ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 09/00724218
Origem: Federação Catarinense de Municípios - FECAM
Interessado: Ronério Heiderscheidt
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-053/10

Consórcio público. Criação de cargos empregos e funções.

Cessão de servidores.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Por meio de expediente recepcionado nesta Corte de Contas em 03 de dezembro de 2009, o Senhor Ronério Heiderschidt, Prefeito Municipal de Palhoça, na condição de Presidente da Federação Catarinense de Municípios, formula consulta vazada nos seguintes termos:

Conforme disposições da Lei Federal n, 11.107/2005 e do Decreto Federal n. 6.017/2007, que estabelecem as normas para a constituição e operacionalização dos consórcios públicos, faz-se a seguinte consulta:

a) pode a Assembléia Geral de determinado consórcio público de direito público (associação pública) criar e extinguir cargos, empregos ou funções públicas, obedecido o quorum fixado no protocolo de intenções? E

b) pode a Assembléia Geral de determinado consórcio público de direito público (associação pública) conceder revisão geral anual e aumento real (reajuste) para cargos, empregos e funções públicas existentes, obedecido o quorum fixado no Protocolo de intenções?

Acompanha a consulta parecer da lavra do Dr. Marcos Fey Probst, Assessor Jurídico da FECAM1, do qual se destacam as considerações abaixo:

O consórcio público pode ser compreendido como entidade criada e instituída por entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), com o objetivo de prestar serviços públicos ou executar ações de interesse dos entes consorciados, nos termos do art. 241 da Constituição da República, de natureza autárquica e integrando a Administração indireta de todos os entes consorciados.

(. . . )

Portanto, deverá o protocolo de intenções estabelecer o número e a remuneração dos empregos públicos, antes mesmo da criação propriamente dita do consórcio público.

( . . . )

A concepção dada pela Lei federal nº 11.107/2005, no sentido de que os empregos públicos - assim como os cargos e funções públicas - devem constar no protocolo de intenções parece-nos em sintonia com o artigo 37, II, c/c o artigo 61, § 1º, II, "a", da Carta Republicana, que exigem lei para a criação de cargo, emprego e ou função pública. Da mesma forma para a fixação ou alteração de remuneração, conforme as normas constitucionais do art. 37, X c/c artigo 61, § 1º, II, "a".

( . . . )

Portanto, numa visão positivista do Direito, conclui-se pela necessidade de autorização legislativa de cada ente consorciado para a criação de cargos, empregos e funções públicas e para a concessão de aumento da respectiva remuneração, na medida em que há necessidade de alteração do protocolo de intenções, somente válida pela ratificação por lei do consorciados.

Ocorre que estes últimos doutrinadores, sensíveis à dinâmica dos consórcios públicos, atestam a preocupação com a definição de quais e quantos cargos, empregos e funções públicas seriam criados por ocasião da elaboração do protocolo de intenções. É que na ocasião da elaboração do protocolo de intenções nem sempre é possível prever a dimensão do consórcio público, bem como quantos serão de fato os municípios legalmente consorciados.

( . . . )

Caso haja a necessidade de alteração do protocolo de intenções para a criação de empregos, cargos e funções, ou o aumento da respectiva remuneração, certamente haverá uma impossibilidade de assim proceder, na medida em que se faria necessária lei municipal em todos os municípios consorciados, nos termos do artigo 12 da Lei Federal nº 11.107/2005:

( . . . )

A questão torna-se ainda mais grave no que concerne à revisão geral anual, assegurada no artigo 37, X, da Constituição da República. Pelo texto constitucional, a revisão geral anual, que não se confunde com o aumento de vencimento (reajuste), deve ser concedida "sempre na mesma data e sem distinção de índices". A fim de tornar a norma aplicável aos servidores públicos do consórcio público, não há outra interpretação no sentido de que aquela no sentido da data e do s índices referirem-se somente ao consórcio público, independente das disposições da lei de cada ente municipal. Até porque certamente teríamos, num universo de 10, 20 ou mais entes consorciados, diferentes data-base e índices de correção monetária. Mesmo assim, como compreender plausível a tramitação de lei a cada ano para a concessão de revisão geral anual? E se uma Casa Legislativa não aprovar a alteração no protocolo de intenções?

( . . . )

Percebe-se que as disposições da Lei federal nº 11.107/2005, apesar de estarem coadunadas com as normas dos artigos 37, II e X e 61, § 1º, II "a", da Constituição da República, colocam em "xeque" a própria funcionalidade e existência dos consórcios públicos, principalmente quando a entidade for constituída por grande número de entes federativos, tal qual ocorre com os consórcios capitaneados pelo FECAM.

Pode-se inclusive, aduzir no sentido de que as normas da Lei federal nº 11.107/2005, bem como o Decreto federal nº 6.017/2007, tornam inócua a própria norma do artigo 241 do texto constitucional, que fundamenta a criação de consórcios públicos. Certamente delegar estes assuntos à Assembléia Geral, compostas pelos Chefes do poder Executivo dos entes federativos, ensejaria rapidez e agilidade em prol do consórcio público. Todavia, esta interpretação pode não encontrar abrigo nos órgãos de fiscalização do Poder Público, o que acarreta insegurança jurídica ao gestor público.

Esta, a síntese da consulta.

PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

2.1 Da legitimidade do Consulente

A consulta em apreço tem por subscritor Prefeito Municipal, autoridade legitimada à formulação de indagações por escrito ao Tribunal de Contas, consoante o disposto nos artigos 103, II, e 104, III, da Res. nº TC-06/01.

2.2 Da competência em razão da matéria

As matérias versadas na consulta, criação de cargos e empregos públicos e revisão geral da remuneração, são afetas ao controle atribuído a este Tribunal de Contas, pela relação orçamentária e financeira, e também pelos procedimentos legais a serem observados para conferir validade e constitucionalidade aos mesmos, que reclamam edição de lei em sentido estrito.

Cabe salientar, também, como firmadora da competência em razão da matéria o disposto no parágrafo único do artigo 9º da Lei nº 11.107/2005, o qual estabelece que "o consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio, inclusive quanto à legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas, sem prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio".

2.3 Do objeto

As indagações, na forma que se apresentam, traduzem insegurança quanto à interpretação de dispositivos regentes da administração pública, como exposto, envoltos na criação de cargos ou empregos públicos e na implementação da revisão geral e reajuste, sem veicular caso concreto, estando, quanto a este quesito, apta ao conhecimento pelo egrégio Plenário.

2.4 Indicação precisa da dúvida

A insegurança do Consulente na resolução das questões estão bem evidenciadas nos termos da consulta, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 Parecer da Assessoria Jurídica

A consulta se faz acompanhada de parecer jurídico da Assessoria Jurídica da Federação Catarinense de Municípios, cumprindo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.

2.6 Do cumprimento dos requisitos de admissibilidade

Do exame de admissibilidade, resta evidenciada a plena satisfação dos pressupostos insertos no artigo 104 da Res. nº TC-06/01, o que a habilita ao exame por esta Consultoria Geral e deliberação do colendo Tribunal Pleno.

DISCUSSÃO

O parecer acostado ao expediente da consulta é preciso quanto às dificuldades que se instalam frente a um consórcio público com um elevado número de consorciados no que tange à criação de cargos e empregos públicos depois que o protocolo de intenções é ratificado pelos partícipes mediante lei aprovada pelos respectivos Poderes Legislativos, e também no tocante à concessão da revisão geral e reajuste.

Como posto, a necessidade de cargos ou empregos quando da constituição do consórcio pode sofrer alteração com o passar dos anos em razão do acréscimo da demanda pelos serviços prestados, o que pode decorrer da ampliação do número de consorciados ou mesmo pela celebração de convênios, contratos e acordos de qualquer natureza, conforme autorizado pelo inciso I do § 1º do art. 2º da Lei nº 11.107/2005.

O nó górdio da questão centra-se na superação da dificuldade de submissão a reiteradas ratificações pelos respectivos Poderes Legislativos sempre que se pretender ampliar os quadros do consórcio ou, ainda, promover a revisão geral anual ou o reajuste de remuneração.

Como solução preliminar, mas sem olvidar que, diante do direito posto tal encaminhamento é temerário, o parecerista da FECAM alude a possibilidade de se delegar à Assembléia Geral a prerrogativa para a criação de cargos e empregos públicos e a concessão da revisão geral anual e reajuste, o que esbarra, sabidamente, nas exigências constitucionais dos artigos 61, § 1º, II, "a" e 37, X, que exigem, respectivamente, lei para a criação de cargos, funções ou empregos públicos e para a concessão da revisão geral anual ou reajuste.

Restando posta a dificuldade que o tema apresenta, bem como a problemática solução frente à exegese constitucional, trazida e reconhecida pelo assessor jurídico da FECAM, passa-se ao enfrentamento das questões.

3.1 Consórcio público e Administração Pública

Inicialmente cumpre situar o consórcio público no âmbito da Administração Pública, para bem precisar as regras que lhe são peculiares e inafastáveis.

A Lei nº 11.107/2005, em seu artigo 1º, § 1º, firma que o consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.

Tendo em conta que o caput do artigo 1º faz remissão à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, autorizando-os a contratar consórcios, fica restrito a estes entes políticos a formação de consórcios, o que implica, no entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro2, a submissão às normas emanadas do regime jurídico do Direito Público, posto que inerentes a qualquer entidade criada pelo Estado.

Aduz Di Pietro, quanto à alocação do consórcio público na estrutura administrativa, especificamente os constituídos como associação pública que:

O artigo 16 altera o artigo 41 do Código Civil, que dá o elenco das pessoas jurídicas de direito público interno. O inciso IV, que menciona as autarquias, fica acrescido da expressão inclusive as associações públicas. Isto seria desnecessário porque, sendo associação pública, já está inserida no vocábulo autarquia, da mesma forma que as fundações de direito público.3

O consórcio a ser constituído sob a personalidade de direito privado, deverá atender os requisitos da legislação civil e, observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT4.

O mesmo artigo 6º, em seu § 1º regra que o consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados.

O laconismo legal quanto à integração da administração indireta dos consórcios constituídos com personalidade jurídica de direito privado é irrelevante, conforme leciona Gasparini:

Essa omissão não significa que essa entidade não integre a Administração Pública indireta do consorciado. Induvidosamente, não é órgão da Administração Pública direta, pois dotado de personalidade jurídica de direito privado como diz a Lei dos Consórcios Públicos. Sendo assim, somente pode ser considerado como integrante da Administração Pública indireta e tal qual o consórcio público constituído mediante associação pública estará vinculado ao Ministério ou à Secretaria estadual, municipal ou distrital em que seu objetivo é para esse consorciado mais relevante, ou, conforme for estabelecido na lei que ratifica o protocolo de intenções, ao órgão indicado.5

Doutrinariamente tanto o consórcio revestido pela forma de associação pública quanto o constituída como pessoa jurídica de diretio privado integram a administração indireta dos entes políticos que os integram.

3.2 Do regime jurídico de pessoal

O reclame apresentado na peça consultiva, mais precisamente no parecer jurídico que a acompanha, não é isolado. Gasparini evidencia os problemas com a gestão de pessoal nos consórcios públicos, sobretudo quando há concurso público promovido pelo ente interfederativo e servidores regidos pelas regras estatutárias. Seu comentário se faz nestes termos:

