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Processo n°: | REC - 07/00649620 |
Origem: | Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Içara - IÇARAPREV |
Interessado: | Celina Da Silva Sartor |
Assunto: | Processo -SPE-04/01791840 |
Parecer n° | COG Nº 639/2009 |
Recurso de Reexame. Solicitação de Atos de Pessoal. Aposentadoria concedida há mais de 12 anos. Princípio da segurança jurídica. Decadência do poder de autotutela da Administração. Registro do ato.
1. O direito de que dispõe a Administração Pública para anular atos administrativos ilegais de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 anos da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei n° 9.784/99).
2. O ato de aposentadoria não é ato complexo, porque não se configura a conjugação de vontades da Administração e do Tribunal de Contas para a sua formação. Na verdade, há dois atos: o ato de concessão da aposentadoria, que produz efeitos jurídicos imediatamente, ainda que de forma provisória; e o ato de controle de legalidade, emitido, posteriormente, pelo Tribunal de Contas. Tratam-se, portanto, de atos distintos, praticados em decorrência de competências diversas.
3. Em razão disso, e também como corolário dos princípios da segurança jurídica, da eficiência e da garantia de duração razoável do processo, o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n° 9.784/99 não deve ser contado a partir do registro perante a Corte de Contas, mas já a partir da data da concessão do benefício.
Senhora Consultora,
Tratam os autos de Recurso interposto pela Srª. Celina da Silva Sartor, em face da decisão nº 2735/2007, proferida nos autos do processo SPE nº 04/01791840, a qual decidiu por denegar o registro nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, parágrafo 2º, "b", da Lei Complementar nº 202/2000, de seu ato aposentatório, em face da concessão de aposentadoria especial de professora, sem tempo de serviço suficiente, em razão da servidora não contar com o tempo de 25 anos de serviço exercido exclusivamente em funções de magistério, em descordo com o art. 40, III, "b", da Constituição Federal.
O presente processo trata de Solicitação de Atos de Pessoal (Relatório de Instrução nº 343/2005 - fls. 108/114), precisamente de aposentadoria submetida à apreciação deste Tribunal de Contas (fls. 02/107), em que se apurou irregularidades no ato aposentatório da recorrente.
O Corpo Técnico sugeriu a realização de Audiência para manifestação (art. 29, §1º, c/c o artigo 35, da Lei Complementar nº 202/00), o que foi determinado através do despacho de fls. 116 da ordem do Exmo. Sr. Relator.
Em resposta foram juntados justificativas e os documentos de fls. 119/123.
A Diretoria de Controle dos Municípios elaborou o Relatório de Reinstrução nº 193/2006 (fls. 125/135), em que sugeriu ao Sr. Relator a assinatura de prazo, para que o Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Içara adotasse as providências com vistas ao exato cumprimento da lei, a fim de sanar a restrição referente a concessão de aposentadoria integral com tempo de serviço insuficiente, em desacordo com o art. 40, III "b", da CF/88, em função da servidora contar com 25 anos de serviço em efetivo exercício em funções de magistério.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, manifestou-se através do Parecer nº 0401/2006, no sentido de acompanhar o entendimento emitido pela Diretoria de Controle dos Municípios - DMU (fls. 137). O Conselheiro Relator proferiu voto às fls. 138/139 no mesmo sentido da DMU e do Ministério Público. Na Sessão Ordinária de 17/04/2006, o Tribunal Pleno, exarou a Decisão nº 1062/2006 (fls. 140), nos seguintes termos:
A Secretaria Geral, por meio da Divisão de Controle de Prazos de Decisões/DICOP, certificou (fls. 143) que esgotado o prazo legal fixado para o cumprimento da decisão do Egrégio Plenário, foram feitas consultas ao Sistema de Controle de Processos e o responsável não havia enviado quaisquer documentos.
O Relatório de Reinstrução nº 1247/2007 (fls. 144/155) opinou pela denegação do registro do ato de aposentadoria, o que foi recepcionado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fls. 156) e pelo Sr. Relator (fls. 157/158). Transcreve-se o teor da Decisão nº 2735/2007 (fls. 159/160), sessão ordinária de 29/08/2007:
A comunicação acerca da decisão plenária foi realizada através do Ofício TCE/SEG nº 13.068/07 (fls. 161).
Foi interposto Recurso nº 07/00649620, fls. 02/04 e documentos fls. 05/08.
É o relatório.
II. ADMISSIBILIDADE
A recorrente interpôs Recurso de Reconsideração, previsto no art. 77, da Lei Complementar nº 202/00, em desconformidade com o previsto no art. 79 e 80 da L.C. nº 202/00.
No que se refere à legitimidade, há que se ressaltar que a peça recursal é subscrita pela servidora Srª Celina da Silva Sartor, em desconformidade com o que preceitua o artigo 80 da LC 202/2000.
No que tange à tempestividade, tem-se que o Acórdão foi publicado no Diário Oficial do Estado - DOE nº 18208 em 17/09/2007, sendo que o recurso foi protocolado sob o nº 020428 em 29/11/2007 em descumprimento ao prazo legal estabelecido no artigo 80 da LC nº 202/2000.
Portanto, os requisitos de admissibilidade não foram preenchidos.
Contudo, por se tratar de apreciação de legalidade de concessão de aposentadoria, buscou-se amparo na Resolução nº. TC 35/2008, que estabelece os procedimentos para exame, apreciação da legalidade e registro dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para reserva e pensão pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, mormente no que tange o artigo 17, I que assegura aos beneficiários de aposentadoria, reforma e pensão concedidas na esfera administrativa, cujos atos estejam sendo objeto de exame de legalidade pelo Tribunal de Contas, o contraditório e a ampla defesa, nos processos em que restar comprovado o transcurso de mais de cinco anos entre a data da emissão do ato e a data da manifestação do Tribunal de Contas, situação que se vislumbra nos presentes autos. ( Ato de aposentadoria data de 30/07/1997 - fls. 106 dos autos originários).
Embora a modalidade recursal seja inadequada, cabendo para o caso sob análise, a interposição do Recurso de Reexame, previsto no art. 80 da Lei Orgânica do TCE/SC, que tem por fim atacar decisão proferida em processos de fiscalização de atos e contratos administrativos, plausível a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Por fim, com fulcro no artigo 135, parágrafo 1º, do Regimento Interno, sugere-se ao Sr. Relator que supere a questão da intempestividade, em razão da discussão acerca da decadência do direito desta Corte de Contas anular o ato aposentatório da Srª. Celina da Silva Sartor, servidora do Município de Içara.
Assim, ante o que dispõe a Resolução nº TC 35/2008 e a necessidade de se ver apreciada a discussão acerca da decadência, propõe-se ao Sr. Relator o conhecimento do presente recurso e, ainda, a habilitação da benefeiciária para figurar como recorrente no presente processo, nos termos do artigo 17, parágrafo 1º.
III - MÉRITO
Denegar o registro, nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, §2º, "b", da Lei Complementar n. 202/2000, do ato aposentatório de Celina da Silva Sartor, da Prefeitura Municipal de Içara, matrícula n. 727.061-6, no cargo de Professor I, nível MAG-SG-E-VIII, CPF n. 961.241.219-72, PASEP n. 1010824439-0, consubstanciado no Decreto sn. datado de 30/07/1997, considerado ilegal conforme pareceres emitidos nos autos, em face da concessão de aposentadoria especial de professora, sem tempo de serviço suficiente, em razão da servidora não contar com o tempo de 25 anos de serviço exercido exclusivamente em funções do magistério (sala de aula), em desacordo com o art. 40, III, "b", da Constituição Federal.
