ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 09/00296828
Origem: Prefeitura Municipal de Itajaí
RESPONSÁVEL: Volnei José Morastoni
Assunto: Referente ao Processo -RPL-06/00029999
Parecer n° COG-480/09

Interposição de Recurso de Reconsideração. Recebimento como Reexame. Fungibilidade.

Interposto Recurso de Reconsideração contra decisão proferida em processo de fiscalização de ato, é possível recebê-lo como se Recurso de Reexame fosse, em nome do princípio da fungibilidade.

Nulidade da decisão recorrida. Perda do objeto do recurso.

O reconhecimento da nulidade da decisão recorrida, em virtude da interposição de recurso por terceiro interessado, torna prejudicado o recurso do responsável.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reconsideração interposto por Volnei José Morastoni, ex-Prefeito do Município de Itajaí, em face do Acórdão nº 0511/2009 proferido nos autos da Representação (art. 113, § 1º, da Lei 8.666/93) (RPL) nº 03/06705192, que, diante da constatação de ilegalidades, considerou irregular a Concorrência Pública n. 02/2006, bem como o contrato dela decorrente. Além disso, foram aplicadas, com base no art. 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, seis multas de R$ 800,00 ao recorrente, pelo desrespeito a dispositivos da Lei Federal n° 8.666/93.

O processo originário resultou de Representação encaminhada a este Tribunal pela empresa Julio Simões Transportes e Serviços Ltda. contra a Prefeitura Municipal de Itajaí, por meio da qual foi relatada a ocorrência de irregularidades no Edital de Concorrência Pública n. 02/2006, cujo objeto era a concessão de serviço de transporte coletivo de passageiros municipal (fls. 02-160).

O Tribunal remeteu ofício ao Prefeito comunicando o recebimento da Representação (fl. 161), o qual respondeu informando que a questão se encontrava sub judice no Mandado de Segurança n° 033.06.002743-9, no Agravo de Instrumento n° 2005.000701-6 e na Ação Declaratória Ordinária n° 033.04.022042-0, todos em trâmite no Poder Judiciário Estadual (fls. 162-177).

Após o exame da documentação, a Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) emitiu o Relatório nº 1.985/2006, sugerindo a audiência do responsável (fls. 179-191).

O Relator determinou a audiência no despacho de fl. 193.

As justificativas foram apresentadas às fls. 197-205, juntamente com os documentos de fls. 208-210.

Encaminhados os autos à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC), para reanálise, foi emitido o Relatório DLC/INSP2/DIV4 N° 34/2007, por meio do qual se propôs considerar procedente a Representação quanto a cinco itens, aplicar multa ao responsável e formular recomendação (fls. 211-228).

No Parecer nº 2988/2007, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (MPTC) propôs a remessa dos autos à Inspetoria 1 da DLC para formular manifestação conclusiva quanto à apresentação de projetos básico e executivo das obras abrangidas pela licitação, porquanto a questão não fora contemplada dentre os itens que ensejaram a proposta de procedência da Representação (fls. 229-231).

O Relator concordou com o Ministério Público e determinou a remessa no despacho de fls. 232-233.

Com o retorno dos autos à DLC, foi elaborado o Relatório DLC / INSP.1 / 209/07, por meio do qual se fez o pronunciamento acerca da questão suscitada, concluindo que "o conteúdo dos itens 11.3.1 e 11.3.2 e dos Anexos II e III do edital não atendem às necessidades de apresentação de projetos básico e executivos, e tampouco de orçamentos detalhados em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários, conforme arts. 6°, IX, 7°, I e II, § 2°, I e II e 40, § 2°, I e II na Lei Federal n° 8.666/93" (fls. 234-239).

O MPTC, no Parecer n° 4382/2007, sugeriu a audiência do responsável quanto à irregularidade detectada (fls. 240-244).

O Relator, acatando a manifestação, determinou a providência no despacho de fls. 245-247.

As justificativas do responsável vieram às fls. 249-261.

A DLC, no Relatório DLC / INSP.1 / 293/07, concluiu pela aplicação de multa no tocante à restrição (fls. 264-269).

Remetidos os autos à Inspetoria 2 daquela mesma Diretoria, sugeriu-se, por meio do Relatório de Reinstrução n° DLC/INSP/625/07, julgar irregular o processo licitatório da Concorrência n° 02/2006, aplicar multas em face de seis ilegalidades constatadas, formular recomendação, determinar ao Prefeito a anulação do contrato respectivo e comunicar a ilegalidade à Câmara Municipal de Itajaí, a quem compete o ato de sustação (fls. 270-277).

