ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 10/00048141
Origem: Câmara Municipal de Otacílio Costa
Interessado: Milton Jose Matias
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-56/10

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta subscrita pelo Sr. Milton José Matias, Presidente do Legislativo Municipal de Otacílio Costa, expressa nos seguintes termos:

Este, o relatório.

PRELIMINARES

O consulente, na condição de Presidente da Câmara de Vereadores de Otacílio Costa, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal consoante o que dispõe o art. 103, II, c/c art. 104, III, ambos do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência das matérias envoltas nos questionamentos suscitados, qual seja, dúvidas de natureza interpretativa do direito em tese, essas merecem um pronunciamento do Pretório Excelso desta Casa, haja vista encontrar guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000 e art. 104, II, do R.I.

Preenchidos, também, os requisitos regimentais do art. 104, I e IV, ressalte-se, por oportuno, que a inicial não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara em destaque, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, neste aspecto, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105, Regimental, ficando esse juízo ao discernimento do Relator e demais julgadores.

Nesta linha de raciocínio, sugerimos ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator que dê conhecimento ao presente feito.

MÉRITO

A análise do assunto referente à implementação e manutenção de verba de gabinete pelas Câmaras Municipais esbarra, inicialmente, numa certa confusão terminológica e conceitual, haja vista tanto a diversidade de denominações usadas para tratar desse tema quanto a ausência de clara delimitação quanto às suas características e aplicações.

Do ponto de vista terminológico, é possível encontrar, além da expressão "verba de gabinete" aqui empregada, referência a diversas outras, tais como: despesas de gabinete, ajuda de gabinete, auxílio de gabinete, verba indenizatória, ajuda de custo, etc.

Nesse aspecto, mais do que a dificuldade de identificação e fixação de uma terminologia adequada e precisa, tem-se o problema da utilização indevida de termos e expressões tecnicamente aplicáveis a realidades distintas, o que pode levar, inclusive, a erros na formulação, na interpretação e na decisão de determinadas questões.

Exemplo disso é a adoção, em algumas situações, da expressão "ajuda de custo" para tratar de aspectos relacionados à manutenção de gabinetes parlamentares, levando a uma compreensão diferenciada da matéria, especialmente em razão da vedação legal desse tipo de ajuda para os agentes políticos, com base na regra geral do subsídio único, constitucionalmente prescrito.

O exame da chamada verba de gabinete requer, necessariamente, um breve estudo acerca das atribuições dos vereadores conferidas pelo sistema constitucional em vigor, objetivando identificar de uma maneira mais clara, o que efetivamente compreende o exercício parlamentar.

Como agentes políticos investidos de mandato legislativo municipal, as funções dos vereadores, em geral, se assemelham às funções dos demais parlamentares de outros entes da federação.

Nesta esteira, Nelson Nery Costa assevera que:

"Os Vereadores possuem uma representação política e exercem mandato eletivo de forma assemelhada aos dos parlamentares federais e estaduais. Aqueles diferem, basicamente, destes, por conta do território municipal e assuntos de interesse local." (Direito Municipal Brasileiro, 3ª ed., Rio de Janeiro:Forense, 2005, p.177).

Não obstante as diferenciações existentes entre tais agentes políticos, decorrentes das próprias atribuições constitucionalmente conferidas a cada esfera de poder, certo é que todos, como integrantes de órgãos legislativos, comungam entre si da mesma função precípua e fundamental, qual seja, a função de legislar.

Ainda que dotados também das funções típicas de fiscalização e controle, além das atípicas, de natureza executiva e jurisdicional, de fato é a função legislativa que predomina na ação principal desses agentes, nominando, inclusive, o órgão de poder a que pertencem.

Acerca da função primordial da edilidade, o mestre Hely Lopes Meirelles afirmou:

"A atribuição precípua do vereador é a apresentação de projetos de atos normativos à Câmara, com a conseqüente participação na sua discussão e votação." (Direito Municipal Brasileiro, 14ª ed., São Paulo:Malheiros, 2006, p. 618/619).