A Recorrente sustenta em síntese que preenche todos os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição especial de professor, com proventos integrais.
Pauta seus argumentos na Lei nº 11.301/2006, que equiparou as funções de magistério as atividades de direção de unidade escolar, assim como as de coordenação e de assessoramento.
Exposta a justificativa do recorrente, passa-se a sua análise:
Compulsando-se os autos originários, verificou-se que o ato que concedeu aposentadoria a Srª Celina da Silva Sartor data de 30/07/1997, operando-se a decadência1, conforme recente entendimento abordado por esta Consultoria Geral no Parecer COG nº 614/092, da lavra da Auditora Fiscal de Controle Externo Flavia Bogoni, do qual extraí-se as seguintes lições:
Ante o exposto, sugerimos ao Exmo. Relator que, em seu Voto, proponha ao Tribunal Pleno:
1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra a Decisão nº 2735/2007, exarada na Sessão Ordinária de 29/08/2007, nos autos do Processo nº SPE-04/01791840, e dar-lhe provimento para
1.1. Modificar o item 6.1 da decisão recorrida, conferindo-lhe a seguinte redação:
6.1. Ordenar o registro, com base no princípio da segurança jurídica e nos termos do art. 34, II, c/c o art. 36, § 2º, "b", da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, do ato aposentatório de Celina da Silva Sartor, matrícula n. 1727.061-6, no cargo de Professor I, nível MAG-SG-E-VII, CPF n. 961.241.219-72, PASEP n. 1010824439-0, consubstanciado no Decreto s/n. datado de 30/07/1997, por ter operado a decadência do direito da Administração Pública anular o referido ato (art. 54 da Lei n° 9.784/99).
1.2. Cancelar as determinações constantes dos itens 6.2 a 6.4 da Decisão nº 2735/2007.
2. Dar ciência desta decisão a Prefeitura Municipal de Içara e ao Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Içara.
Consultora Geral 2
autos n° REC - 07/00328319 3
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 172-173. 4
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 25.552/DF, Relatora Ministra Cármen Lúcia, j. em 07/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-097, em 30/05/2008. 5
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 26.085/DF, Relatora: Ministra Cármen Lúcia, j. em 07/04/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-107, em 13/06/2008. 6
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 25.072/DF, Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Eros Grau, j. em 07/02/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJe-004, em 27/04/2007. 7
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.047.524-SC. Relator: Ministro Jorge Mussi. DJe 03/08/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. 8
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 939.555-PR. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data da publicação: 04/08/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. 9
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 939.555-PR. Relator: Ministro Jorge Mussi. Data da publicação: 04/08/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. 10
MOTTA, Fabrício. Notas sobre o registro dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas. In: FORTINI, Cristiana (Org.). Servidor público: estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 93-117. ISBN 978-85-7700-205-4. 11
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 2009.014611-4. Relator: Des. Jaime Ramos. Data: 21/08/2009. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. 12
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2007.000766-5, de Blumenau. Relator: Des. Vanderlei Romer. Data: 19/12/2008. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. 13
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 2007.011105-0. Relator: Des. Newton Trisotto. DJ-e. Nº 653, 31/03/09. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. 14
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n. 2008.053637-2. Relator: Des. Newton Janke. DJ-e. Nº 650, 26/03/09. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>. 15
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby; COSTA JÚNIOR, Álvaro Luiz Miranda. Da segurança jurídica e a decadência do direito de a Administração anular seus atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, face à Emenda Constitucional nº 45. 16
Parecer COG-536/09, da Auditora Fiscal de Controle Externo Luciana Cardoso Pilati, que instruiu o REC n° 07/00265139. 17
Neste sentido, vale conferir também o Parecer COG-536/09. 18
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby; COSTA JÚNIOR, Álvaro Luiz Miranda. Da segurança jurídica e a decadência do direito de a Administração anular seus atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, face à Emenda Constitucional nº 45. 19
MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Súmula 105. Publicada no "MG" de 26/09/07 - pág. 55 mantida no "MG" de 26/11/08 pág. 72. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Legislacao/Smulas_3.pdf>. Acesso em: out. 2009.
III.1 O posicionamento atual deste Tribunal de Contas acerca da decadência dos atos de aposentadoria, com base no entendimento do Supremo Tribunal Federal
O Tribunal de Contas de Santa Catarina já se pronunciou sobre o assunto em inúmeras oportunidades, manifestando-se contrário à aplicação do prazo decadencial estabelecido no art. 54 da Lei n. 9784/99, calcado no entendimento de que para os atos de aposentadoria, o prazo somente passa a correr após o seu respectivo registro, por se tratar de ato complexo.
Confira-se decisões recentes do Pleno, proferidas todas no ano de 2009: REC 09/00136898, Relator Auditor Cléber Muniz Gavi; REC 09/00136383, Relator Conselheiro César Filomeno Fontes; REC 08/00458630, Relator Auditor Adircélio de Moraes Ferreira Junior; REC 08/00446461, Relator Conselheiro Salomão Ribas Junior.
Esta Corte de Contas se posicionou desta maneira porque tal é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). A Suprema Corte firmou jurisprudência no sentido de que o ato de aposentadoria é um ato complexo, ou seja, é um ato que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo, de modo que se aperfeiçoa somente com a integração da vontade final da Administração.3 Partindo dessa premissa, o ato de aposentadoria só se considera perfeito e acabado após seu exame e registro pelo Tribunal de Contas, correndo, a partir daí, o prazo decadencial.
Colhem-se as seguintes decisões:
O Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento de que, sendo a aposentadoria ato complexo, que só se aperfeiçoa com o registro no Tribunal de Contas da União, o prazo decadencial da Lei n. 9.784/99 tem início a partir de sua publicação. Aposentadoria do Impetrante não registrada: inocorrência da decadência administrativa.4 (grifei)
O ato de aposentadoria consubstancia ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal de Contas. Submetido a condição resolutiva, não se operam os efeitos da decadência antes da vontade final da Administração.6
Também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em consonância com o entendimento consolidado do STF, firmou a orientação no sentido de que o ato de aposentadoria consubstancia ato administrativo complexo, aperfeiçoando-se somente com o registro perante o Tribunal de Contas.
Basta conferir os precedentes: REsp 1.090.403-RS; Rel. Min. Laurita Vaz, publ. em 06/02/2009; AgRg no REsp 777.562/DF, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 13/10/2008; RMS 21.142/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Felix FIscher, DJ de 15/10/2007.
Este é, de modo geral, o panorama da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Porém, recentemente, tanto o STF quanto o STJ emitiram decisões que sinalizam a necessidade de se lançar um novo olhar sobre a questão, de forma a prestigiar o princípio da segurança jurídica.
III.2 A existência de decisões recentes do STF e do STJ levando em conta a necessidade de ser atendido o princípio da segurança jurídica na análise dos atos de aposentadoria pelos Tribunais de Contas
Na decisão liminar proferida pelo STF nos autos do Mandado de Segurança nº 28.106, o Ministro Celso de Mello, considerando o decurso de mais de 9 anos entre o ato concessivo de aposentadoria e a decisão do Tribunal de Contas da União, suspendeu liminarmente a decisão denegatória do registro, com fundamento no princípio da segurança jurídica. Diz o julgado:
Há, nesta impetração, um fundamento que me parece relevante e que se apóia no princípio da segurança jurídica, considerado o decurso, na espécie, de mais de 09 (nove) anos entre o ato concessivo de aposentadoria (21/08/1998 publicado em 10/09/1998 fls. 03) e a decisão do Tribunal de Contas da União, que considerou ilegal referida aposentadoria (15/02/2008, mantida por decisão proferida em 03/02/2009 - fls. 05/06).
A fluência de tão longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado, servidor aposentado, e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro.
Cumpre observar, neste ponto, que esse entendimento que reconhece que o decurso do tempo pode constituir, ainda que excepcionalmente, fator de legitimação e de estabilização de determinadas situações jurídicas encontra apoio no magistério da doutrina (ALMIRO DO COUTO E SILVA, "Princípios da Legalidade e da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo", "in" RDP 84/46-63) (...).
A essencialidade do postulado da segurança jurídica e a necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, amparadas pela boa-fé do cidadão (seja ele servidor público, ou não), representam fatores a que o Judiciário não pode ficar alheio, como resulta da jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal:
"Ato administrativo. Seu tardio desfazimento, já criada situação de fato e de direito, que o tempo consolidou. Circunstância excepcional a aconselhar a inalterabilidade da situação decorrente do deferimento da liminar, daí a participação no concurso público, com aprovação, posse e exercício."
(RTJ 83/921, Rel. Min. BILAC PINTO - grifei)
Essa orientação jurisprudencial (RTJ 119/1170), por sua vez, vem de ser reafirmada, por esta Suprema Corte, em sucessivos julgamentos:
"Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas da União. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3. Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época. Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas por decisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa-fé dos impetrantes; a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido."
(RTJ 192/620-621, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)
"1. LEGITIMIDADE. Passiva. Mandado de segurança. Autoridade tida por coatora. Pensão previdenciária. Cancelamento. Ato determinado em acórdão do Tribunal de Contas da União. Legitimação passiva exclusiva deste. Execução por parte do Gerente Regional de Administração do Ministério da Fazenda. Irrelevância.
Autoridade tida por coatora, para efeito de mandado de segurança, é a pessoa que, 'in statu assertionis', ordena a prática do ato, não o subordinado que, em obediência, se limita a executar-lhe a ordem.
2. MANDADO DE SEGURANÇA. Pensão previdenciária. Cancelamento. Ato determinado em acórdão do Tribunal de Contas da União. Conhecimento pelo interessado que não participou do processo. Data da ciência real, não da publicação oficial. Ação ajuizada dentro do prazo. Decadência não consumada. Preliminar repelida. Precedentes. No processo administrativo do Tribunal de Contas da União, em que a pessoa prejudicada pela decisão não foi convidada a defender-se, conta-se o prazo para ajuizamento de mandado de segurança a partir da ciência real do ato decisório, não de sua publicação no órgão oficial.
3. SERVIDOR PÚBLICO. Vencimentos. Pensão previdenciária. Pagamentos reiterados à companheira. Situação jurídica aparente e consolidada. Cancelamento pelo Tribunal de Contas da União, sem audiência prévia da pensionista interessada. Procedimento administrativo nulo. Decisão ineficaz. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Violação de direito líquido e certo. Mandado de segurança concedido. Ofensa ao art. 5º, LIV e LV, da CF. Precedentes. É nula a decisão do Tribunal de Contas da União que, sem audiência prévia da pensionista interessada, a quem não assegurou o exercício pleno dos poderes do contraditório e da ampla defesa, lhe cancelou pensão previdenciária que há muitos anos vinha sendo paga."
(MS 24.927/RO, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)
Na realidade, os postulados da segurança jurídica, da boa- -fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado.
É importante referir, neste ponto, em face de sua extrema pertinência, a aguda observação de J. J. GOMES CANOTILHO ("Direito Constitucional e Teoria da Constituição", p. 250, 1998, Almedina):
"Estes dois princípios - segurança jurídica e protecção da confiança - andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante 'qualquer acto' de 'qualquer poder' - legislativo, executivo e judicial." (grifei)
As lições da doutrina e da jurisprudência constitucional desta Suprema Corte (MS 26.405/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO, MS 26.363/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.) revelam-se suficientes ao reconhecimento, em juízo de estrita delibação, de que a pretensão cautelar ora deduzida nesta sede processual reveste-se de plausibilidade jurídica.
Cabe assinalar, por relevante, que também concorre, na espécie, o pressuposto legitimador concernente ao "periculum in mora", eis que, em cumprimento à deliberação ora impugnada, o órgão de origem expediu a Portaria nº 269, de 04 de março de 2009, que alterou portaria anterior que havia concedido aposentadoria ao impetrante (fls. 12).
Não se ignora que os valores percebidos por servidores públicos (ativos e inativos) e pensionistas revestem-se de caráter alimentar (HELY LOPES MEIRELLES, "Direito Administrativo Brasileiro", p. 491, item n. 5.4.3, 34ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2008, Malheiros). Essa especial natureza jurídica, que caracteriza o estipêndio funcional (vencimentos e proventos) e as pensões, permite, por isso mesmo, qualificá-los como típicas dívidas de valor.
É, também, por essa razão que concedo a medida cautelar ora postulada, pois é importante ter em consideração, para esse efeito, o caráter essencialmente alimentar das pensões e dos vencimentos e proventos funcionais dos servidores públicos (ativos e inativos), na linha do que tem sido iterativamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 110/709 RTJ 117/1335), inclusive por aquela que se formou sob a égide do vigente ordenamento constitucional (RTJ 136/1351 RTJ 139/364-368 - RTJ 139/1009 RTJ 141/319 RTJ 142/942).
A ponderação dos valores em conflito - o interesse da Administração Pública, de um lado, e a necessidade social de preservar a integridade do caráter alimentar que tipifica o valor das pensões e dos estipêndios, de outro - leva-me a vislumbrar ocorrente, na espécie, uma clara situação de grave risco a que estará exposta a parte ora impetrante, privada de valores essenciais à sua própria subsistência.
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar, até final julgamento desta ação de mandado de segurança, na linha de anteriores decisões minhas (MS 27.962-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), a suspensão cautelar da eficácia da deliberação emanada do E. Tribunal de Contas da União consubstanciada nos Acórdãos nº 178/2008 e 285/2009 TCU Primeira Câmara (fls. 05/06), proferidos nos autos do Processo TC nº 009.274/2005-7.
Nessa decisão, mesmo que liminar, fica evidente a preocupação com o postulado da segurança jurídica, que impõe a necessidade de se assegurar a estabilidade das situações criadas administrativamente.
Também o STJ recentemente proferiu decisões invocando referido princípio, para decidir justamente a respeito da questão debatida no presente recurso: a aplicabilidade do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n° 9.784/99 relativamente aos atos de aposentadoria sujeitos a registro.
A Quinta Turma daquela colenda corte, no julgamento do REsp n. 1.047.524-SC, afirmou, em oposição ao entendimento consolidado do STF, que o ato de aposentadoria é, na verdade, ato composto, e não complexo, devendo ser aplicado o prazo decadencial de cinco anos quando da análise da legalidade pelo Tribunal de Contas depois de transcorrido esse prazo, como corolário dos princípios da segurança jurídica, da eficiência e da garantia de duração razoável do processo.
A ementa e o voto do Relator, Ministro Jorge Mussi, elucidam de forma convincente o pensamento que levou a Turma a adotar esse posicionamento, razão pela qual merecem ser integralmente transcritos:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. CONTAGEM DE TEMPO. IRREGULARIDADE APURADA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. REVISÃO DO ATO. PRAZO DECADENCIAL. ART. 54 DA LEI N. 9.784/99. TERMO INICIAL.
1. A aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para concede-la. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade.
2. O art. 54 da Lei n. 9.784/99 vem a consolidar o princípio da segurança jurídica dentro do processo administrativo, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje estabilidade e previsibilidade dos atos.
3. Não é viável a afirmativa de que o termo inicial para a incidência do art. 54 da Lei n. 9.784/99 é a conclusão do ato de aposentadoria, após a manifestação dos Tribunal de Contas, pois o período que permeia a primeira concessão pela Administração e a conclusão do controle de legalidade deve observar os princípios constitucionais da Eficiência e da Proteção da Confiança Legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo.
4. Recurso especial improvido.
VOTO
[...]
No tocante à decadência, o recorrido foi aposentado do cargo de analista judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região por ato desse órgão, publicado no Diário de Justiça de 21/5/98.
O Tribunal de Contas da União - TCU, nos termos do que determina o art. 39 da Lei n. 8.443/92, considerou ilegal o ato de aposentadoria do servidor, ao entendimento de que o tempo trabalhado sob regime de economia familiar não poderia ser computado.
Em face dessa decisão, o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 12º Região determinou o retorno do servidor à atividade em 25/7/2005.
A Corte de origem afirmou que, passados mais de cinco anos entre o ato de aposentadoria e sua revisão pelo TCU, esse não poderia mais ser declarado ilegal em razão do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/99.
O Supremo Tribunal Federal há muito entende que o ato de aposentadoria é complexo, aperfeiçoando-se com o registro perante o Tribunal de Contas. Como está submetido a condição resolutiva, os efeitos da decadência não se operam antes da vontade final da Administração.
Este posicionamento foi amplamente adotado por esta Corte, que consolidou o entendimento de que a aposentadoria do servidor público, por ser tratar de ato complexo, só se perfaz com a sua confirmação pelo respectivo tribunal de contas, sendo que apenas a partir dessa homologação é que se conta o prazo decadencial para a Administração rever a concessão do benefício, e não do deferimento provisório pelo Poder Público. Nesse sentido colhe-se, a título elucidativo, o AgRg no REsp n. 777.562/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 25/09/2008, DJe 13/10/2008; e RMS n. 21142/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/09/2007, DJ 15/10/2007 p. 298.
Entretanto, o tema merece algumas reflexões, pois a solução adotada por esta Corte e pelo Excelso Pretório não traduz o Direito Administrativo moderno, que pugna pela observância dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção da boa-fé.
Em primeiro lugar, convida-se à reflexão sobre o conceito de ato complexo.
A classificação proposta por Hely Lopes Meirelles, seguida por toda a doutrina, divide os atos administrativos em simples, compostos e complexos. Eis a definição que interessa para o exame do presente caso:
Ato complexo: é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão administrativo. O essencial, nesta categoria de atos, é o concurso de vontades de órgãos diferentes para a formação de um ato único. Não se confunda ato complexo com procedimento administrativo. No ato complexo integram-se as vontades de vários órgãos para a obtenção de um mesmo ato; no procedimento administrativo praticam-se diversos atos intermediários e autônomos para a obtenção de um ato final e principal. Exemplos: a investidura de um funcionário é um ato complexo consubstanciado na nomeação feita pelo Chefe do Executivo e complementado pela posse e exercício dados pelo chefe da repartição em que vai servir o nomeado; (...) Essa distinção é fundamental para saber-se em que momento o ato se torna perfeito e impugnável: o ato complexo só se aperfeiçoa com a integração da vontade final da Administração, e a partir desse momento é que se torna atacável por via administrativa ou judicial (in Direito Administrativo Brasileiro, 34ªed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 174).
Verifica-se do texto transcrito que o elemento primordial para o conceito é a necessidade de várias vontades conjugadas para a formação ou existência do ato administrativo.
No entanto, a inativação de servidor público, ato que se sujeita ao registro nos Tribunais de Contas, não se enquadra nesse conceito. Independentemente da manifestação da Corte de Controle, a concessão da aposentadoria pela Administração produz efeitos desde sua expedição e publicação.
O beneficiário, com a concessão da aposentadoria pela Administração, afasta-se da atividade e passa a perceber proventos, tornando vago o cargo, nos termos do que dispõe o art. 33, VII, da Lei n. 8.112/90. Esses efeitos são típicos do ato de afastamento, que se consolidam com a expressão da vontade de um único órgão, aquele que concede a aposentadoria.
A produção de efeitos da concessão de aposentadoria realizada pela Administração permite concluir que não existe a conjugação de vontades para a formação de um ato único, mas sim duas decisões independentes e autônomas, quais sejam, o ato propriamente dito e seu registro, com o consequente controle de legalidade pelo Tribunal de Contas competente.
Não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas para conceder a aposentadoria. São atos distintos e praticados no manejo de competências igualmente diversas, na medida em que a primeira concede e o segundo controla sua legalidade.
A doutrina tem demonstrado o desejo de refletir sobre o tema, como demonstram os artigos publicados pelos professores Rafael Da Cás Maffini (Atos Administrativos Sujeitos a Registro pelos Tribunais de Contas e a decadência da Prerrogativa Anulatória da Administração Pública) e Luísa Cristina Pinto e Netto (Ato de Aposentadoria - Natureza jurídica, registro pelo Tribunal de Contas e decadência), ambos publicados na Revista Brasileira de Direito Público - RDPB.
O professor Caio Tácito, no artigo publicado na RDA n. 53, p. 216-222, com o título Revisão Administrativa de Atos Julgados pelos Tribunais de Contas, ressalta que o registro de aposentadoria é uma forma de controle de legalidade e não uma nova manifestação de vontade, necessária à formação do ato:
Não há, no sentido jurídico estrito, aprovação do ato da administração, mas, apenas, forma de controle da legalidade do ato acabado, cuja executoriedade fica suspensa até que se opere o julgamento. (...)A vontade do Tribunal não integra o ato concessivo, que se consuma na esfera administrativa. A sua análise, circunscrita ao plano da legalidade e visando à garantia do erário, se realiza sobre o ato já praticado pela autoridade administrativa competente.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluzo, por oportunidade do julgamento do Mandado de Segurança n. 26.353-9/DF, DJ de 7/3/2008, manifestou dúvida acerca da classificação doutrinária em questão, verbis:
A segunda observação, Senhor Presidente, é que, embora eu tenha votado a favor da súmula, estou repensando seriamente a própria exceção que a súmula contempla, porque, não obstante o que esta Corte tem professado há muito tempo, me parece duvidosa a afirmação de que os registros de aposentadoria correspondam à categoria dos atos administrativos ditos complexos. Os atos administrativos ditos complexos são aqueles que só se aperfeiçoam com o último ato de todos aqueles que deva integrar. Não é o caso do regime de aposentadoria.
Assim, em que pese toda a construção feita na doutrina e na jurisprudência sobre o assunto, não se coaduna com a definição de ato complexo a concessão da aposentadoria pela Administração e sujeito a verificação de legalidade, para fins de registro, pelo Tribunal de Contas.
Em segundo lugar, o art. 54 da Lei n. 9.784/99 vem consolidar o princípio da segurança jurídica dentro do processo administrativo, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje estabilidade e previsibilidade dos atos administrativos. Por isso, não permite a perpetuação da prerrogativa anulatória da Administração, impondo a preservação de atos mesmo quando inválidos, se ultrapassado, da sua prática ou fruição de seus efeitos patrimoniais, o prazo decadencial de cinco anos.