Para o desempenho de suas obrigações, o consórcio público, quando constituído mediante associação pública, admitirá, ao que parece, servidores pelo regime estatutário, embora a Lei dos Consórcios não tenha disposto a respeito. Assim nos parece por tratar-se de entidade de natureza autárquica. Ademais, o parágrafo único do vetado art. 10, também dessa lei, menciona a expressão agente público ao prescrever que não responderão pelas obrigações assumidas pelo consórcio público, mas as disposições dos respectivos estatutos. Essas expressões, agente público e estatuto, são notórios indícios do regime estatutário. Argumento maior em defesa dessa tese é retirado do § 2º do art. 6º dessa lei, pois nele está prescrito que, no caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará normas de direito público no que concerne, entre outras, à admissão de pessoal, que será regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Portanto, poder-se-ia concluir: revestindo-se de personalidade de direito público, seu pessoal seria regido pelo estatuto funcional escolhido dentre os consorciados, não fosse a dificuldade que essa tese apresenta e que a torna rejeitável. De fato, admitido o regime estatutário, o que fazer com o servidor, nesta altura estável, quando o consórcio for extinto? Será absorvido por um dos então consorciados? Qual? E se o regime estatutário do então consorciado não coincidir com o regime de pessoal do consórcio extinto? Por certo não poderá ele ser recepcionado no quadro de pessoal desse então consorciado sem concurso público. Exonerá-lo, não há como, pois é detentor de estabilidade. Promover um programa de desligamento voluntário? Talvez seja a solução, mas o que fazer com os não aderentes, pois com eles o problema continua. Creio que o erro está e nele também incidimos, em insistir no regime estatutário para o pessoal dessas associações públicas. Embora seja estranho, cremos, hoje, que o regime de pessoal, seja o consórcio uma associação pública, seja privada, é o celetista. Assim estarão estas associações, no que respeita ao pessoal, equiparadas. Nesse caso, o regime de pessoal será o da consolidação das Leis do Trabalho, cujo ingresso, no entanto, dependerá de concurso de provas ou de provas e títulos. Seus direitos e obrigações, respeitadas algumas regras administrativas, serão substancialmente os dessa Consolidação.6

Marcelo Harger7 afasta, em relação aos consórcios públicos, a polêmica acerca do regime jurídico único decorrente da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135, que suspendeu a vigência do artigo 39, caput da Constituição Federal.

Entende que a exigência de regime único de pessoal só tem aplicabilidade no contexto de um ente político, sua Administração Direta, autárquica e fundacional, o que não se ajusta ao consórcio público, entidade interfederativa, regrada, constitucionalmente, pelo artigo 241.

Após elencar doutrinadores que defendem a aplicabilidade do regime celetista para os consórcios também constituídos sob a forma de associação pública, e outros que os vinculam ao regime estatutário, assere que:

A melhor solução parece ser uma tentativa de harmonizar ambos os entendimentos. Ela consiste na possibilidade de escolha acerca do regime jurídico a ser aplicável. A opção pelo regime celetista, no entanto, não significa que o empregado público possa ser demitido como os empregados celetistas que atuam nas empresas privadas. Faz-se essa afirmação porque qualquer vínculo travado com o Estado sofre a incidência de princípios e regras de Direito Público. Isso significa dizer que é vedada a dispensa sem justa causa de empregado público. Essa dispensa, por sua vez, deve submeter-se a um processo no qual seja dado amplo direito de defesa ao empregado. Somente após a conclusão do referido procedimento é que se pode dar a dispensa do funcionário público. Assegura-se assim, a principal garantia do servidor público, que consiste na proteção contra a dispensa arbitrária.8

Pode-se concluir, frente ao silêncio da Lei dos Consórcios, o qual se repete no Decreto nº 6.017/2007, que para os consórcios públicos instituídos sob a forma de associação pública há discricionariedade na eleição do regime jurídico, estatutário ou celetista.

3.3 Dos cargos e empregos nos consórcios públicos

Conforme visto, nem a Lei nº 11.107/2005 nem o Decreto nº 6.017/2007 estabelecem como obrigatório o regime estatutário ou celetista para o pessoal dos consórcios públicos constituídos na forma de associação pública.

É certo que o fato de se aderir ao regime celetista ou ao regime estatutário é indiferente para a problemática trazida pelo Consulente, pois, tanto a criação de empregos, quanto a de cargos, reclama a edição de lei de iniciativa do Poder Executivo, haja vista o disposto no artigo 61, § 1º, II, "a", reprisado nas Cartas Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais.