Ainda sobre o tema, Marcos Antônio Fernandes ensina:

"[...] Tem por atividade essencial a elaboração de leis [...] a função legiferante não lhe exaure a competência, incumbindo-lhe ainda, fiscalizar os atos do Poder Executivo e promover seus serviços administrativos internos [...] Sua atividade primordial tem natureza tipicamente normativa, de caráter abstrato, real e regulatório." (Manual para Prefeitos e Vereadores, São Paulo: Quartir Latin, 2003, p.383).

Portanto, no exercício da vereança, cabe primordialmente ao parlamentar municipal a apresentação de projetos de interesse da coletividade local, de modo a justificar a prerrogativa da representação desta coletividade titular do poder a ele outorgado, respondendo às expectativas da população que nele projetou a figura de um representante no intuito de buscar soluções para os problemas sociais locais.

A necessidade da correta delimitação do que efetivamente importa o exercício parlamentar é conseqüência do desvirtuamento que vem sendo dado a função, seja pelo desconhecimento dos próprios vereadores de suas reais atribuições, seja pela vontade desses agentes em suprir a ausência do Poder executivo no atendimento dos anseios da população menos favorecida.

Certamente, o maior convívio do vereador com o cidadão, o coloca na linha de frente das pretensões sociais locais. Tal fato, se de um lado fortalece a relação entre a vereança e a comunidade, tornando tais agentes mais conhecedores da realidade social, por outro, incentiva a busca imediata de soluções, levando o edil, em muitas ocasiões, a tentar substituir pessoalmente funções típicas do Executivo visando salvaguardar os direitos sociais da coletividade.

Nesta senda, se manifesta Jair Eduardo Santana:

"[...] Não desconhecemos a realidade vigente, principalmente nos Municípios de menor porte, espalhados pelos diversos 'Brasis', onde os agentes políticos são assediados para atender as necessidades urgentes, como medicamentos, transporte, alimentação, etc. Tal prática não deve ser estimulada, pois propicia inegável clientelismo, conferindo caráter pessoal às atividades que competem ao administrador público (leia-se o Prefeito)". (Subsídios de Agentes Políticos Municipais, Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.58).

E arremata:

"Não vislumbramos como poderia a Casa Legislativa estimular seus edis ao exercício de uma atividade estranha e incompatível com as funções inerentes à vereança. Não compete aos edis a prática de atos que, por sua natureza devem ser exercidos pelo Poder Executivo." (ob. Cit. p. 58).

Traçando a mesma linha de pensamento, o vereador deve ter a consciência política de sua real função. Ainda que assediado diariamente à vista da parca educação política da população, não deve desfigurar o seu papel na estrutura política da sociedade.

Sobre a maneira de atuação dos edis, socorremo-nos mais uma vez dos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

"No nosso sistema municipal, ao vereador não cabe administrar diretamente os interesses e bens do Município, mas, indiretamente, votando leis e demais proposições ou apontando providências e fatos ao prefeito, através de indicações para a solução administrativa conveniente. [...] O vereador não age individualmente, senão para propor medidas à Câmara a que pertence. [...] Toda medida ou providência desejada pelo vereador, no desempenho de suas funções, deverá ser conhecida e deliberada pela Câmara, que, aprovando-a, se dirigirá oficialmente, por seu presidente, a quem de direito solicitando o que deseja o edil." (Ob. cit. p. 618/619).

Portanto, não deve o vereador assumir um papel que não lhe compete, afastando-se de sua função no parlamento municipal. A conscientização política deve ser recíproca. De um lado, a população deve cobrar do edil um posicionamento atuante no exercício da vereança, contudo, dentro dos limites de suas atribuições. Por seu turno, os próprios parlamentares devem exercer um papel educativo junto à população, reforçando o clareamento desses limites.

Ainda que teoricamente indireta a atuação parlamentar, fundamental e indispensável é a sua atividade, já que pauta as ações do Executivo, exprimindo os desejos da sociedade.

