ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00294884
Origem: Prefeitura Municipal de Gravatal
Interessado: Rudinei Carlos do Amaral Fernandes
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-492/09

Profissionais da Saúde. Agentes Comunitários de saúde e Agentes de Combate às Endemias. Forma de contratação e prazo. Revogação de Prejulgados

Os agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias são selecionados mediante processo seletivo e submetem-se ao regime de trabalho celetista, salvo se lei local dispuser em contrário.

Os demais profissionais vinculados ao Programa de Saúde da Família - PSF submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela legislação municipal. Em face do vínculo direto com órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional, é recomendável que o Município adote o regime jurídico estatutário, em conformidade com a orientação firmada no prejulgado 1752.

Os profissionais da saúde que devem integrar as equipes do Programa de Saúde da Família - PSF Em decorrência do efeito ex tunc da liminar deferida na ADI 2135-4, assegura-se a validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do artigo 37, caput, com a redação dada pela EC 19/98.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Rudinei Carlos do Amaral Fernandes, Prefeito Municipal de Gravatal, expressa, nos seguintes termos:

"O Município de Gravatal, com base no artigo 61, § 1º, II, 'a' da Constituição Federal, tem interesse em regularizar a contratação de servidores para os Programas Saúde da Família (PSF), Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Agentes de Combates às Endemias.

Contudo, referida lei deverá estabelecer pelo Chefe do Poder Executivo a forma e condições de realização do concurso público para os profissionais da saúde (médico, enfermeira, técnico ou auxiliar de enfermagem, entre outros), estabelecendo, inclusive, o regime jurídico.

Aos profissionais da saúde vinculados ao PSF dever-se-á estabelecer não somente a forma de contratação, mas também a forma de demissão e hipóteses desta, quais sejam: a) até perdurar o programa federal; b) desativação/redução de equipes; c) renúncia ou cancelamento do convênio de adesão assinado por iniciativa do Município ou União; d) cessação do repasse de recursos financeiros da União para o Município.

Tendo em vista a decisão em sede cautelar do Supremo tribunal Federal na ADIN nº 2.135-4, publicada em 14/08/2007, há grande e prejudicial insegurança jurídica acerca dos procedimentos a serem adotados para regularização das contratações e admissões dos profissionais da saúde vinculados ao PSF (médicos, enfermeiros, odontólogos, técnicos ou auxiliares de enfermagem, entre outros), menos Agentes Comunitários de Saúde e de Combate às Endemias.

Face ao exposto, e no intuito de dar cumprimento aos mandamentos da Constituição Federal, Lei Complementar nº 101/2000, e com base na decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal na ADIN nº 2.153-4, publicada em 14/08/2007, indaga-se:

a) Qual o regime Jurídico a ser adotado aos Profissionais da Saúde da Família, Agentes Comunitários e de Combate às Endemias, lembrando que o Regime Jurídico desta Prefeitura é estatutário?

b) Qual a forma de contratação e prazos máximos?"

Este, o relatório.

PRELIMINARES

O consulente, na condição de Prefeito do Município de Gravatal, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal, consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência das indagações propostas no expediente em apreço, as mesmas encontram guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.

Observa-se ainda, que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara referenciada, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105, Regimental, cabendo esse discernimento ao relator e aos demais julgadores.

MÉRITO

Inicialmente, o ilustre subscritor da consulta informa que o Município de Gravatal, fundamentado no artigo 61, § 1º, II, alínea "a" da Carta da República, tem interesse em regularizar a contratação de servidores para os Programas Saúde da Família (PSF), Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Agentes de Combate às Endemias.

As dúvidas consistem no esclarecimento do regime jurídico para os profissionais da Saúde da Família, Agentes Comunitários e Agentes de Combate às Endemias, forma de contratação e os prazos, haja vista que em 14/08/2007, foi publicada no Diário Oficial da União a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, mediante Medida Cautelar na ADI nº 2.135-4, sendo necessário, entretanto, ressaltarmos que nosso estudo se dará nos estritos termos do referido decisum, devendo ser revisto caso a Corte Máxima Judicial pátria modifique seu posicionamento quando do exame do mérito.

Primeiramente, há que se tecer breves considerações sobre os efeitos da Medida Cautelar do STF que suspendeu a eficácia do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, em relação ao regime jurídico aplicável aos Agentes Comunitários de Saúde - ACS e Agentes de Combate às Endemias - ACE, bem como no que tange aos demais profissionais de saúde que compõem as equipes responsáveis pela execução dos referidos programas.

