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Processo n°: | CON-09/00162627 |
Origem: | Câmara Municipal de São José |
Interessado: | Amauri Valdemar da Silva |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-215/09 |
Convênio entre Câmara Municipal e entidade privada de ensino superior. Disponibilização de instalações e espaço da Casa Legislativa para funcionamento de Escritório Modelo de Advocacia.
Refoge às funções da Câmara Municipal a firmatura de convênio com instituição de ensino superior, objetivando ceder instalações físicas para funcionamento de escritório modelo de advocacia, visto que a prerrogativa inerente do Legislativo é a feitura de leis e o desenvolvimento de sua ação de fiscalização da Administração Pública. Sendo a Câmara de Vereadores despatrimonializada, cabe ao Chefe do Executivo dispor sobre a administração, utilização e alienação de bens municipais.
A assistência judiciária gratuita é dever do Estado, caracterizando-se pelo atendimento gratuito às populações das localidades mais carentes, visando à solução de questões jurisdicionais, devendo o Poder Judiciário Estadual dispor sobre a matéria.
Poderá o Presidente do Judiciário Estadual firmar convênio com municípios interessados na prestação dos serviços, realizando parcerias com entidades de ensino superior locais, que indicarão voluntários atendentes para atuar em programa de estágio supervisionado, cabendo ao Município, dentro de seus objetivos de promover o bem estar social, assumir a obrigação de indicar espaço físico adequado em local público, para o funcionamento das atividades da assistência judiciária gratuita.
Senhora Consultora,
Versam os autos sobre consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de São José, Vereador Amauri Valdemar da Silva, acerca da possibilidade daquele Legislativo firmar convênio com instituição privada de ensino superior, objetivando a instalação de um escritório modelo de advocacia em espaço cedido pela própria edilidade.
Às fls. 03 do processo em tela, denota-se a juntada de cópia de protocolo de intenções firmado entre a Faculdade Anita Garibaldi e a Câmara de Vereadores.
Este, o breve relatório
O consulente, na condição de Presidente da Câmara de Vereadores de São José, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal consoante o que dispõe o art. 103, II, c/c art. 104, III, ambos do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).
Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento suscitado, qual seja, dúvida de natureza interpretativa do direito em tese, essa merece um pronunciamento do Pretório Excelso desta Casa, haja vista encontrar guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 104, II, do R.I.
Preenchidos, também, os requisitos regimentais do art. 104, I e IV, ressalte-se, por oportuno, que a inicial não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara em destaque, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, neste aspecto, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105, Regimental, ficando esse juízo ao discernimento do Relator e demais julgadores.
É importante registrar que como o processo de Consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pela Consulente.1
Nesta linha de raciocínio, sugerimos ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator que dê conhecimento ao presente feito.
Conforme já explicitado no relatório deste opinativo, o consulente deseja uma manifestação desta Corte de Contas sobre a possibilidade da Câmara de Vereadores firmar convênio com instituição privada de ensino superior, objetivando a instalação de um escritório modelo de advocacia para acolhimento às pessoas necessitadas da municipalidade, sem ônus para a Administração, em espaço cedido pelo próprio Legislativo.
Dois aspectos essenciais devem ser considerados no presente assunto e o primeiro deles diz respeito às funções da própria Câmara Municipal. Extrai-se da doutrina pátria que é assente a aplicação do princípio de ser o Legislativo o poder originário da comunidade. Nele se exercita a representação popular, sendo a longa manus do Estado, poder político federado na fiscalização do Executivo.
A prerrogativa inerente da Câmara Municipal é a feitura de leis municipais e o desenvolvimento de sua ação de fiscalização da Administração Pública como um todo e, do Poder Executivo mais precisamente.
Verifica-se, então, que a Câmara Municipal é Poder autônomo e independente, ou seja, função individuada do Município, que desenvolve, a princípio, duas funções basilares, quais sejam: fazer leis municipais e fiscalizar.
Exerce, no entanto, atividade atípica a estas, decorrente de seu poder de auto-organização. Isto dá-se quando dispõe, interna corporis, sobre os seus serviços administrativos e sobre seus servidores.
Sua legitimidade processual para configurar no pólo passivo ou ativo, quando se discute em juízo matéria referente às suas prerrogativas institucionais é clara e provém de sua interdependência funcional e de ser este Poder onde se exercita o poder originário da comunidade, a representatividade.
No entanto, é o Órgão sede da Edilidade, carente de personalidade judiciária própria no que tange às atividades atípicas de suas prerrogativas.