O MPTC emitiu o Parecer n° 0937/2009, por meio do qual acompanhou o posicionamento do corpo técnico (fls. 278-280).

O Relator, do mesmo modo, ratificou o entendimento, conforme a proposta de voto às fls. 281-287, tendo o Tribunal Pleno acolhido o pronunciamento, conforme se extrai do Acórdão nº 0511/2009, proferido na sessão ordinária de 13/04/2009 (fls. 288-290):

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer da Representação formulada nos termos do art. 113, §1°, da Lei (federal) n. 8.666/93, para, no mérito, considerar irregular a Concorrência Pública n. 02/2006 e contrato decorrente, em face das ilegalidades descritas nos itens 6.2.1 a 6.2.6 desta deliberação.

6.2. Aplicar ao Sr. Volnei José Morastoni - ex-Prefeito Municipal de Itajaí, CPF 171.851.739-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 800,00 (oitocentos reais), em face da exigência de comprovação de qualificação técnica não prevista no rol do art. 30 da Lei (federal) n. 8.666/93, qual seja, a comprovação de recolhimento dos tributos pertinentes aos serviços relativos aos atestados comprobatórios de aptidão, conforme se afere da leitura do subitem 6.1.1.6 do Edital n. 002/2006 (item 3.1 do Relatório DLC n. 34/2007);

6.2.2. R$ 800,00 (oitocentos reais), devido ao desrespeito à vedação de exigência de propriedade e localização prévia prevista no § 6º, in fine, do art. 30 da Lei (federal) n. 8.666/93, por exigir a apresentação de relação de instalações e veículos com grau de detalhamento que obriga ao proponente deter a posse ou propriedade prévia de tais bens, conforme se afere da leitura do subitem 6.1.2 do Edital n. 002/2006 (item 3.2 do Relatório DLC n. 34/2007);

6.2.3. R$ 800,00 (oitocentos reais), pela cumulação de exigências para a comprovação da qualificação econômico-financeira, quais sejam, a comprovação de prestação da garantia prevista no inciso III do art. 31 da Lei (federal) n. 8.666/93 (subitem 7.2.1) e a comprovação de patrimônio líquido não inferior a 10% do valor estimado do contrato de concessão (subitem 7.3), em desrespeito ao disposto no § 2º do art. 31 da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 3.3 do Relatório DLC n. 34/2007);

6.2.4. R$ 800,00 (oitocentos reais), em virtude da inexistência de justificativas na fase interna da licitação para adoção dos índices previstos no subitem 7.1 do Edital n. 002/2006, em desrespeito ao disposto no § 5º do art. 31 da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 3.4 do Relatório DLC n. 34/2007);

6.2.5. R$ 800,00 (oitocentos reais), em razão do desrespeito à vedação do § 1º, I, do art. 3º da Lei (federal) n. 8.666/93, uma vez que, em virtude das irregularidades constatadas no Edital, houve restrição à competitividade entre os licitantes (item 3.4 do Relatório DLC n. 34/2007);

6.2.6. R$ 800,00 (oitocentos reais), em face do conteúdo dos itens 11.3.1 e 11.3.2 e dos Anexos II e III do Edital não atenderem às necessidades de apresentação de projetos básico e executivos, e tampouco de orçamentos detalhados em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários, conforme determinam os arts. 6º, IX, 7º, I e II, §2º, I e II, e 40, §2º, I e II, da Lei (federal) n. 8.666/93 (Relatório DLC n. 209/2007);

6.3. Recomendar à Prefeitura Municipal de Itajaí que, doravante, evite fazer referência expressa, nos futuros editais de licitação, ao ano do último Balanço Patrimonial supostamente exigível, em face da existência de datas de encerramento do exercício social diferentes entre as empresas (item 3.5 do Relatório DLC n. 34/2007.

6.4. Comunicar ao Prefeito Municipal de Itajaí acerca da presente deliberação, remetendo cópia dos Relatórios DLC/Insp.2/Div.4 n. 34/2007, DLC/Insp.1/Div.1 n. 209/07 e de Reinstrução DLC/Insp.2/Div.6 n. 625/07, para que possa, a partir da publicação deste Acórdão, com fundamento no caput e § 2º do art. 49 da Lei (federal) n. 8.666/93, promover a anulação do Contrato oriundo da Concorrência Pública n. 002/2006.

