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Processo n°: | REC - 05/04024043 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Monte Carlo |
Interessado: | Márcia Oliveira e Duarte |
Assunto: | (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000 -TCE-04/00042444 + REC-05/04023900 |
Parecer n° | COG-287/09 |
Inicio da ementa na próxima linha
Recurso de Reconsideração. Tomada de Contas Especial. Julgamento irregular. Imputação de débitos e multas. Conhecer e dar provimento.
Dano ao erário. Inocorrência. Responsabilização. Impossibilidade.
Restando esclarecido que não houve prejuízo aos cofres públicos, não há que se falar em imputação de débito, caso contrário haverá enriquecimento sem causa por parte da Administração Pública.
Reformatio in pejus. Vedação.
Não pode o recorrente ver sua situação agravada, por conta da proposição de seu recurso. A aplicação da reformatio in pejus atenta contra os princípios da ampla defesa e da segurança jurídica.
Emendatio Libelli. Aplicação. Situações.
Mantendo-se os fatos para os quais foi apresentada a defesa, é pertinente a alteração da capitulação adotada anteriormente, aplicando-se a emendatio libelli. Ao revés, em grau de recurso, se a mudança de tipificação importar na alteração dos fatos, deve a penalidade ser cancelada.
Final da ementa na linha superior
Senhora Consultora,
Tratam os autos de Recurso de Reconsideração interposto pela Sra. Márcia Oliveira e Duarte - ex-Secretária Municipal de Educação de Monte Carlo, em face do Acórdão n. 0914/2005, proferido nos autos do Processo n. TCE-04/00042444.
O citado Processo n. TCE-04/00042444 concerne à Tomada de Contas Especial, assim convertida (a partir dos autos nº RPA-04/00042444) para verificação de supostas irregularidades praticadas nos exercícios de 2003 e 2004 na supracitada Prefeitura Municipal, empreendida por esta Corte de Contas através de sua Diretoria de Denúncias e Representações - DDR.
Levada a efeito a mencionada análise, a DDR procedeu à elaboração do Relatório n. 060/2004 (fls. 258 a 286), apontando as impropriedades encontradas "in loco" , sugerindo a conversão dos autos de representação em tomada de contas especial, bem como a citação dos Srs. Marcos Leal Nunes, Márcia Oliveira e Duarte - ex-Secretária Municipal de Educação, - e Vanderlei Cuhen - ex-Vice-Prefeito, - para apresentarem defesa em relação às irregularidades suscitadas.
Ministério Público (fls. 288/289), Relator (fls. 290 a a 295) e Plenário desta Corte acataram a sugestão da equipe de auditoria, nos termos da Decisão nº 3353/2004 (fls. 296 a 298).
Apesar de regularmente citados (fls. 299 a 304), nenhum dos demandados compareceu aos autos para exercer seu direito constitucional ao contraditório.
Seguiram os autos novamente para a DDR que, em seu Parecer nº 038/2005 (fls. 309 a 316), concluiu pela irregularidade das contas analisadas, com imputação de responsabilidade solidária entre o Recorrente e os demais envolvidos, além da aplicação de multas.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fls. 318 a 321) e o Exmo. Relator, Conselheiro José Carlos Pacheco, (fls. 322 a 327) acompanharam integralmente as conclusões da DDR.