Ainda segundo o mestre Hely:

"Sendo multiformes os aspectos em que as necessidades da comunidade se apresentam a pedir soluções, variadíssima é a atividade do edil, a ser consubstanciada em disposições normativas (leis), em deliberações administrativas (decretos legislativos, resoluções e outros atos), em sugestões ao Executivo (indicações), sobre todo e qualquer assunto da competência local." (Ob. cit. p. 618).

Com efeito, o exercício parlamentar é tarefa que exige dedicação ao munus público. Este munus, antes gratuito, com o decorrer do tempo passou a ser recompensado pecuniariamente. A princípio, sem caráter remuneratório, mas apenas como mera subvenção, auxílio pelo desempenho de função pública. Hoje, com natureza retributiva e alimentar, reveste-se de natureza remuneratória lato sensu, pago através de subsídio, como contraprestação pelos serviços prestados, fixado em parcela única e vedado qualquer tipo de acréscimo, conforme dispõe o art. 39, § 4º da Carta Federal.

Aqui, cabe uma breve digressão entre os conceitos de parcela remuneratória e parcela indenizatória. A primeira, como enfatizado acima, por ter característica retributiva e alimentar está intimamente ligada À subsistência do agente, significando o valor recebido pela prestação de um serviço, tendo natureza contínua e regular. A segunda, de natureza ressarcitória, objetiva compensar a redução do patrimônio do agente em função do exercício de funções próprias da posição pública ocupada, assumindo caráter eventual.

Desta forma, enquanto a parcela remuneratória está diretamente relacionada com a realização de uma atividade, sendo a contraprestação ao trabalho efetuado, a parcela indenizatória ressarce os gastos que por ventura o agente político tenha feito no exercício de suas atribuições e em detrimento de seu patrimônio, despesas as quais deveriam ser suportadas pelo poder público e, assim, devidamente resgatáveis ao parlamentar.

Como ocupante de função pública, a realização de gastos pelo agente político deve estar de forma direta relacionada ao desempenho dessas funções e, por via de conseqüência, atrelada ao atendimento do interesse público municipal.

A Constituição Federal previa expressamente uma única hipótese de pagamento de parcela indenizatória ao parlamentar, senão vejamos:

"Art. 57 - (...)

§ 7º - Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado ressalvada a hipótese do § 8º, vedado o pagamento de parcela indenizatória em valor superior ao subsídio mensal."

Da dicção do dispositivo indigitado defluia-se que ao não permitir o pagamento de parcela indenizatória em valor superior ao subsídio mensal, o constituinte autorizava, de maneira implícita, o pagamento desta em valor menor ou igual a ele. Tal entendimento fulcrava o pagamento de tal quantia a diversas casas legislativas pelo país, inclusive o próprio Congresso Nacional, contudo, com a Emenda Constitucional nº 50, de 14 de fevereiro de 2006, o art. 57, § 7º, passou a ter a seguinte redação:

"§ 7º - Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado, ressalvada a hipótese do § 8º deste artigo, vedado o pagamento de parcela indenizatória, em razão da convocação."

Deste modo, o que anteriormente representava apenas uma limitação de quantia, restringindo o valor a ser pago a título de parcela indenizatória ao máximo de um subsídio, passou a ser uma vedação total, proibindo, de forma nítida o pagamento de tal vantagem pecuniária em função da participação do parlamentar em sessão legislativa extraordinária.

De fato, à vista de sua autonomia administrativa, financeira, política e legislativa, pode a Câmara municipal criar instrumento próprio de parcela indenizatória, desde que fique demonstrada a necessidade da utilização de tais recursos pelos edis no pleno exercício da atividade parlamentar, respeitados os princípios constitucionais e infra-constitucionais pertinentes.

