ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00551011
Origem: Câmara Municipal de Curitibanos
Interessado: Sidnei Furlan
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-640/09

Câmara de Vereadores. Repasse de recursos financeiros a título de doações.

É defeso à Câmara de Vereadores efetuar repasses financeiros de seu orçamento, a título de doações, por não se enquadrar dentro de suas atribuições constitucionais, não se cogitando, portanto, de algum limite de percentual de seu orçamento para tal procedimento.

É possível a Câmara de Vereadores devolver à Prefeitura, durante o transcorrer do exercício, os recursos financeiros correspondentes às despesas não realizadas, seja dos 70% da receita a que alude o caput do art. 29-A da Constituição Federal, utilizados como limite com folha de pagamento, seja dos demais 30%, a fim de que o Executivo os utilize onde houver mais necessidade de melhorias à população.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Sidnei Furlan, Presidente da Câmara de Vereadores de Curitibanos, expressa, em síntese, nos seguintes termos:

"Cumprimentando-o cordialmente, e a exemplo do que ocorreu na Câmara dos Deputados, que repassou R$ 80.000,00 do seu orçamento próprio ao Ministério da Educação, solicitamos a gentileza de nos informar da possibilidade da Câmara de Vereadores praticar o mesmo tipo de repasse.

Se assim for possível, seria importante saber se há algum limite de percentual da Câmara para tais doações?"

Este, o breve relatório.

PRELIMINARES

O consulente, na condição de Presidente do Poder Legislativo de Curitibanos, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal, consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento proposto, a mesma encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.

Observa-se ainda, que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara referenciada, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105, Regimental, cabendo esse discernimento ao relator e aos demais julgadores.

MÉRITO

Com o advento da Emenda Constitucional nº 25/2000, que acrescentou o artigo 29-A na Constituição da República, estabeleceu-se regras específicas para se apurar o limite de gastos do Poder Legislativo Municipal. A nova sistemática introduzida leva em consideração a faixa populacional do Município e o montante da receita tributária e transferências governamentais efetivamente arrecadadas pela Municipalidade no exercício imediatamente anterior.

Com a nova disciplina constitucional, o estabelecimento da previsão orçamentária das Câmaras deixou de ficar ao arbítrio da vontade legislativa Municipal, tendo sido limitada por critérios objetivos.

Sendo assim, temos que não mais prevalece o entendimento de que o repasse de recursos do Executivo se fará pela real necessidade da Câmara, ou pela simples liberação das verbas consignadas no Orçamento Programa do Município para a manutenção deste Poder, sem critérios.

Estabeleceu-se que os recursos pertencentes ao Poder Legislativo não serão liberados pela simples previsão hipotética da receita Municipal, mas tendo por base a receita efetivamente arrecadada no exercício anterior.

Desta forma, como exemplo, para se apurar o limite máximo de gastos para a Câmara de Vereadores de um Município para o exercício de 2010, necessário será verificar o somatório da receita tributária e das transferências previstas nos artigos 153, § 5º, 158 e 159 da Constituição Federal, efetivamente arrecadados pela municipalidade no atual exercício, para, diante deste valor apurado, aplicar o percentual preceituado no art. 29-A.

Neste caso, o valor ali encontrado será o montante máximo de gastos que o Poder Legislativo estará autorizado a realizar no exercício, incluindo os gastos com subsídios dos vereadores e gastos com inativos, lembrando, que se o Presidente da Câmara ordenar despesas que superem este valor responderá por crime de responsabilidade, consoante o disposto no § 3º, do mencionado dispositivo constitucional.

Para fixação da lei orçamentária da Câmara de Vereadores, torna-se necessário a observância deste limite máximo de gastos conferidos ao Poder Legislativo Municipal, pois o Prefeito não poderá repassar recursos que superem este valor máximo de gastos, sob pena de também incorrer em crime de responsabilidade, nos termos do § 2º, inciso I, do art. 29-A da Constituição.

Por seu turno, o art. 168 da CF prescreve que "os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês..."

Luís Roberto Barroso, em sua obra "Constituição da República Federativa do Brasil Anotada", observa que:

"A norma inscrita no art. 168 da Constituição reveste-se de caráter tutelar, concebida que foi para impedir o Executivo de causar, em desfavor do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público, um estado de subordinação financeira que comprometesse, pela gestão arbitrária do orçamento, ou até mesmo, pela injusta recusa de liberar os recursos nele consignados, a própria independência político-jurídica daquelas instituições." (Saraiva. 1998, p.314).