Na Sessão Ordinária de 01/06/05 o Processo n. TCE-04/00042444 foi levado a julgamento pelo Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 0914/2005, portador da seguinte dicção:
Considerando que os Responsáveis foram devidamente citados, conforme consta nas fs. 299 a 304 dos presentes autos;
Considerando que não houve manifestação à citação, subsistindo irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Relatório de Instrução DDR n. 060/2004 e do Parecer DDR n. 038/2005;
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Monte Carlo, em decorrência de Representação formulada a este Tribunal, com abrangência sobre despesas com contratação de escritório de advocacia, com material publicitário e com viagem com interesse partidário, referentes aos exercícios de 2001 e 2003, e condenar os Responsáveis solidários a seguir discriminados ao pagamento de débitos de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovarem, perante este Tribunal, o recolhimento dos valores dos débitos aos cofres do Município, atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, ou interporem recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000):
6.1.1. De RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA dos Srs. MARCOS LEAL NUNES - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo, CPF n. 163.590.979-15, e MÁRCIA OLIVEIRA E DUARTE - ex-Secretária de Educação Cultura e Esporte daquele Município, CPF n. 799.230.549-34, o montante de R$ 239,00 (duzentos e trinta e nove reais), pertinente a despesas decorrentes da autorização de viagem concedida mediante a utilização de veículo oficial do Município de Monte Carlo para a realização de viagem de interesse partidário ao Município de Biguaçu, nos dias 29 e 30 de novembro de 2003, em afronta aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, além de tratar-se de ato administrativo praticado sem finalidade pública, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal c/c o art. 18 da Lei Orgânica do Município de Monte Carlo (item 3.1 do Relatório DDR);
6.1.2. De RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA dos Srs. MARCOS LEAL NUNES - qualificado anteriormente, e VANDERLEI CUNEN - ex-Vice-Prefeito Municipal de Monte Carlo, CPF 586.646.379-20, o montante de R$ 1.625,00 (um mil seiscentos e vinte e cinco reais), pertinente a despesas com confecção de material contendo publicidade com caráter de promoção pessoal do Prefeito e Vice-Prefeito Municipais, em afronta aos arts. 37, § 1º, da Constituição Federal e 22, § 1º, da Lei Orgânica Municipal (item 3.3 do Relatório DDR).
6.2. Aplicar aos Responsáveis a seguir nominados as multas abaixo discriminadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento das referidas multas ao Tesouro do Estado, ou interporem recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. ao Sr. Marcos Leal Nunes - qualificado anteriormente:
6.2.1.1. com base no art. 68 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108 do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão do dano causado ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo, conforme exposto no item 6.1.1 deste Acórdão, por transgressão aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, além de tratar-se de ato administrativo praticado sem finalidade pública, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal c/c o art. 18 da Lei Orgânica do Município de Monte Carlo (item 3.1 do Relatório DDR);
[...]
6.2.2. à Sra. Márcia Oliveira e Duarte - qualificada anteriormente, com base no art. 68 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108 do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão do dano causado ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo, conforme exposto no item 6.1.1 deste Acórdão, por transgressão aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, além de tratar-se de ato administrativo praticado sem finalidade pública, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal c/c o art. 18 da Lei Orgânica do Município de Monte Carlo (item 3.1 do Relatório DDR).
6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Instrução DDR n. 060/2004 e do Parecer DDR n. 038/2005, aos Representantes no Processo n. RPA-04/00042444, à Prefeitura Municipal de Monte Carlo e aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação. (grifamos)
Visando à modificação da decisão supra, a Sra. Márcia Oliveira e Duarte interpôs o presente Recurso de Reconsideração.
É o breve relatório.
II. ADMISSIBILIDADE
A Recorrente, ex-Secretária Municipal de Educação de Monte Carlo, responsabilizada e multada no Acórdão nº 0914/2005, possui plena legitimidade para pugnar pela reforma do referido pronunciamento.
Considerando que o Processo n. TCE-04/00042444 consiste em tomada de contas especial, tem-se que a Sra. Márcia Oliveira e Duarte utilizou-se da espécie recursal adequada, em consonância com o art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000.
Tendo-se em conta que o Acórdão recorrido foi publicado no Diário Oficial do Estado em 01/08/2005 e a peça recursal em exame protocolizada neste Tribunal em 22/08/2005, constata-se a tempestividade para a interposição da presente irresignação.
Nesse sentido, preenchidas as condições de admissibilidade, sugere-se o conhecimento do recurso.
III. DISCUSSÃO
Ressalta-se, primeiramente, que o pedido deste recurso já fora analisado por esta Consultoria Geral nos termos Parecer COG nº 281/09, exarado nos autos do processo nº REC-05/04034782, Recurso de Reconsideração interposto pelo Sr. Marcos Leal Nunes - ex-Prefeito de Monte Carlo, responsabilizado solidariamente com a ora Recorrente no item 6.1.1 do Acórdão nº 0914/2005.
No referido Parecer COG nº 281/09 nos posicionamos pelo cancelamento do débito e das multas dele decorrentes impostos aos Srs. Marcos Leal Nunes e Márcia Oliveira e Duarte. Vejamos:
III.1. Responsabilização solidária dos Srs. Marcos Leal Nunes e Márcia Oliveira e Duarte e multas relacionadas (itens 6.1.1, 6.2.1.1 e 6.2.2 do Acórdão nº 0914/2005):
6.1.1. De RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA dos Srs. MARCOS LEAL NUNES - ex-Prefeito Municipal de Monte Carlo, CPF n. 163.590.979-15, e MÁRCIA OLIVEIRA E DUARTE - ex-Secretária de Educação Cultura e Esporte daquele Município, CPF n. 799.230.549-34, o montante de R$ 239,00 (duzentos e trinta e nove reais), pertinente a despesas decorrentes da autorização de viagem concedida mediante a utilização de veículo oficial do Município de Monte Carlo para a realização de viagem de interesse partidário ao Município de Biguaçu, nos dias 29 e 30 de novembro de 2003, em afronta aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, além de tratar-se de ato administrativo praticado sem finalidade pública, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal c/c o art. 18 da Lei Orgânica do Município de Monte Carlo (item 3.1 do Relatório DDR);
6.2.1. ao Sr. Marcos Leal Nunes - qualificado anteriormente:
6.2.1.1. com base no art. 68 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108 do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão do dano causado ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo, conforme exposto no item 6.1.1 deste Acórdão, por transgressão aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, além de tratar-se de ato administrativo praticado sem finalidade pública, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal c/c o art. 18 da Lei Orgânica do Município de Monte Carlo (item 3.1 do Relatório DDR);
6.2.2. à Sra. Márcia Oliveira e Duarte - qualificada anteriormente, com base no art. 68 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108 do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em razão do dano causado ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo, conforme exposto no item 6.1.1 deste Acórdão, por transgressão aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, além de tratar-se de ato administrativo praticado sem finalidade pública, em afronta ao art. 37, caput, da Constituição Federal c/c o art. 18 da Lei Orgânica do Município de Monte Carlo (item 3.1 do Relatório DDR).
Defende-se o Recorrente alegando que o ato julgado irregular por esta Corte não feriu nenhum dos princípios acima citados. Afirma que há autorização na Lei Orgânica de Monte Carlo (art. 20) e na Lei Municipal nº 162/97 (art. 2º, II) para a utilização de veículos do município para prestação de serviços a particulares lá residentes. Aduz que todos os meios formais foram aplicados na autorização da viagem. Alega que, apesar de não haver finalidade pública "primária" no ato impugnado, o Município dispõe da referida autorização legal para atender aos munícipes em virtude da inexistência de agências de viagem para a prestação desse tipo de serviço. Por fim, afirma que o ato em tela serviu para incentivar a participação das mulheres na política, não somente partidária, mas sim visando o conhecimento e o exercício de direitos em prol da comunidade.
Ressalta-se, primeiramente, que a utilização de veículo de propriedade do Município visando à participação de quem quer que seja em encontro político-partidário não possui de forma alguma finalidade ou interesse públicos.
De outro norte, compulsando o processo principal, constata-se que, pela utilização do bem, a Prefeitura de Monte Carlo recebeu do Sr. João Carlos Flesh, Presidente Municipal do PSDB, a quantia de R$ 950,00 (fls. 156 a 158).
Assim, apesar da ausência de autorização legal e de interesse público no ato impugnado, é certo que o Município não experimentou nenhum tipo de prejuízo financeiro que pudesse respaldar a responsabilização imposta solidariamente ao Recorrente e à Sra. Márcia Oliveira e Duarte.
