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Processo n°: | CON - 09/00730021 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Lages |
Interessado: | Renato Nunes de Oliveira |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-014/10 |
Norma. Eficácia retroativa.
A eficácia normativa retroativa é admitida como exceção no ordenamento jurídico pátrio, o que requer que haja expressa disposição no texto legal, posto que não se presume, além de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O Exmo. Prefeito Municipal de Lages, Senhor Renato Nunes de Oliveira, por meio de expediente recepcionado nesta Corte de Contas em 08 de dezembro de 2009, formulou consulta a esta Corte de Contas nos termos seguintes:
Supondo que o plano de cargos e carreiras de servidores públicos estatutários faça a previsão da possibilidade de determinados servidores realizarem hora plantão, desde que os valores atribuídos à título de remuneração esteja previsto em lei específica.
Supondo, ainda, que alguns servidores estivessem realizando hora plantão sem a existência desta lei específica e desta forma sem receber pelos valores devidos;
Supondo que esta lei específica tenha sido editada alguns meses após o início da realização desta ora plantão pelos servidores, na qual consta expressamente que sua vigência dar-se-á a partir de sua publicação;
Supondo que esta lei não estendeu de forma retroativa o pagamento da hora-plantão;
Questiona-se:
1) Da legalidade desta lei regulamentadora prever em seu texto, expressamente, o pagamento retroativo da hora plantão que já tivesse sido realizada!
2) Ou o correto seria o pagamento da hora plantão somente após a sua vigência, ou seja, a partir de sua publicação?
3) Ou seria legal o pagamento da hora plantão mesmo realizada em período que não houvesse lei autorizativa, desde que ficasse comprovada a necessidade pública do serviço e a sua efetiva realização, como cartão ponto e relatório de atividades realizadas?
A autoridade solicita o conhecimento da Consulta e sua apreciação, de forma a esclarecer o entendimento deste Egrégio Tribunal sobre o assunto proposto.
Prefacialmente, cabe a análise das formalidades inerentes às consultas, definidas no artigo 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas (Resolução n. 06/2001), in verbis:
2.1 Da legitimidade do Consulente
A consulta em apreço tem por subscritor o Prefeito Municipal de Lages, o qual, à luz do disposto no artigo 103, II, da Res. nº 06/01 - Regimento Interno, tem legitimidade para a subscrição da peça indagativa, vencendo, destarte, o requisito constante no inciso III do artigo 104 do mesmo diploma regimental.
2.2 Da competência em razão da matéria
A matéria versada na consulta trata da possibilidade de lei municipal prever o pagamento de hora plantão de forma retroativa, tema que pertine à competência desta Corte de Contas por envolver dispêndio público, o que legitima este Tribunal a manifestar-se sobre o indagado, superando, assim, a condicionante posta no inciso I do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.
2.3 Do objeto
Do teor do inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como do inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000 e art. 104, II, do Regimento Interno do Tribunal, extrai-se que as consultas endereçadas ao Tribunal de Contas devem versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese, o que se se verifica na peça em apreço.
2.4 Indicação precisa da dúvida
A consulta indica de forma precisa qual a dúvida do Consulente, atendendo ao disposto no inciso IV do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.
2.5 Parecer da Assessoria Jurídica
A consulta não se faz acompanhada do parecer jurídico do ente Consulente, desatendendo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.
2.6. Do exame dos pressupostos de admissibilidade
Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que somente o requisito previsto no art. 104, V do Regimento Interno (instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão consulente) não restou preenchido. Nesse caso, o § 2° do art. 105 do RI permite ao Tribunal Pleno o conhecimento da consulta, cabendo esta ponderação ao Exmo. Relator, bem como aos demais julgadores.
3. DISCUSSÃO
A retroatividade dos efeitos de uma norma é tema controvertido. Isso ocorre porque, embora a Constituição Federal não a vede expressamente, a retroatividade poderia interferir, segundo alguns doutrinadores, na garantia da segurança jurídica, da moralidade e da legalidade administrativa.