6.5. Comunicar à Câmara Municipal de Itajaí acerca da ilegitimidade do Contrato oriundo da Concorrência Pública n. 02/2006, remetendo cópia deste Acórdão, dos Relatórios DLC/Insp.2/Div.4 n. 34/2007, DLC/Insp.1/Div.1 n. 209/07 e de Reinstrução DLC/Insp.2/Div.6 n. 625/07, para que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, com fulcro nos arts. 30 e 31 da Lei Complementar (estadual) n. 202/00 e 33 do Regimento Interno deste Tribunal - Resolução n. TC-06/2001.

6.6. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatórios DLC/Insp.2/Div.4 n. 34/2007, DLC/Insp.1/Div.1 n. 209/07 e de Reinstrução DLC/Insp.2/Div.6 n. 625/07, à Representante, ao Sr. Volnei José Morastoni - ex-Prefeito Municipal de Itajaí, e aos procuradores constituídos nos autos.

A decisão foi publicada no Diário Oficial Eletrônico (DOTC-e) nº 237, de 27/04/2009.

Inconformados, o responsável Volnei José Morastoni e a Empresa de Transporte Coletivo Itajaí Ltda. interpuseram o Recurso de Reconsideração nº 09/00296828 e o de Reexame nº 09/00513861, respectivamente.

A Câmara Municipal de Itajaí, diante da comunicação acerca da ilegitimidade do contrato (item 6.5 do Acórdão), apresentou questionamentos e solicitações às fls. 308-310, tendo a Assessoria da Presidência deste Tribunal prestado os esclarecimentos necessários por meio da Informação nº APRE-61/09 (fls. 303-306).

É o relatório.

PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Inicialmente, no tocante à modalidade recursal, verifica-se que a peça foi encaminhada como Recurso de Reconsideração (fl. 02). No entanto, considerando que a decisão recorrida foi proferida em processo de representação acerca de irregularidades em licitação, ou seja, de fiscalização de atos e contratos, o recurso adequado, in casu, seria o de Reexame, nos termos do art. 79 da Lei Complementar nº 202/2000: "Da decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, cabem Recurso de Reexame e Embargos de Declaração".

Assim, em nome da instrumentalidade das formas, torna-se necessário aplicar o princípio da fungibilidade recursal, a fim de receber o Recurso de Reconsideração como se Reexame fosse. De fato, vislumbra-se, no presente caso, a presença dos pressupostos necessários ao conhecimento de uma espécie de recurso por outra, vale dizer, o recurso é tempestivo, o erro havido não é grave e decorreu de dúvida objetiva.1

São pressupostos de admissibilidade do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, com a redação dada pela Lei Complementar n° 393/07, de 01/11/2007: a legitimidade, a singularidade e a tempestividade.

No que se refere à legitimidade, verifica-se que o recorrente a possui, já que tem interesse recursal em razão das multas aplicadas em seu desfavor. Enquadrou-se, ademais, na definição de responsável prevista no art. 133, § 1º, "a", do Regimento Interno.

A singularidade também foi observada, pois interposto o recurso uma única vez.

A tempestividade restou atendida, porquanto o acórdão recorrido foi publicado no DOTC-e nº 237, de 27/04/2009, e o recurso, protocolizado em 26/05/2009, respeitando-se, assim, o prazo regimental de trinta dias para a interposição.

Logo, pode ser conhecido.

MÉRITO

O recorrente, Prefeito Municipal de Itajaí, alega a preliminar de ilegitimidade passiva, e, no mérito, apesar de ter sido penalizado ao pagamento de seis multas de R$ 800,00, insurge-se tão-somente contra a aplicação de três delas - as dos itens 6.2.1, 6.2.2 e 6.2.3 do Acórdão n° 0511/2009.

Porém, a análise deste recurso está condicionada à apreciação do REC-09/00513861, interposto também contra o Acórdão n° 0511/2009, pela Empresa de Transporte Coletivo Itajaí Ltda., na condição de terceira prejudicada.

Lá, ao proceder a instrução, esta Consultoria emitiu o parecer COG-567/09, opinando pela procedência do recurso da empresa interessada a fim de anular o acórdão recorrido, já que a ela não foi garantido o contraditório e a ampla defesa no processo originário.

Confira-se o parecer:

a) Nulidade por inobservância do devido processo legal e do princípio da ampla defesa e do contraditório (CF/88, art. 5°, LIV e LV)

A empresa recorrente requer a decretação da nulidade do feito ab initio, porquanto, na qualidade de vencedora do certame declarado irregular pelo Tribunal de Contas, não teve assegurado o seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa. Entende que deveria ter sido intimada para apresentar sua defesa, tendo em vista que foi atingida pela decisão.

Postula o direito de "juntar documentos, requerer provas, ouvir testemunhas, produzir defesa oral na sessão de julgamento, enfim, exercer o seu constitucional direito probatório [...]" (fl. 17 do recurso).

Destaca que a sustação do contrato de concessão implicará graves consequências na vida da empresa, que "não tem como pagar vultosas indenizações trabalhistas e compromissos de financiamento de frota e os da rotina" (fl. 17 do recurso).

Invoca, em seu favor, a Súmula Vinculante n° 3, a decisão do STF proferida no Mandado de Segurança n° 23.550-DF e diversos pronunciamentos doutrinários.

De fato, assiste razão à recorrente.

No processo originário, foram considerados irregulares a Concorrência Pública n° 02/2006 - cujo objeto foi a concessão do serviço de transporte coletivo de passageiros do Município de Itajaí -, e o contrato dela decorrente, sem que fosse oportunizado à Empresa de Transporte Coletivo Itajaí Ltda., vencedora do certame e firmatária de contrato com a municipalidade, o direito de se manifestar nos autos.

Dessa maneira, forçoso reconhecer que não foi observado o direito ao contraditório e à ampla defesa da recorrente, a qual, apesar de ter interesse direto no litígio - já que o presente processo pode resultar em modificação da situação jurídica formalizada entre ela e o Município de Itajaí - não foi convocada para participar do processo.

Não se respeitou, portanto, a garantia constitucional do art. 5°, LIV e LV:

A incidência de tais garantias impõe que sejam assegurados aos interessados a ciência da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar ou requerer a produção de provas desde o seu início.

É sabido, porém, que tal procedimento não é adotado por esta Corte de Contas. Somente em duas oportunidades foram admitidas a manifestação de empresas participantes de licitação pública como assistentes nos processos de fiscalização, quais sejam: DIL 05/00808490 (Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Desenvolvimento de Administração Municipal - INEDAM) e ECO 05/04000705 (ARG Ltda). Isso em decorrência do cumprimento à decisão judicial no Mandado de Segurança nº 2006.014998-4.2

A seguir, transcreve-se a tese adotada por este Tribunal, exposta na Informação nº 67/2008, prestada pelo então Presidente, Exmo. Conselheiro Otávio Gilson dos Santos, nos autos do Mandado de Segurança nº 2006.014998-4:

        27- Fica evidenciado, dessarte, que a relação de controle se dá exclusivamente entre o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina e o Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA, ou seja na averiguação da legalidade do Edital de Concorrência 030/2005.
        28- Feito esse balizamento, não se vê espaço para a pretensão do Impetrante em figurar ainda que como interessado, no procedimento de controle efetivado pelo Tribunal de Contas, haja vista que os ditames decorrentes dessa atuação fiscalizatória se dirigem especificamente ao ente que editou o ato controlado.
        29- O espaço destinado à Impetrante para atuar nas ações de controle do Tribunal de Contas do Estado na seara da Lei de Licitações se reserva à condição de representante, no sentido que qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar ao Tribunal de Contas quanto a irregularidades na aplicação da Lei nº 8.666/93, conforme preceituado no § 1º do seu artigo 113.
        30- É devido frisar que essa é a única situação em que a atuação do Tribunal de Contas se dá a priori, isso por força da disposição constante na Lei nº 8.666/93, no já referenciado artigo 113, § 2º.
        31- Concebido que a Impetrante não tem interesse na relação de controle de editais realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de santa Catarina, ressalvada a condição de representante, já que não figura dentre os órgãos e entes submetidos a sua jurisdição, não há como lançar o Presidente do Tribunal de Contas no polo passivo do presente Mandado de Segurança.
        32- Em Temas de Direito Público (p. 147), o Ministro CARLOS VELLOSO anotou que o objeto do Mandado de Segurança "continua sendo a correção de ato comissivo ou omissivo de autoridade, marcado pela ilegalidade ou abuso de poder. São pressupostos constitucionais do instituto: a) direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data; b) ato praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas".
        33- Ou, conforme as lições de CRETELLA JÚNIOR (Comentários à Lei do Mandado de Segurança, p. 94), "sem o ato ilegal ou abusivo, em concreto, promanado de agente coator, não se cogitará da impetração da medida ou se cogitará e a ordem será denegada pelo Judiciário".
        34- As condições da ação não estão presentes no mandamus, considerando que inexiste ato ilegal praticado pelo Tribunal de Contas. A autoridade dita coatora agiu em absoluta conformidade com a legislação vigente - cumprindo os desideratos insertos na Constituição Estadual, mais precisamente no inciso III de seu artigo 59 e na Lei Complementar Estadual n° 202/2000 e a Resolução n° TC-06/2001, não se caracterizando em nenhuma hipótese abuso de poder.
        35- A flagrante ausência de direito líquido e certo para sustentar a impetração do writ, haja vista a retidão da forma em que se processara a apreciação, pelo Tribunal de Contas Catarinense, deixa sem suporte as alegações expostas no Mandado de Segurança no que pertine ao cometimento de ato lesivo a direito líquido e certo. Falta conseqüentemente pressuposto essencial para sua constituição válida.
        36- Pelas razões acima requer-se a Vossa Excelência o afastamento do ora informante do polo passivo da relação processual demandada pela Impetrante, posto que não se reveste da condição de autoridade coatora.

Naquela oportunidade, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), ao apreciar o MS nº 2006.014998-4, concedeu parcialmente a ordem para declarar nula a decisão do Tribunal de Contas que ensejou anulação do contrato sem a oitiva da empresa vencedora da licitação:

        MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - AUSÊNCIA DE RENOVAÇÃO DO PRAZO DE HABILITAÇÃO DAS PROPOSTAS APÓS MODIFICAÇÃO DO EDITAL DE CONCORRÊNCIA PÚBLICA - ANULAÇÃO DO CONTRATO COM A EMPRESA VENCEDORA DO CERTAME - DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.

Ao decidir dessa forma, o TJSC simplesmente acompanhou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). A suprema corte brasileira já decidiu que quando o Tribunal de Contas atua no controle de legalidade de licitações e contratos administrativos, deve ser assegurado aos interessados (contratantes) o contraditório e a ampla defesa, visto que da decisão proferida, pode vir a ser desconstituída uma situação jurídica que afete terceiros (interessados).

Basta conferir a ementa do acórdão proferido no MS 23.550-DF:

EMENTA: I. Tribunal de Contas: competência: contratos administrativos (CF, art. 71, IX e §§ 1º e 2º).

O Tribunal de Contas da União - embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou.

II. Tribunal de Contas: processo de representação fundado em invalidade de contrato administrativo: incidência das garantias do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que impõem assegurar aos interessados, a começar do particular contratante, a ciência de sua instauração e as intervenções cabíveis.

Decisão pelo TCU de um processo de representação, do que resultou injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebrado e em começo de execução com a licitante vencedora, sem que a essa sequer se desse ciência de sua instauração: nulidade. Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a produção de provas; de outro lado, se se impõe a garantia do devido processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de controle do Tribunal de Contas, de colorido quase - jurisdicional. A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (L. 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a "ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente". A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão.4

Como se vê, o STF, além de entender que devem ser assegurados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal no caso em análise, afirma que a defesa deve ser anterior à decisão, não suprindo a falta a interposição de recurso.

A doutrina, por sua vez, reforça o acerto do posicionamento do STF. Confira-se o ensinamento de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

        Após o advento da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, com mais ênfase, parece prevalecer o primeiro entendimento, ou seja, deve o próprio Tribunal assegurar a ampla defesa e o contraditório. Desse modo, se analisa o contrato, havendo indícios que possam levar a nulidade, deve o contratado também ser chamado ao processo, pela Corte de Contas.
        Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sintetizado na seguinte ementa:
        Não se deve olvidar que há entendimento, em linha mais ortodoxa, no sentido de que atos absolutamente nulos prescindem de ampla defesa.17
        O entendimento mais consentâneo com o novo ordenamento jurídico, porém, é o retratado no acórdão transcrito, fato que deve obrigar os Tribunais de Contas a revisão de alguns procedimentos. De fato, a jurisprudência referida como mais ortodoxa não analisou a competência do Tribunal de Contas, nem se contextualizou ao tema contratos e ao advento da Lei nº 9.784/99, como faz o processo cuja ementa de acórdão foi transcrita.5

Nessa esteira, cumpre trazer à lume também a Súmula Vinculante n° 3:

Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.6

E ainda, o art. 49 da Lei de Licitações, que é cristalino ao assegurar o contraditório e a ampla defesa no caso de desfazimento do processo licitatório:

Lei n° 8.666/93

Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

        § 2° A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.
        § 3° No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa. (grifei)

Assim, considerando que a deliberação do Tribunal ordenando a anulação carece da garantia da ampla defesa e do contraditório ao contratado, entende-se que a preliminar de nulidade da decisão deve ser acolhida, a fim de anular o Acórdão n° 0511/2009 e também todos os atos processuais praticados na RPL n° 06/00029999 desde o momento em que deveria ter sido oportunizada a defesa à empresa interessada.