A formalidade exigida repousa na representatividade do Poder Legislativo e em sua típica e primordial função - legislar. A pluralidade da composição da plenária legislativa torna mais democrática a atuação da Administração Pública, dada a sua vinculação ao princípio da legalidade. O administrador público age nos limites ditados por leis produzidas por representantes do povo, Deputados Federais, Deputados Estaduais ou Vereadores, conforme o ente político de que emanem.

Esse é o traçado posto pela Constituição Federal no que respeita à criação de cargos ou empregos e se apresenta como o devido processo legislativo, sem o qual não se admite a elevação numérica de cargos, empregos ou funções públicas.

Tem-se aí o primeiro óbice, qual seja, alijar o Poder Legislativo da criação de cargos, empregos ou funções públicas.

Outro fato que se põe como empecilho reside na ampliação dos poderes da Assembléia Geral, repassando competência para criar cargo ou emprego público, como se figurasse como um parlamento interfederativo.

Admitir tal possibilidade é ir além do previsto na Lei nº 11.107/2005 e no Decreto nº 6.017/2007, que respeitaram as balizas constitucionais, quando estabelecem que a alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes consorciados9.

Para bem evidenciar a impossibilidade colaciona-se abaixo alguns dispositivos da Lei Nº 11.107/2005:

Art. 4o São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:

Art. 5o O contrato de consórcio público será celebrado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções.

Art. 12. A alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes consorciados.

Destarte, num raciocínio lógico-jurídico, combinando-se a dicção do artigo 4º, inciso IX, com o artigo 5º e 12 da Lei nº 11.107/2005, imperioso se faz conceber que o número de empregos ou cargos deve constar no protocolo de intenções, o qual se converte em contrato de consórcio público após sua ratificação pelo Poder legislativo, mediante lei. Finalmente a alteração do contrato de consórcio, que pode residir no número de cargos ou empregos originalmente criados, reclama a aprovação da assembléia geral e a ratificação, mediante lei, por todos os entes consorciados.

A amarra legal é clara e alinhada ao ordenamento constitucional não se vislumbrando possibilidade de transpasse exclusivo para a assembléia geral processar alteração no contrato de consórcio sem a ratificação dos Poderes Legislativos dos entes consorciados, sobretudo diante de matéria que sempre exige a edição de lei, como é o caso da criação de cargos e empregos.

3.4 Da revisão geral anual e do reajuste

A revisão geral anual é prevista no artigo 37, X10, da Constituição Federal e tem por finalidade a recomposição das perdas salariais decorrente da redução do poder de compra da moeda.

Sua natureza se atrela a fatores econômicos, alheios à ação administrativa e atinge a todos os agentes públicos remunerados, posto que a corrosão inflacionária se lança sobre a moeda, daí o caráter geral da revisão.

Também se verifica no artigo 37, X, a referência à lei para a concessão da revisão geral o qe faz emergir um novo problema, posto que o texto remete à Administração Pública, concebida como vinculada a um ente político.

Assim, cada Município, cada Estado ou a União poderá eleger data e índice para implementar a revisão geral de seus servidores.

No caso do consórcio público está-se diante de uma diversidade de entes políticos, cada qual com poder para firmar data e escolher índice a ser aplicado na revisão geral anual da remuneração de seus servidores.

Nesse universo coteja-se duas possibilidades para a solução do problema, descartando-se, de pronto, a hipótese de a assembléia geral deliberar definitivamente sobre a matéria, pelas razões postas no título anterior.

A primeira solução, tida e reconhecida como problemática, importa no estrito cumprimento da lei, ou seja, deliberação da assembléia geral e ratificação pelos Poderes Legislativos dos entes consorciados, mediante lei, definindo a data e o índice oficial aplicável.

A segunda forma de solver o problema seria firmar já no protocolo de intenções, portanto, no contrato de consórcio, data e índice oficial (INPC, IPCA) que servirá de base para a revisão geral, ou definir a adoção de data e índice de um dos entes consorciados. Hipótese em que a assembléia geral faria as vezes de mera executora de comando emanado dos Poderes Legislativos dos entes consorciados.