Observadas a forma e a garantia constitucional do Poder Legislativo receber recursos para suprir suas necessidades, importa ressaltar quais as verdadeiras atribuições da Câmara de Vereadores e para isto, trazemos o magistério do Prof. Hely Lopes Meirelles:

"Como Poder Legislativo do Município, a Câmara de Vereadores tem a função precípua de fazer leis. Mas não se exaurem nessa incumbência suas atribuições institucionais. Desempenha, além da função legislativa e fiscalizadora, realçada pela própria Constituição da República (art. 29, XI), a de assessoramento ao Executivo local e a de administração de seus serviços.

A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes ao que afeta os interesses locais. A Câmara não administra o Município, estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito.

[...]

Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração.

[...]

Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.

Atuando através das leis que elaborar e atos legislativos que editar, a Câmara ditará ao prefeito as normas gerais de administração, sem chegar à prática administrativa." (Direito Municipal Brasileiro. São Paulo. Malheiros Editores. 15ª ed. pgs. 606/607/608) (grifos do autor).

Denota-se, portanto, que o prefeito tem em suas mãos o orçamento do município, tem a máquina administrativa da Prefeitura, é ele quem constrói, quem pavimenta, quem eletrifica, quem reforma, enfim, seu trabalho é bem visível e é possível ao contribuinte fazer uma associação direta entre o cargo e as atribuições. O papel do vereador não é tão evidente assim. Não tem um orçamento para gastar, não tem equipe de secretários e assessores para conduzir projetos públicos e não tem todo um aparato para dar destaque às suas ações.

O modelo constitucional brasileiro, que está expresso nas Leis Orgânicas dos Municípios, prevê a existência de dois Poderes independentes e harmônicos entre si: o Executivo e o Legislativo. Representar, legislar, elaborar o orçamento, fiscalizar e equilibrar os Poderes, enfim, são atribuições das Câmaras Municipais.

Infere-se, então, que é defeso à Câmara de Vereadores efetuar repasses financeiros de seu orçamento, a título de doações, por não se enquadrar dentro de suas atribuições constitucionais, não se cogitando, portanto, de algum limite de percentual de seu orçamento para tal procedimento.

Todavia, salienta-se que o Governo tem como responsabilidade fundamental proporcionar o melhor nível de bem-estar à coletividade. Para tanto, utiliza-se de técnicas de planejamento e programação de ações que são condensadas no chamado sistema de planejamento integrado.

Assim sendo, o Sistema de Orçamento Público Brasileiro é composto por instrumentos especificados na Constituição da República - plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual - que definem as ações a serem desenvolvidas em determinado período, pelos entes das três esferas de governo.

Por outro lado, aqueles percentuais já mencionados anteriormente, previstos no art. 29-A da Carta Federal, representam a possibilidade do limite máximo de despesas do Poder Legislativo e não que as receitas da Câmara, necessariamente, totalizem esse valor.

Nesta linha de raciocínio, afirma-se que não há impedimento legal para a devolução mensal de excedentes do duodécimo recebido pela Câmara ao Poder Executivo, ao longo do exercício financeiro, para que o Executivo possa agir em outras ações básicas de melhorias à população.

Entretanto, a Mesa da Câmara deve verificar a conveniência e razoabilidade da devolução do saldo de caixa e banco à contabilidade central, considerando as obrigações da edilidade assumidas e compromissadas a pagar ao longo do exercício financeiro, bem como, as despesas de caráter continuado e outras provisões de despesas que possam ocorrer, zelando, assim, pelo equilíbrio de sua execução orçamentária, para evitar o indevido procedimento de deixar restos a serem pagos no exercício seguinte, diante da inexistência de disponibilidade financeira para despesas processadas e não pagas durante o exercício.

Além disso, se as sobras orçamentárias do duodécimo ocorrerem reiteradamente, é recomendável proceder a adequação orçamentária, ou seja, alterar para menos o orçamento superestimado da Câmara.

Noutro viés da questão, embora prevaleça a discricionariedade na escolha do momento adequado para a devolução do excedente devolvido dentro do exercício financeiro, não é possível ao Poder Legislativo a pretensão de que tais recursos sejam destinados a determinada finalidade. Desse modo, uma vez devolvido o numerário não utilizado, este passará a integrar o caixa único do município, cuja gerência é de responsabilidade do Poder Executivo local.

Portanto, efetivada a devolução dos recursos não utilizados, a Câmara perde o domínio sobre a aplicação do dinheiro, não lhe sendo possível ditar o seu destino, quer indicando o repasse para certa entidade ou o seu emprego na realização de alguma despesa.