O Prof. Hely Lopes Meirelles ensina:
Depreende-se desse pequeno comentário para revelar a capacidade processual das Câmaras Municipais sua autonomia, que provém de um longo processo histórico que vem desde a concentração demasiada de poder nas mãos do Executivo, para a descentralização e harmonização das tarefas do Estado democrático e seu poder fiscalizador, que é imperativo na limitação da discricionariedade do Executivo.
Outro ponto a ser analisado para a consulta em apreço diz respeito aos convênios.
A Administração Pública, entendida pelo seu sentido objetivo, compreende as atividades das pessoas jurídicas e demais órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas. As atividades exercidas por órgãos públicos são as mais variadas possíveis e todas estas, como não poderia deixar de ser, são regulamentadas, a fim de satisfazerem da melhor forma possível aos anseios da sociedade.
A finalidade da Administração Pública é necessária e objetivamente a realização do interesse público por meio da satisfação do interesse geral dos seus administrados. Para tanto, deve ser dotada de instrumentos jurídicos próprios que lhe permita a execução desta sua finalidade, os quais, evidentemente, guardam entre si características próprias que dizem com sua adequação ou identidade com uma ou outra situação sobre a qual devem inferir.
Ocorre que, para a realização concreta do interesse público, pode existir que a atuação isolada de uma determinada entidade não seja suficiente para levá-la a êxito. Neste sentido que, no âmbito da atuação administrativa, não pode prescindir o Estado de instrumentos jurídicos próprios que permitam a conjugação dos esforços de vários entes públicos ou mesmo destes com particulares, visando objetivos comuns.
Um destes instrumentos jurídicos de que dispõe a Administração na execução de suas atividades públicas são, exatamente, os convênios, meios de ação da Administração através dos quais esta obtém bens e recursos de toda ordem, que precisa para implantar seus planos, concretizar seus projetos, concluir seus empreendimentos de necessidade ou utilidade pública.
Os convênios administrativos são instrumentos que permitem a uma determinada pessoa jurídica de direito público, conjugar esforços com outros entes, com vistas à realização de um determinado objetivo que diga respeito ao interesse público.
Convém, pois, observar os traços deste instrumento jurídico - convênio - no regime jurídico administrativo brasileiro. Assevera Hely Lopes Meirelles sobre a evolução que passou o serviço público, evoluindo cronologicamente da sua prestação centralizada para a delegação. Desta para as outorgas e daí para a prestação por entes paraestatais, chegando então ao estágio atual, com serviços que envolvem interesse recíproco e, portanto, são realizados em mútua cooperação, através de convênios e outros instrumentos congêneres. Daí que identifica os convênios como:
Este traço distintivo, da identidade do interesse dos convenientes, é sustentado pela maioria expressiva da doutrina. Eros Roberto Grau assinala;
Verifica-se, então, que os convênios administrativos são instrumentos de cooperação dos diversos entes da Administração Pública entre si e com particulares. Inserem-se, assim, na idéia básica de conjugação de esforços comuns para realização de atividade de interesse público a que o empenho isolado dos envolvidos não faria possível.
O Mestre Hely ainda arremata que:
Apenas comentando o pensamento do ilustre autor, importante referir que, ao se abrir os "sítios" de vários entes federados, observa-se que tais instrumentos, celebrados pelo Poder Executivo, passam pelo crivo do Legislativo, embora, como já foi frisado, a Suprema Corte do país já tenha se posicionado pela sua desnecessidade, inclusive, julgando inconstitucional dispositivo de nossa Constituição Estadual que submetia a firmatura de convênios à autorização legislativa.
Examinados tais pontos, infere-se que a pretensão manifestada pelo consulente é inexeqüível, levando-se em conta que, a firmatura de convênio com instituição privada de ensino superior objetivando disponibilizar instalações ociosas do Legislativo para acolher Escritório Modelo de Advocacia que atenda a população menos favorecida, refoge às funções básicas da Edilidade, quais sejam, a função de legislar e a função de fiscalizar.
Há que se considerar, todavia,que o princípio do amplo acesso à justiça encontra forte pilar na justiça gratuita. Tal prerrogativa, além de fazer valer importante garantia constitucional, disponibiliza ao requerente, a certeza de que, caso comprove sua impossibilidade de arcar com as despesas, estará dispensado das mesmas, tanto que, o legislador constitucional sabiamente não desmereceu essa categoria, tornando a norma um amplo e genérico instrumento capaz de alcançar-lhes. Nesse sentido está a Constituição Federal, art. 5º, LXXIV:
"Art. 5º - [...]
