ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00431466
Origem: Câmara Municipal de Joinville
Interessado: Sandro Daumiro da Silva
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-542/00

Gasto com pessoal. Despesa liquidada. Instituição financeira não oficial. Art. 164, § 3º, da CF.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

O Presidente da Câmara Municipal de Joinville, Vereador Sandro Daumiro da Silva, por meio do Ofício nº 1816/09, formula consulta a esta Corte de Contas na qual expõe e indaga o seguinte:

Considerando o teor das Resoluções nº 3.402/2006 e 3424/2006 do Banco Central do Brasil, que dispõe sobre a prestação de serviços de pagamento de salários, aposentadorias e similares sem cobrança de tarifas;

Considerando os entendimentos expostos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, quando da fundamentação de seus votos no Agravo Regimental na Reclamação 3.872-6 do Distrito Federal, do qual destacamos o que segue:

"EMENTA: Constitucional. Estados, Distrito Federal e Municípios: depósito em instituições financeiras oficiais. CF, art. 164, § 3º, CF."

"O Sr. Ministro Carlos Veloso - Sr. Presidente vou antecipar o meu voto nos termos do que decidi no RE Nº 444.056/MG. Sintetizando na seguinte ementa:"

Repete o Sr. Ministro a Ementa acima transcrita, e escreve:

"O Supremo Tribunal Federal tem decidido, reiteradamente que as disponibilidades de caixa dos Estados-membros são depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvadas as hipóteses previstas em lei ordinária de feição nacional (FC, art. 164, § 3º).

Assim decidiu o Supremo, por exemplo nas ADIs 2.661, MC/MA, Ministro Celso de Mello, Plenário, 05.06.2002; 2.600, MC/ES, Ministra Ellen Gracie, Plenário, 24.4.2002; 3.578, MC/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 14.9.2005, Informativo nº 401. Aqui, entretanto, o caso é outro: trata-se de depósito de folha de pagamento em Banco Particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibilizado aos servidores, não ao Município. É o que consta do acórdão recorrido, fl. 324, da lavra do eminente Desembargador Orlando Carvalho.

(...)

Deste modo, os pagamentos realizados aos servidores municipais não são disponibilidade de caixa, pois tais recursos, uma vez postos à disposição dos servidores, têm caráter de despesa liquidada, pagamento feito, não estando disponíveis ao Município, pessoa jurídica de direito público interno, mas estão disponíveis aos servidores, credores particulares.

(...)

Portanto, o pagamento da folha de pagamento através de Agência local do UNIBANCO SA resultava em economia ao erário, o que desautoriza a procedência da ação civil pública, cujos pressupostos são a ilegalidade e a lesividade ao erário público.

(...)

7. É que, disponibilidade de caixa não se confunde com depósito bancário de salário, vencimento ou remuneração de servidor público sendo certo que, enquanto a disponibilidade de caixa se traduz nos valores pecuniários de propriedade do ente da federação, os aludidos depósitos constituem autênticos pagamentos de despesa, conforme previsto no artigo 13 da Lei 4.320/64.

8. Como se observa, as disponibilidades de caixa é que se encontram disciplinadas pelo artigo 164, § 3º da Constituição Federal, que nada dispõe sobre a natureza jurídica, se pública ou não, da instituição financeira em que as despesas estatais, dentre elas a de custeio com pessoal, deverão ser realizadas.

9. Destarte, nada obsta que o Estado desloque de sua disponibilidade de caixa, depositada em instituição oficial, 'ressalvados os casos previstos em lei, valores para instituição financeira privada com o fim de satisfazer despesas com seu pessoal, como ocorrido no caso dos autos, desmerecendo reforma, portanto, o acórdão impugnado, vez que proferido na mesma linha desse entendimento."

Após debate entre vários ministros, decidiu aquele Tribunal, por maioria, dar provimento ao Agravo, nos termos do voto do Ministro Carlos Veloso.