Extrai-se do Manual intitulado Início de Mandato. Orientação aos gestores municipais editado em 2008, às fls. 107, o entendimento desta Corte sobre o tema, nos seguintes termos:

De acordo com o entendimento supra, o Município que antes do deferimento da medida cautelar havia adotado regime jurídico estatutário para os seus servidores e o regime de emprego para os profissionais da saúde vinculados aos Programa de Saúde na Família tais como médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e, quando for o caso, dentistas e auxiliares de consultório dentário, não está obrigado a alterar a legislação municipal para se adequar às regras do regime jurídico único, pois encontra-se amparado pelos efeitos ex-nunc da decisão cautelar na ADI Nº 2135-4, que tem o seguinte cujo teor:

Extrai-se também da referida decisão que restaram preservadas não só a validade da legislação municipal editada anteriormente quanto a validade dos atos editados sob a égide dessa legislação. Com efeito, o Município que antes do deferimento da medida cautelar havia adotado o regime jurídico estatutário ou o regime de emprego para os seus servidores e optado pela contratação temporária ou a prestação de serviços para a execução do PSF, deverá fazer cessar referidas contratações porque estão em desacordo com o entendimento do Tribunal de Contas expresso no Prejulgado 1853, com vigência a partir de 19/03/2007. Para evitar solução de continuidade do Programa de Saúde da Família, deve o Município realizar, imediatamente, concurso público para a admissão do pessoal necessário ao atendimento do PSF e, caso os cargos ou empregos existentes nos quadros da municipalidade não sejam suficiente, pode o Município criá-los nos quantitativos necessários ao atendimento do programa, através de lei de iniciativa do Poder Executivo.

Considerando a inaplicabilidade dos efeitos da referida medida cautelar ao regime jurídico dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, deve o Município adotar o regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se lei municipal dispuser de forma diversa, por força do art. 8º da Lei Federal nº 11.350/06, editada em cumprimento ao § 5º do art. 198, da Constituição Federal, qu assim dispõe:

Note-se que o disposto nos parágrafos indigitados estabelece a possibilidade de duas exceções especificamente para Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, quais sejam:

a) Quanto à forma de admissão: A primeira exceção dá-se em relação ao disposto no art. 37, II, da Carta Federal, que determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, ao facultar a admissão dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias mediante processo seletivo. Perceba-se, contudo, que o dispositivo admite uma possibilidade ao empregar o vocábulo "poderão" no § 4º, do art. 198, incluído pela EC 51/06;

b) Quanto ao regime jurídico: A segunda exceção diz respeito à possibilidade de adoção do regime celetista, matéria que a mesma EC 51/06 atribuiu à lei federal (§ 5º do art. 198 da CF), para dispor sobre o regime e regulamentação das atividades do Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias. Neste contexto, a Lei Federal regulamentar nº 11.350/2006, em seu artigo 8º, também não determinou a exclusiva submissão desses agentes ao regime celetista, verbis:

A regra constitucional asseguradora de isonomia, impessoalidade e moralidade é a investidura em cargo ou emprego público condicionada à aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

A excepcionalidade admitida, tanto quanto à forma de admissão (admissão por processo seletivo), quanto ao regime jurídico (regime celetista, desde que a lei local não disponha de forma diversa), deve-se à natureza dos programas implantados, porque vinculados a Programas Federais em que o Município efetiva convênios com a União para sua implementação, não tendo, em princípio, como arcar com a continuidade desses programas caso a União deixe de repassar os recursos correspondentes. Tais exceções, contudo, devem atender aos princípios constitucionais que regem a administração pública.

Mediante lei, pode o Município criar cargos públicos para os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias, sendo que a admissão dar-se-á mediante a realização de processo seletivo público. Não havendo a municipalidade instituído o regime de trabalho para essas funções, a admissão dos referidos agentes dar-se-á sob o regime celetista.

Verificados o regime jurídico a ser adotado pelo Município aos Agentes Comunitários de Saúde e aos Agentes de Combate às Endemias, bem como a possibilidade de contratação através de processo seletivo público, há que se examinar a forma de rescisão dos contratos de trabalho de tais agentes, considerando que o consulente indaga sobre o prazo de duração das contratações.

O art. 10 da Lei nº 11.350/2006, assim dispõe:

Antes, porém, de abordá-las, é de ressaltar a impropriedade dos termos utilizados. Isto porque a rescisão unilateral de contrato só poderá acontecer nos casos de contratação trabalhista. Se, porventura, o regime adotado for o estatutário, a terminologia e os processos a serem adotados são totalmente distintos.

Os contratos trabalhistas dos Agentes Comunitários de Saúde ou dos Agentes de Combate às Endemias poderão ser rescindidos pela Administração Pública, quando houver a prática de falta grave, dentre as enumeradas no artigo 482 da CLT.

O referido artigo prevê que constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador atos de improbidade, incontinência de conduta ou mau procedimento, negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço, condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena, desídia no desempenho das respectivas funções, embriaguez habitual ou em serviço, violação de segredo da empresa, ato de indisciplina ou de insubordinação, abandono de emprego, ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem, ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem, prática constante de jogos de azar e a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

Também poderá haver rescisão unilateral do contrato de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde ou dos Agentes de Combate às Endemias pela Administração Pública, quando for constatada acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas.

Outra hipótese de rescisão unilateral dos contratos de trabalho dos Agentes de Saúde e de Endemias é a de necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da Lei nº 9.801/99, que prevê as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa.

Percebe-se aqui, uma mistura de realidades distintas, pois a citada lei estabelece normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e não de rescisão unilateral de contrato de trabalho.

A última hipótese de rescisão unilateral de contrato de trabalho dos Agentes de Saúde e de Endemias é a de insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para a continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

No caso do Agente Comunitário de Saúde, o contrato também poderá ser rescindido unilateralmente na hipótese de não-atendimento da exigência de residência na área onde vai atuar, desde a data da publicação do edital do processo seletivo público, ou em função de apresentação de declaração falsa de residência.

Portanto, infere-se que não existe a determinação de prazo nos contratos realizados entre a Administração Pública e Agentes Comunitários de Saúde e de Combates às Endemias e sim, rescisão unilateral por parte da primeira, nos casos previstos pelo art. 10 da Lei nº 11.350/2006.

Já, no caso de admissão pelo regime estatutário, somente poderão ser desligados do serviço público a pedido ou diante do cometimento de falta grave que justifique a aplicação da pena de demissão, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a amplitude de defesa e o contraditório.

Com relação à forma de contratação dos demais profissionais que compõem o Programa Saúde da Família, registre-se que os mesmos não foram citados pela Emenda Constitucional nº 51/06, nem pela Lei Federal nº 11.350/06, ou seja, tais diplomas restringiram-se à admissão de pessoal para atendimento dos PACS e PACE, aplicando-se, por óbvio, a regra prevista no art. 37, II, da Constituição Federal.

Ressalte-se que alguns municípios, a pretexto de não se submeterem ao império legal, vêm utilizando-se do argumento de que o PSF constitui-se em uma estratégia governamental precária. Daí que, apoiados nessa equivocada interpretação, realizam contratações temporárias, fato que o Ministério Público Estadual vem combatendo, por entender que as contratações temporárias, que deveriam ser exceção, têm sido usadas de forma abusiva, frustrando a regra geral do concurso público, alegando ainda que o Programa saúde da Família já é um programa consolidado no âmbito nacional e, por isso, não existe mais o motivo que ensejaria a contratação temporária. Desta forma, têm sido propostos Termos de Ajustamento de Condutas, onde os Municípios se obrigam à realização do certame público para o provimento de cargos públicos.

Ora, o Programa Saúde da Família foi iniciado em 1994 e revisado em 28/03/2006 pela Portaria aludida, ou seja, existe há aproximadamente 16 anos, não havendo, em nosso entender, qualquer possibilidade que venha a ser extinto, haja vista a farta existência de legislação administrativa do Sistema Único de Saúde que retrata a implementação e estruturação da atenção primária da saúde no Brasil. Aliás, essa ênfase de atuação na atenção primária da saúde é recomendada pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ademais, o artigo 196 da Constituição Federal é expresso em assegurar a saúde como direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Nesse sentido, a atenção à saúde é, então, um conjunto de ações e serviços de prevenção, promoção e proteção, assistência e recuperação da saúde, realizados pelo Sistema Único de Saúde e por ações ambientais, sociais e econômicas desenvolvidas por outros setores de governo, com o apoio e a participação técnico-política do setor saúde para o atendimento das demandas e necessidades individuais e coletivas da população de uma localidade.

