ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00221224
Origem: Câmara Municipal de Ipumirim
Interessado: Hildo Carlos Sabadin
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-263/09

Consulta. Câmara Municipal. Abertura de conta em Cooperativa de Crédito Pagamento de conta-salário e conta fornecedores.

Inexiste amparo legal para a Administração Municipal utilizar-se de Cooperativa de Crédito para depósito e movimentação financeira. Nos termos do artigo 164, § 3º da Magna Carta, as disponibilidades de caixa do Município e de seus Órgãos serão depositadas em bancos oficiais, sendo admitido, à falta desses no território do Município, ao Poder Público Municipal, valer-se de estabelecimento bancário da rede privada. (Prejulgado 357).

Em conformidade com a Resolução CMN/BACEN nº 002771/2000, que disciplina a constituição e o funcionamento das cooperativas de crédito, fica a Câmara Municipal impossibilitada de movimentar seus recursos financeiros (conta salário e conta fornecedores) com cooperativa de crédito mútuo, mesmo através do SICOOB/SC, que atua na municipalidade.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Versam os autos sobre consulta formulada pelo Sr. Hildo Carlos Sabadin, Presidente da Câmara de Vereadores de Ipumirim, expressa, em síntese, nos seguintes termos:

"[...]

Considerando que a maioria dos Vereadores e servidores da Câmara de Vereadores de Ipumirim possui conta junto à Cooperativa de Crédito de Livre Admissão de Associados do Alto Uruguai Catarinense (SICOOB/SC - CREDIAUC);

Considerando a comodidade e principalmente a segurança em efetuar o pagamento de vereadores, servidores e fornecedores na mencionada Cooperativa;

Considerando o disposto no § 3º, do art. 164, da Constituição Federal;

Pergunta-se:

1) O Poder Legislativo Municipal poderia abrir conta para pagamento das pessoas supra mencionadas junto à Cooperativa em comento?

2) Quais os limites das possíveis movimentações financeiras efetuadas junto à SICOOB/SC - CREDIAUC?

3) Outros esclarecimentos que entendam pertinentes ao tema.

[...]

Este, o relatório.

PRELIMINARES

O consulente, na condição de Presidente da Câmara de Vereadores de Ipumirim, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal consoante o que dispõe o art. 103, II, c/c art. 104, III, ambos do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento suscitado, qual seja, dúvida de natureza interpretativa do direito em tese, essa merece um pronunciamento do Pretório Excelso desta Casa, haja vista encontrar guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 104, II, do R.I.

Preenchidos, também, os requisitos regimentais do art. 104, I e IV, ressalte-se, por oportuno, que a inicial não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara em destaque, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, neste aspecto, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105, Regimental, ficando esse juízo ao discernimento do Relator e demais julgadores.

É importante registrar que como o processo de Consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pela Consulente.1

Nesta linha de raciocínio, sugerimos ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator que dê conhecimento ao presente feito.

MÉRITO

No mérito, a matéria como colocada, merece alguns esclarecimentos iniciais e, por vezes, algumas aparas, de modo a que, mais facilmente, e de forma esclarecedora, se possa chegar ao cerne jurídico da questão.

Estabelece o § 3º, do art. 164, da Constituição Federal, o seguinte:

"Art. 164 - A competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo Banco Central.

[...]

§ 3º - As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei.

Esta Corte de Contas já se manifestou quanto ao tema através do Prejulgado 357, cujo enunciado é nos seguintes termos:

"Inexiste amparo legal para a Administração Municipal utilizar-se de Cooperativa de Crédito para depósito e movimentação financeira. Nos termos do artigo 164, § 3º da Magna Carta, as disponibilidades de caixa do Município e de seus Órgãos serão depositadas em bancos oficiais, sendo admitido, à falta desses no território do Município, ao Poder Público Municipal, valer-se de estabelecimento bancário da rede privada."

Citando artigo de Laís de Almeida Mourão, advogada do CEPAM, especifica-se quais são as instituições financeiras oficiais:

"...as disponibilidades de caixa da Administração direta e indireta do Município serão depositadas em instituições financeiras oficiais, nelas compreendidas o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os bancos e caixas instituídos pelos governos estaduais." (MOURÃO, 2000, p.692).