Compete à Câmara atentar que a criação de tal parcela destinada ao ressarcimento de gastos dos vereadores, assim como a realização de qualquer tipo de despesa pública, deve ser efetivada nos princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade, da razoabilidade, da economicidade no trato dos recursos públicos e, primordialmente no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

Assim, mais do que identificação minuciosa de todos os gastos tidos como ressarcíveis, cabe à Casa de Leis a observância da finalidade pública destes, de maneira a relacionar a possibilidade de indenização com a realização das despesas no efetivo desempenho da atividade parlamentar.

Tomando como exemplo as casas legislativas federais e estaduais, muitas Câmaras de municípios vem editando regramentos locais instituidores de verbas indenizatórias sob os mais diversos títulos, como por exemplo, verba de gabinete, verba de pronto atendimento, verba de desempenho parlamentar, verba indenizatória do exercício parlamentar, etc., todavia, ainda que em comum tenham as funções próprias de órgãos legislativos, sobretudo a função de legislar, os vereadores diferem dos senadores e deputados federais e estaduais, precisamente em razão de sua restrita área de atuação.

Pelo fato de residir no mesmo lugar de sua base eleitoral, o vereador não está submetido a gastos de locomoção, hospedagem, alimentação, entre outras, com a mesma freqüência dos demais parlamentares, cujos eleitores encontram-se dispersos pelo Estado, bem como também não existe a necessidade de manter escritórios políticos em outros locais fora da sede do legislativo em que exerce atividade, não sendo plausível despesas com locação de imóveis, material de expediente, pessoal, telefone, entre outros que digam respeito ao custeio de tais gabinetes fora do prédio da Câmara.

Contudo, há que se ressalvar que o vereador pode se ausentar do seu município em razão do interesse público local, justificando-se o pagamento das despesas efetuadas Porém, para isto existe o instrumento da diária, figura indenizatória destinada a ressarcir gastos realizados com viagem, devidos a todo agente público que no exercício de suas funções, ausenta-se da sede do município em que atua.

Sobre o tema, José Nilo de Castro afirma:

"Além do subsídio, assegura-se ao Vereador o direito à percepção de diárias, correspondentes às despesas de deslocamento (transportes), estada e alimentação, quando do desempenho de suas funções fora do Município." (Direito Municipal Positivo, Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 113).

Os edis, não obstante serem agentes políticos, antes de tudo são agentes públicos, servidores públicos latu sensu, cujo maior compromisso é servir à coletividade e, como tal, devem se submeter aos regramentos aplicáveis aos demais agentes públicos, focando sua atuação basicamente na efetivação do interesse geral da população.

A criação de parcela indenizatória, seja sob o nome de verba de gabinete ou outras denominações, por si só, não contraria norma constitucional ou infra-constitucional, todavia, respeitados os seus aspectos, realmente decorre de uma intenção comum de proporcionar aos parlamentares uma determinada liberdade em seus gabinetes no sentido de realizar despesas inerentes à função parlamentar e, portanto, supostamente de interesse público, sem subordinar a realização de tais gastos aos procedimentos normais da despesa pública, centralizada nas mãos do agente ordenador da Câmara, no caso, o Presidente.

Vejamos o que diz Hely Lopes Meirelles:

"A administração financeira, a contabilidade e a elaboração do orçamento da Câmara, que irá integrar o do Município, são de responsabilidade do presidente." (ob. cit. p. 641).

A intenção de um processo de descentralização administrativo-financeira dos gastos, mediante repasse ao gabinete do Vereador ou a ele próprio numerário para a manutenção do gabinete ou para a realização de despesas de custeio, ou ainda, para o ressarcimento de despesas efetuadas no exercício da função parlamentar, significaria uma transformação deformada de cada gabinete em uma unidade orçamentária autônoma. Por via de conseqüência, converteria cada vereador em um novo ordenador de despesa, desvirtuando o seu ofício no legislativo, em uma nítida invasão às competências privativas da Presidência da Casa.

Acerca da criação das prefaladas vantagens pecuniárias, assim se pronunciou o e. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

"Quanto ao mérito, esclarecemos que esta Corte de Contas já decidiu, em resposta a consultas anteriores versando sobre o mesmo teor, pela impossibilidade da pretensão de dotar cada vereador de verba própria para manutenção de seus respectivos gabinetes, incluindo gastos com gasolina, viagens, freqüência a cursos, correspondências, pesquisas, contratação de assessores, etc.