De forma expressa, a Constituição Federal vedou a retroatividade penal (art. 5°, XL) e a cobrança de tributos de fatos geradores anteriores à vigência da lei (art. 150, III, 'a').
Além disso, a Carta Magna da República manteve a proteção à tríade direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5°, XXXVI), amparada desde 1942 pelo Decreto-lei n° 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro - LICC)1. Rege o dispositivo constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Especificamente quando ao início do prazo de vigência das leis pátrias, a LICC dispõe:
Art. 1°. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
(...)
Dos que não admitem a atribuição de efeito retroativo à norma, Celso Ribeiro Bastos aduz que somente a Constituição de 1937 previu a possibilidade de retroação da lei:
Salvo a Constituição de 1937, toda as demais Constituições mantiveram-se fiéis à sacrossanta irretroatividade, respeitada, sempre, a formulação técnica consistente no resguardo da já clássica trilogia (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).2
Nos termos do Parecer 0263/09 do Instituto Brasileiro de Administração Municipal - IBAM, de lavra do Assessor Jurídico Gustavo da Costa Ferreira M. dos Santos, salvo em casos excepcionais, é inviável a edição de leis e demais atos normativos com efeitos retroativos:
Todavia, ao discorrer sobre a retroatividade de leis, os Tribunais, de forma majoritária, vem admitindo sua possibilidade jurídica na forma de exceção, desde que haja expressa disposição no texto legal, posto que não se presume, além do dever de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme art. 5°, XXXVI da Constituição Federal e art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil.
Segundo Washington de Barros Monteiro:
A propósito, José Afonso da Silva assenta:
Do Supremo Tribunal de Justiça, faz-se mister trazer à baila as esclarecedoras e persuasivas razões de voto proferidas pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no trato da questão em comento:
(...)
5. Quanto à eficácia retroativa das leis, que envolve a questão da sua força para regular fatos do passado (facta praeterita), assinale-se que, em regra, não é aceitável, tendo em vista a generalizada idéia de que as leis dispõem para o futuro, conforme assimilado pelo art. 1°. da Lei de Introdução do Código Civil (LICC), nestes termos:
Art. 1°. - Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.
6. Essa orientação, aliás, segundo a precisa informação ministrada pelo eminente Professor RUBENS LIMONGI FRANÇA, remonta às experiências civilizatórias mais antigas, encontrando-se nas suas vetustas legislações a proibição de as leis retroagirem (A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido, RT, São Paulo, 1982, Cap. I); no mesmo sentido as anotações do Professor JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOSO (Da Retroatividade da Lei, RT, São Paulo, 1995, p. 253 e segs.).
7. Entretanto, como se observa nesse mesmo art. 1°. da LICC, o sistema jurídico admite que a regra da vigência da lei após 45 dias de sua publicação seja excepcionada; isso quer dizer que o prazo de 45 dias poderá ser alterado para mais ou para menos, significando também que poderá ter aplicação retroativa (para regular fatos anteriores à sua edição), bastando que contenha a tal cláusula excepcionante.
8. Portanto, pode-se afirmar, seguramente, que a lei que contiver essa cláusula tem aplicação retroativa; a presença dessa ressalva, portanto, permite a conclusão de que a retroatividade normativa é possível ou é aceitável e admitida pelo ordenamento jurídico nacional, exigindo-se, como sua condição primária, que a lei emergente contenha a disposição excepcionante da sua normal aplicação ad futurum.
9. Entretanto, a presença do dispositivo que preveja a respectiva retroação, embora necessária, não se mostra suficiente à realização desse excepcional fenômeno jurídico, eis que, mesmo eventualmente contendo a cláusula que autorize a sua aplicação retroativa, impõe-se que essa retroatividade não infrinja o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada; o respeito a essa tríade é um autêntico dogma do Direito moderno, não se podendo desconhecer que se trata de preceito que põe a salvo as situações consolidadas, protegendo-as contra a inovação legislativa. Por conseguinte, duas serão as precondições para que uma lei possa ter aplicação a fatos passados:
(a) que contenha expressamente a disposição excepcionadora inserta no art. 1°. da LICC e
(b) respeite o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como vem proclamado no art. 6°., da mesma LICC.