Ressalte-se que este é o posicionamento do e. Plenário desta Corte, conforme se verifica nos seguintes Prejulgados:

PREJULGADO 1042

"O Prefeito Municipal, em observância ao disposto no art. 29-A, da Constituição Federal, deve repassar o suprimento à Câmara, conforme fixação na Lei Orçamentária, até o dia vinte de cada mês, sem extrapolar os limites estabelecidos no mesmo artigo. A restituição pela Câmara do saldo do suprimento não utilizado deve ocorrer até o dia 31 de dezembro, não havendo impedimento para que se processe antes do termo aprazado. Efetuada a devolução, afasta-se da Câmara a gerência dos recursos, não lhe incumbindo apontar a sua futura utilização." (Processo nº CON-01/01861400. Parecer nº COG-450/01. Decisão nº 2225/01. Origem: Prefeitura Municipal de Cunhataí. Relator: Conselheiro Antero Nercolini. Data da Sessão: 24/10/2001. Data do Diário Oficial: 04/02/2002.

PREJULGADO 1067

"[...]

5. A restituição pela Câmara do saldo do suprimento não-utilizado deve ocorrer até o dia 31 de dezembro, não havendo impedimento para que se processe antes do termo aprazado. Efetuada a devolução, afasta-se da Câmara a gerência dos recursos, não lhe incumbindo apontar a sua futura utilização.

[...]" (Processo nº CON-01/01918283. Paarecer nº COG-674/01. Decisão nº 2996/2001. Origem: Associação dos Municípios do Entre Rios - AMERIOS. Relator: Conselheiro Luiz Suzin Marini. Data da Sessão: 19/12/2001. Data do Diário Oficial: 19/03/2002).

PREJULGADO 1111

"1. É estranha à competência e atribuições da Câmara Municipal a aquisição de ambulância, por conta de saldo de suprimento não-utilizado, e posterior cessão, por meio de comodato, para o Poder Executivo.

2. A restituição pela Câmara do saldo do suprimento não-utilizado deve ocorrer até o dia 31 de dezembro, não havendo impedimento para que se processe antes do termo aprazado. Efetuada a devolução, afasta-se da Câmara a gerência dos recursos, não lhe incumbindo apontar a sua futura utilização.

[...]" (Processo nº CON-01/01927193. Parecer nº COG-721/01. Decisão nº 332/2002. Origem: Câmara Municipal de Jaborá. Relator: Conselheiro Antero Nercolini. Data da Sessão: 13/03/2002. Data do Diário Oficial: 03/05/2002).

PREJULGADO 1329

"1. Efetivando a devolução dos recursos não utilizados, a Câmara perde o domínio sobre a aplicação do dinheiro, não lhe sendo possível ditar o seu destino, quer indicando o repasse para certa entidade ou o seu emprego na realização de alguma obra ou serviço.

[...]" (Processo nº CON-02/00394509. Parecer nº COG-115/03. Decisão nº 859/2003. Origem: Prefeitura Municipal de Ponte Alta do Norte. Relator: Conselheiro Luiz Roberto Herbst. Data da Sessão: 09/04/2003. Data do Diário Oficial: 17/06/2003).

Feitas essas considerações e complementando a resposta ao consulente, afirma-se que, é possível a Câmara de Vereadores devolver à Prefeitura, durante o transcorrer do exercício, os recursos financeiros correspondentes às despesas não realizadas, seja dos 70% da receita a que alude o caput do art. 29-A da Constituição Federal, utilizados como limite com folha de pagamento, seja dos demais 30%, a fim de que o Executivo os utilize onde houver mais necessidade de melhorias à população.

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando que:

- o consulente, na condição de Presidente do Legislativo de Curitibanos, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 1º, inciso XV da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 103, inciso II, do Regimento Interno do TCE/SC;

- que a consulta trata de matéria de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator Herneus de Nadal, que submeta voto ao egrégio Colegiado, sobre consulta formulada pelo Sr. Sidnei Furlan, para respondê-la nos termos deste opinativo, que em síntese propõe:

1. É defeso à Câmara de Vereadores efetuar repasses financeiros de seu orçamento, a título de doações, por não se enquadrar dentro de suas atribuições constitucionais, não se cogitando, portanto, de algum limite de percentual de seu orçamento para tal procedimento.

2. É possível a Câmara de Vereadores devolver à Prefeitura, durante o transcorrer do exercício, os recursos financeiros correspondentes às despesas não realizadas, seja dos 70% da receita a que alude o caput do art. 29-A da Constituição Federal, utilizados como limite com folha de pagamento, seja dos demais 30%, a fim de que o Executivo os utilize onde houver mais necessidade de melhorias à população.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral, em exercício