Diante da questão disciplinada pelas resoluções do Banco Central do Brasil acima citada, assim como, decisão do Supremo Tribunal Federal retro exposta, indaga-se: é possível a Câmara de Vereadores realizar o pagamento dos subsídios dos Senhores Vereadores e dos vencimentos dos seus servidores em instituição bancária privada?

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

2.1 Da legitimidade do Consulente

A consulta em apreço tem por subscritor o Senhor Sandro Daumiro da Silva, Presidente da Câmara Municipal de Joinville.

Assim, na qualidade de Presidente de Poder Legislativo Municipal, o Consulente, à luz do disposto no artigo 103, II, da Res. nº 06/01 - Regimento Interno, tem legitimidade para a subscrição da peça indagativa, vencendo, destarte, ao requisito constante no inciso III do artigo 104 do mesmo diploma regimental.

2.2 Da competência em razão da matéria

A matéria versada na consulta trata da alteração de instituição bancária responsável pela guarda do depósito e pagamento dos subsídios dos Vereadores e dos vencimentos do servidores da Câmara Municipal de Joinville, matéria já enfrentada por este Tribunal, e que remete à interpretação do artigo 164, § 3º, da CF, o qual trata das disponibilidades de caixa, o que legitima este Tribunal a manifestar-se sobre o indagado, superando, assim, a condicionante posta no inciso I do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

2.3 Do objeto

A questão, na forma que se apresenta, traduz dúvida a ser superada pela Câmara Municipal de Joinville, decorrente da pretensão de modificar a instituição financeira responsável pelo depósito e movimentação das despesas de custeio da Câmara Municipal, referente aos gastos com folha de pagamento.

O artigo 104 da Res. TC nº 06/01, em seu inciso II, estabelece que as consultas endereçadas ao Tribunal de contas devem versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, o que se verifica na peça em apreço, sendo por este motivo, devido o seu conhecimento.

2.4 Indicação precisa da dúvida

A questão apresentada na consulta, considerando as dúvidas que o caso exposto geram ao Consulente, se faz de forma clara, atendendo o disposto no inciso IV do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

2.5 Parecer da Assessoria Jurídica

A consulta não se faz acompanhada de parecer jurídico do ente Consulente, desatendendo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.

2.6 Do cumprimento dos requisitos de admissibilidade

Do exame de admissibilidade resta evidenciado apenas o não atendimento do inciso V do artigo 104 da Res. nº TC-06/01. Considerando que o requisito não satisfeito trata-se de um impediente relativo, ausência de parecer jurídico, cabe ao Exmo. Relator ponderar a superação ou não desse óbice para o conhecimento da consulta.

3 DISCUSSÃO

Esta Corte de Contas já deliberou em processo de consulta acerca da possibilidade de utilização de instituição financeira não oficial para depósito e pagamento dos vencimentos de servidores públicos, sendo neste aspecto pacífica a matéria indagada, como se vê no prejulgado abaixo transcrito:

A decisão que conformara o prejulgado em realce escudou-se no parecer da lavra do Analista de Controle Externo Ênio Alpini, que filiou-se à manifestação do Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Reclamação nº 3872-6/DF, à semelhança do exposto na peça indagativa em exame.

Assim, não há óbice para que se proceda o depósito dos recursos inerentes à despesa de pessoal em instituição financeira não oficial posto que essa não se confunde com diponibilidade de caixa.

Há, contudo, que se verificar a possibilidade, inicialmente, de a Câmara Municipal proceder de forma isolada a alteração da instituição financeira responsável pelo recebimento dos valores e efetuação dos pagamentos dos subsídios dos vereadores e dos vencimentos do servidores do Poder Legislativo e ainda, se a receita proveniente dessa mudança pode reverter em proveito direto e exclusivo da Câmara.

Conforme a Constituição Federal, artigo 2º, os Poderes da União, constituídos pelo Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos.