As ações de prevenção das doenças e dos acidentes são organizadas e executadas como forma de planejar intervenções, antecipando-as, atuando sobre um problema específico ou sobre um grupo de problemas, de modo a alcançar pessoas ou grupos em risco de adoecer ou de se acidentar. Dentre as ações individuais estão as imunizações, o controle pré-natal, a educação para a saúde e o diagnóstico precoce de algumas doenças crônicas.

Na lógica da organização do sistema de saúde pública, com rede de serviços hierarquizados, a atenção básica da saúde é exercida pelas Equipes de Saúde da Família e Unidades Básicas de Saúde.

Desta feita, não há que se falar em provisoriedade do Programa Saúde da Família em razão de se constituir no alicerce da atenção primária da saúde, portanto, com prioridade técnica-política, imune à eventuais tentativas de retrocessos.

A doutrina pátria reconhece o princípio da vedação ao retrocesso no sistema jurídico constitucional, valendo trazer os ensinamentos do prof. Ingo Wolfgang Sarlet:

Traçadas as diretrizes do Programa de Saúde da Família, torna-se possível a elaboração de uma análise jurídica sobre a forma de investidura dos profissionais que o compõe, no exercício das ações e serviços públicos de saúde.

A Portaria nº 648, de 28/03/2006, que aprovou a política nacional de atenção básica, dispõe que incumbe às Secretarias Municipais de Saúde selecionar, contratar e remunerar os profissionais que integram as equipes multiprofissionais de Atenção Básica, inclusive os da Saúde da Família, em conformidade com a legislação vigente.

Com isso, no âmbito do Programa Saúde da Família, torna-se necessária a contratação, mediante observância do concurso público de provas ou de provas e títulos, daqueles profissionais da saúde, como, por exemplo, médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos em enfermagem, auxiliares de enfermagem, auxiliares de consultório dentário, técnicos em higiene dental.

Ora, é sabido e consabido que nossa Carta Federal, em seu artigo 37, II, dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

O Prof. José dos Santos Carvalho Filho pontua que:

Consequentemente, os demais profissionais de saúde não alcançados pelos programas de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias como, por exemplo, médicos, dentistas, enfermeiros e demais já mencionados, em face do que dispõe o artigo 37 e incisos da Constituição da República, deverão ser admitidos através de concurso público de provas ou de provas e títulos.

Quanto ao regime jurídico dos servidores públicos integrantes das equipes do Programa Saúde na Família acima referenciados, é oportuno lembrar que o art. 39, caput, da Constituição Federal, em sua redação originária, dispunha, que todos os entes da federação deveriam instituir, no âmbito de sua competência, o regime jurídico único e os planos de carreira para os servidores da administração pública, das autarquias e das fundações públicas.

Conforme já visto anteriormente, com o surgimento da Emenda Constitucional nº 19/98, que implantou a reforma administrativa do Estado, foi abolido o sistema de regime jurídico único, contudo com a decisão cautelar já enfatizada, manteve-se o vigente dispositivo que trata do referido regime.

Não obstante à decisão cautelar do STF que fez revigorar o regime jurídico único, cumpre salientar que esta Corte de Contas já se manifestou em outras oportunidades sobre a matéria, orientando os Municípios à adoção do regime estatutário no âmbito da Administração Direta e Autárquica, por guardar compatibilidade com a interpretação sistemática das normas constitucionais vigentes. Cita-se, como exemplo, o Prejulgado 1752, do qual se extrai:

Diante da orientação retro citada, não haveria, em princípio, razões para que fosse dispensado tratamento diferenciado aos médicos, enfermeiros, técnicos e auxilaires de enfermagem, dentre outros profissionais que devem compor as equipes do Programa de Saúde da Família - PSF, considerando o reconhecimento, por esta Corte de Contas1, do caráter permanente dos serviços de saúde pública postos à disposição da população brasileira por meio do referido programa.

Entretanto, cabe esclarecer que esta Corte de Contas, apesar de reconhecer a impropriedade da adoção do regime de emprego para a Administração Direta, autárquica e fundacional dos Municípios (Prejulgado 1752), admitiu tal regime para os profissionais de saúde responsáveis pela execução do PSF considerando a possibilidade de uma eventual interrupção do repasse dos recursos federais e a consequente inviabilização de sua continuidade com recursos exclusivamente municipais, fato que obrigaria o Município a manter em sua estrutura os respectivos titulares em face da estabilidade no serviço público. Com efeito, entendeu este Tribunal que uma vez adotado o regime de emprego na Administração Direta, seus ocupantes não adquiririam a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal, podendo o Município dispensá-los na ocorrência da situação acima aventada. Essa orientação pode ter levado alguns Municípios que optaram pelo regime estatutário para seus servidores a adotarem regime de emprego para os profissionais do PSF, resultando na adoção de regime misto, fato que estaria em contradição com o item 12 do prejulado 1752.