Desta feita, os municípios deverão movimentar suas contas em bancos oficiais, já que as relações entre os mesmos constituem instrumento de política monetária, comandada pelo Governo Federal, via Banco Central, até que se edite a lei complementar aludida no art. 192, IV, da Constituição Federal, que assim determina:

"Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

VI - a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas."

Dentro desta ótica, Laís de Almeida Mourão, em seu artigo já citado, comenta o seguinte:

"...o Banco Central controla o fluxo de moeda na economia. A dívida da União, dos Estados e dos Municípios ocasiona, em certos casos, aumento da quantidade de moeda na economia. As instituições financeiras oficiais cumprem destacado papel na formação da dívida pública de Estados e Municípios, seja por lhes concederem empréstimos e financiamentos, seja pela colocação de seus títulos públicos no mercado. Os bancos oficiais, ao absorverem as inadimplências dos entes federados, dispensam o socorro do Banco Central, que se dá, às vezes, através do lançamento de moeda na economia nacional. Torna-se facilitada essa assimilação dos 'calotes' de Estados e Municípios, quando as instituições financeiras oficiais encontram-se fortalecidas economicamente.. Obviamente, os depósitos de recursos financeiros municipais ajudam no fortalecimento dos bancos oficiais. Compõe-se, dessa maneira, via de duas mãos; quer isso dizer que os bancos oficiais financiam e/ou intermediam a dívida dos Municípios, os quais, por seu turno, devem observar a prática da reciprocidade ao creditarem suas disponibilidades naquelas instituições." (Op. Cit. P. 693).

Verifica-se, desta feita, a impossibilidade dos entes federados depositarem suas disponibilidades na rede privada, com o que a rede oficial se apropria de considerável percentual de movimento do setor financeiro.

Destaca-se que por disponibilidades de caixa há de se entender os recursos livres, englobando caixa, contas movimento e vinculada e aqueles aplicados, momentaneamente indisponíveis, porque no entender de A. Lopes Sá em sua obra Dicionário de Contabilidade compõem o:

"Ativo Disponível, que é o grupo que reúne os valores que representam a forma mais líquida do Capital, ou seja, o dinheiro. As contas que integram tal grupo são: Caixas e Bancos ou outra que vise a significar dinheiro à disposição imediata." (Atlas).

É ponto primordial que o objetivo do comando constitucional é fortalecer as instituições financeiras públicas com os recursos das três esferas de governo, portanto, esses recursos devem ser considerados como aqueles hábeis à utilização a qualquer momento pela entidade/órgão, de modo que em disponibilidades de caixa estariam abrigados os recursos de caixa e bancos, sejam livres ou vinculados.

Tem ocorrido, contudo, mudanças no cenário financeiro do país, considerando que recentemente, a venda da administração das folhas salariais dos servidores públicos e da conta fornecedores aos bancos se tornou uma grande fonte de receita de Estados, Prefeituras e Órgãos Públicos do país.

Tal prática ainda não tem regras perfeitamente delineadas, contudo, nos últimos anos, para obter o direito de gerenciar as contas de pagamentos dos servidores e dos fornecedores, os bancos tem promovido intensa disputa entre si e oferecido muitas vantagens ao Poder Público por esses serviços.

Neste sentido é que Governadores e Prefeitos autorizam a instauração do procedimento licitatório, geralmente na modalidade concorrência pública, no intuito de contratar um banco privado ou público para operar, por um determinado período, a conta-salários dos servidores e a conta pagamento de fornecedores. Com a licitação, quem pagar mais ficará com as contas.

Na prática, isso significa que os Estados e Municípios e Órgãos que arrecadam, ganham dinheiro leiloando no mercado financeiro a operacionalização de duas de suas maiores contas.

No caso em tela é questionado sobre a possibilidade da Câmara movimentar seus recursos financeiros através de um sistema de crédito cooperativo. Importa salientar a Resolução CMN/BACEN nº 002771/2000, que aprova regulamento que disciplina a constituição e o funcionamento de cooperativas de crédito, determinando que as mesmas só poderão transacionar com seus cooperativados (associados), conforme disposição do seu art. 2º, que assim se apresenta:

"Art. 2º - As cooperativas de crédito singulares devem fazer constar de seus estatutos condições de associação de pessoas físicas, que levem em conta, além das disposições legais pertinentes, a existência de afinidades entre os associados, segundo os critérios abaixo delineados, cabendo ao Banco Central do Brasil decidir sobre a adequação das correspondentes cláusulas estatutárias propostas e aprovação:

I - no caso de cooperativas de crédito mútuo:

a) empregados ou servidores e prestadores de serviço em caráter não eventual de:

1. Determinada entidade pública ou privada;

2. Determinado conglomerado econômico;

3. Conjunto definido de órgãos públicos hierárquica ou administrativamente vinculados;

4. Conjunto definido de pessoas jurídicas que desenvolvam atividades idênticas ou estreitamente correlacionadas por afinidade ou complementaridade;

b) trabalhadores de:

1. Determinada profissão regulamentada;

determinada atividade, definida quando a especialização:

II - no caso de cooperativas de crédito rural, pessoas que desenvolvam, na área de atuação da cooperativa de forma efetiva e predominante, atividades agrícolas, pecuárias ou extrativas, ou se dediquem a operações de captura e transformação do pescado.

Parágrafo 1º - As cooperativas de crédito singulares podem também admitir a associação de:

I - empregados da própria cooperativa de crédito, das entidades a ela associadas e daquelas de cujo capital participarem, e pessoas físicas prestadoras de serviços, em caráter não eventual, a cooperativa de crédito e as referidas entidades, equiparados aos primeiros no tocante aos seus direitos e deveres como associados;

II - aposentados que, quando em atividades, atendiam aos critérios estatutários de associação;

III - pais, cônjuge ou companheiro, viúvo e dependente legal de associado e pensionista de associado falecido."

Desta feita, fica a Câmara Municipal impossibilitada de movimentar seus recursos financeiros com cooperativa de crédito mútuo, mesmo através do SICOOB/SC, que atua na municipalidade.

Conforme já mencionamos, apesar de ainda não haver normas claras acerca do leilão das contas-salários e fornecedores dos entes federados junto à instituições financeiras oficiais ou privadas, é possível o Executivo utilizar-se deste procedimento através de licitação, objetivando a arrecadação de recursos para prover as necessidades básicas da coletividade, ressaltando, ainda, que as disponibilidades de caixa devem permanecer em bancos oficiais.

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do artigo 103 do Regimento Interno do TCE/SC;

2. Que a consulta trata de interpretação de matéria de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000;

3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara Municipal, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, nos termos do § 2º do artigo 105 do referido instrumento regimental, cabendo esta ponderação ao relator e demais julgadores.

Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator que submeta voto ao e. Pretório sobre consulta formulada pelo Sr. Hildo Carlos Sabadin, Presidente da Câmara de Vereadores de Ipumirim, nos termos deste opinativo que, em síntese, propõe:

1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.

2. Responder à consulta nos seguintes termos:

2.1 Inexiste amparo legal para a Administração Municipal utilizar-se de Cooperativa de Crédito para depósito e movimentação financeira. Nos termos do artigo 164, § 3º da Magna Carta, as disponibilidades de caixa do Município e de seus Órgãos serão depositadas em bancos oficiais, sendo admitido, à falta desses no território do Município, ao Poder Público Municipal, valer-se de estabelecimento bancário da rede privada. (Prejulgado 357).

2.2. Em conformidade com a Resolução CMN/BACEN nº 002771/2000, que disciplina a constituição e o funcionamento das cooperativas de crédito, fica a Câmara Municipal impossibilitada de movimentar seus recursos financeiros (conta salário e conta fornecedores) com cooperativa de crédito mútuo, mesmo através do SICOOB/SC, que atua na municipalidade.

3. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto da Relatora, bem como deste parecer ao Presidente do Legislativo do Município de Ipumirim.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral


1 Mileski, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais.2003. P. 362.