ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00553227
Origem: Câmara Municipal de Palmitos
Interessado: Jirlei Madril Pereira
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-649/09

Município. Doação de bem imóvel.

É permitido ao município, por iniciativa do Executivo, mediante avaliação prévia e autorização legislativa da Câmara de Vereadores, desafetar e doar terreno ou edificação públicos desde que esteja presente o interesse público devidamente justificado.

O município deverá fiscalizar o cumprimento das finalidades, dos prazos e das razões que justificaram a doação para proceder a baixa do bem junto ao patrimônio e cadastros municipais.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Jirlei Madril Pereira, Presidente da Câmara de Vereadores de Palmitos, expressa, em síntese, nos seguintes termos:

"[...]

Embora seja de interesse da comunidade e dos vereadores palmitenses que a Subseção da OAB tenha sua sede edificada no Município - já que a entidade alega ter interesse e recursos para a construção, pois atualmente depende de sala cedida no fórum da Comarca - indagamos:

É permitido ao Município de Palmitos, mediante prévia autorização legislativa da Câmara de Vereadores, desafetar e doar terreno, imóvel ou edificação públicos à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional de Santa Catarina, a fim de que esta edifique às suas expensas, prédio destinado a albergar a Subseção da OAB de Palmitos?

Salienta-se que trata-se de uma entidade de classe, única até o momento - sem concorrentes - e é mantida primordialmente pelas contribuições de seus afiliados (advogados).

Dispõe a Lei nº 8.906/94:

'Art. 44 - A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

§ 1º - A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

§ 2º - O uso da sigla OAB é privativo da Ordem dos Advogados do Brasil.'

Dúvidas pairam acerca da expressão 'serviço público' e qual sua extensão em razão do disposto no parágrafo primeiro deste mesmo artigo. Ao que sugere sua redação, a OAB seria um serviço público, entretanto, não significa dizer que não atenda a interesses privados - na verdade, justamente o contrário é que parece prevalecer - e não se trata, salvo melhor juízo, de uma pessoa jurídica de direito público, denotando ser uma entidade privada e que aufere lucros em benefício de seus afiliados, muito embora não se tenha notícia de que distribua dividendos.

{...}."

Este, o relatório.

PRELIMINARES

O consulente, na condição de Presidente do Poder Legislativo de Palmitos, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal, consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento proposto, a mesma encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.

Observa-se ainda, que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara referenciada, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105, Regimental, cabendo esse discernimento ao relator e aos demais julgadores.

MÉRITO

De imediato, entendemos que refoge à competência desta Corte manifestar-se acerca da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, contudo, a título de colaboração à autoridade consulente, ressaltamos que em 8 de junho de 2006, o Supremo Tribunal Federal, apreciou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3026-4-Distrito Federal, cujo voto vencedor, do Ministro Lincoln Magalháes da Rocha foi no seguinte sentido:

a) a OAB não se sujeita aos ditames impostos pela Administração Pública Direta e Indireta;

b) a OAB não é uma entidade de Administração Indireta da União;

c) a Ordem é um serviço público independente;

d) a Ordem não está inserida na categoria das autarquias especiais;

e) a Ordem não está sujeita ao controle da Administração;

f) a Ordem não está vinculada a qualquer parte da Administração Pública;

g) não há relação de dependência entre qualquer órgão público e a Ordem;

h) a Ordem ocupa-se das atividades atinentes aos advogados, que exercem função institucionalmente privilegiada;

i) a Ordem possui finalidade institucional;

j) não há necessidade de concurso público para admissão de contratados sob o regime trabalhista para atender seus serviços;

k) a Ordem é uma categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas do direito brasileiro.

A referida decisão está na mesma linha já seguida pelo Tribunal de Contas da União (AC 1765/2003), que desobrigou o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da OAB da prestação de contas ao Órgão.

A ementa está assim redigida:

"Identificação: Acórdão 1765/2003 - Plenário

Número Interno do Documento: AC-1765-46/03-P

Ementa: Representação formulada pelo Ministério Público junto ao TCU. Submissão da Ordem dos Advogados do Brasil à jurisdição do TCU. Conhecimento. Improcedência. Arquivamento.

- Desobrigação pelos Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil da prestação de contas ao TCU. Considerações.

- Submissão da OAB à jurisdição do TCU. Análise da matéria.

Grupo/Classe/Colegiado: Grupo II/Classe VII/Plenário

Processo: 002.666/1998-7

Natureza: Representação.

Entidade: Ordem dos Advogados do Brasil - OAB

Interessados: João Odil Moraes Hass, 5ª Secex, Ministério Público junto ao TCU, Wilson Rodolpho de Oliveira e Maria Lúcia Pereira.

Sumário: Representações formuladas por Unidade Técnica do Tribunal e pelo Ministério Público junto à Corte de Contas, ambas versando sobre a submissão da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB à jurisdição do TCU. Audiência da mencionada entidade. Apresentação de argumentos em sentido contrário à pretensão dos Representantes.

Conhecimento. Afastamento da jurisdição do TCU em razão de sentença judicial transitada em julgado. Considerações a respeito da sentença. Improcedência das Representações.

Arquivamento dos autos."