No âmbito municipal os Poderes restringem-se ao Legislativo e ao Executivo, porém, igualmente se deve observar os princípios da independência e da harmonia. Assere Meirelles que "não há entre ambos qualquer subordinação administrativa ou política. O que existe entre os dois ramos do governo local é, apenas, entrosamento de funções e de atividades político-administrativas."1

Abordando a autonomia administrativa peculiar às Câmaras Municipais Meirelles ensina que:

A função administrativa da Câmara é restrita à sua organização interna, ou seja, à composição da Mesa e de suas comissões, à regulamentação de seu funcionamento e à estruturação e direção de seus serviços auxiliares. Quando atua nesses setores a Câmara pratica atos de mera administração, equiparados, para todos os efeitos, aos atos do executivo. Tais atos, embora emanados da corporação legislativa, não são leis, são atos administrativos, sem efeito normativo, sem a generalidade e abstração da lei. Como atos administrativos, devem revestir a forma adequada de decreto legislativo, resolução, portaria, instrução, ou qualquer outra modalidade executiva. Ficam, por isso mesmo, sujeitos ao controle judicial de sua legalidade e ao exame do Tribunal de Contas, como se emanassem de qualquer órgão ou agente executivo.2

A gestão atinente à escolha da instituição financeira que atuará na guarda dos valores e pagamento dos subsídios dos Vereadores e dos vencimentos de seus servidores, se oficial ou não, é matéria interna corporis da Câmara Municipal, porém, os procedimentos para tanto devem observar a legislação incidente ao caso, como, por exemplo, a Lei de Licitações, sujeitando-se, como sói ocorrer com os demais órgãos públicos, ao controle do Tribunal de Contas.

Sundfeld e Souza, ao apontarem a fragilidade da tese corrente no Supremo Tribunal Federal no sentido de que a lei a excepcionar as situações de depósito das disponibilidades de caixa em instituição financeira não oficial deve ser uma lei ordinária federal, de caráter nacional, relevam a observância da Lei de Licitações em tal procedimento, conforme a transcrição seguinte:

Finalmente, o terceiro fundamento que tem sido adotado pela Corte para encampar a tese de que tal exceção só poderia ser disciplinada por lei ordinária federal, de caráter nacional, é o de que, não fosse assim, restaria violado o princípio da moralidade administrativa. Deveras, tem-se sustentado que leis locais pelas quais os Estados decidam confiar seus recursos de caixa a instituições financeiras privadas afrontam a moralidade administrativa, na medida em que significam indevido favorecimento destas instituições, sem qualquer causa legítima. Novamente trata-se de uma visão que carece de qualquer respaldo jurídico. Tal visão parte da premissa de que a contratação do serviço de manutenção dos depósitos das disponibilidades de caixa de um ente federado seria feita a este ou àquele banco sem prévia licitação pública; a premissa, contudo, não se sustenta. É evidente que não se pode atribuir tal serviço a um banco não oficial sem prévio certame.

Acrescentam em nota de rodapé que:

A necessidade de prévio certame decorre da regra básica, extraída da Constituição, segundo a qual, toda vez que o Poder Público pretenda criar um benefício pessoal direto que não possa ser concedido a todos os interessados aptos, ele deve realizar um procedimento administrativo de competição para a escolha de um deles. Esse procedimento, nos termos da Lei nº 8.666/93, é a licitação. Não há dúvida de que, ao decidir a quem confiar seus depósitos e aplicações, o ente federado estará criando um benefício pessoal direto a determinada instituição financeira, que não poderá ser estendido a todas as outras. Afinal, apenas uma instituição auferirá as vantagens de gerir as disponibilidades de caixa do ente em questão, falecendo o mesmo privilégio às demais. Incide sobre a hipótese, portanto, o dever de licitar.3

Embora a discussão travada refira à disponibilidade de caixa, caso distinto ao veiculado na presente consulta, fica patente a imperiosa necessidade de deflagração do certame licitatório para escolha da instituição financeira que se responsabilizará pelo recebimento dos valores e posterior pagamento aos Vereadores e servidores.

