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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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Processo n°: |
REC - 09/00597607 |
Origem: |
Fundo Municipal de Saúde de Água Doce |
Interessado: |
Nelci Fátima Trento Bortolini |
Assunto: |
Recurso de Reconsideração contra a decisão n. 1161/2009 do PCA-08/00070402 |
Parecer n° |
COG-60/2010 |
Recurso de Reconsideração. Fundo Municipal de Saúde. Contratação temporária de profissionais da saúde não enquadráveis no conceito de agentes comunitários e aos agentes de combate à endemia. Não aplicação do regime jurídico especial do art. 198, § 5º, da Constituição, e da Lei nº 11.350/06. Atividade permanente e contínua. Necessidade de concurso público. Excepcionalidade não configurada. Regime jurídico do art. 37, I e II, da Constituição.
1. O regime jurídico aplicável aos profissionais da saúde (médicos, dentistas, psicólogos e enfermeiros) não se confunde com o regime jurídico especial do art. 198, § 5º, da Constituição, e da Lei nº 11.350/06, aplicável apenas ao agentes comunitários e aos agentes de combate à endemia.
2. Os cargos de médico, dentista, psicólogo, enfermeiro, entre outros, cujas atividades são típicas, permanentes e contínuas, devem ser ocupados por servidores efetivos e providos mediante concurso público.
3. Nos termos do art. 37, I, II, e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, é vedada a contratação temporária fora da hipótese de necessidade temporária de excepcional interesse público.
4. A contratação temporária exige edição de lei municipal específica autorizadora, que estabeleça o prazo de contratação, a forma de seleção e as demais condições, observada a excepcionalidade e a temporariedade da medida (Prejulgado 1.277).
Senhora Consultora,
RELATÓRIO
Tratam os presentes autos de Recurso de Reconsideração interposto pela Sra. Nelci Trento Bortolini, Presidente do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce no exercício de 2007, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, em face do Acórdão nº 1.161/2009 (fls. 144-145), proferido nos autos da Prestação de Contas de Administrador nº 08/00070402, que julgou irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, b, c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar nº 202/2000, as contas anuais do exercício de 2007, referentes a atos de gestão do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce (art. 101 da Lei 4.320/64). A decisão imputou à recorrente multa de R$ 600,00 (seiscentos reais), aplicada em face da contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento do Programa de Saúde da Família - PSF, em desacordo com o estabelecido no art. 16 da Lei nº 11.350/2006, bem como do Prejulgado nº 1867 deste Tribunal de Contas.
O Fundo Municipal de Saúde de Água Doce remeteu, em 31/01/2008, por meio do Ofício nº 2/2008, cópia do Balanço Geral do exercício de 2007 (fls. 2-30), nos termos do art. 8º, art. 9º, I, a, e art. 187, II, a, do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Resolução nº TC-06/2001).
Nos Relatórios de Instrução nº 2.768/2008 e nº 4.332/2008, a Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) apontou irregularidades, sugerindo a citação da responsável, Nelco Fátima Trento Bortolini (fls. 31-36/40-45).
A citação foi determinada por despacho do Exmo. Sr. Relator, o Conselheiro Salomão Ribas Junior, à fl. 47, nos termos do art. 15, II, da LCE nº 202/00.
A responsável apresentou defesa às fls. 49-85.
A Diretoria de Controle dos Municípios (DMU) apresentou relatório às fls. 87-113 (nº 676/2009).
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas exarou parecer às fls. 115-124.
Às fls. 125-131, a responsável juntou documentos.
Conclusos os autos ao Relator, Conselheiro Salomão Ribas Junior, foi lavrado voto às fls. 134-143.
Em sessão ordinária realizada em 24/08/2009, o Tribunal Pleno, por unanimidade, acompanhou o voto do Relator, Conselheiro Salomão Ribas Junior (fls. 134-143), lavrando o Acórdão nº 1.161/2009, nos seguintes termos (fls. 144-145):
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição Estadual e 1º da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, alínea "b", c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas anuais de 2007 referentes a atos de gestão do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce, no que concerne ao Balanço Geral composto das Demonstrações de Resultados Gerais, na forma dos anexos e demonstrativos estabelecidos no art. 101 da Lei (federal) n. 4.320/64, de acordo com os pareceres emitidos nos autos.
6.2. Aplicar à Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini - Presidente do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce em 2007, CPF n. 517.949.269-68, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento ao Programa de Saúde da Família - PSF, em desacordo com o estabelecido no art. 16 da Lei n. 11.350/2006, bem como entendimento deste Tribunal de Contas expresso no Prejulgado n. 1867 (item III-A.1.3 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Recomendar ao Fundo Municipal de Saúde de Água Doce a adoção de providências visando:
6.3.1. à correção das restrições a seguir relacionadas, apontada no Relatório DMU, e à prevenção da ocorrência de outras semelhantes, sob pena de possível aplicação de multa em face do não atendimento das recomendações desta Corte de Contas, conforme art. 70, III, da Lei Complementar n. 202/00:
6.3.1.1. Classificação de despesas públicas em elemento impróprio, em desacordo com a codificação prevista na Portaria Interministerial n. 163/2001 (item III-A.1.1 do Relatório DMU);
6.3.1.2. Despesas, no valor de R$ 21.179,76, classificadas em programas de saúde, não elegíveis como "Ações e Serviços Públicos de Saúde", nos termos das normas previstas na Emenda Constitucional n. 29, e também porque não se enquadram dentre aqueles afetos à atuação do SUS no âmbito municipal, consoante disposto na Lei (federal) n. 8.080/90, art. 18 (item III-A.1.5 do Relatório DMU);
6.3.1.3. Ausência do recolhimento da totalidade da contribuição previdenciária incidente sobre despesas com serviços de terceiros (pessoa física), podendo caracterizar o não-recolhimento da parte da empresa à Seguridade Social, em descumprimento ao que dispõe o art. 22, inciso III, da Lei (federal) n. 8.212/91, que trata da organização da Seguridade Social (item III-B.1.1 do Relatório DMU).
6.3.2. avaliar quais os segmentos atendidos pelas entidades privadas ou pessoas físicas deveriam estar sendo prestados pela própria Administração Pública, adotando as devidas providências, inclusive concurso público ou processo licitatório, se for o caso, e quais segmentos enquadram-se na complementação do Sistema Único de Saúde - SUS, nos termos do § 1° do art. 199 da Constituição Federal, devendo ser, nestes casos, cumpridos todos os requisitos fixados na Portaria n. 3.277/2006, do Ministério da Saúde.
6.4. Representar à Delegacia da Receita Federal do Brasil de Florianópolis - 9ª Região Fiscal acerca da ausência da contribuição previdenciária incidente sobre despesas com serviços de terceiros (pessoa física), podendo caracterizar o não recolhimento da parte da empresa à Seguridade Social, em descumprimento ao que dispõe o art. 22, III, da Lei (federal) n. 8.212/91.
6.5. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 676/2009, à Prefeitura Municipal de Água Doce, ao Fundo de Saúde daquele Município, à Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini - Presidente daquele Fundo em 2007, e ao responsável pelo controle interno de Água Doce.
O Acórdão foi publicado em 10/09/2009, no Diário Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina nº 332.
Em 06/10/2009, a Sra. Nelci Trento Bortolini protocolou o presente Recurso de Reconsideração.
É o relatório.
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
O Recurso de Reconsideração é o meio adequado para provocar a reapreciação de prestação e tomada de contas. Diz o art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00:
Art. 77. Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.
A recorrente Nelci Trento Bortolini, Presidente do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce no exercício de 2007, é parte legítima para o manejo do presente recurso, porquanto se enquadra no conceito de responsável enunciado pelo art. 133, § 1º, da Resolução nº TC 16/2001:
Art. 133. § 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:
a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;
O presente recurso de reconsideração foi interposto tempestivamente, em 06/10/2009, tendo em vista que o Acórdão nº 1.161/2009 foi publicado em 10/09/2009, no Diário Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina nº 332.
Outrossim, cumpre - o recurso - o requisito da singularidade, porquanto interposto pela primeira vez.
Estão presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO
Da multa de R$ 600,00 (seiscentos reais), aplicada em face da contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento do Programa de Saúde da Família - PSF, em desacordo com o estabelecido no art. 16 da Lei nº 11.350/2006, bem como do Prejulgado nº 1867 deste Tribunal de Contas
O recorrente insurge-se contra a multa de R$ 600,00 (seiscentos reais), aplicada em face da contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento do Programa de Saúde da Família - PSF, em desacordo com o estabelecido no art. 16 da Lei nº 11.350/2006, bem como do Prejulgado nº 1867 deste Tribunal de Contas.
Alega, em síntese, que "desde o início, [o pessoal] foi contratado na condição de empregados públicos, regidos pela CLT, na forma das Leis Municipais" (fl. 12). Afirma que a Lei Complementar Municipal nº 19, de 07/08/2001, "autorizou a contratação para atender necessidade de interesse público", criando os empregos públicos, que foram preenchidos "mediante teste seletivo, haja vista a temporariedade do programa" (fls. 12-13). Sustenta que a Lei Complementar Municipal nº 39, de 21/01/2005, manteve a mesma sistemática, e que as Leis Complementares nº 41/2005, 47/2007 e 48/2007, alteraram apenas o salário e o número de vagas, mantendo a forma de contratação e o regime jurídico. Afirma que a superveniência da Lei nº 11.350, de 05/10/2006, trouxe dúvidas acerca do regime jurídico aplicável. Invoca o julgamento da ADI nº 2.135-4, que, em sede de medida cautelar, declarou a inconstitucionalidade do caput do art. 39 da Constituição da República Federativa do Brasil, restaurando a vigência do regime jurídico único. Argumenta que a decisão proferida por esta Corte nos autos do REC nº 05/00525358, definidora das linhas gerais no tocante à contratação de pessoal para o Programa de Saúde da Família, foi oficiada ao Município apenas em 17/06/2008, quando já não mais havia tempo para a alteração da Lei Complementar Municipal nº 39/2005, por força do calendário eleitoral daquele ano. Argúi que, do total de 15 profissionais, apenas três agentes não se submeteram a processo seletivo, os quais serão dispensados assim que concluída a seleção para a regularização da contratação. Por fim, noticia que "foi aprovada a Lei Complementar n. 056, de 14 de abril de 2009 (...), regulando e adotando o regime da CLT, conforme requer aquela legislação federal e esta Corte" (fl. 17). Acrescenta que "foi feita a Portaria n. 145, de 22 de julho de 2009, que trata da certificação da existência dos profissionais enquadráveis na estabilidade assegurada por essa legislação, ficando apenas três vagas, que deverão ser preenchidas em novo processo seletivo, que já está em andamento" (fl. 17). Requer o cancelamento da sanção.
Há que se distinguir, inicialmente, duas situações: (1) a dos agentes comunitários e de combate à endemia, e (2) a dos demais profissionais da saúde.
O primeiro caso diz respeito aos agentes comunitários e aos agentes de combate à endemia, que, a partir da Emenda Constitucional nº 51/06, passaram a ser regidos por regime jurídico especial, disciplinado pelo art. 198, § 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, e pela Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006.
De acordo com a Lei nº 11.350/06, os agentes comunitários (art. 3º) e os agentes de combate à endemia (art. 4º) ocupam cargos ou empregos públicos (art. 14), submetendo-se a processo seletivo público e, em regra, ao regime estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 8º). Tal Lei proibiu, ainda, a contratação temporária ou terceirizada desses agentes (art. 16). Preceituam os dispositivos da Lei nº 11.350/06:
Art. 3o. O Agente Comunitário de Saúde tem como atribuição o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal.
Art. 4o. O Agente de Combate às Endemias tem como atribuição o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor de cada ente federado.
Art. 8o. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.
Art. 14. O gestor local do SUS responsável pela contratação dos profissionais de que trata esta Lei disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade, observadas as especificidades locais.
Art. 16. Fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável.
Outra circunstância, bem distinta, é a dos demais profissionais de saúde, tais como médicos, dentistas, psicólogos e enfermeiros, que não se enquadram no conceito de agentes comunitários e agentes de combate à endemia e, consequentemente, não se submetem ao regime jurídico especial do art. 198, § 5º, da Constituição, e da Lei nº 11.350/06. A esses profissionais, aplica-se a regra geral do art. 37, I e II, da Constituição da República Federativa do Brasil, vale dizer, o regime jurídico dos demais servidores públicos. Diz o comando:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)
Como se pode observar, a investidura em cargos ou empregos públicos desses profissionais da saúde depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Nesse sentido, cumpre registrar os termos do Parecer COG nº 492/09, lavrado pelo Auditor Fiscal de Controle Externo Evaldo Moritz, nos autos da Consulta nº 09/00294884:
Com relação à forma de contratação dos demais profissionais que compõem o Programa Saúde da Família, registre-se que os mesmos não foram citados pela Emenda Constitucional nº 51/06, nem pela Lei Federal nº 11.350/06, ou seja, tais diplomas restringiram-se à admissão de pessoal para atendimento dos PACS e PACE, aplicando-se, por óbvio, a regra prevista no art. 37, II, da Constituição Federal.
Como se pode observar, é vedada a contratação temporária de médicos, dentistas, psicólogos e enfermeiros, salvo na hipótese de necessidade temporária de excepcional interesse público. É o que preceitua o art. 37, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n 19, de 1998)
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Com efeito, os cargos de médico, dentista, psicólogo, enfermeiro, entre outros, são tipicamente de provimento efetivo, e, bem assim, demandam a realização de concurso público. Têm caráter permanente, correspondendo a um serviço técnico, executável tão-somente por profissional legalmente habilitado.
No presente caso, de acordo com as Notas de Empenho nº 1669, 1555, 1716, 1717, 1994, 2198, 2199, 2417, 2418, 2593, 2697, 2817, 2818, 229, 1526, 1151, 1152, 1410, 1411, 181, 182, 451, 461, 702, 703, 911, 912, 183, 2796, 727, 1248, 528, 529, 20 e 341 (fls. 102-103/107), o Fundo Municipal de Saúde de Água Doce, no exercício de 2007, realizou contratação temporária de pessoal para prestação de serviços para o Programa de Saúde da Família (PSF), entre janeiro e dezembro de 2007, totalizando 475.053,47 (quatrocentos e setenta e cinco mil e cinquenta e três reais e quarenta e sete centavos).
Nesse sentido, houve descumprimento ao comando constitucional que exige a realização de concurso e que proíbe a contratação temporária fora das hipóteses de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil).
O serviço de saúde é imprescindível para a Administração Pública pelo caráter permanente que possui. Exige qualificação adequada do profissional e, principalmente, continuidade, a fim de que se possa concretizar o direito constitucional à saúde.
A esse respeito, vale destacar os comentários do Auditor Fiscal de Controle Externo, Clóvis Coelho Machado, tecidos por ocasião do PCA nº 03/01010188 (fls. 66-80):
A efetividade do provimento dos cargos públicos é que direciona e estabiliza a Administração Pública e dota de alguma seqüência as políticas públicas, que não podem ser passageiras como os dirigentes dos órgãos estatais. A efetividade dota, ainda, de segurança funcional o servidor público, por garantir a ele a continuidade de sua condição profissional. Nesse sentido, não é qualquer cargo que pode ser definido legalmente como sendo de prestação de serviço. (grifou-se)
Diante disso, mostra-se inadequada a contratação temporária, indicando que apenas o provimento dos cargos públicos por meio de concurso público atende tais condições.
Admitir-se-ia a contratação por determinado tempo - desde que excepcional - durante epidemia ou calamidade pública, até que fosse normalizada a situação.
Todavia, não se vislumbra, in casu, a excepcionalidade.
No caso dos autos, o Relatório nº 676/2009, da Diretoria de Controle dos Municípios (fls. 87-113), informa que a prestação de serviços perdurou durante todo o exercício de 2007. Há, ainda, elementos que comprovam que a prática se estende desde 2001 (fls. 68-69).
Note-se, ademais, que a Lei Complementar nº 58, que versa sobre a criação dos cargos, foi editada apenas em meados de 2009, quando a situação irregular já havia se perpetuado por mais de um ano (fls. 28-31). Note-se, ainda, que a referida lei foi juntada aos autos de forma incompleta, constando apenas a primeira folha e os quadros com os respectivos cargos.
Por outro lado, de acordo com os Prejulgados nº 1.277 e 996 deste Tribunal de Contas, admite-se a contratação em caráter temporário - excepcional e provisória - e, ainda, a contratação de serviço profissional mediante licitação. Deve-se, contudo, observar alguns requisitos formais, não podendo ser feita livremente, ao talante do administrador. In verbis:
Excepcionalmente, caso não exista o cargo de contador nos quadros de servidores efetivos da Prefeitura Municipal ou da Câmara de Vereadores, ou houver vacância ou afastamento temporário do contador ocupante de cargo efetivo, as seguintes medidas podem ser tomadas, desde que devidamente justificadas e em caráter temporário, até que se concluam, em ato contínuo, os procedimentos de criação e provimento do cargo de contador da unidade:
1 - edição de lei específica que autorize a contratação temporária de contador habilitado e inscrito no CRC e estipule prazo de validade do contrato, justificando a necessidade termporária de excepcional interesse público, conforme preceitua o art. 37, IX, da Constituição Federal.
2 - Realização de licitação para a contratação de pessoa física para prestar serviço de contabilidade, conforme as diretrizes estabelecidas na Lei Federal nº 8.666/93.
3 - Atribuir a responsabilidade pelos serviços contábeis a servidor efetivo do quadro de pessoal do Poder Executivo, Legislativo ou na administração indireta, com formação superior em Contabilidade, devidamente inscrito no Conselho Regional de Contabilidade e regular em suas obrigações - que não o Contador desses órgãos - sendo vedada a acumulação remunerada, permitido, no entanto, o pagamento de gratificação atribuída por lei municipal e de responsabilidade do órgão que utilizar os serviços do servidor.
Em qualquer das hipóteses citadas no itens 1, 2 e 3, acima, a contratação deverá ser por tempo determinado, com prazo de duração previamente fixado, para atender a uma necessidade premente; sendo que em ato contínuo deve ser criado e provido por via do concurso público o cargo efetivo de Contador da Prefeitura e da Câmara Municipal, ou ainda até que se regularize eventual vacância ou afastamento temporário de contador já efetivado.
(CON-02/07504121, Acórdão nº 3.464/2002, Parecer nº COG-699/02, Auditor Evângelo Spyros Diamantaras, Câmara Municipal de São Miguel do Oeste, 18/12/2002) (grifou-se).
Prejulgado 996. Face o caráter de atividade administrativa permanente e contínua, o serviço de contabilidade deve ser cometido à responsabilidade de profissional habilitado e em situação de regularidade perante o Conselho Regional de Contabilidade, integrante do quadro de cargos efetivos do ente público, com provimento mediante concurso público (art. 37 da Constituição Federal).
Na inexistência de cargo efetivo de contador, excepcionalmente, até a criação e o provimento do cargo, é admissível a contratação de profissional em caráter temporário, autorizada por lei municipal específica, que deverá estipular as condições da contratação, inclusive forma de seleção e prazo máximo de contratação, em atendimento ao disposto no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal.
(CON-01/01141149, Acórdão nº 974/2001, Parecer nº COG-186/01, Relator Auditor Clóvis Mattos Balsini, Câmara Municipal de Imaruí, 06/06/2001) (grifou-se).
Como se pode observar, a contratação temporária de profissional exige edição de lei municipal específica autorizadora, que estabeleça o prazo de contratação, a forma de seleção e as demais condições, observada sempre a excepcionalidade e a temporariedade da medida.
No presente caso, houve descumprimento dessas formalidades. Não consta dos autos informação quanto à efetiva edição de norma municipal prévia autorizando a contratação temporária, assim como não se tem notícia da existência de fixação de prazo nem da realização de licitação (ou do respectivo procedimento de justificativa de dispensa).
Nesses termos, verifica-se que a contratação temporária de pessoal para prestação de serviços para o Programa de Saúde da Família (PSF) pelo Fundo Municipal de Saúde de Água Doce, entre janeiro e dezembro de 2007, apresenta vícios, mas por fundamento diverso do constante do Relatório nº 676/09 (fls. 87-113).
Vale dizer, a contratação temporária não observou o disposto no art. 37, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, tendo em vista a inexistência de necessidade temporária de excepcional interesse público e a não realização de concurso público.
Por fim, registre-se que o julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135, pelo Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2007, não alcança a presente situação.
Com efeito, o julgado suspendeu a vigência do caput do art. 39 da Constituição da República Federativa do Brasil, restabelecendo a redação anterior à Emenda Constitucional nº 19/98 (Regime Jurídico Único), fato que não tem o condão de afastar a irregularidade havida no presente caso (art. 37, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil).
Nesses termos, considerando que o regime jurídico aplicável aos profissionais da saúde (médicos, dentistas, psicólogos e enfermeiros) não se confunde com o regime jurídico especial do art. 198, § 5º, da Constituição, e da Lei nº 11.350/06, aplicável apenas ao agentes comunitários e aos agentes de combate à endemia, é proscrita a contratação temporária fora da hipótese de necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do art. 37, I, II, e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Sendo assim, é o parecer pela manutenção da multa, com adequação da fundamentação, para fazer constar a infração ao art. 37, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.
CONCLUSÃO
Em face do exposto, propõe o presente parecer:
4.1 O conhecimento do presente Recurso de Reconsideração, nos termos do art. 77 da Lei Complementar Estadual nº 202/00, interposto em face do Acórdão nº 1.161/2009 (fls. 144-145), proferido nos autos da Prestação de Contas de Administrador nº 08/00070402;
4.2 No mérito, a negativa de provimento, alterando-se a redação do item 6.2, nos seguintes termos:
6.2. Aplicar à Sra. Nelci Fátima Trento Bortolini - Presidente do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce em 2007, CPF n. 517.949.269-68, multa prevista no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento ao Programa de Saúde da Família - PSF, em desacordo com o estabelecido no art. 37, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
4.3 A ciência do decisum, parecer e voto à Sra. Sra. Nelci Trento Bortolini, Presidente do Fundo Municipal de Saúde de Água Doce no exercício de 2007, ao Fundo Municipal de Saúde de Água Doce e à Prefeitura Municipal de Água Doce.
À consideração superior.
COG, em 1º de março de 2010.
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
Coordenador
À consideração do Exmo. Sr. Relator Gerson dos Santos Sicca, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
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ELÓIA ROSA DA SILVA Consultora Geral |