De todo modo, a recomendação do regime de emprego para os profissionais do PSF restou consolidada no Prejulgado 1668 que passou a vigorar a partir de 18/07/2005, portanto em plena vigência do artigo 39, caput da Constituição Federal na redação que lhe dera a EC 19, que aboliu o regime jurídico único, não havendo razões relevantes que recomendem uma mudança de entendimento neste momento, sendo mais prudente aguardar a decisão de mérito do STF na ADI antes referida.

Outra questão que atormenta os municípios e que não se pode ignorar consiste na dificuldade de observância do inciso XI, do artigo 37 da CF, concernentemente às nomeações dos profissionais da saúde (médicos) em face do limite do subsídio mensal percebido pelo Prefeito.

A esse respeito:

Assim, se de um lado se reconhece o império (jus imperii) do regramento constitucional do artigo 37, inciso II da Carta Política, que exige a forma de admissão desses profissionais de saúde pelo sistema do concurso público; por outro há que se reconhecer a dificuldade do provimento dos cargos (nomeação) pelo desinteresse do profissional ante à limitação dos seus proventos pelo subsídio do Prefeito Municipal, bem como da provável remuneração a menor auferida por profissionais já admitidos e estáveis na municipalidade.

Não obstante tal embaraço, importante ressaltar a obediência ao princípio da legalidade e, neste sentido, pode-se dizer, por derradeiro, que as ações e serviços públicos da saúde, consideradas de relevância pública, corolário da vida, essencial à promoção da dignidade da pessoa humana e do bem estar de todos deverão ser contínuos, portanto, o Programa Saúde da Família, por possuir caráter permanente, com necessário estabelecimento de vínculo com a população, exige que para admissão de pessoal, haverá que atender ao regramento constitucional previsto no artigo 37, inciso II de nossa Carta Política, mediante observância do processo de concurso público, independentemente da decisão que será proferida pelo e. Supremo Tribunal Federal.

Há que se ressaltar, contudo, que esta Corte de Contas através do Prejulgado 1867, firmou posição no seguinte sentido:

10. A saúde é direito social (art. 6º, CF), dever do Estado (art. 196, CF) e princípio constitucional (art. 34, VII, CF). Destarte, em casos concretos, nos quais ocorra conflito entre princípios constitucionais, é admissível, pela doutrina e jurisprudência, a solução da controvérsia utilizando-se a técnica da ponderação de princípios. Assim, no eventual e concreto conflito entre os princípios da saúde e da moralidade administrativa decorrente da admissão ou contratação de médico para atuar no Programa de Saúde da Família - PSF (Portaria do Ministério da Saúde n. 1.886/GM, de 18/12/1997), comprovada a impossibilidade de observar-se na fixação da remuneração do médico o limite constante do art. 37, XI, CF, através da demonstração de que foi lançado edital de concurso público, com ampla divulgação, sem que acorressem candidatos, é possível adotar-se a ponderação dos princípios aliada a interpretação restritiva como solução do conflito, de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF)." (Processo: CON-05/00173222 Parecer: GC-OGS/2007/040 Decisão: 1007/2007 Origem: Prefeitura Municipal de Mirim Doce Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos Data da Sessão: 18/04/2007 Data do Diário Oficial: 07/05/2007).

Portanto, importante atentar para a referida decisão, na hipótese de não acorrerem candidatos ao certame público objetivando a contratação de médicos para atuar no Programa Saúde da Família - PSF.

A saúde, enquanto objeto de prestação de serviço público, é assistida mediante ações e serviços que integram uma rede regionalizada e hierarquizada, a qual constitui o Sistema Único de Saúde- SUS.

Por fim relembra-se que a atuação pública na área da saúde se dá de forma direta, por meio de servidores públicos. A Constituição Federal admite, contudo, em seu artigo 199, que instituições privadas por meio de contrato de direito público ou convênio, complementem as ações e os serviços de saúde.