Caso o consórcio não tenha previsto no protocolo de intenções e respectivamente no contrato de consórcio a data e o índice a ser aplicado na revisão geral anual, poderá a assembléia geral deliberar sobre o assunto e submeter à ratificação legal pelos entes consorciados, de modo a evitar que todo ano seja necessária a manifestação dos Poderes Legislativos.

É óbvio que tanto uma como outra proposta implicará na eleição de data e índice diferenciados se confrontados com as datas e índices aplicados pelos entes consorciados isoladamente, à exceção daquele que serve de paradigma para a revisão geral do consórcio, o que enfraquece a concepção de generalidade peculiar à revisão prevista no artigo 37, X, da Constituição Federal.

Tal fato decorre da natureza interfederativa do consórcio público, realidade que não se ajusta aos comandos constitucionais pensados e elaborados para a Administração Pública jungida ao âmbito de um único ente federado.

Vislumbra-se no consórcio um caso a parte, por se caracterizar como uma entidade forjada pela vontade legiferada de diversos entes políticos é possível afastar, sem macular o princípio da legalidade, as regras cuja aplicabilidade só são viáveis no restrito âmbito de um Município, de um Estado ou da União.

A eleição prévia de uma data e de um indexador quando da constituição do contrato de consórcio com a interveniência dos Poderes Legislativos, a ser implementados pela assembléia geral, guarda respeito ao comando constitucional que exige a fixação da revisão geral mediante lei.

Quanto ao reajuste tem-se aspectos outros a se ponderar.

Difere ele da revisão geral anual porque pode não se dar de forma globalizada, mas apenas sobre determinados cargos. Seu propósito é a equalização remuneratória, de modo a fazer justiça em relação à quantia devida a cada servidor, preceito básico do direito na teoria de Ulpiano em "As Institutas" - suum quique tribuere.

Essa peculiaridade impossibilita trato semelhante ao caso da revisão geral anual, dada a especificidade que marca cada reajuste, requerendo, portanto, definição percentual, precisão dos beneficiários e data de aplicabilidade, o que pode ser definido pela assembléia geral, porém, carece de ratificação legal pelos entes consorciados.

3.5 Da cessão de servidores pelos entes consorciados

As questões trazidas à discussão se centram em um consórcio constituído sob a forma de associação pública e com cargos criados para o quadro de pessoal específico dessa entidade.

Daí se apresentarem os problemas com a revisão geral e a ampliação do número de cargos, empregos ou funções públicas.

É sabido que não compete a esta Corte de Contas ingerir na forma em que os entes a ela jurisdicionados devem proceder quando da constituição de um consórcio público, contudo, há espaço para demonstrar soluções que minimizam as dificuldades arroladas na consulta.

Primeiramente deve-se considerar o fato de que o consórcio público por razões de esgotamento do propósito de sua constituição ou mesmo problemas operacionais das mais diversas ordens pode vir a ser extinto.

Com a extinção do consórcio, a existência de um quadro próprio, como alertara Gasparini, traz uma série de dificuldades para o posterior aproveitamento do pessoal, o que é amenizado se aderido o regime celetista, posto que o rompimento do contrato não caracterizaria uma demissão arbitrária.

Frente à realidade de servidores estatutários e estáveis a questão muda de figura e o imbróglio se estabelece, com problemas maiores do que os relacionados à ampliação dos quadros e à concessão de revisão geral.

No entanto, todas as mazelas se dissipam se o consórcio não criar um quadro próprio, contando apenas com servidores cedidos dos quadros dos entes consorciados, o que é autorizado no artigo § 4º do artigo 4º da Lei nº 11.107/2005.

Ao se adotar essa forma, viável quando nos quadros de pessoal dos entes consorciados se encontrem os profissionais necessários à boa execução dos serviços prestados pelo consórcio, aplicar-se-á o disposto no artigo 23 do Decreto 6.017/2007, cujos termos são os seguintes:

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A cessão faz com que o vínculo legal ou contratual do servidor permaneça com o ente consorciado cedente, o dispêndio será compensado nos custos a serem rateados entre os consorciados, a revisão geral observará a regra aplicada no âmbito da administração pública que detém o cargo ou o emprego, extinto o consórcio, o servidor retornará ao local original de trabalho.

