ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00592710
Origem: Prefeitura Municipal de Videira
Interessado: Wilmar Carelli
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-694/09

Município. Serviços complementares de saúde. Contratação de instituições privadas.

Serviços médicos ambulatoriais, pequenos procedimentos cirúrgicos, expedição de carteiras de saúde, verificação de exames e demais procedimentos constantes da Tabela do SUS podem ser compreendidos como servidos complementares de saúde a serem oferecidos à população, dentro das normas prescritas pela Lei Federal nº 8.080/90 e a Portaria nº 2.277/06, do Ministério da Saúde.

A contratação de serviços complementares de saúde deve ocorrer somente após esgotada a capacidade instalada da rede pública, tanto própria quanto à vinculada a outro nível de governo, devendo atender os seguintes requisitos:

- Preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos;

- Celebração de convênio ou contrato conforme as normas de direito administrativo, prevalecendo o interesse público sobre o particular;

- Integração dos serviços privados às diretrizes organizativas do SUS;

- Prevalência dos princípios da universalidade, eqüidade, integralidade, etc.

Deve o poder público utilizar o sistema de credenciamento a todos os interessados, que se vincula ao manifesto interesse da administração em colocar à disposição da comunidade uma rede de profissionais da área da saúde, incluindo o preço a ser pago, previamente definidas e amplamente difundidas, as quais os interessados possam aderir.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Prefeito de Videira, Sr. Wilmar Carelli, expressa nos seguintes termos:

"Serviços médicos ambulatoriais, como consultas médicas, pequenos procedimentos cirúrgicos, expedição de carteiras de saúde, verificação de exames e demais procedimentos constantes na tabela SIA/SUS, não prestados em caráter de urgência e emergência, visando diminuir a concentração de atendimentos em hospital, ampliando a oferta de serviços de saúde à população de segunda à segunda-feira, durante as 24 (vinte e quatro) horas, podem ser compreendidos como serviços complementares de saúde oferecidos à população, nos termos da Portaria nº 3.277 de 22 de dezembro de 2006, podendo o Chefe do Poder Executivo contratar a iniciativa privada, mediante licitação pública, por enquadrar-se nos termos do artigo 199, § 1º da Constituição Federal, que prevê a complementaridade na contratação de instituições privadas para a prestação de serviços de saúde, tendo em vista que se encontra esgotada a capacidade de oferta de serviços de saúde com a mão-de-obra do Município?"

Este, o relatório.

PRELIMINARES

O consulente, na condição de Prefeito do Município de Videira, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal, consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento proposto, a mesma encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.

Observa-se ainda, que a consulta veio instruída com parecer da assessoria jurídica do Município referenciado, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC) e, neste sentido, opinamos pelo conhecimento da consulta.

MÉRITO

Na Constituição de 1988, a saúde ganhou uma seção específica na qual foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS). O art. 196 preconiza:

"Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem À redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação>"

Por seu turno, o art. 198 da mesma Carta estatui:

"Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram um rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade."

Foi instituído o princípio da universalidade no atendimento à saúde e, para cumprir tal princípio, foi facultado aos gestores do SUS lançar mão de serviços de saúde não estatais, de forma complementar à oferta pública dos mesmos.

O art. 199 da Constituição se reporta à possibilidade de serem os serviços públicos de saúde prestados por terceiros que não a Administração determinando que a participação de instituições privadas no Sistema deve seguir as diretrizes deste e ser mediada por contratos de direito público ou convênios.

As regulamentações do Sistema, principalmente a Lei Federal nº 8.080/90 e a Portaria nº 3.277, de 22 de dezembro de 2006, do Ministério da Saúde, trouxeram avanços significativos para a normatização da participação privada no SUS, que se traduz na compra de serviços de saúde pelo Poder Público.

Os princípios norteadores do Sistema prevêem que a compra de serviços de saúde deve ter caráter complementar à sua rede e dar preferência para a contratação de entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. Assim, a necessidade de contratar só se faz presente quando a rede pública é insuficiente, ou seja, os gestores do SUS somente devem contratar serviços privados depois de utilizada toda a capacidade instalada pública e ainda assim a prioridade de contratação deve ser dada às entidades referenciadas.

Vejamos o que diz a Profª. Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"A Constituição fala em contrato de direito público e em convênio. Com relação aos contratos, uma vez que necessariamente deve ser afastada a concessão de serviço público por ser inadequada para esse tipo de atividade; tem-se que entender que a Constituição está permitindo a terceirização, ou seja, os contratos de prestação de serviços tendo como objeto a execução de determinadas atividades complementares aos serviços do SUS, mediante remuneração pelos cofres públicos. Trata-se dos contratos de serviços regulamentados pela Lei nº 8.883, de 08 de junho de 1994.

[...]