Nessa senda cumpre relevar o entendimento deste Tribunal de Contas quanto a essa atuação complementar, manifesto na Decisão 197/2002, acolhida no que toca a essa peculiaridade, no presente parecer:

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do artigo 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas.

2. Que a consulta trata de matéria da competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

Sugere-se ao Exmo. Sr. Auditor Cleber Muniz Gavi que submeta voto ao e. Pretório sobre consulta formulada pelo Sr. Rudinei Carlos do Amaral Fernandes, nos termos deste opinativo que, em síntese, propõe:

Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente e respondê-la nos seguintes termos:

1. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se lei municipal dispuser de forma diversa, por força do disposto no art. 8º da Lei Federal nº 11.350/06, editada em cumprimento ao § 5º do art. 198, da Constituição Federal.

2. Cabe ao Município definir qual o regime jurídico que irá adotar para admissão dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, criando mediante lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, os cargos ou empregos respectivos e definindo a forma e as condições de realização do processo seletivo público, os meios e os veículos de divulgação a serem utilizados para a ampla publicidade dos editais/avisos de convocação dos interessados e dos atos subsequentes.

3. Para a admissão dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias devem ser atendidas as disposições da Emenda Constitucional n. 51, de 14 de fevereiro de 2006, e da Lei Federal n. 11.350, de 05 de outubro de 2006, observando-se:
I - que a admissão deve efetivar-se através de prévia aprovação em processo seletivo público;
II - ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encontravam em atividade na data da promulgação da EC n. 51 (14/02/2006), desde que tenham sido contratados mediante anterior seleção pública realizada por órgão da administração direta ou indireta do Estado, Distrito Federal ou do Município, ou se por outras instituições, mediante supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação (art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51);
III - o enquadramento de situação concreta no art. 2º, parágrafo único, da EC n. 51, de 2006 (realização de anterior processo seletivo público), é condicionado à certificação por órgão ou ente da administração direta dos Estados, DF ou dos Municípios, sobre a existência de anterior processo de seleção pública;
IV - é vedada a admissão e/ou prestação de serviços por Agentes Comunitários de Saúde que não tenham sido submetidos previamente a processo seletivo público, observado o art. 17 da Lei n. 11.350, de 2006, que prevê a possibilidade de permanência dos Agentes Comunitários de Saúde em exercício na data da publicação da Lei (06/10/2006), até a conclusão de processo seletivo público pelo ente federativo (Estado, DF ou Município).

V - é vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde, inclusive através de Organização Civil de Interesse Público - OSCIPconforme art. 16 da Lei n. 11.350, de 2006.

4. Não pode a Administração determinar prazos nos contratos de trabalho firmados com os Agentes Comunitários de Saúde e de Combates às Endemias. Os contratos devem vigorar por prazo indeterminado sendo possível a rescisão unilateral por parte da Administração nos casos previstos pelo art. 10 da Lei nº 11.350/2006 ou a pedido.

5. Constituem hipóteses para dispensa do Agente Comunitário de Saúde e do Agente de Combate às Endemias, de acordo com o regime de trabalho adotado:


I - a prática de falta grave, conforme previsto no art. 482 da CLT;
II - a acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
III - a necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesas, conforme a Lei Federal n. 9.801, de 1999;
IV - a insuficiência de desempenho, apurada de acordo com as disposições do inciso IV do art. 10 da Lei Federal n. 11.350, de 2006;
V - motivadamente (art. 7º, I, Constituição Federal), devendo estar prevista na lei municipal específica, em face da:
a) extinção dos programas federais;
b) desativação/redução de equipe(s);
c) renúncia ou cancelamento do convênio de adesão assinado por iniciativa do Município ou da União;
d) cessação do repasse de recursos financeiros da União para o Município.

6. No caso de admissão pelo regime estatutário, os agentes somente poderão ser desligados do serviço público por interesse próprio ou diante do cometimento de falta grave que justifique a aplicação da pena de demissão, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a amplitude de defesa e o contraditório.

7. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias exercerão suas atividades no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, mediante vínculo direto com o órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional (art. 2º da Lei n. 11.350, de 2006).

8. Os profissionais da saúde que devem integrar as equipes do Programa de Saúde da Família - PSF submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela legislação municipal. Em face do vínculo direto com órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional, é recomendável que o Município adote o regime jurídico estatutário, em conformidade com a orientação firmada no prejulgado 1752.

