ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00357479
Origem: Câmara Municipal de Maravilha
Interessado: César Frandoloso
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-505/09

Fundo especial. Obra pública.

Senhora Consultora,

1. RELATÓRIO

Por meio de expediente recepcionado nesta Corte de Contas em 19 de junho do corrente ano, o Presidente da Câmara de Vereadores de Maravilha, o Vereador César Frandaloso, formula consulta vazada nos seguintes termos:

Esta Câmara Municipal de Vereadores lançará nos próximos dias, Edital Licitatório com vistas a Construção de sua sede própria e, tendo em vista que a obra demandará uma soma considerável de recursos e nosso orçamento é limitado, não será possível a conclusão dentro de apenas um exercício financeiro. Desta forma planejamos a execução da obra ser executada em três anos.

Neste contexto, solicitamos parecer sobre a possibilidade de, ao final do exercício financeiro e enquanto a obra estiver em andamento, a Câmara possa constituir fundo com os recursos financeiros que porventura possam estar disponíveis na conta bancária, com vistas à continuidade da obra.

Se esta possibilidade for afirmativa, a Câmara deverá abrir crédito adicional no exercício seguinte. Esta suplementação poderá ser efetivada tendo como fonte de recurso o superávit financeiro apurado no balanço patrimonial do exercício anterior?

Também caso afirmativo, esta constituição de fundo deve ser prevista na forma de Projeto de Resolução ou Projeto de Lei? (Em anexo Lei Ordinária nº 13.087 de 16/01/2009 de Curitiba/PR, que trata sobre este assunto).

A consulta se faz acompanhada exclusivamente de cópia da legislação referenciada, Lei Ordinária nº 13.087 de 16/01/2009 de Curitiba/PR, a qual instituiu o Fundo Especial da Câmara Municipal de Curitiba.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

2.1 Da legitimidade do Consulente

A consulta em apreço tem por subscritor o Senhor César Frandaloso, Presidente da Câmara Municipal de Maravilha.

Assim, na qualidade de Presidente de Poder Legislativo Municipal, o Consulente, à luz do disposto no artigo 103, II, da Res. nº 06/01 - Regimento Interno, tem legitimidade para a subscrição da peça indagativa, vencendo, destarte, ao requisito constante no inciso III do artigo 104 do mesmo diploma regimental.

2.2 Da competência em razão da matéria

A matéria versada na consulta trata da criação de fundo especial e é regulada pela Lei nº 4.320/64, afeta, portanto, à área de competência desta Corte de Contas, posta que reflete diretamente na gestão orçamentária, contábil e financeira do Município, o que legitima este Tribunal a manifestar-se sobre o indagado, superando, assim, a condicionante posta no inciso I do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

2.3 Do objeto

As questões, na forma que se apresentam, traduzem dúvidas a serem superadas pela Câmara Municipal de Maravilha, decorrentes da pretensão de construir sua nova sede e reter ao final de cada exercício os recursos financeiros disponíveis, vinculando-os à construção do prédio.

O artigo 104 da Res. TC nº 06/01, em seu inciso II, estabelece que as consultas endereçadas ao Tribunal de contas devem versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, o que se verifica na peça em apreço, sendo por este motivo, devido o seu conhecimento.

2.4 Indicação precisa da dúvida

As questões apresentadas na consulta, considerando as dúvidas que o caso exposto geram ao Consulente, se fazem de forma clara, atendendo o disposto no inciso IV do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

2.5 Parecer da Assessoria Jurídica

A consulta não se faz acompanhada de parecer jurídico do ente Consulente, desatendendo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.

2.6 Do cumprimento dos requisitos de admissibilidade

Do exame de admissibilidade resta evidenciado apenas o não atendimento do inciso V do artigo 104 da Res. nº TC-06/01. Considerando que o requisito não satisfeito trata-se de um impediente relativo, ausência de parecer jurídico, cabe ao Exmo. Conselheiro Relator ponderar a superação ou não desse óbice para o conhecimento da consulta.

3 DISCUSSÃO

Conforme arrolado pelo consulente, a Câmara Municipal de Maravilha pretende construir uma nova sede. Em síntese, a realização de uma obra pública está sendo tomada como mote para a constituição de um fundo especial.

Daí cabe indagar se esse motivo é relevante para se criar um fundo especial ou, de outra parte, o trato ordinário dos recursos orçamentários destinados à Câmara Municipal permitem dar consecução a uma obra pública.

Antes de responder a tais questionamentos cabe realçar, ainda que rapidamente, os traços característicos dos fundos especiais.

Iniciando pela Constituição Federal tem-se em seu artigo 167, IV, a vedação de vinculação de receita de impostos para o fundo e a exigência posta pelo inciso IX do mesmo dispositivo de que a instituição de fundo, seja qual for a sua natureza, se dê mediante prévia autorização legislativa.

Como antes referido, os fundos especiais são tratados pela Lei nº 4.320/64, artigos 71 a 74, cuja redação e esta:

Art. 71. Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.

No Dicionário de Orçamento e Áreas afins tem-se a seguinte definição de fundos especiais:

FUNDOS ESPECIAIS - Segundo a caracterização dada pelo Decreto n° 93.872/86, entende-se como tal a atribuição de uma forma especial de gestão a uma parcela determinada de recursos do Tesouro, vinculados por lei à realização de determinados objetivos do Governo. Em outras palavras, uma parcela de recursos do Tesouro que é colocada sob a administração de um gestor, sob normas especiais de aplicação, obrigatoriamente incluídos na Lei Orçamentária Anual sob a forma de unidade orçamentária. Entendidos, de um lado, como mecanismos de flexibilização da execução orçamentária (descentralização e facilidade de programação) e, de outro, como elemento perturbador da execução financeira do Tesouro (vinculação de recursos para programações adiáveis em prejuízo de ações prioritárias) os fundos receberam um tratamento rigoroso na Constituição de 1988. No art. 36 do ADCT foi prevista a extinção de todos os fundos - "excetuados os resultantes de isenções fiscais que passem a integrar o patrimônio privado e os que interessem à defesa nacional" - que não fossem ratificados dentro de dois anos, e, no art. 167, além de proibir a vinculação de impostos a fundos (a vinculação de taxas, contribuições e outras receitas é permitida) vedou "a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa". Não obstante o propósito saneador da norma constitucional, poucos desses entes foram objeto da competente ratificação, tendo sido os demais contemplados com um período de sobrevida, através de norma exógena incluída no texto das Leis dos Planos Plurianuais relativos a 1991/95 e 1996/1999, restritas apenas ao período de vigência dessas Leis.1

Segundo Machado Jr. e Costa Reis "O fundo especial é uma exceção ao princípio da unidade de tesouraria, sobre o que dispõe o art. 56 desta lei. Em realidade o fundo especial caracteriza-se pelas restrições determinadas por regulamentos internos da entidade sobre certos Ativos Financeiros. Na administração pública essas restrições são determinadas por lei específica."2

Veja-se que um dos traços marcantes dos fundos especiais é o alijamento de parcela da receita que se desvincula do bolo comum e passa a ter um locus apropriado e distinto do caixa único. Além disso, há a vinculação à realização de determinados objetivos ou serviços. Conforme Machado Jr., "ao ser instituído, o fundo especial deverá vincular-se à realização de programas de interesse da Administração, cujo controle é feito através dos planos de aplicação e contabilidade próprios. A lei que instituir o fundo especial deverá dispor sobre as obrigações que serão pagas com o produto formado pelas receitas especificadas."3

Essa segregação apresenta algumas vantagens como maior visibilidade dos recursos por parte do gestor, facilidade na implementação de controles, haja vista a contabilização apartada, e segurança da aplicação dos recursos afetados ao fundo no fim específico de sua criação, bem como, a garantia de que as disponibilidades ao final do exercício permanecem em poder do fundo especial.

Como se vê, o trato constitucional e legal remete a situações especiais que reclamam uma atenção detida dentre as políticas públicas de modo a permitir uma gestão diferenciada de recursos públicos, a exemplo dos Fundos de Saúde - FNS, Fundo da Criança e do Adolescente, Fundos Previdenciários, entre outros.

No caso consultado a criação do fundo especial se prende à construção de prédio público que sediará o Poder Legislativo Municipal. Um investimento público municipal a conformar projeto esgotável quando da conclusão da obra.

Sem desmerecer o propósito a impulsionar a criação do fundo especial, sabedor de que as condições físicas de um prédio público em muito podem interferir no resultado dos trabalhos nele desenvolvidos, a restrição que se opõe reside na banalização da criação dos fundos especiais.

Propugna-se que a criação de fundos especiais se dê para a implementação de programas ou projetos especialíssimos, pontualmente eleitos e voltados ao atendimento de áreas deficitárias, que reclamam atenção diferenciada e não ações do dia a dia da administração pública.

Ao se trilhar na senda ventilada na consulta sem critério algum, permitir-se-á a constituição de fundos especiais para cada nova obra pública iniciada; para a renovação de frota de veículos; para re-equipamento da área de informática; enfim a inventividade humana será o limite.

A preocupação maior da Câmara Municipal de Maravilha é ter assegurado que os valores residuais de um exercício retornarão para ela no exercício seguinte para dar continuidade à construção do prédio, constituindo uma espécie de reserva.

Deve-se ter por premissa que os bens da Câmara Municipal, assim como os afetados aos demais órgãos integrantes da Administração Direta pertencem ao Município e que os recursos destinados à conformação desse patrimônio são igualmente do ente Municipal.

Portanto, se for interesse do Município a construção de um prédio para sediar o Poder Legislativo, o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual deverão prever e assegurar recursos orçamentários para tanto e os repasses em atenção ao planejamento orçamentário se efetivarão.

Nessa senda, a própria construção poderá ser gerida por unidade distinta da Câmara Municipal, como, por exemplo, a Secretaria de Obras, que dispõe inclusive de melhor aparato para acompanhar a elaboração do projeto, a sua execução e aferir a perfeita conclusão da obra.

Enfim é a vontade política e o propósito administrativo que garantem a execução de um serviço público ou a realização de uma obra com recursos públicos e não a criação de fundo especial, sobretudo se este se inserir no âmbito de uma Câmara Municipal cuja receita é composta exclusivamente de repasses financeiros, previstos na Lei Orçamentária Anual.

O exemplo trazido na consulta, ilustrado pela Lei nº 13.087/09, a qual institui o Fundo Especial da Câmara Municipal de Curitiba, explicita o repasse ao Fundo de atribuições e a assunção de despesas ordinárias da Câmara Municipal, esvaziando seus serviços administrativos, na medida em que exclui praticamente os gastos inerentes a pessoal. Elenca, ainda, como receitas do Fundo uma variedade de fontes que não se alinham se quer a realidade de grande parte dos Municípios Catarinenses, não se prestando, destarte, como modelo a ser seguido pelos Poderes Legislativos Municipais de nosso Estado.

Feitas estas considerações acerca da criação de fundo especial para a construção de prédio a sediar a Câmara Municipal, passe-se ao exame das demais questões.

Indaga o consulente, ainda, acerca da necessidade de abertura de crédito suplementar para comportar o saldo decorrente do superávit financeiro apurado no balanço patrimonial do exercício anterior, bem como a modalidade normativa adequada para a constituição de um fundo especial.

É princípio basilar que todas as receitas e despesas devem constar da Lei de Orçamento, assim estabelece o artigo 6º da Lei n° 4.320/64. Novos créditos como os que advém de supevávit financeiro devem ser então inscritos como créditos adicionais. Caso o crédito se refira a dotação já existente, haverá a suplementação, se esta não existir, abre-se crédito especial, conforme dispõe o artigo 41 da Lei nº 4.320/64.

A abertura de crédito suplementar deve estar previamente autorizada em lei e deve indicar a fonte de recursos correspondente, é o que exige a Constituição Federal em seu artigo 167, V, devendo, também, expressar o seu valor, haja vista a vedação de abertura de crédito ilimitado, inciso VII do mesmo dispositivo constitucional.

Cabe arrematar, em relação aos créditos suplementares, que estes devem ser autorizados em lei e abertos por decreto executivo - art. 42 da Lei nº 4.320/64, como expressa o prejulgado 555, nestes termos:

555- A abertura de crédito suplementar sem decreto do Poder Executivo constitui irregularidade de natureza orçamentária, por contrariar o artigo 42 da Lei Federal n° 4.320/64. A edição posterior de decreto, não regulariza a abertura de crédito, mesmo que exista lei autorizativa.

Atento aos termos do iniciso IX do artigo 167 da CF e do artigo 74 da Lei nº 4.320/64, retrotranscrito, a criação de fundo especial deve se dar por lei, o que responde ao último questionamento do consulente.

4. CONCLUSÃO

Em conformidade com o acima exposto e considerando:

1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas, o que atende ao requisito do inciso III do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001;

2. Que os questionamentos formulados na presente consulta demandam a interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

3. Que a ausência do parecer da assessoria jurídica do órgão Consulente, em cumprimento ao preceituado no art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), pode ser superada pelo colendo Plenário;

Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre a consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Videira, Sr. Wilmar Carelli, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

1. Responder a consulta nos seguintes termos:

1.1 Os fundos especiais, por representarem a segregação de parcela da receita orçamentária para a realização de determinados objetivos ou serviços, devem ser constituídos para atender áreas que requerem detida atenção por parte do Estado, como infância, educação, saúde e segurança, escolha essa que marca a política pública do ente estatal. As demais atividades com menor impacto e repercussão social, como a construção de prédio público, devem ser tratadas nas dotações orçamentárias do ente.

1.2 O superávit financeiro apurado no exercício anterior poderá ser inserido na Lei Orçamentária por meio da abertura de crédito suplementar, caso a dotação conste no orçamento. Para tanto, faz-se necessário que haja prévia autorização legal e que a abertura se dê por decreto, com a indicação da fonte de recursos financeiros e o seu valor, dada a vedação de abertura de crédito ilimitado.

1.3 Os fundos especiais devem ser constituídos mediante lei, observado o disposto no artigo 167, IX, da CF e 74 da lei nº 4.320/64.

  Elóia Rosa da Silva

Consultora Geral


1 SACHES. Osvaldo Maldotado. Dicionário de Orçamento, Planejamento e Áreas Afins. Brasília, Prisma, 1997. Pág. 119.

2 MACHADO RJ, José Teixeira. A lei 4.320 comentada. J. Teixeira Machado Jr. E Heráld. da Costa Reis. 30 ed. Rev. Atual. Rio de Janeiro, IAM, 2000/2001. Pág. 154.

3 Idem, idem, pág. 155.