Desta forma, entende-se que não é permitido à Câmara Municipal estender para o domínio do vereador a gestão dos recursos necessários à sua manutenção, nem conferir a esse gabinete a natureza de repartição administrativa com autonomia financeira para a execução de despesas, tais como concessão de diárias a servidor ou pagamento decorrente de contratação de assessores.

A receita da Câmara, consistente nos duodécimos repassados pela Prefeitura, deverá ser mantida centralizada escrituralmente numa única tesouraria, em respeito ao princípio da unidade de caixa, centralizando-se também, na tesouraria ou pagadoria, o regime ou a forma de aplicação desses recursos.

Ressalte-se que o regime descentralizado de aplicação de recursos poderá, em alguns casos, comprovar-se anti econômico e atentatório ao princípio constitucional da economicidade, sabendo que a centralização do regime de compras constitui fator de redução de custos, possibilita a instituição do regime de registro de preços previsto em lei e racionaliza os procedimentos burocráticos, gerando economia de serviços, sem falar que afasta os vícios dos fracionamentos de despesas, dentre outros freqüentemente detectados pelos órgãos de controle interno e externo." (TCE/MG Consulta nº 643.657, Rel. Cons. Murta Lages, v.u. DJ 05/12/2001).

Na mesma linha, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia - TCM/BA, em Parecer Normativo nº 09/2005:

"Faz-se mister registrar que este TCM não se posiciona contrariamente a que os Edis possam reunir as condições necessárias ao desempenho, na sua plenitude, das sua missões constitucionais. O que se questiona é o fato dos mesmos receberem, mensal e habitualmente determinada quantia, previamente definida, para o fim de realizarem despesas de custeio, privativas do Presidente do Legislativo, a quem compete, aí sim ordenar as despesas imprescindíveis ao funcionamento do Poder desde que previstas expressamente na dotação destinada à Câmara Municipal.

Examinando a questão concernente à criação de verbas pelos Legislativos Municipais, destinadas aos Edis, em uma das inúmeras oportunidades em que, para tanto foi provocado, este Colegiado, por um dos seus órgãos, concluiu que a instituição de tais verbas infringe os princípios constitucionais regedores da administração Pública, a exemplo dos da legalidade, moralidade, impessoalidade e razoabilidade.

Por tudo quanto exaustivamente esposado, resta evidente que, embora ao Vereador deva se garantir as condições necessárias ao desempenho, na sua plenitude, das suas missões constitucionais, não poderá ele, sob nenhum pretexto, se transformar em ordenador de despesas, dotado de verba própria para manutenção de seu gabinete, isso porque não cabe à Câmara Municipal estender para o seu domínio a gestão dos recursos necessários à mencionada finalidade, nem conferir-lhe a natureza de repartição administrativa, com autonomia financeira para a execução de despesas." (TCM/BA, Parecer Normativo nº 09/2005. Cons. Presid. Raimundo Moreira, v.u. DJ 24/05/2005).

Vale ainda a colação do prejulgado nº 11 do Tribunal de Contas do Estado de Roraima - TCE/RR:

"CÂMARA MUNICIPAL E VERBA DE GABINETE PARA OS VEREADORES. Respeitando a autonomia dos Poderes Municipais deve o Tribunal de Contas do Estado de Roraima incentivar a obediência aos princípios e limites que circunscrevem a remuneração dos Vereadores de forma a manter o equilíbrio da execução orçamentária mediante a compatibilização da despesa com a arrecadação efetivamente verificada, evitando-se a promoção de dispêndios estranhos às finalidades da função constitucional de legislar, causadores de desperdício de dinheiro público. É incabível a fixação de verba de gabinete para a Câmara Municipal, em face do regramento constitucional advindo da Emenda Constitucional nº 19/98.