9. Cabe ao Município criar, mediante lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo os cargos de médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem e, quando for o caso, dentistas e auxiliares de consultório dentário, que devem integrar as equipes do Programa de Saúde da Família, estabelecer a respectiva remuneração, bem como definir a forma e condições para realização do concurso público para admissão destes profissionais.

9. Na fixação da remuneação do médico integrante da equipe de saúde do PSF, deve-se observar, em regra, o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal, segundo o qual a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos nos Municípios não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie , do Prefeito Municipal.

10. A saúde é direito social (art. 6º, CF), dever do Estado (art. 196, CF) e princípio constitucional (art. 34, VII, CF). Destarte, em casos concretos, nos quais ocorra conflito entre princípios constitucionais, é admissível, pela doutrina e jurisprudência, a solução da controvérsia utilizando-se a técnica da ponderação de princípios. Assim, no eventual e concreto conflito entre os princípios da saúde e da moralidade administrativa decorrente da admissão de médico para atuar no Programa de Saúde da Família - PSF (Portaria do Ministério da Saúde n. 1.886/GM, de 18/12/1997), comprovada a impossibilidade de observar-se na fixação da remuneração do médico o limite constante do art. 37, XI, CF, através da demonstração de que foi lançado edital de concurso público, com ampla divulgação, sem que acorressem candidatos, é possível adotar-se a ponderação dos princípios aliada a interpretação restritiva como solução do conflito, de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana - fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF).

11. O STF, ao deferir a Medida Cautelar na ADI - Nº 2135-4 que suspendeu a vigência do caput do art. 39 da Constituição Federal, restabelecendo, portanto, a redação anterior à Emenda constitucional nº 19/98 (Regime Jurídico Único), atribuiu à decisão efeitos ex nunc, ou seja, a partir de agosto de 2007. Com isso, toda legislação editada durante a vigência do art. 39, caput, com a redação da Emenda Contitucional nº 19 continua válida, ficando resguardadas as situações consolidadas até o julgamento do mérito.

12. O Município que antes do deferimento da medida cautelar havia adotado regime jurídico estatutário para os seus servidores e o regime de emprego para médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e, quando for o caso, dentistas e auxiliares de consultório dentário vinculados ao Programa de Saúde na Família não está obrigado a alterar a legislação municipal para se adequar às regras do regime jurídico único, pois encontra-se amparado pelos efeitos ex-nunc da decisão cautelar na ADI Nº 2135-4.

13. De acordo com a referida decisão, restaram preservadas não só a validade da legislação municipal editada anteriormente quanto a validade dos atos editados sob a égide dessa legislação. Entretanto, o Município que antes do deferimento da medida cautelar havia adotado o regime jurídico estatutário ou o regime de emprego para os seus servidores e optado pelo regime temporário ou pela prestação de serviços para a execução do PSF deverá fazer cessar referidas contratações porque estão em desacordo com o entendimento do Tribunal de Contas expresso no Prejulgado 1853. Deve ainda realizar concurso público para a admissão do pessoal vinculado ao Programa de Saúde da Família no regime jurídico eleito pela municipalidade e, caso os cargos existentes na municipalidade não sejam suficientes, pode o Município criar os quantitativos necessários ao atendimento da demanda do PSF, através de lei de iniciativa do Poder Executivo.

14. A legislação que disciplina a contratação dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, editada anteriormente ao deferimento da cautelar que suspendeu o caput do art. 39 da Constituição Federal, baseia-se no § 5º do art. 198 da Constituição Federal. Dessa forma, em interpretação conforme à Constituição e considerando o disposto nos parágrafos 4º e 5º do art. 198 da Constituição Federal, bem como as disposições da Lei Federal nº 11.350/06, o regime jurídico aplicável aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias constitui exceção à regra do caput do art. 39 da Carta Magna, não tendo sido afetado pelos efeitos da cautelar deferida na ADI nº 2135-4.

15. Revogar por absorção de seus preceitos ou por contrariedade com o entendimento encaminhado neste parecer:

- do Prejulgado nº 1083, os itens 1 e 2 e seus subitens;

- do Prejulgado nº 1095, os itens 3 e4 e seus subitens;

- do Prejulgado nº 1347, o item 1 e seus subitens e o item 2;

- o Prejulgado nº 1668;

- o Prejulgado 1700;

- o Prejulgado nº 1853;

- o Prejulgado 1867.

15. Dar ciência desta decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao mandatário do Município de Gravatal.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral


1 Prejulgado 1833