Nas palavras de Gustavo Binenbojn, em Temas de Direito Administrativo e Constitucional, editora Renovar, esse dispositivo legal traduz o princípio da Proteção da Confiança Legítima (ou das expectativas legítimas), que primeiro teve reconhecimento nas Cortes alemãs, e necessita de dois pressupostos: a certeza do beneficiário na existência do ato administrativo e que essa confiança seja digna de proteção sob a ponderação com o interesse público em uma retratação. Diz ainda o doutrinador:
Tais dispositivos legais nada mais representam senão a concretização legislativa do princípio da confiança legítima, que tem sua sede constitucional (i) na cláusula do Estado democrático de direito (CF, art. 1º), (ii) na cláusula do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), (iii) no princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput) e, especificamente no campo do direito administrativo, (vi) no princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), expressão constitucional dos subprincípios da lealdade, boa-fé e da vedação do venire contra factum proprium (ninguém pode opor-se a fato a que ele próprio deu causa) (fl. 33).
Dessa forma, mostra-se inviável afastar a aplicação dessa norma aos Tribunais de Contas, pois o administrado deposita na concessão de sua aposentadoria a legítima expectativa de legalidade dos efeitos positivos desse ato.
Na prática, ocorre a demora no controle de legalidade da concessão de aposentadoria, criando situações como a do recorrido, em que se passaram sete anos entre o ato administrativo e a apuração de que o tempo de serviço trabalhado sob regime de economia familiar não poderia ser computado.
A falta de imposição de um prazo razoável ao Tribunal de Contas acaba por gerar situações em que o decurso do tempo torna impossível a correção do vício, defeito esse que teve origem na Administração, e não no servidor.
Por exemplo, se o recorrido viesse a falecer antes da manifestação do TCU, não lhe seria possível o retorno ao trabalho, para complementação do tempo de serviço e, por consequência, a pensão instituída a seus familiares deveria ser cassada. O mesmo ocorreria se já tivesse completado 70 anos, uma vez que por força constitucional (art. 40, §1º, II, da Constituição Federal) seu retorno ao órgão estaria obstado.
O fundamento para a aplicação do prazo decadencial do art. 54 da Lei n. 9.784/99 também tem fundo constitucional.
A Constituição Federal, após a EC n. 45/2004, no inciso LXXVIII do art. 5º, passou a assegurar a todos, no âmbito judicial e administrativo, duração razoável do processo, bem como impôs à Administração Pública o dever de buscar a eficiência no art. 37, caput:
Art. 5º (omissis)
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
A introdução desses dois princípios no texto constitucional pelo poder constituinte derivado reflete a busca pela efetividade na Administração Pública, ou seja, deve ela, empregando os meios adequados, atingir os resultados necessários à satisfação dos interesses da coletividade, objetivo máximo da atuação estatal.
Nesse contexto, impossível se falar que o termo inicial para a incidência do art. 54 da Lei n. 9.784/99 é a conclusão do ato de aposentadoria, após a manifestação dos Tribunal de Contas, pois o período que permeia a primeira concessão pela Administração e a conclusão do controle de legalidade deve observar os princípios constitucionais da Eficiência e da Proteção da Confiança Legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo.
Em face dos fundamentos utilizados, propõe-se uma releitura do tema. Seja por não ser possível a classificação do ato de aposentadoria como complexo, ou pela abrangência do art. 54 da Lei n. 9.784/99 a toda a Administração Federal, ou pelos dois motivos, deve ser imposto aos Tribunais de Contas prazo para o exame da legalidade da concessão da inativação.
Ante o exposto, conheço do recurso especial, mas nego-lhe provimento.
É o voto.7
A mesma decisão foi tomada pela Quinta Turma do STJ também no julgamento do Recurso Especial 939.555-PR.8
De início, o julgado afirma que a inativação de servidor público é ato que, sujeitando-se ao registro nos Tribunais de Contas, não se enquadra no conceito de ato complexo.
No voto, foi transcrita a doutrina de Hely Lopes Meirelles, segundo a qual, para que um ato administrativo possa ser enquadrado no conceito de ato complexo, é preciso que exista a conjugação de vontades para a formação de um ato único.
A partir daí, o Ministro chegou à conclusão, com muita propriedade, que no ato de aposentadoria não existe a conjugação de vontades para a formação de um ato único, e sim duas decisões independentes e autônomas: o ato de concessão propriamente dito e o registro da aposentadoria, que consiste em verdadeiro controle de legalidade feito pelo Tribunal de Contas, em decorrência da competência constitucional que lhe foi outorgada no art. 71, III, da Constituição Federal.9
Logo, não se trataria de ato complexo, porque na verdade, o que há são dois atos: um que concede a aposentadoria, e outro de que controla a sua legalidade.
Esse posicionamento, vale registrar, foi defendido recentemente no XXIII Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, que ocorreu de 21 a 23 de outubro de 2009, em Florianópolis/SC. À ocasião, o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao TCM/GO, Fabrício Motta, afirmou que, apesar do entendimento do STF, o ato de aposentadoria não pode mais ser concebido como ato complexo.
Neste sentido, oportuno transcrever trecho de artigo de sua autoria:
3 O ato de aposentadoria, ato de controle e ato complexo
[...]
O entendimento do ato de aposentadoria como complexo não parece o mais adequado. Nas concessões de aposentadoria, inicialmente, é forçoso reconhecer a existência de dois atos: o ato concessório, emitido pela autoridade competente e que propriamente aposenta o servidor; e o ato de controle da legalidade, posteriormente emitido pelo Tribunal de Contas. Não há que se falar em integração de vontades: um ato concede a aposentadoria e o outro, externo e emitido por órgão diverso, controla a legalidade do primeiro. [...]
[...]
Nesse sentido, é importante frisar que o ato de aposentadoria possui eficácia inicial, entendida esta como aptidão para produzir imediatamente seu efeito típico - a inatividade remunerada do servidor, independente do pronunciamento do Tribunal de Contas. Verifica-se, no caso, a produção de efeito atípico preliminar ou prodrômico, nos termos propugnados por Celso Antônio Bandeira de Mello, no caso o dever-poder de emitir o ato controlador. Assim, parece-nos que a eficácia definitiva do ato encontra-se sujeita a condição resolutiva - o registro da Corte de Contas. A negativa de registro tem o condão de afetar a eficácia do ato, impedindo sua consumação definitiva. Como ressalta Luciano Ferraz, "o ato final (registro) dos processos relativos a admissão de pessoal, aposentadoria, reforma e pensão perante o Tribunal de Contas é condição sine qua non a que o ato inaugural procedido pelo órgão de origem (que emitido já é eficaz e tem presunção de legalidade) adquira perfeição e afirme sua validade".
A conclusão que se impõe é uma só: por se tratarem de atos diversos, um concessivo e outro controlador da legalidade do primeiro, não se configura integração de vontades e por isso não há que se falar em ato complexo. O ato inicial, concessivo da aposentadoria ou pensão, produz seus efeitos jurídicos típicos imediatamente, ainda que de forma provisória e sujeito à verificação posterior de legalidade - registro - pelo Tribunal de Contas. [...]
[...]
Apesar de ser claro o entendimento do STF favorável à complexidade do ato de aposentadoria, entendimento amparado inclusive na Súmula Vinculante n° 3, adiante comentada, a questão ainda provoca controvérsia. No julgamento do Mandado de Segurança n° 26.535/DF, em 06.09.2007, anotou o Ministro Cezar Peluso:
(...) embora eu tenha votado a favor da súmula, estou repensando seriamente a própria exceção que a súmula contempla, porque, não obstante o que esta Corte tem professado há muito tempo, me parece duvidosa a afirmação de que os registros de aposentadoria correspondam à categoria dos atos administrativos ditos complexos. Os atos administrativos ditos complexos são aqueles que só se aperfeiçoam com o último ato de todos aqueles que deva integrar. Não é o caso do regime de aposentadoria.
A questão não é meramente acadêmica, tampouco se trata de singela discussão classificatória. Com efeito, considerando-se "(...) a aposentadoria ato complexo, que só se aperfeiçoa com o registro no Tribunal de Contas da União, o prazo decadencial da Lei n° 9.784/99 tem início a partir de sua publicação". Em outras palavras, o termo inicial para a contagem do prazo decadencial de 5 anos tem o seu início somente após o término do ciclo de formação do ato, ou seja, após o registro. Percebe-se que este entendimento praticamente torna inócua a regra constante do art. 54 da Lei n° 9.784/99, pois o não estabelecimento de um prazo máximo para a apreciação das aposentadorias pelo Tribunal de Contas posterga indefinidamente o início da contagem do prazo decadencial. Em atenção ao princípio da segurança jurídica, curador da estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas, a questão tem sido tratada de forma distinta pelo Supremo Tribunal Federal [...].10 (grifei)
Considerando, então, todos esses argumentos, bem como os que foram expostos na manifestação do STJ, conclui-se que o prazo de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99) deve ser contado a partir do ato que concede a aposentadoria, e não do controle da sua legalidade pelo Tribunal de Contas.
A razoabilidade desse posicionamento encontra amparo em princípios derivados do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana (art. 1°, caput e III, da Constituição Federal), tais como os invocados na decisão do STJ: segurança jurídica, eficiência, proteção da confiança legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo (art. 5°, LXXVIII).
Cabe destacar, ainda, que apesar do STF ser o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102, caput, da Constituição Federal), o pronunciamento do STJ sobre a questão envolvendo o art. 54 da Lei n. 9.784/99 é de grande relevância, já que é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil (art. 105, III, da Constituição Federal), seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito.
Os precedentes transcritos, que vieram a servir de fundamento para este parecer, podem até não refletir a jurisprudência dominante do STF e do STJ, mas são um forte indicativo de que a solução que vem sendo adotada pelos Tribunais Superiores merece uma releitura, principalmente porque "não traduz o Direito Administrativo moderno", conforme ponderou o Ministro Jorge Mussi.
III.3 A jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de reconhecer a decadência do direito de anular os atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos
Partindo para a análise no âmbito estadual, importante ressaltar que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) firmou jurisprudência justamente no sentido de que a Administração decai do direito de rever e desconstituir atos de aposentadoria concedidos há mais de cinco anos, em nome do princípio da segurança jurídica:
MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - APOSENTADORIA - CÔMPUTO DE SERVIÇO RURÍCOLA AVERBADO - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - AUSÊNCIA DE PROVA DO RECOLHIMENTO - TRIBUNAL DE CONTAS - IRREGULARIDADE CONSTATADA DEZ ANOS DEPOIS - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DECADÊNCIA QUINQUENAL DO DIREITO DE REVER E ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS - APLICAÇÃO ANALÓGICO-INTEGRATIVA DO ART. 54 DA LEI FEDERAL N. 9.784/99 - SITUAÇÃO CONSOLIDADA - INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SERVIDOR - PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA - ORDEM CONCEDIDA.
"Decorridos mais de cinco anos da publicação do ato aposentatório do servidor público municipal, convalida-se o ato administrativo não podendo ser revisado por força da decadência, salvo comprovada a má-fé, conforme estabelece o art. 54, § 1º, da Lei n.º 9.784/99. Até porque, 'Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade exceção. (...) Aplicação analógica da Lei n. 9.784/99' (STJ, REsp n.ºs 645.856/RS e 628.524/RS, Relatora Ministra LAURITA VAZ)" (TJSC - MS n. 2007.026300-5, de Concórdia, Rel. Juiz Paulo Roberto Camargo Costa, j. em 29.04.08).11 (grifei)
ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. ANULAÇÃO DO ATO APOSENTATÓRIO. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS. DETERMINAÇÃO CUMPRIDA PELO DIRETOR PRESIDENTE DO ISSBLU. [...] MODIFICAÇÃO DO BENEFÍCIO REALIZADA APÓS QUASE UM DECÊNIO DA OUTORGA DO BENEFÍCIO. DECADÊNCIA CARACTERIZADA. JULGADO DESTA CORTE DE JUSTIÇA NESSE SENTIDO. RECURSO DO ISSBLU E REEXAME OBRIGATÓRIO DESPROVIDOS.12 (grifei)
MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA - DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR OS ATOS - DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS - MERO CUMPRIMENTO - ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - SENTENÇA REFORMADA
"Havendo conflito entre princípios constitucionais, cumpre ao juiz optar por aquele de 'peso diante das circunstâncias concretas' (Humberto Bergmann Ávila); na ponderação, 'sempre levar em conta o princípio da dignidade humana, valor máximo da tábua axiológica da Constituição da República' (Alexandre Freitas Câmara).
[...]
Decorridos dez anos de sua publicação, o ato aposentatório de servidor público se consolida por força dos princípios da dignidade humana e da segurança jurídica (CR, arts. 1º, III, e 5º, XXXVI), ainda que recusado o registro pelo Tribunal de Contas - salvo se comprovada a má-fé do beneficiário (Lei nº 9.784/1999, art. 54)" (ACMS nº 2006.019409-9, Des. Newton Trisotto).13 (grifei)
MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE REGISTRO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO. ORDEM PARA ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO DE INATIVAÇÃO. [...] LAPSO TEMPORAL PARA O DESFAZIMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 54 DA LEI N. 9.784/1999. SEGURANÇA CONCEDIDA.
[...]
Em consequência, inúmeros servidores que tem o registro de sua aposentadoria denegado pelo Tribunal de Contas recorrem ao Poder Judiciário estadual para garantir que lhes seja aplicado o entendimento acima.
III.4 O debate suscitado no âmbito interno deste Tribunal visando uniformizar os procedimentos adotados para análise dos atos de aposentadoria
A divergência de posicionamento entre o Tribunal de Contas e o TJSC vem gerando um grande número de ações judiciais interpostas contra decisões desta Corte.
Isso acabou por suscitar, no âmbito interno, o debate acerca do entendimento que hoje é aplicado pelo Tribunal, bem como o reflexo dessa divergência nos seus pronunciamentos definitivos.
Assim, o Corregedor-Geral, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, solicitou a esta Consultoria, por meio do Memorando CG n. 44/2009, a realização de estudo a fim de estabelecer uma uniformização dos procedimentos a serem adotados pelo Tribunal diante das decisões judiciais sobre os processos de aposentadoria em análise nesta Corte de Contas.
Na Informação n° 44/2009, a Consultora Geral Elóia Rosa da Silva e a Auditora Fiscal de Controle Externo Caroline de Souza realizaram o trabalho solicitado, sugerindo, dentre outras questões, o "acolhimento pelo TCE da tese de decadência da autotutela da Administração Pública pelo transcurso do prazo quinquenal, mediante alegação do administrador público na instrução dos autos".
Confira-se:
3.2 Acolhimento pelo TCE da tese de decadência da autotutela da Administração Pública pelo transcurso do prazo quinquenal, mediante alegação do administrador público na instrução dos autos. Determinações do art. 41:
Sugere-se, ainda, o reconhecimento da tese da decadência da autotutela da Administração Pública nos processos em que se constatar o decurso do prazo de mais de 5 anos da data da concessão da aposentadoria, independente da existência de decisão judicial, mas desde que arguida pela Administração Pública na instrução dos autos e afastada a má-fé, em cada caso, deixando de se aplicar as determinações do art. 41 do Regimento Interno.