10. No caso em julgamento, verifica-se que a norma legal afluente (ou nova) destacou a retroatividade a 1° de março de 2000 só e somente dos valores pertinentes ao vencimento básico dos Procuradores da Fazenda Nacional, conforme explicitado no art. 3°. da Lei 10.549/2002, nada dispondo a respeito das demais parcelas integrantes da remuneração da Categoria.
11. Ressalte-se, por evidente, que a Lei em apreço poderia conter disposição que previsse a retrooperância de todos os seus artigos e, nessa hipótese, é claro que não se haveria de discutir se esse ou aquele dispositivo não teria aplicação a fatos pretéritos (porque a retrooperância seria da lei como um todo), mas o certo é que a norma previu a retroatividade de apenas um dos seus dispositivos, precisamente o que fixa o valor do vencimento básico dos Procuradores da Fazenda Nacional. (...) (STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 963.680 - RS (2007/0143660-5). RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. RECORRENTE : DEYSI CRISTINA DA'ROLT. ADVOGADO : DANYELE GRACE DA'ROLT. RECORRIDO: UNIÃO. Data do julgamento: 30/10/2008).
Seguindo este mesmo raciocínio, o Supremo Tribunal Federal se manifestou:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA PROVISÓRIA DE CARÁTER INTERPRETATIVO - LEIS INTERPRETATIVAS - A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA - PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE - CARÁTER RELATIVO - LEIS INTERPRETATIVAS E APLICAÇÃO RETROATIVA - REITERAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA SOBRE MATÉRIA APRECIADA E REJEITADA PELO CONGRESSO NACIONAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - AUSÊNCIA DO "PERICULUM IN MORA" - INDEFERIMENTO DA CAUTELAR.
É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. - As leis interpretativas - desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo - não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. - Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional. - A questão da interpretação de leis de conversão por medida provisória editada pelo Presidente da República. - O princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao "status libertatis" da pessoa (CF, art. 5. XL), (b) ao "status subjectionais" do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, "a") e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5., XXXVI). - Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. - As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. - A questão da retroatividade das leis interpretativas. (STF. Adin 605 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgamento em 23/10/91. DJ. 05/03/93. Rel. Min. Celso de Mello).
Em recente acórdão, a Egrégia Corte Catarinense decidiu conforme o STJ, nos seguintes termos:
ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - UDESC - LC N. 345/2006 - ENQUADRAMENTO E REENQUADRAMENTO - CONSOLIDAÇÃO POR MEIO DA LEI N. 396/2007 - RETROATIVIDADE - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA
Ao reconhecer a eficácia retroativa de determinada lei complementar, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, acolheu na íntegra o Parecer n° 27/2003 da lavra do Auditor Substituto de Conselheiro Cesar Viterbo Matos Santolim que argumenta:
(...)
No novo texto, e outra vez à luz da sua literalidade (como preconizava o Parecer n° 17/2002), há expressa previsão de retroatividade da regra o que é perfeitamente possível, uma vez que a lei não pode retroagir para prejudicar o direito adquirido ou o ato jurídico perfeito, mas pode fazê-lo para outorgar ou ampliar direitos. (...).
Segundo o novel ordenamento, aplicável aos casos constituídos antes da sua vigência diante da sua explícita retroatividade, a incorporação da GPS faz-se à razão de 4% (1/5 de 20%) ao ano, o que, no caso em espécie, resulta no direito da servidora em incorporar a vantagem de 12% (ou 3/5 de 20%), como lhe foi deferido. (Processo n° 20200-12.04/03-2. Primeira câmara. Sessão em 16/12/2003). (Grifo nosso).