Feitas tais considerações, passamos à análise da indagação suscitada, qual seja, "se é permitido ao Município de Palmitos, mediante prévia autorização legislativa da Câmara de Vereadores, desafetar e doar terreno, imóvel ou edificação públicos à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional de Santa Catarina, a fim de que edifique às suas expensas, prédio destinado à albergar a Subseção da OAB de Palmitos?"

Os bens públicos estão descritos no Código Civil Brasileiro (Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), a partir do art. 99, nos seguintes termos:

"Art. 99 - São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único - Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado." (grifamos).

A Administração somente pode fazer a alienação de bens desafetados do uso público mediante lei autorizadora que estabeleça as condições para sua efetivação, conforme leciona Hely Lopes Meirelles:

"O que a lei civil quer dizer é que os bens públicos são inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou para fins administrativos específicos, isto é, enquanto guardarem afetação pública. É evidente que uma praça ou um edifício público não pode ser alienado enquanto tiver esta destinação, mas poderá ser vendido, doado ou permutado desde que desafetado previamente, por lei, de sua destinação originária." (Direito Administrativo Brasileiro: 29ª ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2004. p. 512).

A doação é o ajuste em que o proprietário (doador) transfere a outrem (donatário) bem de seu patrimônio, a título de mera liberdade. Este tipo de contrato é de direito privado e está regulado nos artigos 538 e seguintes do Código Civil.

No tocante à doação de bem do patrimônio municipal, há que se ressaltar que a competência para iniciar esse processo é do Chefe do Executivo da municipalidade, conforme predispõe o artigo 88 da Lei Orgânica que foi devidamente observada para o caso em tela, cuja norma se transcreve abaixo:

"Art. 88 - Compete ao Poder Executivo a administração dos bens municipais, ressalvada a competência da Câmara Municipal aos que lhe servem."

Os requisitos para o procedimento pleiteado estão bem descritos no artigo 89 da LOM, que deverão ser ponderados logo após a transcrição do normativo citado:

"Art. 89 - A alienação de bens municipais, subordinado à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa e de licitação, dispensada no caso de permuta;"

[...]"

Em suma, a doação de um terreno imóvel ou edificação pertencente ao município deve observar os seguintes requisitos:

1. interesse público devidamente justificado;

2. avaliação;

3. autorização legislativa;

4. licitação, salvo as exceções;

5. desafetação, quando for o caso.

O interesse público da doação sob exame é indubitavelmente relevante no momento em que prevê que o imóvel seja edificado para albergar a sede da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, trazendo benefícios à comunidade palmitense.

O processo de avaliação do bem deverá se concretizar por força do art. 17, da Lei 8.666/93, que dispõe:

"Art. 17 - A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

[...]

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;" (grifamos).

A autorização legislativa se dará com o processo democrático de apreciação plenária após tramitação e aprovação nas comissões.

A desafetação do bem em tela se dá por força legal, uma vez que o bem está afeto à categoria de bem de uso especial e será desafetado para a categoria de bem particular, em atendimento à previsão do art. 99 do Código Civil, anteriormente descrito.

A exigência do processo licitatório torna-se dispensada, tendo em vista que a doação se dá por interesse público, isto porque há que se suprimir o texto restritivo da alínea "b" do inciso 17, da Lei Federal nº 8.666/93, apoiando-se em decisão do Supremo Tribunal Federal que interpretou a Lei de Licitações no sentido de sustar a aplicação de tal alínea, do artigo mencionado.

A doação de bem público municipal é condicionada, eis que, ela é feita para que o donatário utilize o imóvel para fins de interesse público e se não for cumprida tal destinação dentro de um prazo que deve ser estipulado, ou seja, cessarem as razões que justifiquem a doação, o bem volta para o patrimônio do município.

A idéia é evidente, qual seja, manter o bem doado vinculado ao fim de interesse público que justificou a doação. Se deixar de atender a esse objetivo, o bem volta ao patrimônio público. O município deverá fiscalizar o cumprimento das finalidades, dos prazos e das razões que justificaram a doação condicionada e, diante disso não deve ocorrer a baixa do bem junto ao patrimônio e cadastros municipais até o cumprimento da situação do imóvel.

Sendo assim e considerando que os aspectos da consulta em exame foram analisados, entende-se que é permitido ao município, por iniciativa do Executivo, mediante avaliação prévia e autorização legislativa da Câmara de Vereadores, desafetar e doar terreno ou edificação públicos desde que esteja presente o interesse público devidamente justificado.

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando que:

- o consulente, na condição de Presidente do Legislativo de Palmitos, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 1º, inciso XV da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 103, inciso II, do Regimento Interno do TCE/SC;

- que a consulta trata de matéria de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator Julio Garcia, que submeta voto ao egrégio Colegiado, sobre consulta formulada pelo Sr. Jirlei Madril Pereira, para respondê-la nos termos deste opinativo, que em síntese propõe:

1.1. É permitido ao município, por iniciativa do Executivo, mediante avaliação prévia e autorização legislativa da Câmara de Vereadores, desafetar e doar terreno ou edificação públicos desde que esteja presente o interesse público devidamente justificado.

1.2. O município deverá fiscalizar o cumprimento das finalidades, dos prazos e das razões que justificaram a doação para proceder a baixa do bem junto ao patrimônio e cadastros municipais.

2. Determinar que seja dado ciência desta decisão, do Parecer COG-649/09 e do Voto ao consulente.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral, em exercício