ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00730021
Origem: Prefeitura Municipal de Lages
Interessado: Renato Nunes de Oliveira
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-014/10

Norma. Eficácia retroativa.

A eficácia normativa retroativa é admitida como exceção no ordenamento jurídico pátrio, o que requer que haja expressa disposição no texto legal, posto que não se presume, além de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

1. RELATÓRIO

O Exmo. Prefeito Municipal de Lages, Senhor Renato Nunes de Oliveira, por meio de expediente recepcionado nesta Corte de Contas em 08 de dezembro de 2009, formulou consulta a esta Corte de Contas nos termos seguintes:

Supondo que o plano de cargos e carreiras de servidores públicos estatutários faça a previsão da possibilidade de determinados servidores realizarem hora plantão, desde que os valores atribuídos à título de remuneração esteja previsto em lei específica.

Supondo, ainda, que alguns servidores estivessem realizando hora plantão sem a existência desta lei específica e desta forma sem receber pelos valores devidos;

Supondo que esta lei específica tenha sido editada alguns meses após o início da realização desta ora plantão pelos servidores, na qual consta expressamente que sua vigência dar-se-á a partir de sua publicação;

Supondo que esta lei não estendeu de forma retroativa o pagamento da hora-plantão;

Questiona-se:

1) Da legalidade desta lei regulamentadora prever em seu texto, expressamente, o pagamento retroativo da hora plantão que já tivesse sido realizada!

2) Ou o correto seria o pagamento da hora plantão somente após a sua vigência, ou seja, a partir de sua publicação?

3) Ou seria legal o pagamento da hora plantão mesmo realizada em período que não houvesse lei autorizativa, desde que ficasse comprovada a necessidade pública do serviço e a sua efetiva realização, como cartão ponto e relatório de atividades realizadas?

A autoridade solicita o conhecimento da Consulta e sua apreciação, de forma a esclarecer o entendimento deste Egrégio Tribunal sobre o assunto proposto.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

Prefacialmente, cabe a análise das formalidades inerentes às consultas, definidas no artigo 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução n. 06/2001), in verbis:

2.1 Da legitimidade do Consulente

A consulta em apreço tem por subscritor o Prefeito Municipal de Lages, o qual, à luz do disposto no artigo 103, II, da Res. nº 06/01 - Regimento Interno, tem legitimidade para a subscrição da peça indagativa, vencendo, destarte, o requisito constante no inciso III do artigo 104 do mesmo diploma regimental.

2.2 Da competência em razão da matéria

A matéria versada na consulta trata da possibilidade de lei municipal prever o pagamento de hora plantão de forma retroativa, tema que pertine à competência desta Corte de Contas por envolver dispêndio público, o que legitima este Tribunal a manifestar-se sobre o indagado, superando, assim, a condicionante posta no inciso I do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

2.3 Do objeto

Do teor do inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como do inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000 e art. 104, II, do Regimento Interno do Tribunal, extrai-se que as consultas endereçadas ao Tribunal de Contas devem versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, o que se se verifica na peça em apreço.

2.4 Indicação precisa da dúvida

A consulta indica de forma precisa qual a dúvida do Consulente, atendendo ao disposto no inciso IV do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.

2.5 Parecer da Assessoria Jurídica

A consulta não se faz acompanhada do parecer jurídico do ente Consulente, desatendendo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.

2.6. Do exame dos pressupostos de admissibilidade

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que somente o requisito previsto no art. 104, V do Regimento Interno (instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão consulente) não restou preenchido. Nesse caso, o § 2° do art. 105 do RI permite ao Tribunal Pleno o conhecimento da consulta, cabendo esta ponderação ao Exmo. Relator, bem como aos demais julgadores.

3. DISCUSSÃO

A retroatividade dos efeitos de uma norma é tema controvertido. Isso ocorre porque, embora a Constituição Federal não a vede expressamente, a retroatividade poderia interferir, segundo alguns doutrinadores, na garantia da segurança jurídica, da moralidade e da legalidade administrativa.

De forma expressa, a Constituição Federal vedou a retroatividade penal (art. 5°, XL) e a cobrança de tributos de fatos geradores anteriores à vigência da lei (art. 150, III, 'a').

Além disso, a Carta Magna da República manteve a proteção à tríade direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5°, XXXVI), amparada desde 1942 pelo Decreto-lei n° 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro - LICC)1. Rege o dispositivo constitucional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Especificamente quando ao início do prazo de vigência das leis pátrias, a LICC dispõe:

Art. 1°. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

(...)

Dos que não admitem a atribuição de efeito retroativo à norma, Celso Ribeiro Bastos aduz que somente a Constituição de 1937 previu a possibilidade de retroação da lei:

Salvo a Constituição de 1937, toda as demais Constituições mantiveram-se fiéis à sacrossanta irretroatividade, respeitada, sempre, a formulação técnica consistente no resguardo da já clássica trilogia (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).2

Nos termos do Parecer 0263/09 do Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM, de lavra do Assessor Jurídico Gustavo da Costa Ferreira M. dos Santos, salvo em casos excepcionais, é inviável a edição de leis e demais atos normativos com efeitos retroativos:

Todavia, ao discorrer sobre a retroatividade de leis, os Tribunais, de forma majoritária, vem admitindo sua possibilidade jurídica na forma de exceção, desde que haja expressa disposição no texto legal, posto que não se presume, além do dever de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme art. 5°, XXXVI da Constituição Federal e art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil.

Segundo Washington de Barros Monteiro: