanto à contratação de pessoal por tempo determinado para atender a excepcional interesse público, o Tribunal de Contas posiciona-se no sentido da obrigatoriedade de realização de prévio certame público simplificado, conforme item 3 do Prejulgado n. 1927 e item 2 do Prejulgado 1981:


Ora, a contratação temporária, "à evidência, somente poderá ser feita sem processo seletivo quando o interesse público assim o permitir"
3. Inclusive, no âmbito da Administração Pública Federal, a contratação por tempo determinado, regulada pela Lei 8.745/93, estabelece como regra geral o recrutamento mediante processo seletivo simplificado, sendo que, excepcionalmente, prescinde de processo seletivo4.

Assim, caso a contratação por tempo determinado para atender a excepcional interesse público for precedida de realização de processo seletivo simplificado, não caracterizaria, a princípio, situação de nepotismo na referida contratação. No mesmo sentido, a Resolução n. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ estabelece que não constitui prática de nepotismo "quando a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público tenha sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito legal."5

3.2. O contrato por prazo indeterminado de empregado público, regido pela CLT e por legislação municipal complementar, pode ser considerado como contrato temporário, para os fins do §1º do art. 77 da Lei Orgânica Municipal?

O Consulente questiona se a contratação por tempo determinado para atender a excepcional interesse público pode ser equiparada ao contrato por prazo indeterminado de empregado público, para os fins do art. 77, §1º, da Lei Orgânica Municipal.

Não se pode confundir a contratação por tempo determinado com a investidura em cargo ou emprego público.

A contratação por tempo determinado é celebrada mediante contrato administrativo com o objetivo de executar atividades públicas necessárias ao atendimento da necessidade temporária de excepcional interesse público. Ora, "não deve ser utilizada nem a expressão "cargo de provimento efetivo" nem o termo "nomeia em emprego público", pois não se trata, nesse caso, de cargo efetivo ou de emprego público, mas, sim, de contrato administrativo, para o desempenho de funções públicas sem cargo, sendo que a denominação correta desse servidor é simplesmente a de contratado." (Item 4 do Prejulgado n. 1877).

3.3. De acordo com o previsto na Lei Orgânica Municipal, a manutenção de contratações para cargo ou emprego público, por prazo determinado ou indeterminado, dos parentes do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretário Municipal ou Vereador, cuja contratação tenha ocorrido anteriormente à posse destes agentes políticos, quanto estes agentes políticos nem sequer ocupavam função pública, caracteriza afronta à legislação que veda o nepotismo?

Como explicitado anteriormente, a vedação contida na Lei Orgânica do ente consulente restringe-se a cargo em comissão ou contratação temporária, não se aplicando a cargos de provimento efetivo ou empregos públicos.

Independentemente de a nomeação para o cargo em comissão, função de confiança ou contratação temporária (se esta última não for precedida de certame público simplificado) ocorrer antes ou depois da posse dos agentes políticos, poderá caracterizar situação de nepotismo se entre estes houver vínculo de subordinação hierárquica.

A esse respeito, Enunciado Administrativo n. 1 do CNJ, que diz textualmente:

Ademais, poderá caracterizar o nepotismo cruzado se houver ajuste mediante designações recíprocas (Súm. Vinculante n. 13) entre as autoridades elencadas nos §§ 2º e 3º do art. 77 da L.O. (Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários do Poder Executivo ou dos titulares de cargos que lhe sejam equiparados, dirigentes dos órgãos da administração pública direta e indireta e vereadores e titulares de cargos de direção no âmbito da Câmara Municipal).

4. CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas, o que atende ao requisito do inciso III do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001;

2. Que os questionamentos formulados na presente consulta tratam de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

Sugere-se à Exma. Relatora Auditora Sabrina Nunes Iocken que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Prefeito Municipal de São Bernardino, Sr. Waldir Antonio Walker, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

1. Responder a consulta nos seguintes termos:

1.1. As nomeações para cargo de provimento efetivo ou emprego público, mediante prévia aprovação em concurso público, e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, desde que precedida de regular processo seletivo simplificado, não se enquadram nas hipóteses de nepotismo.

1.2. Somente cargos em comissão ou funções de confiança, os quais não exigem concurso público para o seu provimento, sendo de livre nomeação da autoridade administrativa, podem ser objeto de nepotismo.

1.3. Restará caracterizada situação de nepotismo caso haja relação de subordinação hierárquica entre os agentes, independentemente do momento da investidura da autoridade política no cargo e da nomeação do agente público ao cargo em comissão ou da designação para função de confiança.

2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao Prefeito do Município de São Bernardino Sr. Waldir Antonio Walker.

      COG, em 26 de março de 2009.
                  JOSIANE CORDOVA R. MOLARINHO
                  Auditora Fiscal de Controle Externo
                  De Acordo. Em ____/____/____
                  GUILHERME DA COSTA SPERRY
                  Coordenador de Consultas
      DE ACORDO.
      À consideração da Exma. Sra. Relatora Sabrina Nunes Iocken, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
        COG, em de de 2009.
            MARCELO BROGNOLI DA COSTA

          Consultor Geral


          1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

          2 Nascimento, Carlos Valder do.Pressupostos da resolução do CNJ, vedando o nepotismo no judiciário. Fórum Administrativo - Direito Público - FADM, Belo Horizonte, n. 73, ano 7 mar. 2007, pag. 17 a 30. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=39595> Acesso em: 24 mar. 2009.

          3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 445.

          4 Art. 3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União, prescindindo de concurso público. § 1o A contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública ou de emergência ambiental prescindirá de processo seletivo.

          5 Art. 2º Constituem práticas de nepotismo, dentre outras: [...] IV - a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento; [...] § 2º A vedação constante do inciso IV deste artigo não se aplica quando a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público houver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito legal.