Tem-se então concluído que:

1. os valores referentes a pagamento de pessoal, despesa já liquidada, não são concebidos como disponibilidade de caixa, podendo ser depositados em instituição não oficial, conforme prejulgado 1803 deste Tribunal de Contas;

2. a Câmara Municipal detém competência para, mediante procedimento licitatório, proceder à escolha de instituição financeira não oficial para efetuar os depósitos inerentes à despesa de seu pessoal, na qual se dará o pagamento ou movimentação das contas- salários.

Falta, então, definir se os rendimentos financeiros derivados dessa operação podem reverter diretamente à Câmara ou devem ingressar no Tesouro Municipal.

A Câmara Municipal está inserida no orçamento municipal, conforma-se como uma unidade orçamentaria. Há, portanto, dotações previstas e asseguradas cujo repasse deve ser rigorosamente observado pelo Prefeito Municipal e as despesas controladas pelo Presidente do Poder Legislativo em atenção aos limites postos, consoante o disposto no artigo 29-A, in verbis:

A receita da Câmara Municipal deriva então dos repasses financeiros realizados pelo Prefeito Municipal em atenção ao consignado na Lei Orçamentária. Essa é a fonte de recursos da Câmara Municipal.

Assim sendo, os recursos auferidos pela Câmara Municipal devem ser repassados ao Tesouro Municipal. Integrando-se à receita do município, aí sim poderá ser retornar ao Poder Legislativo no montante fixado na Lei Orçamentária.

Ao se admitir outro mecanismo certamente haverá um desequilíbrio entre a receita auferida, que se concebe como exclusivamente orçamentária, e a despesa realizada pela Câmara, pois, segundo o estabelecido no artigo 29-A, caput, a despesa do Poder Legislativo deve-se ater aos limites nele insertos.

4. CONCLUSÃO

Em conformidade com o acima exposto e considerando:

1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas, o que atende ao requisito do inciso III do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001;

2. Que o questionamento formulado na presente consulta demanda a interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

3. Que a ausência do parecer da assessoria jurídica do órgão Consulente pode ser relevada pelo egrégio Plenário, por se tratar de impediente relativo, conforme o preceituado no art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001;

Sugere-se ao Exmo. Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre a consulta formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Joinville, Sr. Sandro Daumiro da Silva, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

1. Responder a consulta nos seguintes termos:

1.1- Os valores referentes ao pagamento de pessoal, despesa já liquidada, não são concebidos como disponibilidade de caixa, podendo ser depositados em instituição não oficial, conforme prejulgado 1803 deste Tribunal de Contas.

1.2- A Câmara Municipal detém competência para, mediante procedimento licitatório, proceder à escolha de instituição financeira não oficial para efetuar os depósitos inerentes à despesa de seu pessoal, na qual se dará o pagamento ou movimentação das contas- salários.

1.3- Eventual receita auferida na operação de troca de instituição financeira responsável pela guarda do depósito e movimentação dos recursos inerentes à despesa de pessoal da Câmara Municipal deverá reverter para o Município, posto que a receita do Poder Legislativo cinge-se aos repasses financeiros feitos em conformidade com o fixado na Lei Orçamentária.

1.4- Encaminhar cópia da Decisão nº 1315/2006 e do parecer COG-150/06 que a fundamentam, referentes ao Prejulgado 1803 deste Tribunal de Contas.

  Elóia Rosa da Silva

Consultora Geral


1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15 ed. São Paulo, Malheiros, 2006. Pág. 603.

2 Idem, ibdem, pág. 610.

3 Sundfeld, Carlos Ari. Souza, Rodrigo Pagani. Depósito das disponibilidades de caixa do Poder Público. Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, ano 3, n. 10, p. 135 e 135, jul./set. 2005.