Esta Consultoria já emitiu parecer nesse mesmo sentido noutras oportunidades - vide: Parecer COG-653/087, que instruiu o REC 08/00340205, cujo Relator é o Conselheiro César Filomeno Fontes; e Parecer COG-681/20088, que instruiu o REC 08/00205774, cujo Relator é o Auditor Gerson dos Santos Sicca. Porém, ainda se encontram pendentes de julgamento pelo Pleno.

[...]

Assim, opina-se pelo provimento do recurso, a fim de que, após possibilitar à Empresa de Transporte Coletivo Itajaí Ltda. o direito ao contraditório e à ampla defesa, seja prolatada nova decisão pelo Tribunal de Contas.

Caso não seja este o entendimento do Exmo. Conselheiro Relator, será necessário o retorno dos autos a esta Consultoria para análise do mérito, tanto do presente recurso quanto do que foi interposto pelo Prefeito Municipal de Itajaí (REC-09/00296828).

É o parecer.

Assim, caso o Exmo. Relator entenda acolher o posicionamento da COG exarado no REC-09/00513861, o presente recurso interposto pelo responsável, o ex-Prefeito Municipal de Itajaí, restará prejudicado, já que será necessário determinar a anulação do Acórdão n° 0511/2009.

No entanto, se este não for o posicionamento adotado, será necessário o retorno dos autos a esta Consultoria para análise do mérito.

    CONCLUSÃO

    Ante o exposto, o parecer é no sentido de:

    IV.1 Conhecer do Recurso de Reexame nº 09/00296828 interposto por Volnei José Morastoni, ex-Prefeito do Município de Itajaí, em face do Acórdão nº 0511/2009, proferido nos autos da RPL nº 06/00029999, na sessão ordinária de 13/04/2009, e, quanto ao mérito, julgá-lo prejudicado, caso se entenda pela nulidade do Acórdão n° 0511/2009 no REC n° 09/00513861;

    IV.2 Dar ciência do acórdão, relatório e voto do Relator, bem como deste parecer, ao recorrente Volnei José Morastoni, ex-Prefeito Municipal de Itajaí, à Empresa de Transporte Coletivo Itajaí Ltda. e à empresa representante - Julio Simões Transportes e Serviços Ltda.

            À consideração superior.
            COG, em 10 de setembro de 2009
            FLÁVIA BOGONI
                        Auditora Fiscal de Controle Externo
                            De Acordo. Em ____/____/____
                                MARCELO BROGNOLI DA COSTA
                                Coordenador

                        DE ACORDO.
                        À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Salomão Ribas Junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
                          COG, em de de 2009
                            ELÓIA ROSA DA SILVA

                          Consultora Geral


                            1 Parecer COG-631/08, elaborado pela Auditora Fiscal de Controle Externo Luciana Cardoso Pilati, no REC-07/00614249.

                            2 Dados constantes da Informação nº 67/2008 (fls. 08 e 09 do REC nº 08/00340205), conforme o Parecer COG-653/08, elaborado pela Auditora Fiscal de Controle Externo Marianne da Silva Brodbeck.

                            3 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança 2006.014998-4. Relator: Des. Orli de Ataide Rodrigues. Data da decisão: 28/03/2007.

                            4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 23.550-DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 04/04/2001. DJ 21/10/2001.

                            5 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Controle das licitações pelo Tribunal de Contas. Fórum Administrativo – Direito Público – FADM, Belo Horizonte, n. 50, p. 5361-5370, abr. 2005.

                            6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula vinculante n. 3. Aprovação: 30/05/2007. DJ 06/06/2007.

                            7 Parecer COG-653/08, elaborado pela Auditora Fiscal de Controle Externo Marianne da Silva Brodbeck.

                            8 Parecer COG-681/2008, elaborado pelo Auditor Fiscal de Controle Externo Murilo Ribeiro de Freitas.