Verificado que dentre os entes consorciados não há disponibilidade de determinados profissionais, o que deve ocorrer previamente à elaboração do protocolo de intenções, mister se faz prever a criação de empregos públicos para essas áreas com carência de pessoal, em número razoável e suficiente para atender a demanda inicial e a futura projetada, com a contratação paulatina dos profissionais na medida do necessário.

Eventuais carências sazonais podem ser supridas com a contratação de servidores por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme o permissivo contido inciso IX do artigo 4º da Lei nº 11.107/2005.

Sem olvidar que a prática é bem mais complexa que a mera teorização, posto que as variáveis ocorrentes e seus desdobramentos não cabem neste singular parecer, vislumbra-se ao menos uma amenização dos problemas arrolados na consulta e que não são os únicos frente a aplicação da Lei dos Consórcios Públicos.

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas, o que atende ao requisito do inciso III do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001;

2. Que os questionamentos formulados na presente consulta demandam a interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;

3. Que fora encaminhado o parecer da assessoria jurídica do órgão Consulente, em cumprimento ao art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC);

Sugere-se ao Exmo. Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi, que na condição de Relator submeta voto ao Egrégio Plenário sobre a consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Palhoça e Presidente da Federação Catarinense de Municípios, Sr. Ronério Heiderscheidt, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

1. Conhecer parcialmente da consulta e responde-la nos seguintes termos:

1.1 O número de cargos, empregos ou funções públicas criados para compor quadro de pessoal de consórcio público deve constar do protocolo de intenções e no contrato do consórcio, que decorre da ratificação, mediante lei, do referido protocolo de intenções, efetivada pelos Poderes Legislativos dos respectivos entes consorciados.

A ampliação numérica de cargos, empregos ou funções públicas implica na alteração contratual do consórcio, o que demanda nova manifestação legislativa dos entes políticos consorciados.

A competência para aumentar o número de cargos, empregos ou funções públicas não é exclusiva da Assembléia Geral, posto que reclama ratificação legal de todos os integrantes do consórcio.

1.2 Para a concessão de revisão geral aos servidores de consórcio público é necessária a deliberação da assembléia geral e a ratificação, mediante lei, pelos Poderes Legislativos dos entes consorciados definindo a data e o índice oficial aplicável.

Há possibilidade de a revisão geral anual ser estabelecida no protocolo de intenções e no contrato de consórcio, que estabelecerá a data e o índice oficial (INPC, IPCA) que lha servirá de base, ou data e índice adotado por um dos entes consorciados.

Para a concessão de reajuste é necessário que a assembléia geral defina o percentual, precise os beneficiários e a data de aplicabilidade, submetendo a deliberação à ratificação legal pelos entes consorciados.

1.3 Para minimizar os problemas relacionados a pessoal, o consórcio público poderá valer-se de servidores cedidos pelos entes consorciados, cujo vínculo legal ou contratual do servidor permanece com o ente cedente.

      Florianópolis, 11 de março de 2010
                Marcelo Brognoli da Costa
                Coordenador de Consultas

      À consideração do Exmo. Sr. relator Cleber Muniz Gavi, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
        COG, em de março de 2010
        Elóia Rosa da Silva

      Consultora Geral


      1 Fls. 03 - 07 dos autos.

      2 DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo, 19 ed. São Paulo, Atlas, 2006. Pág. 468.

      3 Di Pietro, 2006, pág. 468.

      4 Art. 6º, § 2º, da Lei nº 11.107/2005.

      5 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo, Saraiva, 2009. Pág. 350 e 351.

      6 Gasparini, 2009, pág. 360-361.

      7 HARGER, Marcelo. Belo Horizonte, Editora Forum, 2007. Pág.

      8 Harger, 2007, pág. 115-116.

      9 Artigos 12 e 29, respectivamente.

      10 Art. 37, X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

      11 Art. 4º§ 4º Os entes da Federação consorciados, ou os com eles conveniados, poderão ceder-lhe servidores, na forma e condições da legislação de cada um.