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos;"
No que se refere à competência, o mesmo Texto Maior, no capítulo do Judiciário, dispõe:
"Art. 125 - Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º - A competência dos Tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça."
Por seu turno, a Carta Estadual estatui:
"Art. 78 - A Lei de Organização Judiciária, de iniciativa do Tribunal de Justiça, disporá sobre a estrutura e funcionamento do Poder Judiciário e a carreira da magistratura, observados os seguintes princípios:
[...]
Art. 104 - A Defensoria Pública será exercida pela Defensoria Dativa e Assistência Judiciária Gratuita, nos termos de lei complementar."
Portanto, infere-se que a assistência judiciária gratuita é dever do Estado, caracterizando-se pelo atendimento gratuito às populações das localidades mais carentes, visando a solução de questões jurisdicionais, devendo o Poder Judiciário Estadual dispor sobre a matéria.
Objetivando a expansão da assistência judiciária às comunidades mais carentes, ficará ao discernimento do Presidente do Poder referido firmar convênio com municípios interessados na prestação dos serviços, realizando parcerias com entidades de ensino superior locais, que indicarão voluntários atendentes que atuarão na condição de estágio supervisionado, cabendo ao Município, dentro de seus objetivos de promover o bem estar social, assumir a obrigação de indicar espaço físico adequado em local público, para o funcionamento das atividades da assistência judiciária gratuita, pois os bens imóveis pertencem à municipalidade, sendo a gestão e a defesa dos mesmos da competência do Chefe do Executivo.
Em consonância com o acima exposto e considerando:
1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do artigo 103 do Regimento Interno do TCE/SC;
2. Que a consulta trata de interpretação de matérias de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000;
3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara Municipal, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, nos termos do § 2º do artigo 105 do referido instrumento regimental, cabendo esta ponderação ao relator e demais julgadores.
Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator Wilson Rogério Wan-Dall que submeta voto ao e. Pretório sobre consulta formulada pelo Sr. Amauri Valdemar da Silva, Presidente da Câmara de Vereadores de São José, nos termos deste opinativo que, em síntese, propõe:
1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.
2. Responder à consulta nos seguintes termos:
2.1. Refoge às funções da Câmara Municipal a firmatura de convênio com instituição de ensino superior, objetivando ceder instalações físicas para funcionamento de escritório modelo de advocacia, visto que a prerrogativa inerente do Legislativo é a feitura de leis e o desenvolvimento de sua ação de fiscalização da Administração Pública. Sendo a Cãmara de Vereadores despatrimonializada, cabe ao Chefe do Executivo dispor sobre a administração, utilização e alienação de bens municipais.
2.2. A assistência judiciária gratuita é dever do Estado, caracterizando-se pelo atendimento gratuito às populações das localidades mais carentes, visando à solução de questões jurisdicionais, devendo o Poder Judiciário Estadual dispor sobre a matéria.
2.3. Poderá o Presidente do Judiciário Estadual firmar convênio com municípios interessados na prestação dos serviços, realizando parcerias com entidades de ensino superior locais, que indicarão voluntários atendentes para atuar em programa de estágio supervisionado, cabendo ao Município, dentro de seus objetivos de promover o bem estar social, assumir a obrigação de indicar espaço físico adequado em local público, para o funcionamento das atividades da assistência judiciária gratuita.
3. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto do Relator, bem como deste parecer ao Presidente do Legislativo do Município de São José.
Consultora GeralIII. MÉRITO
"A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerrogativas é hoje pacificamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Certo é que a Câmara não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, à Edilidade, para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos a defender". (Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, pp. 444 e 445).
"Acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes." (op. Cit., p.481).
"O convênio caracteriza-se pela coexistência de interesses paralelos ou convergentes que nele se integram." (Convênio e Contrato. Enciclopédia Saraiva de Direito, t. 20. SP: Saraiva, 1977, p. 379).
"A organização dos convênios não tem forma própria, mas sempre se fez com autorização legislativa e recursos financeiros para atendimento dos encargos assumidos no termo de cooperação. Entretanto, o STF vem decidindo que é inconstitucional a norma que exige autorização legislativa, por ferir a independência dos Poderes. (RTJ 94/995 e 115/597, RDA 140/63 e 161/169, RT 599/22). Data venia, não nos parece que existe essa inconstitucionalidade, porque o convênio e o consórcio são sempre atos gravosos que extravasam dos poderes normais do administrador público, e, por isso, dependem da aquiescência do Legislativo." (Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2006, p. 423).
IV. CONCLUSÃO
É o parecer, S.M.J.
COG, em 12 de maio de 2009.
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2009.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
Mileski, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais.2003. P. 362.