É importante realçar que a Constituição, no dispositivo citado, permite a participação de instituições privadas de 'forma complementar', o que afasta a possibilidade de que o contrato tenha por objeto o próprio serviço de saúde como um todo, de tal modo que o particular assuma a gestão de determinado serviço. Não pode, por exemplo, o Poder Público transferir a uma instituição privada toda a administração e execução das atividades de saúde prestadas por um hospital público ou por um centro de saúde; o que pode o Poder Público é contratar instituições privadas para prestar atividades-meio, como limpeza, vigilância, contabilidade, ou mesmo determinados serviços técnicos-especializados, como os inerentes aos hemocentros, realização de exames médicos, consultas, etc.; nesses casos está transferindo apenas a execução material de determinadas atividades ligadas ao serviço de saúde, mas não a sua gestão operacional." (Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 1996).

Conforme já se viu, a contratação de serviços de saúde só deve ser feita de forma a complementar a rede pública. Nesse sentido, a contratação de serviços deve ocorrer somente após esgotada a capacidade instalada da rede pública, tanto própria quanto à vinculada a outro nível de governo, devendo atender os seguintes requisitos:

1. Preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos;

2. Celebração de convênio ou contrato conforme as normas de direito administrativo, prevalecendo o interesse público sobre o particular;

3. Integração dos serviços privados às diretrizes organizativas do SUS;

4. Prevalência dos princípios da universalidade, eqüidade, integralidade, etc.

Os contratos e convênios no Brasil são regulados pela Lei nº 8.666/93, que dispõe:

"Art. 2º - [...]

Parágrafo único - Considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada."

Da mesma forma, conforme o art. 116 do mesmo instrumento legal:

"Art. 116 - Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração."

Assim, os ajustes firmados entre os próprios gestores do SUS, como os Convênios ou os Termos de Compromisso entre entes públicos, devem observar, no que couber, as determinações expressas na Lei.

Sob outro aspecto, a Lei nº 8.080/90, estabelece:

"Art. 16 - À direção nacional do Sistema Único de Saúde-SUS compete:

[...]

XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde-SUS e os serviços privados contratados de assistência à saúde."

A mesma Lei também determina:

"Art. 18 - À direção municipal do Sistema Único de Saúde-SUS, compete:

[...]

X - observado o disposto no artigo 26 desta lei, celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução."

Assim, todo e qualquer ajuste entre os gestores do SUS e prestadores privados deve ser regulado por alguma forma de contrato, devendo ser respeitadas as condições de competição entre entidades prestadoras de serviços de saúde interessadas em participar de forma complementar ao SUS.

O entendimento e a prática consolidada é o de que os contratos firmados entre os gestores públicos para compra de serviços de saúde devem estabelecer os preços vigentes na Tabela/SUS.

É recomendável, então, que o poder público utilize o sistema de credenciamento a todos os interessados, que se vincula ao manifesto interesse da administração em colocar à disposição da comunidade uma rede de profissionais da área da saúde, incluindo o preço a ser pago, previamente definidas e amplamente difundidas, as quais os interessados possam aderir.

Portanto, serviços médicos ambulatoriais, pequenos procedimentos cirúrgicos, expedição de carteiras de saúde, verificação de exames e demais procedimentos constantes da Tabela do SUS podem ser compreendidos como serviços complementares de saúde a serem oferecidos à população, dentro das normas prescritas pela Lei Federal nº 8.080/90 e a Portaria nº 2.277/06, do Ministério da Saúde.

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando que:

- o consulente, na condição de Prefeito do Município de Videira, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 1º, inciso XV da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 103, inciso II, do Regimento Interno do TCE/SC;

- que a consulta trata de matéria de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.

Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator Julio Garcia, que submeta voto ao egrégio Colegiado, sobre consulta formulada pelo Sr. Wilmar Carelli, para respondê-la nos termos deste opinativo, que em síntese propõe:

1.1. Serviços médicos ambulatoriais, pequenos procedimentos cirúrgicos, expedição de carteiras de saúde, verificação de exames e demais procedimentos constantes da Tabela do SUS podem ser compreendidos como servidos complementares de saúde a serem oferecidos à população, dentro das normas prescritas pela Lei Federal nº 8.080/90 e a Portaria nº 2.277/06, do Ministério da Saúde.

1.2. A contratação de serviços complementares de saúde deve ocorrer somente após esgotada a capacidade instalada da rede pública, tanto própria quanto à vinculada a outro nível de governo, devendo atender os seguintes requisitos:

1.2.1. Preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos;

1.2.2. Celebração de convênio ou contrato conforme as normas de direito administrativo, prevalecendo o interesse público sobre o particular;

1.2.3. Integração dos serviços privados às diretrizes organizativas do SUS;

1.2.4. Prevalência dos princípios da universalidade, eqüidade, integralidade, etc.

1.3. Deve o poder público utilizar o sistema de credenciamento a todos os interessados, que se vincula ao manifesto interesse da administração em colocar à disposição da comunidade uma rede de profissionais da área da saúde, incluindo o preço a ser pago, previamente definidas e amplamente difundidas, as quais os interessados possam aderir.

2. Determinar que seja dado ciência desta decisão, do Parecer COG-694/09 e do Voto ao consulente.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral