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Processo n°: | CON - 10/00028620 |
Origem: | Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Balneário Camboriú - BCPREVI |
Interessado: | Rubens Ricardo Franz |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-43/10 |
Relação homoafetiva. Pensão por morte. Companheiro.
Preenchidos os requisitos dispostos em lei e regulamentos do Instituto de Previdência, deverá ser concedido o benefício de pensão por morte de servidor, ao companheiro de união homoafetiva, desde que comprovada a existência de vida em comum e dependência econômica ao falecido.
Senhora Consultora,
Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Rubens Ricardo Franz, Diretor Presidente do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Balneário Camboriú, objetivando sanar dúvidas acerca de aplicação à pensão por morte a dependente de falecido (a), companheiro (a) também do mesmo sexo.
O subscritor do expediente faz anexar às fls. 03 à 06, Parecer Jurídico/BCPREVI nº 015/2009, bem como Parecer BCPREVI DB nº 045/2009.
Este, o breve relatório.
O consulente, na condição de Diretor Presidente do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Balneário Camboriú, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal, consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).
Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento proposto, a mesma encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000, posto que a esta Corte cabe constitucionalmente analisar o registro dos atos de pensão.
Conforme já acentuado anteriormente, a consulta veio instruída com parecer da assessoria jurídica da autarquia referenciada, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC) e, neste sentido, opinamos pelo conhecimento da consulta.
O questionamento proposto pelo Diretor Presidente do BCPREVI consiste em saber se é possível a concessão de pensão por morte a dependente de servidor falecido que convivia em união estável há mais de três anos.
Para o deslinde da dúvida manifestada, necessário realçar algumas considerações iniciais sobre família, união estável e união homoafetiva.
De acordo com a doutrina contemporânea, para que se forme uma família é necessária a presença de uma união de pessoas, presumindo-se projetos convergentes e afetividade mútua entre seus membros.
Assim ensinam Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias:
"A legislação vigente regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição, matrimonializada, patrimonializada, hierarquizada e heterossexual, ao passo que o moderno enfoque dado à família se volta muito mais à identificação dos vínculos afetivos que - enlaçando os que a integram - consolidam a sua formação." (Direito de Família e o Novo Código Civil - Ed. Del Rey: 2002).
O ponto nodal da entidade familiar afastou-se do princípio da autoridade para aqueles baseados mais na compreensão e em sentimentos, tanto que o contrato de casamento abriu espaço para os relacionamentos informais, fundamentados basicamente nas vontades em comum.
Num esforço de adaptar o Direito à evolução de comportamento e costumes da sociedade pátria, o legislador elaborou a Lei nº 9278/96, incluindo os parágrafos 3º e 4º ao artigo 226 da Constituição Federal, regulamentando o instituto da união estável:
"Art. 226 - (...)
§ 3º - Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
(...)"
Na mesma esteira, rumou a legislação ordinária, conforme se observa no Código Civil:
"Art. 1.723 - É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."
Pela dicção dos dispositivos indigitados, o conceito de entidade familiar ficou mais abrangente, sendo reconhecida na legislação pátria a união estável. Delegou-se aos seus membros os mesmos direitos de uma sociedade formalizada pela união civil de um casal. Arredou-se o vínculo estritamente formal, de modelo patrimonialista, sendo reconhecida a convivência baseada na afetividade.
Literalmente, o art. 1.723 do Código Civil regulamentou estritamente a união estável entre homem e mulher e, com fulcro exclusivamente no princípio da legalidade, o instituto não poderia abarcar os casos de união homoafetiva, contudo, contemporaneamente, a doutrina predominante é no sentido contrário, senão, vejamos:
"O princípio da legalidade, apesar da natureza garantista, não pode servir de fundamento justificante de lesão a direitos da pessoa, conquistados a duras penas pelos cidadãos, frutos de incontáveis embates, e que hoje estão alçados à condição de direitos fundamentais.
A união entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade inscontestável, o que torna cogente a sua regulamentação jurídica, de modo a evitar a formação de lacunas no Direito. Interpretando a relação homoafetiva com base nos princípios constitucionais, fácil perceber que essa se inclui no regime jurídico da união estável, por se tratar de um espécie em relação ao gênero." (Sheila Messias Ávila Teixeira. A Administração Pública e as relações homoafetivas. Revista Del Rey. Ano 9, nº 18. Pg. 31).
É consabido que a Carta Federal de 1988 consagrou o princípio da igualdade, censurando todas as formas de preconceito e discriminação. Esse entendimento verifica-se desde o seu preâmbulo, que manifesta o propósito de se constituir uma "sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". O art. 3º ratifica a intenção, ao dispor como objetivos fundamentais da República "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". O caput do art. 5º reafirma que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".
Evidenciado fica que a Constituição repudia qualquer forma de preconceito e discriminação, incluindo a desigualdade fundada na orientação sexual dos cidadãos.
Por sua vez, o princípio da liberdade pressupõe uma conduta estatal no sentido de garantir ao indivíduo o seu direito de escolha, assim como propiciar condições objetivas para a concretização de sua opção. As pessoas devem ter o pleno discernimento de se orientarem sexualmente, desenvolvendo suas preferências, desde que respeitados os limites da segurança estatal, cabendo às instituições políticas e jurídicas facilitarem tal desenvolvimento, e não dificultá-lo. Nessa senda, a orientação sexual que não perturba a ordem pública, apresenta razoabilidade e, desse modo, merece atenção e regulamentação jurídica.
Portanto, fica cristalino que, à luz dos princípios constitucionais, a união homoafetiva foi disciplinada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo equiparada ao instituto da união estável, ademais, a equiparação de tais uniões decorreria de uma regra de hermenêutica, onde, no silêncio da lei, deve-se integrar a ordem jurídica mediante o emprego da analogia. Estando as características essenciais da união estável presentes nas uniões homoafetivas, o tratamento jurídico não tem o porquê de não ser o mesmo.
Há que se ressaltar que a intenção do legislador, ao dispor sobre a união estável, consistiu em regulamentar as formas de relacionamento contemporâneo, apresentando a norma em tela, natureza de inclusão. É certo que a Constituição faz menção apenas à relação entre homem e mulher, no que foi seguida pela legislação ordinária, porém, o constituinte não almejou suprimir da apreciação jurídica a união homoafetiva, deixando, na verdade, o tema aberto à evolução dos costumes e do Direito.
Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AÇÃO ORDINÁRIA UNIÃO HOMOAFETIVA - ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO - REQUISITOS PREENCHIDOS - PEDIDO PROCEDENTE. - À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito. (nº processo..., Relatora: Heloísa Combat, data de julgamento: 22/05/2007, data de publicação: 27/07/2007).
Sobre o assunto, importa observar que o INSS, através da Instrução Normativa nº 25/2001, regulamentou a concessão de pensão previdenciária àqueles que mantém união homoafetiva estável. A instrução surgiu como resposta à tutela antecipada concedida pelo Poder Judiciário, em razão de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal.
Em recurso especial interposto pela Autarquia federal nessa ação, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA (...) 4.- Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, § 3º, da Constituição federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo "Da Família". Face a essa vizualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, § 3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise. 5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, agilizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6 - Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: "Art. 201 - Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a (...) V- pensão por morte de segurado, homem ou mulher, , ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no art. 2º." 7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa nº 25, de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº...com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento. 9 - Recurso Especial não provido.
Consolidando seu posicionamento, outro julgado do e. Superior Tribunal de Justiça:
Face à particularidade da espécie, deverá ser acionada a interpretação de diversos preceitos constitucionais em conjunto, não apenas a do art. 226, § 3º da Constituição Federal, para que, em seguida, se possa aplicar o direito infraconstitucional à espécie. O princípio da igualdade caminha juntamente com os princípios de idêntica relevância, não podendo jamais estar dissociado do princípio da justiça, em seu sentido mais puro. Há que se perceber que não há igualdade jurídica no não direito.. Ao se negarem, mesmo através de mecanismos legais, direitos fundamentais, entre eles o de sebrevivência, mediante percebimento de benefícios previdenciários, a pessoas que, se fossem de sexos diferentes, lograriam êxito em auferí-los, emerge um não direito, ferindo o sentido de que o Poder Constituinte procurou proteger, com a igualdade, ao editar a Constituição Federal de 1988. (...) (Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Resp nº ...- DJ 13/12/2005).
Na mesma esteira, os tribunais brasileiros:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPANHEIRO. UNIÃO HOMOSEXUAL. REALIDADE FÁTICA. TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS. EVOLUÇÃO DO DIREITO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE IGUALDADE. ARTIGOS 3º, IV e 5º. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A realidade social atual revela a existência de pessoa do mesmo sexo convivendo na condição de companheiro, como se casados fosse.. 2. O vácuo normativo não pode ser considerado obstáculo intransponível para o reconhecimento de uma relação jurídica emergente de fato público e notório. 3. O princípio da igualdade consagrado na Constituição Federal de 1988, inscrito no artigo 3º, IV e 5º, aboliu definitivamente qualquer forma de discriminação. 4. A evolução do direito deve acompanhar a transformações sociais, a partir de caso concreto que configurem nova realidade nas relações interpessoais. 5. A dependência econômica do companheiro é presumida, nos termos do § 4º do art. 16 da Lei nº 8.213/91. (...) (AC nº ..., 6ª Turma, Rel. De. Fed. Nylon Paim Abreu, unânime, DJU 10/01/2001, p. 373).
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL QUANTO AO ÓBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Comprovada a caracterização como companheiro homossexual é presumida legalmente a dependência econômica entre companheiro, é devida a pensão por morte. (...) (AC nº..., 5ª Turma. Rel. De. Fed. Néfi Cordeiro, unânime, DJU 09/03/2005, p. 487).
Ressalte-se que após a regulamentação pelo INSS, através da Instrução Normativa nº 25/2001, da concessão de pensão previdenciária àqueles que mantém união homoafetiva estável, muitos Institutos previdenciários estaduais e municipais elaboraram atos legislativos reconhecendo direitos previdenciários aos seus servidores públicos que vivem em união estável com pessoas do mesmo sexo, como é o caso, por exemplo, do Estado do Rio de Janeiro:
"Art. 1º - O art. 29 da Lei nº 285/79, fica acrescido do seguinte parágrafo:
Art. 29. (...)
§ 8º - Equiparam-se à condição de companheira ou companheiro de que trata o inciso I deste artigo, os parceiros homoafetivos, que mantenham relacionamento civil permanente, desde que devidamente comprovado, aplicando-se para configuração deste, no que couber, os preceitos legais incidentes sobre a união estável entre parceiros de sexos diferentes.
Art. 2º - Aos servidores públicos estaduais, titulares de cargo efetivo, fica assegurado o direito de averbação à autoridade competente, para fins previdenciários, da condição de parceiros homoafetivos."
No âmbito do Estado de Santa Catarina, a Lei Complementar nº 412/2008, que dispõe sobre a organização do Regime Próprio de Previdência dos Servidores, estabelece:
"Art. 6º - São considerados dependentes:
(...)
§ 4º - Considera-se companheiro a pessoa que mantém união estável com o segurado, nos termos da Lei Civil, para tal considerada, também, a que mantém relação homoafetiva.
(...)
Art. 74 - A pensão por morte será concedida aos dependentes a contar:
(...)
§ 3º - A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de possível dependente, e qualquer posterior inclusão ou exclusão de dependente somente produzirá efeitos a partir da data de habilitação."
A nível de Tribunal de Contas a egrégia Corte paranaense deu parecer favorável aos casais do mesmo sexo em consulta realizada pela superintendente da Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensão dos Servidores Municipais de Maringá, que questionou o que deveria ser feito no caso de um companheiro de um servidor da Prefeitura daquela municipalidade que solicitou benefício.
Se comprovada existência de vida em comum e dependência econômica ao companheiro, a pensão deve ser paga, concluiu o TCE do Paraná, em decisão aprovada por unanimidade. Eis o voto do Sr. Conselheiro Relator Hermas Brandão:
"Preliminarmente, a Consulente, Superintendente da CAPSEMA, é parte legalmente legitimada a realizar consulta perante este Tribunal.
Muito embora a questão não tenha sido formulada em tese, pois se trata de caso concreto de solicitação de pensão, este Relator procedeu à invocação da Súmula nº 03 desta Corte, pois é nítido tratar-se de relevante interesse público, devidamente motivado, tendo sido satisfeitos os requisitos de admissibilidade, razão pela qual conheço da presente consulta e passo à análise do mérito.
Divergência entre a doutrina e a jurisprudência alimenta a discussão sobre a possibilidade de a união homoafetiva ser considerada união estável. Para muitos o rol do art. 226, da CF/88, é taxativo, e o constituinte elencou todas as entidades familiares reconhecidas pelo nosso ordenamento jurídico, ficando as não citadas à margem da proteção da legislação brasileira.
Acreditamos, contudo, que o rol do artigo em análise é, e só poderia ser interpretado de forma enunciativa, elucidando algumas entidades, sem com isto, deixar de abarcar pelo direito os outros tipos de manifestação da família.
Não poderia a Constituição da República pautada nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), na solidariedade (art. 3º, I), na não discriminação (art. 3º, IV) e na igualdade (art. 5º, caput), deixar de proteger os agrupamentos familiares não mencionados pela Carta Magna o que, por si só, já seria uma discriminação.
A diginidade da pessoa humana é direito intrínseco de cada pessoa e oponível a qualquer ente, para proteger os direitos e a dignidade de cada ser, sendo um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve conservar.
Não obstante tal constatação, como bem pondera o Parquet, na presente Consulta o regime jurídico aplicável é o da seguridade social, também tratado em nossa lei fundamental, que assegura o direito de pensão ao "companheiro e companheira", conceito que é mais abrangente do que o de convivente em união estável.
Partindo dessa premissa, verifica-se que esse entendimento já vem sendo adotado pelo Regime Geral de Previdência Social, conforme se depreende da Instrução Normativa nº 25, de 07/06/2000.
A instrução normativa do INSS nº 25/2000, decorrente da Ação Civil Pública (nº 2000.71.00.009347-0), por meio de sentença judicial transitada em julgado, estabeleceu pela primeira vez procedimentos que incluíam o companheiro homossexual como dependente previdenciário.
Após esta, o INSS, no uso da competência conferida pelo Decreto nº 5.257, de 27 de outubro de 2004, reeditou o seu conteúdo por diversas instruções de igual teor, até publicar a atual instrução que disciplina a questão.
A Instrução Normativa que regula, neste momento, os dependentes homoafetivos beneficiários, é a IN, nº 118, de 18 de abril de 2005, que disciplina:
'Art. 30 - o companheiro ou a companheira homossexual de segurado inscrito no RGPS passa a integrar o rol dos dependentes e, desde que comprovada a vida em comum e a dependência econômica, concorrem, para fins de pensão por morte e de auxílio-reclusão, com os dependentes preferenciais de que trata o inciso I do art. 16 da Lei nº 8.213, de 1991, para óbitos ocorridos a partir de 5 de abril de 1991, ou seja, mesmo tendo ocorrido anteriormente à data da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0.'
Sendo estendidos aos companheiros homossexuais, os benefícios destinados aos dependentes previdenciários, que apesar de situado na primeira classe preferencial a estes, a lei não conferiu a presunção de dependência econômica. Portanto, cabe a estes comprovar sua dependência em relação ao segurado, por meio dos documentos elencados no art. 22, § 3º, do Dec. 3.048/99.
Parece-nos claro e reconhecimento da união estável homossexual pelo Estado brasileiro, através do referido instrumento normativo. Nota-se a preocupação estatal em assegurar o amparo necessário à subsistência dos conviventes, independentemente da natureza da relação afetiva entre eles. Tendo a pensão por morte natureza alimentar e, sendo já claramente admitida pela Previdência Social, parece-nos evidente a necessidade dos Tribunais reconsiderarem as suas decisões no tocante a concessão de alimentos a ex-companheiros do mesmo sexo.
Na esfera estadual, mesmo não contemplando expressamente a possibilidade de concessão de benefício de pensão a companheiro do mesmo sexo, o PARANAPREVIDÊNCIA, em caso semelhante ao objeto da presente Consulta, concedeu administrativamente benefício de pensão, que inclusive, foi confirmado pelo Pleno deste Tribunal, nos termos do Acórdão nº 1712/05, junto ao processo nº 452107/04.
Diante do exposto, nos termos do Parecer nº 2195/08 do Ministério Público junto a este Tribunal e nas razões acima expendidas, VOTO pela resposta a presente Consulta, pela concessão de benefício previdenciário a sobrevivente de relação homoafetiva, desde que comprovada a existência de vida em comum e dependência econômica nos termos do que dispõe a Instrução Normativa nº 25/2000 e respectivas reedições.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Consulta protocolados sob nº 579523/07.
Sala das Sessões, 12 de junho de 2008 - Sessão nº 20".
Oberva-se que no caso da CAPSEMA, a entidade não possuía regulamentação acerca do assunto e a Corte de Contas paranaense, deliberou pela possibilidade de concessão administrativa a sobrevivente de relação homoafetiva com servidor falecido, desde que fosse comprovada a existência de vida em comum e dependência econômica, com base na Instrução Normativa nº 25/2000, do INSS.
No caso em tela, observa-se que os pareceres já aludidos do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Balneário Camboriú denotam regulamentação, conforme se colaciona a seguir:
"Das Leis:
2.1 São beneficiários do BCPREVI, na condição de dependentes do segurado:
I - como dependentes de primeira classe>
(...)
c) o (a) companheiro (a); (Art. 42 da Lei 2.421/2004).
2.2. A pensão por morte consistirá numa importância mensal conferida ao conjunto dos dependentes do segurado, definidos nos arts. 42, 43, 44 e 45, quando do seu falecimento, correspondente à:
(...)
II - totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo na data anterior à do óbito, até o valor de R$ 2.508, 72 (dois mi, quinhentos e oito reais e setenta e dois centavos), acrescido de setenta por cento de parcela excedente a este limite, se o falecimento ocorrer quando o servidor ainda estiver em atividade. (Art. 76 da Lei 2.421/2004).
2.3. A pensão poderá ser requerida a qualquer tempo, observado o art. 98 desta Lei (Art. 80 da Lei 2.421/2004)."
Instado a manifestar sua opinião, andou bem a conclusão do ilustre Procurador Jurídico do BCPREVI ao admitir que deve ser deferido sempre que preenchidos os requisitos em Lei do BCPREVI e pertinentes, para benefício de pensão por morte por dependente de falecido(a) companheiro(a) do mesmo sexo.
Por derradeiro, há que se arrematar que o pagamento do benefício da pensão a companheiro de servidor que viveu em união homoafetiva é devido, considerando que, embora este tipo de união estável não seja mencionada expressamente em nossos diplomas legais, basta uma interpretação teleológica do texto constitucional para se concluir que tal união encontra-se devidamente garantida.
Não bastasse isso, diante de todo o exposto, tal benéfico é devido a todas as pessoas, indistintamente, desde que as mesmas enquadrem-se no rol dos dependentes do segurado e assim sendo, como corolário do princípio da igualdade, não há o que se falar em exclusão da pensão por morte por motivo de sexo, classe, função social ou qualquer outro meio discriminatório.
Entender de modo diverso, além de inconstitucional, representa um retrocesso jurídico, porque na seara do Estado Democrático de Direito, assim como outras vertentes jurídicas, deve-se buscar, antes de qualquer coisa, a promoção e efetivação da dignidade da pessoa humana, efetivação esta que somente é alcançada a partir do momento em que as garantias constitucionais deixarem seu plano estritamente legal, passando ao seu plano concreto.
Portanto, deve o Instituto de Previdência alicerçar-se nas sua normas legais e demais regulamentos para a concessão de pensão por morte a dependente de servidor falecido companheiro em relação homoafetiva se comprovada existência de vida em comum e dependência econômica.
Em consonância com o acima exposto e considerando que:
- o consulente, na condição de Diretor Presidente do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Balneário Camboriú, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 1º, inciso XV da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 103, inciso II, do Regimento Interno do TCE/SC;
- que a consulta trata de matéria de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000.
Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator César Filomeno Fontes, que submeta voto ao egrégio Colegiado, sobre consulta formulada pelo Sr. Rubens Ricardo Franzi, para respondê-la nos termos deste opinativo, que em síntese propõe:
1. Preenchidos os requisitos dispostos em lei e regulamentos do Instituto de Previdência, deverá ser concedido o benefício de pensão por morte de servidor, ao companheiro de união homoafetiva, desde que comprovada a existência de vida em comum e dependência econômica ao falecido.
2. Determinar que seja dado ciência desta decisão, do Parecer COG-43/10 e do Voto ao consulente.
ELÓIA ROSA DA SILVA Consultora Geral |
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ESTADO DE SANTA CATARINA Tribunal de Contas do Estado Consultoria Geral |
NFORMAÇÃO Nº 14/2010 Florianópolis, 10 de março de 2010.
Senhor Relator
Trata-se de consulta formulada pelo Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Balneário Camboriú acerca da legalidade na concessão de pensão por morte a companheiro dependente de servidor falecido, autuada sob o nº CON 10/00028620.
A dúvida suscitada pelo consulente é analisada no Parecer COG n. 43/10, da lavra do Auditor Fiscal de Controle Externo Evaldo Ramos Moritz, que sugere o conhecimento da consulta e sua resposta nos seguintes termos:
Assim, não obstante a aceitação quanto ao mérito da conclusão exposta no referido Parecer, é de se considerar o que segue:
a) a dúvida suscitada pelo consulente pretende resolver situação fática que ocorre naquele Município, haja vista o Parecer BCPREVI DB Nº 045/2009, às fls. 05 e 06, que expressamente negou o pedido ao requerente do Processo n. 320/2009 até ser exarado o posicionamento deste Tribunal de Contas;
b) a matéria envolvida é essencialmente de natureza previdenciária, haja vista tratar da legalidade de pagamento de benefício a dependente de servidor falecido;
c) a lei municipal é omissa quanto a matéria, cabendo ao Município suprir tal lacuna legislativa;
d) o Parecer COG n. 43/10 foi elaborado com base no que dispõe a legislação previdenciária federal, a Lei Complementar estadual n. 412/2008, os entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores, e a decisão em consulta sobre a mesma matéria na Corte de Contas paranaense.
e) Assim, o Parecer COG n. 43/10, apesar de escorreito, está criando uma nova norma jurídica para o Município, extrapolando sua competência interpretativa de lei.
Diante do exposto, sugere-se não conhecer da Consulta por ausência dos pressupostos de admissibilidade previstos nos incisos I e II do art. 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas.
Contudo, à consideração de Vossa Excelência.
ELÓIA ROSA DA SILVA
Consultora Geral