O débito imposto no item 6.1.1 do Acórdão nº 0914/2005 é relativo à quantia de R$ 100,00 (diária paga ao servidor Israel Rodrigues - motorista do micro-ônibus do município) somado ao valor de R$ 139,00 (combustível óleo diesel - abastecimento do veículo). Frisa-se que não consta dos autos que tenha ocorrido nenhum tipo de avaria no bem em decorrência daquela utilização.
Ora, se a Prefeitura recebeu R$ 950,00 pela "locação" do micro-ônibus e desembolsou apenas R$ 239,00 pelo serviço do motorista e pelo abastecimento, ainda obteve um lucro de R$ 711,00 (setecentos e onze reais). Não há que se falar, por conseguinte, em reposição de um dano ao erário que não ocorreu.
Diante dos comentários acima, sugerimos o cancelamento do débito inserto no item 6.1.1 do Acórdão nº 0914/2005.
Com relação às multas insertas nos itens 6.2.1.1 (aplicada ao Recorrente) e 6.2.2 (aplicada à Sra. Márcia Oliveira e Duarte), sugerimos também o seu cancelamento, por estarem atreladas, tanto no fato quanto no fundamento, ao dano ao erário que demonstramos inexistir.
Ocorre que as penalidades supracitadas foram fundamentadas no art. 68 da LCE-202/00, que dispõe:
Art. 68. Quando o responsável for julgado em débito, além do ressarcimento a que está obrigado, poderá ainda o Tribunal aplicar-lhe multa de até cem por cento do valor do dano causado ao erário.
In casu, não há possibilidade de modificarmos tão-somente a fundamentação legal dessas sanções (emendatio libelli), pois a descrição dos fatos que as ensejaram é a seguinte:
[...] em razão do dano causado ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo, conforme exposto no item 6.1.1 deste Acórdão [...]
Para melhor exemplificarmos a impossibilidade dessa mudança, trazemos os ensinamentos de Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia, esboçados em artigo de sua autoria, entitulado "A jurisdição e seus princípios"1:
Assim, tendo em vista que os presentes autos encontram-se apensos aos autos nº TCE-04/00042444 e REC-05/04034782, todos distribuídos ao mesmo Relator, sugerimos que as conclusões exaradas no Parecer COG nº 281/09 sejam adotadas no presente Recurso.
Consultora Geral 2
COZER, Felipe Rodrigues. Reformatio in Pejus nos Processos Administrativos Sancionadores. 122 p. Monografia (Graduação em Direito) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2007.
O artigo 383 prescreve o instituto do emendatio libelli, segundo o qual, "o juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave". Considerando que a adequação feita pelo Promotor ou querelante é meramente provisória e que os fatos narrados implicita ou explicitamente na peça acusatória são os mesmos analisados e julgados pelo juiz, não há ofensa ao princípio da correlação, pois o que ocorre é simples corrigenda da classificação contida na peça inaugural.
Neste caso, por não ter havido alteração do fato a respeito do qual foi exercido o direito de defesa, pode o juiz alterar a tipificação apresentada pela acusação e até mesmo condenar com pena mais grave, sem que haja necessidade de qualquer providência prévia. (grifamos)
De qualquer sorte, cabe-nos frisar que entendemos que o ato praticado pelo Recorrente e pela Sra. Márcia Oliveira e Duarte não estava guarnecido de legalidade, moralidade nem, tampouco, de finalidade pública; muito pelo contrário, ao que tudo indica, houve a primazia de interesses político-partidários e de cunho "eleitoreiro". Nesse norte, o desrespeito aos ditames do art. 37, caput, da Constituição Federal foi evidente.
Pelos fatos acima descritos, seria perfeitamente aplicável a ambos os responsáveis, à época do julgamento dos autos principais, multa fulcrada no art. 70, II, da LCE-202/00. Porém, no presente momento, tendo em vista o princípio da non reformatio in pejus, não há mais possibilidade de se impor tais sanções.
Para ilustrar, transcrevemos algumas lições sobre o tema, aplicadas aos processos administrativos:
Com efeito, admitir-se a reformatio in pejus provocada por recurso do acusado consiste em defender a violação dos princípios constitucionais de ampla defesa e contraditório, os quais devem ser observados nos processos administrativos e, com maior razão, nos processos de cunho punitivo. Ademais, acarretaria franca afronta aos princípios inerentes aos processos administrativos, sobretudo à segurança jurídica e ao dever de boa fé, que impõe ao Poder Público, em última medida, a obrigação de corresponder à legítima expectativa dos particulares.
A admissão da reformatio in pejus ofende, em primeiro lugar, o direito fundamental do acusado à ampla defesa, assegurado, junto ao direito de contraditório, pela Constituição Federal, em dispositivo cuja transcrição nunca é excessiva:
5º. (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Os litigantes e acusados, inclusive em processos administrativos, têm, portanto, a garantia de utilização de todos os "recursos" inerentes à ampla defesa [...]. Garante-se, assim, que ao acusado serão conferidos todos os instrumentos e oportunidades para se defender adequadamente.
Neste particular, ressalte-se que há quem defenda a existência de um efetivo direito constitucional ao recurso, como decorrência da interpretação do dispositivo acima transcrito. Assim, tendo a Constituição Federal garantido aos litigantes e acusados o uso dos meios, e também dos recursos, como instrumentos inerentes à ampla defesa, teria sido consagrado um direito ao duplo grau, ao menos em processos litigiosos.
Para os fins da presente obra, contudo, basta perceber que, independentemente de se entender ou não pela existência de um direito constitucional ao recurso, fato é que, nos processos em que o recurso é legalmente previsto, este passa a integrar o conjunto de meios de defesa garantidos à parte. Portanto, sendo prevista uma fase recursal, surge ao acusado o direito de se utilizar do recurso para promover a sua defesa e buscar a reforma de uma decisão que lhe tenha sido prejudicial. O recurso existe em benefício da parte recorrente. Ora, admitir que o órgão revisor, judicial ou administrativo, ao apreciar um recurso, reforme uma decisão em prejuízo do recorrente, significaria aceitar que do exercício de um meio de defesa pudesse resultar um prejuízo para a situação do particular. Seria admitir que os instrumentos de defesa garantidos ao acusado poderiam valer para prejudicá-lo, o que invalida, ao menos parcialmente, a própria essência do instituto.
Ademais, se acolhida a possibilidade de reformatio in pejus, esta funcionaria como evidente desestímulo à utilização dos recursos legalmente previstos, causando no acusado, cujos direitos e liberdades estão sob ameaça no processo sancionador, a insegurança de não saber se, de um instrumento de defesa que lhe é garantido, irá resultar o agravamento de uma sanção que lhe foi imposta. Se assim entendido, poderíamos dizer que o ordenamento jurídico concederia um direito com uma mão e o tiraria com a outra, esvaziando e reduzindo o instituto a uma mera previsão legal, formal e ineficaz.
Há que se lembrar que as garantias fundamentais conferidas aos acusados existem e tiveram notável maturação no Direito Penal justamente porque, a despeito do transcendentalismo que por vezes afeta o pensamento teórico, as instituições e os órgãos julgadores são compostos por homens e, portanto, suscetíveis à falibilidade. Estivéssemos lidando com uma justiça ideal e utópica, em que a verdade real fosse sempre revelada e a pena a justa medida da punição necessária, sequer seria necessário falar em recursos. No entanto, na medida em que a atividade processante e julgadora, embora parcialmente vinculada, é também imbuída de grande dose de subjetividade e discricionariedade, é inadequado relegar a fatores pessoais e ânimos momentâneos a completa decisão sobre a situação jurídica de alguém. Essa é uma das razões que justificam, a nosso ver, os recursos, isto é, a prevenção de falhas ou arbitrariedades.2 (grifamos)
Início da Conclusão na próxima linha
Final da Conclusão na linha superior
COG, em 20 de maio de 2009.
ANNE CHRISTINE BRASIL COSTA
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Substituto - vg MB, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2009.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. A jurisdição e seus princípios . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 287, 20 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4995>. Acesso em: 18/08/2007.