Em momento posterior, o trabalho inicialmente desenvolvido pela Consultoria Geral foi discutido também com a Auditora Substituta de Conselheiro Sabrina Nunes Iocken e com servidores da Diretoria de Atos de Pessoal - DAP, que elaboraram, ao final, quatro propostas de procedimentos a serem adotados pelo Tribunal (Informação n° 54/2009), encaminhadas à Corregedoria-Geral para apreciação desta Corte de Contas em reunião administrativa.
São elas:
I - Ponderação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica para fins de registro, considerando seus efeitos concretos.
1 - Declarar a ilegalidade da concessão da aposentadoria, mas ordenar o registro com fundamento na segurança jurídica, visando assim a manutenção dos efeitos da aposentadoria para o servidor e a compensação previdenciária, evitando-se eventual dano ao erário.
[...]
II - Ponderação do princípio da segurança jurídica para fins da não-aplicação das determinações do art. 41 do Regimento Interno. A manutenção da negativa do registro seria fundamentada no princípio da legalidade.
2 - Declarar a ilegalidade da concessão da aposentadoria e denegar o registro do ato, deixando de aplicar os efeitos do art. 41 do Regimento Interno (determinações de retorno, de cessação de pagamento, de supressão de vantagens, etc.) com fundamento na segurança jurídica, considerando a estabilização das relações jurídicas concretizadas há mais de 5 anos e a decadência da autotutela da Administração Pública.
[...]
III - Ponderação acerca das reiteradas decisões judiciais reconhecendo que o transcurso do prazo de 5 anos consolida a situação jurídica do aposentado, impedindo a alteração do respectivo ato.
3 - Registrar os atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito quanto à legalidade, considerando a estabilização das relações jurídicas concretizadas há mais de 5 anos e a decadência da autotutela da Administração Pública, com fundamento na segurança jurídica.
[...]
IV - Ponderação acerca da conveniência, considerando a tempestividade e efetividade da atuação do Tribunal de Contas, da análise de atos de aposentadoria sem efeitos concretos ao servidor ou à Administração Pública.
4 - Dispensar a remessa dos atos de aposentadoria e pensão expedidos pelos Municípios até 04 de outubro de 1988, e dos atos de aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei e de pensão decorrente dessa espécie de aposentadoria, concedidos pelos Municípios entre 05 de outubro de 1988 e 31 de dezembro de 1995. Os atos que já estiverem no TCE não seriam analisados.
No dia 27/10/2009, em reunião administrativa para deliberação interna sobre o assunto, foi decidido que o Tribunal irá adotar a proposta III.
Assim, a partir dessa data, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos de aposentadoria exarados até 2004, sem exame do mérito, com fundamento na segurança jurídica.
III.5 O ato aposentatório analisado nestes autos e a impetração do Mandado de Segurança nº 008.08.008742-3
Às fls. 05 a 09 do recurso, foi informado que a servidora cujo ato aposentatório se analisa nestes autos ingressou no Poder Judiário de Santa Catarina com a Ação de Anulação de Ato Jurídico n° 008.07.016651-7 (julgada extinta), e, posteriormente, com a de n° 008.08.008742-3, com pedido de tutela antecipada.
Nesta, a medida foi concedida e se encontra em vigor, conforme consta às fls. 17-20 do recurso, "determinando a suspensão dos efeitos da Decisão n° 1305/2007 proferida pelo Pleno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (processo SPE 01/02243514) que anulou o ato aposentatório da autora" (grifei).
Cerca de um ano depois, a par da decisão judicial amparando a sua pretensão, o recorrente comunica que atendeu à Decisão n° 1305/2007 deste Tribunal de Contas, e anulou, por meio da Portaria n° 1376/2008, a Portaria n° 2606, de 23 de novembro de 1994, que concedera aposentadoria voluntária à servidora pública municipal Juraci Antonieta Buzzi Wagner (fl. 15).
Com efeito, ainda que suspensos os efeitos da decisão recorrida por força da medida judicial, o ISSBLU cumpriu parcialmente com a determinação contida no item 6.2:
6.2. Determinar ao Instituto Municipal de Seguridade Social do Servidor de Blumenau - ISSBLU a adoção de providências necessárias com vistas à anulação da Portaria n. 2.6061994, que concedeu aposentadoria à servidora Juraci Antonieta Buzzi Wagner, e ao imediato retorno da servidora à ativa até completar o tempo para obter aposentadoria com proventos integrais, ou providenciar a confecção de novo ato aposentatório, com proventos proporcionais ao tempo de serviço de 25, comunicando-as a este Tribunal no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial do Estado, nos termos do art. 41, caput, do Regimento Interno desta Corte de Contas, sob pena de responsabilidade solidária da autoridade administrativa omissa, ou interponha recurso, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar n. 202/2000.
As demais determinações - de imediato retorno da servidora à ativa até completar o tempo para obter aposentadoria com proventos integrais, ou, de confecção de novo ato aposentatório, com proventos proporcionais ao tempo de serviço - permanecem suspensas.
Levando em conta a jurisprudência do TJSC e também sentenças proferidas no juízo daquela comarca em ações com idêntico objeto, é provável que o pedido seja julgado procedente, com o reconhecimento judicial da decadência do direito de a Administração cassar a aposentadoria da autora.
Confira-se o que restou decidido pelo juízo da comarca de Blumenau nos processos 008.08.008736-9 e 008.08.009198-6, em que os autores alegaram, igualmente, a decadência do direito de anular atos de aposentadoria praticados há mais de cinco anos cujo registro foi denegado pelo Tribunal de Contas:
JULGO PROCEDENTE o pedido para, confirmando a antecipação da tutela, declarar nulo o ato do Diretor Presidente do ISSBLU que cassou a aposentadoria do autor, porque praticado depois que a Administração havia decaído do direito de fazê-lo, ficando, em conseqüência, mantida a aposentadoria na forma como originalmente concedida.
Se o juiz proceder desta forma também com relação ao ato aposentatório da servidora Juraci Antonieta Buzzi Wagner, é certo que manterá a aposentadoria originalmente concedida, suspendendo imediatamente o efeito anulatório da Portaria n° 1376/2008.
III.6 O posicionamento da Consultoria Geral sobre o tema
Diante da probablidade de sentença procedente, da deliberação interna do dia 27/10/2009, e de todos os argumentos expendidos neste parecer, opina-se pelo registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica.
Com efeito, tendo sido praticado há cerca de 15 anos (Portaria n° 2606, de 23 de novembro de 1994), e não havendo indícios de má-fé, entende-se que pode ser reconhecida a decadência do direito de que dispõe a Administração para exercer o seu poder de autotutela (art. 54 da Lei n. 9.784/99), visto que transcorreram mais de cinco anos da concessão do ato de aposentadoria.
Como se viu, esse é o termo inicial do prazo decadencial - e não o registro pelo Tribunal de Contas -, porque o ato de aposentadoria não é ato complexo como afirma a jurisprudência hoje dominante no STF.
A nosso ver, esta é a solução jurídica que melhor atende ao senso de justiça e que melhor se amolda ao ordenamento jurídico vigente, porquanto prestigia a segurança jurídica, nos termos de recentes pronunciamentos do STJ e do STF sobre o tema.
Também a doutrina comunga desse entendimento, conforme se depreende das palavras de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
De fato, o princípio da segurança jurídica, há bastante tempo, vem sendo invocado pela doutrina nas vozes e palavras mais representativas, de modo que a possibilidade ilimitada de a Administração anular seus atos vem perdendo considerável força.