Conforme se denota do projeto de resolução encaminhado por esta Casa à Assembléia Legislativa Catarinense, que altera a Lei Complementar (Estadual) n° 255/04, este também foi o posicionamento adotado por este Tribunal de Contas. Segue excerto de autoria do eminente Conselheiro Salomão Ribas Junior acerca da possibilidade das leis produzirem efeitos pretéritos:
1) Da legalidade desta lei regulamentadora prever em seu texto, expressamente, o pagamento retroativo da hora plantão que já tivesse sido realizada:
2) Ou o correto seria o pagamento da hora plantão somente após a sua vigência, ou seja, a partir de sua publicação?
3) Ou seria legal o pagamento da hora plantão mesmo realizada em período que não houvesse lei autorizativa, desde que ficasse comprovada a necessidade pública do serviço e a sua efetiva realização, como cartão ponto e relatório de atividades realizadas?
O pagamento da hora plantão depende de lei autorizativa, conforme respondido nos itens 1 e 2.
1. que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal, nos termos dos incisos II do art. 103 e III do art. 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas;
2. que a consulta trata de situações em tese, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;
3. que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ser efetuada pelo Sr. Relator e demais julgadores;
Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Relator Wilson Rogério Wan-Dall que conheça da consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Lages, Sr. Renato Nunes de Oliveira, e submeta voto ao egrégio Plenário nos termos deste parecer, que em síntese propõe:
1. Responder a consulta em tese nos seguinte termos:
1.1. Segundo a jurisprudência dominante, a eficácia normativa retroativa é admitida como exceção no ordenamento jurídico pátrio, o que requer que haja expressa disposição no texto legal, posto que não se presume, além de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme art. 5°, XXXVI da Constituição Federal e art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil;
2. Dar ciência da decisão, do relatório e voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer, ao Sr. Renato Nunes de Oliveira, Prefeito Municipal de Lages.
COG, em 12 de fevereiro de 2010.
Andressa Zancanaro de Abreu
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/2010.
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
Coordenador de Consultas
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Conselheiro Relator Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2010.
Consultora Geral 2
BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996. 3
MONTEIRO, Washington de Barros. Atualizado por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. Curso de direito civil, Saraiva, 2003, 39ª ed., p. 32. 4
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª ed., Editora RT, 1989, págs. 374, 375.
(...)
Como é sabido, as normas legais são, em princípio, expedidas para disciplinar as situações futuras. O passado escapa ao seu império e sua eficácia restringe-se, em regra, exclusivamente, aos atos praticados durante o período da sua existência. A retroatividade é admitida, apenas, em casos excepcionais, para atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, tal como dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil (DL nº 4.657/42, art. 5º).
(...)
A edição de leis com efeitos retroativos para disciplinar a atividade da Administração Pública é, ainda, indício do descumprimento do princípio da Legalidade (art. 37, caput, da CRFB), porquanto aponta para provável existência de atos administrativos editados sem a devida previsão legal. É o caso do exemplo trazido pela consulente, em que foram distribuídos tíquetes-alimentação sem qualquer previsão legal. É de se ressaltar que a medida pode sujeitar o administrador à responsabilização na forma da lei, de acordo com a natureza do ato ilegal e o sujeito que o houver praticado, visto que a autoridade pública, por força do princípio da legalidade expresso no art. 37, caput da CF apenas pode fazer o que a lei autoriza, resultando nulos e ineficazes os atos que não tiverem previsão legal.
Concluímos, portanto, que salvo em hipóteses excepcionais, é inviável a edição de leis e demais atos normativos com efeitos retroativos. Rememoramos, por derradeiro, que tais atos podem vir a ser considerados inválidos pelo Poder Judiciário, bem como sujeitar os administradores à responsabilização.
A Constituição não repugna necessariamente a retroatividade. Ela é possível se não ofender situações jurídicas sacramentadas ou, usando das expressões mais comuns, não atingidos o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada (art. 5º, inc. XXXVI). Só que, para haver a retroatividade, a norma deve ter previsão quanto a esse aspecto: 'a retroatividade é a exceção e não se presume. Deve decorrer de determinação legal, expressa e inequívoca, embora não se requeiram palavras Sacramentais. 3
Vale dizer, portanto, que a Constituição não veda a retroatividade da lei, a não ser da lei penal que não beneficie o réu. Afora isto, o princípio da irretroatividade da lei não é de Direito Constitucional, mas princípio geral de Direito. Decorre do princípio de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Isto é: são feitas para reger situações que se apresentem a partir do momento em que entram em vigor. Só podem surtir efeitos retroativos, quando elas próprias o estabeleçam (vedado em matéria penal, salvo a retroatividade benéfica ao réu), resguardados os direitos adquiridos e as situações consumadas evidentemente. 4
"A retroatividade normativa é sem dúvida alguma admitida no ordenamento jurídico brasileiro, conforme se pode extrair do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, mas se requer (a) que haja expressa disposição nesse sentido e (b) que sejam respeitados o direito adquirido, o ato perfeito e a coisa julgada (arts. 5º, XXXVI da Carta Magna e 6º da LICC); entende-se por retroativa a norma que produz efeitos quanto a fatos anteriores à sua edição" (STJ, REsp 963680/RS, Min. Napoleão Nunes Maia Filho). (Apelação Cível n. 2009.047110-3, de Capital Relator: Luiz Cézar Medeiros. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público. Data: 03/02/2010).
(...)
Quanto ao período de abrangência da regra que assegura o direito a estabilidade financeira, não se vislumbra nenhum óbice constitucional e legal. Ainda que a regra seja a produção de efeitos futuros, a Constituição só estabelece vedação expressa de retroatividade para as leis penais agravantes ou tributárias da mesma natureza. Para beneficiar a lei não só pode como deve retroagir. A considerar, ainda, que nos demais casos o que se exige é expressa menção na lei, vedada a livre extensão. O que de resto é resolvido adequadamente pela Redação do anteprojeto. São comuns e numerosos os casos de efeitos retroativos para beneficiar servidores públicos (Leis Complementares Estaduais n°s 421/2008; 455/2008; 102/1993; 137/2005 e; 183/1999).
Não por outra razão, a própria Constituição Federal ao fixar a estabilidade dos servidores admitidos sem concurso público alcançou os 5 (cinco) anos pretéritos à sua promulgação (CF/88, art. 19 do ADCT). (...) (Processo n° PNO 09/00593792. Unidade Gestora Tribunal de Contas de Santa Catarina. Interessado José Carlos Pacheco Presidente do TCESC. Assunto Projeto de Resolução Altera a Lei Complementar n° 255/04. Relatório n° 1.051/2009).
Ante os posicionamentos expostos, passa-se a responder aos questionamentos formulados pelo Consulente:
Segundo a jurisprudência dominante, a eficácia normativa retroativa é admitida como exceção no ordenamento jurídico pátrio, o que requer que haja expressa disposição no texto legal, posto que não se presume, além de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme art. 5°, XXXVI da Constituição Federal e art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil.
A vigência e a eficácia normativa são institutos que não se confundem. O pagamento da hora-plantão só poderá ser efetuado pela Administração Pública após a vigência da lei que instituiu o benefício (geralmente a partir da data de sua publicação). Todavia, conforme esclarecido no item 1, a lei, ou parte dela, produzirá efeitos a partir da data nela especificada, podendo ocasionar a eficácia retroativa da norma se a data estabelecida se referir ao passado, desde que respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme art. 5°, XXXVI da Constituição Federal e art. 6° da Lei de Introdução ao Código Civil.
4. CONCLUSÃO
Em consonância com o acima exposto e considerando:
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
Art. 6º. A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei n 3.238, de 1.8.1957)