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Processo n°: | CON - 09/00137436 |
Origem: | Câmara Municipal de Gaspar |
Interessado: | Jose Hilario Melato |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG - 192/2009 |
ITR. IPTU. FATO GERADOR. IMÓVEL SITUADO NA ZONA URBANA.
Senhora Consultora,
Eis o sucinto relatório.
Prefacialmente, necessário analisar as formalidades inerentes às consultas, definidas no artigo 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas, in verbis:
Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:
I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;
II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;
III - ser subscrita por autoridade competente;
IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;
V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.
2.1. Da competência
2.2. Do objeto
A consulta prevista no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar n. 202/2000, objetiva esclarecer incertezas acerca de interpretação de lei ou questão formulada em tese.
Da análise dos autos verificou-se que o questionamento do Consulente foi apresentado em tese, especificamente sobre a possibilidade de incidência do Imposto Territorial Rural - ITR, de competência da União, e do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU, de competência municipal.
Portanto, resta preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.
Impende registrar que a resposta oferecida em processo de consulta não constitui prejulgamento de fato ou caso concreto, mas apenas prejulgamento de tese apresentada pelo Consulente.1
2.3. Da legitimidade
No tocante à legitimidade, verifica-se que o Consulente, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Gaspar, detém legitimidade para o encaminhamento de peças indagativas a esta Corte de Contas.
2.4. Da INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉrSIA
Conforme relatado acima, o Consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.
2.5. Do parecer da assessoria jurídica
Verifica-se que a consulta veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente (fls. 4-8), motivo pelo qual restou preenchido o requisito constante no art. 104, inciso V, do Regimento Interno.
2.6. Do exame dos pressupostos de admissibilidade
Por conseguinte, sugerimos ao Exmo. Relator o conhecimento da presente consulta.
A fim de responder ao questionamento formulado, mister discorrer acerca do imposto sobre a propriedade territorial rural - ITR e do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU.
O ITR é um imposto de competência da União Federal, previsto no artigo 153, em seu inciso VI e § 4º, da CF, in verbis:
Por sua vez, os artigos 29 a 31 do CTN estabelecem as normas gerais atinentes ao ITR. Vejamos:
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural
Em linhas gerais, o ITR é um imposto de competência impositiva da União, com função predominante extrafiscal2, caráter progressivo, com fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definidos na lei civil, tendo como base de cálculo o valor da terra nua tributável.
No que diz respeito ao IPTU, de competência do Ente Municipal, seu disciplinamento constitucional encontra-se no artigo 156:
O fato gerador, a base de cálculo e o contribuinte do referido imposto encontram-se detalhados nos arts. 32 a 34 do CTN, a seguir transcritos:
Diferentemente do ITR, cuja abrangência limita-se à propriedade territorial rural, o IPTU pode abranger a propriedade "predial e territorial", ou seja, tributa-se a riqueza revelada do imóvel como um todo, incluindo as edificações.
O Código Tributário Nacional adotou o critério topográfico para fins de delimitação do fato gerador do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR). Com efeito, caso o imóvel estivesse localizado na zona urbana, deveria incidir o IPTU; se estivesse na zona rural, incidiria o ITR.
Esse entendimento, inclusive, foi manifestado por este Tribunal de Contas, consoante se infere do prejulgado n. 1171, redigido nos seguintes termos:
3. MÉRITO
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
VI - propriedade territorial rural;
[...]
§ 4º (com a redação dada pela EC n. 42/03). O imposto previsto no inciso VI do caput:
III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.
Art. 30. A base do cálculo do imposto é o valor fundiário.
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.
Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.
Parágrafo único. Na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade.
Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
Segundo o CTN, portanto, a incidência de um ou outro imposto depende única e exclusivamente da sua localização e não da destinação que o proprietário lhe quer dar.
Prejulgado n. 1171 (Decisão: 1193/2002):
Parecer: COG - 241/02 Decisão: 1193/2002 Origem: Prefeitura Municipal de Piçarras Relator: Auditor Evângelo Spyros Diamantaras Data da Sessão: 24/06/2002.
O Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana incide sobre imóvel declarado urbano por lei municipal e sobre o qual incida pelo menos dois dos melhoramentos abaixo indicados, construídos e mantidos pelo Município: 1. meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; 2. abastecimento de água; 3. sistema de esgotos sanitários; 4. rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; 5. escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
A incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU sobre imóvel exclui a incidência do Imposto Territorial Rural - ITR sobre o mesmo, consoante dicção dos arts. 29 e 32, caput e §1º, da Lei nº 5.172/66, de 25/10/1966 (Código Tributário Nacional), devendo o Município comunicar o fato ao órgão federal competente para que este se abstenha de lançar o ITR, não sendo possível a cobrança de IPTU sobre as benfeitorias (parte predial) existentes em imóveis sujeitos ao ITR.
Processo: CON-01/02070580
Contudo, o art. 15 do Decreto-Lei Federal n. 57/1966, anterior ao próprio CTN, estabelece que "o disposto no art. 32 da Lei n 5.172, de 25 de outubro de 1966
, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados", ou seja, o IPTU não deveria incidir sobre imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial.
Assim, "o critério da localização tem sido temperado com a exceção constante do art. 15 do DL 57/66, que dispõe no sentido de que se sujeite ao ITR o imóvel destinado a atividade rural, ainda que situado na zona urbana."3
Igualmente, o Superior Tribunal de Justiça, com base no entendimento do STF externado no RE 140.773-5, no sentido de se utilizar o critério da destinação econômica para definição da incidência de IPTU ou ITR sobre um imóvel localizado em perímetro urbano, conforme se extrai dos seguintes arestos:
TRIBUTÁRIO. IPTU. ITR. FATO GERADOR. IMÓVEL SITUADO NA ZONA URBANA. LOCALIZAÇÃO. DESTINAÇÃO. CTN, ART. 32. DECRETO-LEI N. 57/66. VIGÊNCIA.
1. Ao ser promulgado, o Código Tributário Nacional valeu-se do critério topográfico para delimitar o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR): se o imóvel estivesse situado na zona urbana, incidiria o IPTU; se na zona rural, incidiria o ITR.
2. Antes mesmo da entrada em vigor do CTN, o Decreto-Lei nº 57/66 alterou esse critério, estabelecendo estarem sujeitos à incidência do ITR os imóveis situados na zona rural quando utilizados em exploração vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial.
3. A jurisprudência reconheceu validade ao DL 57/66, o qual, assim como o CTN, passou a ter o status de lei complementar em face da superveniente Constituição de 1967. Assim, o critério topográfico previsto no art. 32 do CTN deve ser analisado em face do comando do art. 15 do DL 57/66, de modo que não incide o IPTU quando o imóvel situado na zona urbana receber quaisquer das destinações previstas nesse diploma legal. (destaque nosso)
4. Recurso especial provido.
(STJ. RECURSO ESPECIAL - 492869. Processo: 200300116193/PR. Primeira Turma. Data da decisão: 15/02/2005 DJ: 07/03/2005 RELATOR: TEORI ALBINO ZAVASCKI)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. ITR. INCIDÊNCIA. CRITÉRIO DA LOCALIZAÇÃO DO IMÓVEL INSUFICIENTE. NECESSIDADE DE SE OBSERVAR, TAMBÉM, A DESTINAÇÃO DO IMÓVEL. PRECEDENTES. § 1º DO ART. 32 DO CTN. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MATÉRIA DE PROVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. O critério da localização do imóvel não é suficiente para que se decida sobre a incidência do IPTU ou ITR, sendo necessário observar-se, também, a destinação econômica, conforme já decidiu a Egrégia 2ª Turma, com base em posicionamento do STF sobre a vigência do Decreto-Lei 57/66.
2. Precedentes: AgRg no REsp 679.173/SC, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 18.10.2007; REsp 738.628/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 20.06.2005; AgRg no Ag 498.512/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 16.05.2005; REsp 492.869/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 07.03.2005; REsp 472.628/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 27.09.2004.
3. Necessidade de comprovação perante as instâncias ordinárias de que o imóvel é destinado à atividade rural. Do contrário, deve incidir sobre ele o IPTU. Incidência da Súmula 7/STJ, haja vista que para se adotar entendimento diverso faz-se necessário o revolvimento de material fático-probatório.
4. Agravo regimental não-provido. (STJ. AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - 993224 Processo: 200702922727/SP. PRIMEIRA TURMA. Relator Min. JOSÉ DELGADO. Data da decisão: 06/05/2008. DJE 04/06/2008)
Eis as palavras do Exmo. Ministro Relator José Delgado, nos autos do AgRg no Ag 993224, supramencionado
:
De todo o arrazoado, conclui-se que não é possível a incidência dos dois tributos - ITR e IPTU sobre a mesma propriedade, ou seja, não é possível a cobrança de IPTU sobre as edificações existentes em imóveis sujeitos ao ITR.
Outrossim, consoante entendimento das Cortes Superiores, se houver comprovação de destinação do imóvel à exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, ainda que situado no perímetro urbano, não pode o referido imóvel sofrer a incidência de IPTU, mas tão-somente do ITR.
1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas, o que atende ao requisito do inciso III do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001;
2. Que o questionamento formulado na presente consulta trata de situação em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;
Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Junior que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Gaspar, Sr. José Hilário Melato, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:
1. Responder a consulta nos seguintes termos:
1.1. O critério topográfico estabelecido no art. 32 do CTN deve ser interpretado em conformidade com o disposto no art. 15 do Decreto-Lei Federal n. 57/1966, no sentido de que é possível a incidência de ITR sobre imóvel situado na zona urbana, caso tenha como destinação a exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial.
1.2. Não é possível a cobrança de IPTU sobre as edificações existentes em imóveis sujeitos ao ITR, sob pena de se admitir a chamada bitributação.
2. Com fulcro no art. 156 do Regimento Interno:
2.1. Revogar o Prejulgado n. 1171, originário do Processo CON-01/02070580.
3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao Presidente da Câmara Municipal de Gaspar, Sr. José Hilário Melato.
ELÓIA ROSA DA SILVA Consultora Geral |
2 Conforme Hugo de Brito Machado. Curso de Direito Tributário. 22. Ed. São Paulo: Malheiros. p. 307-312.
3 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2008. p. 307.
4 Segundo Paulsen (op.cit., p. 337), há bitributação "quando há dois entes federados tributando a mesma causa jurídica e contribuinte [...] envolve, normalmente, um conflito de competências." Continua o referido autor: "salvo hipóteses excepcionais admitidas pela Constituição (e.g. Art. 155, § 3º), a bitributação é vedada, não tendo lugar no nosso sistema tributário em função, principalmente, de que a competência relativa aos impostos é distribuída de forma privativa a cada Poder tributante."