De fato, é necessário que haja uma estabilidade nas decisões judiciais e administrativas, principalmente as que atingem direito de terceiros. Não se pode permitir que se perenize a instabilidade das relações entre o cidadão e o Estado, notadamente, quando presente a boa-fé. É uma questão de segurança, de estabilidade e confiança - a verdadeira segurança jurídica, inafastável do Direito [...].15 (grifei)
Vale reproduzir também a conclusão a que chegou a Auditora Fiscal de Controle Externo Ana Carolina Costa no artigo "Uma visão social dos atos administrativos sujeitos a registro pelos tribunais de contas":
O poder-dever de a administração pública rever e anular por si própria seus atos administrativos eivados de vícios se traduz no conhecido princípio da autotutela administrativa. Referido princípio revela-se como uma ferramenta para concretizar o princípio da legalidade, pois seu objetivo reside em restaurar a legalidade quando esta for atingida por um ato administrativo viciado. A autotutela administrativa, entretanto, encontra limites baseados na necessidade de estabilização das relações sociais, na segurança jurídica, assim como na proteção da boa fé.
Desse modo, transcorrido o prazo quinquenal da expedição de um ato administrativo, via de regra, a administração pública fica impedida de rever e anular este ato. Contudo, transpondo tal regra para os casos dos atos de aposentadoria, verifica-se que a norma deve ser interpretada com cautela, face à natureza jurídica destes atos.
Os atos de aposentadoria, conforme orientação jurisprudencial sedimentada pelo STF são atos complexos, ou seja, somente se aperfeiçoam com a homologação final dos respectivos tribunais de contas.
Entretanto, recentes juristas e, inclusive recentemente, o próprio STJ têm apresentado críticas a essa concepção tradicional, trazendo a lume importante discussão acerca da natureza do ato de aposentadoria e da prevalência do princípio da segurança jurídica.
O art. 54 da Lei n. 9.784/99 é aplicável aos tribunais de contas, tendo em vista que tal norma vem consolidar o princípio da segurança jurídica. Ademais, uma visão mais ampla do tema não pode ficar adstrita à classificação do ato em complexo ou composto. Entende-se que a discussão acerca da classificação do ato de aposentadoria e até mesmo o próprio princípio da legalidade administrativa devem obrigatoriamente ceder diante dos princípios da segurança jurídica, boa-fé do administrado, proteção da confiança, da dignidade da pessoa humana e da lealdade.
Igualmente, o nítido caráter alimentar da verba intitulada "proventos" autorizam o entendimento de que esses aqueles princípios têm mais peso, prevalência e importância do que o princípio da legalidade.
Dessa forma, é salutar, imperioso e imprescindível que os tribunais de contas adotem, a exemplo de outros tribunais, um posicionamento pró-ativo e corajoso, solucionando de vez este "problema social" e atuando de forma tempestiva e eficaz.
Dessa forma, é importante consignar que a aplicação do art. 54 da Lei n. 9.784/99 às atividades de controle externo implica dizer que no exercício desta atribuição os tribunais de contas estão autorizados a reconhecer a convalidação dos atos de aposentadorias, em atendimento aos princípios da segurança jurídica, da boa-fé do administrado, proteção da confiança e dignidade da pessoa humana, que a cada dia vêm sendo reconhecidos nos tribunais pátrios como vigas mestras do estado democrático de direito.
Realmente, há que se ponderar o conflito de princípios incidentes no caso: de um lado, os princípios da legalidade, da supremacia do interesse público, e o que veda o enriquecimento ilícito, sem causa justa; de outro, os princípios da dignidade humana e da segurança jurídica. Dentre todos eles, é certo que os últimos devem prevalecer, em consonância com o preceito da máxima efetividade dos direitos fundamentais.16
A segurança jurídica implica na necessidade de se respeitarem situações consolidadas no tempo, tornando injustificável, assim, a imposição de retorno ao trabalho a servidores que se encontram aposentados há cerca de quinze anos - como é o caso dos autos.17
Não fosse isso, é inevitável reconhecer, dentro do contexto, que a inércia da Administração Pública acaba produzindo efeitos jurídicos. Importante ressaltar que o Tribunal de Contas, no exercício do seu dever institucional, também está sujeito a observar os princípios constitucionais da eficiência e da proteção da confiança legítima, bem como a garantia de duração razoável do processo, assim como afirmou o STJ. A despeito dos seus processos serem regulados por lei especial, os Tribunais de Contas não podem desprezar esta última garantia constitucional.18
Nesse passo, a fim de evitar que pelo decurso do tempo o Tribunal se veja impedido de exercer o controle de legalidade sobre os atos de aposentadoria, o TCE/SC editou a Resolução n. TC-35/2008 e a Instrução Normativa n. TC-07/2008, por meio das quais ficou estabelecido que as autoridades administrativas devem remeter tais atos em até 60 dias da sua publicação:
Resolução n. TC-35/2008
Art. 5º Além do envio de informações pelo e-Sfinge, devem ser remetidos ao Tribunal, na forma e prazos fixados em Instrução Normativa, os respectivos processos administrativos formalizados pelas unidades jurisdicionadas, referentes aos atos de pessoal mencionados no art. 3º desta Resolução, exceto os relativos aos atos de admissão de pessoal. (grifei)
Instrução Normativa n. TC-07/2008
Art. 1º O envio de documentos e informações necessários à apreciação da legalidade de atos de admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva e pensão, nos termos dos arts. 59, inciso III, da Constituição do Estado e 34 da Lei Complementar n. 202/2000, deve ser feito na forma e prazos previstos nesta Instrução Normativa.
Parágrafo único. A autoridade administrativa competente deve enviar ao Tribunal de Contas, por meio documental, no prazo de 60 dias contados da data da publicação do respectivo ato, os processos administrativos formalizados em decorrência de concessão de aposentadoria, reforma, transferência para a reserva e pensão, para fins de exame da legalidade e respectivo registro. (grifei)
A medida se destina a assegurar que os atos sejam remetidos para controle antes mesmo que transcorram os 5 anos do prazo decadencial, dando condições para o Tribunal de Contas cumprir com os princípios constitucionais anteriormente citados, e, principalmente, exercer de forma efetiva a competência que lhe foi atribuída no art. 71, III, da Constituição Federal.
Por fim, oportuno mencionar que a adoção da proposta III do estudo submetido à Corregedoria-Geral (Informação n° 54/2009), no sentido de ordenar o registro, é também a adotada por Tribunais de Contas de outros Estados, a exemplo do TCE de Minas Gerais, que chegou a sumular o entendimento:
SÚMULA 105 TCE/MG
Nas aposentadorias, reformas e pensões concedidas há mais de cinco anos, bem como nas admissões ocorridas em igual prazo, contado a partir da entrada do servidor em exercício, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos que a Administração já não puder anular, salvo comprovada má-fé.19
Assim, por tudo o que foi exposto, o parecer é pelo provimento do Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório analisado nestes autos, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica, eis que praticado há cerca de 15 anos.
No caso, sob análise, verifica-se que o ato que concedeu aposentadoria a servidora Celina da Silva Sartori , Decreto s/nº, data de 30/07/1997 (fls. 106 dos autos originários), ou seja, a concessão da aposentadoria ocorreu há a mais de 12 anos, operando-se a decadência do direito de anulá-lo.
Assim, de acordo com o Parecer COG nº 614/09 supracitado, sugere esta Consultoria o provimento deste Recurso de Reexame, a fim de ordenar o registro do ato aposentatório da referida servidora, por força da decadência do direito de anulá-lo e do princípio da segurança jurídica, eis que praticado há mais de 12 anos.
IV. CONCLUSÃO
COG, em 23 de novembro de 2009.
MARIANNE DA SILVA BRODBECK
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2009.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
A decadência por atingir o próprio direito é passível de arguição de ofício por atingir o próprio direito, nos termos do artigo 269, inciso IV do CPC.