É sugerido ao Presidente do Legislativo Municipal que insira na proposta orçamentária a que tem direito a previsão dos recursos necessários ao pleno funcionamento dos gabinetes dos Vereadores, cuja execução compete extensivamente ao órgão legislativo. Fundamentação Legal: Emendas Constitucionais nº 19/98 e 25/00; Art. 1º, inciso XI e art. 252, IV RI - TCE/RR". (TCE/RR, Decisão nº 023/00. Processo nº 0238/99 - Consulta. Sessão Ordinária de 21 de junho de 2000).

A título de exemplo, cabe salientar que despesas com combustíveis e lubrificantes, material de expediente, contratação de assessoria, cópias reprográficas, telefone, entre outras, são despesas de natureza corrente, destinadas ao custeio geral da atividade pública e, como tal, devem ser programadas dentro do plano orçamentário da Câmara como um todo. Ainda que haja a necessidade eventual e extraordinária de aquisição de determinado bem ou serviço que não esteja previsto no planejamento efetuado, existem instrumentos próprios na legislação em vigor que autorizam a realização excepcional de despesas sem o regular certame licitatório (arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93 - dispensa e inexigibilidade) ou que não possam se submeter ao processo normal de aplicação (art. 68, da Lei nº 4.320/64 - regime de adiantmento/suprimento de fundos).

O que não é admissível é transformar a exceção em regra. Desde o momento em que uma despesa passa a ser usual e corriqueira, passa também a ser previsível. Nesta senda, deve ser incluída no planejamento orçamentário, evitando-se a excepcionalidade de procedimentos que em muitos casos se apresentam anti-econômicos ao erário e deturpam o princípio da eficiência administrativa.

Ressalte-se que não está se condenando a instituição de parcelas indenizatórias para o ressarcimento de despesas realizadas pelos vereadores, comprovadamente no exercício da atividade legiferante e fiscalizadora, ainda que não se vislumbre a necessidade desta criação, considerando que um planejamento orçamentário eficiente, atrelado à utilização dos mecanismos excepcionais, cumprem perfeitamente o papel desta figura, de forma muito mais econômica e cristalina. O reprovável é que a criação de tais parcelas deturpe a função do vereador, bem como contrarie os princípios basilares da administração pública e as normas relativas à gestão fiscal do orçamento.

É consabido que a geração de despesa obrigatória de cunho continuado deve vir acompanhada de estimativa trienal do impacto orçamentário-financeiro do novo gasto, demonstração da origem dos recursos para o seu custeio, comprovação de não-afetação das metas fiscais, apresentação de medidas de compensação financeira como aumento da arrecadação ou corte de despesas para o períodos subseqüentes, observância aos preceitos previstos tanto na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), bem como na Lei Geral do Direito Financeiro (Lei nº 4.320/64).

O não cumprimento dessas normas, além de tipificar a despesa como não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio, caracteriza o procedimento como crime contra as finanças públicas (art. 359-D do Código Penal), podendo ainda indicar ato de improbidade administrativa, cujas sanções constitucionalmente previstas são a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível (art. 37, § 4º da Carta Federal).

Assim, deve o agente público ordenador de despesa ter a nítida consciência da responsabilidade que detém, agindo com parcimônia na criação de novos gastos e dirigindo sua atuação nos princípios basilares da administração pública, como a legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, economicidade e supremacia do interesse público.

Caso as verbas de gabinete sejam instituídas, sejam sob que titulação estejam, devem ser consideradas tão-somente como uma fixação de um limite mensal máximo e não cumulativo, para a realização de tais despesas por cada vereador, até para que haja uma distribuição equânime de despesas de custeio para cada edil.

A fixação de uma quota mensal por parlamentar não vincula o quantum a ele, a propriedade sobre o valor estipulado. Os recursos financeiros são públicos, daí a impossiblidade da sua cumulatividade em um gênero de conta corrente própria do edil, porque a parcela é indenizatória e não remuneratória. O que é admissível é uma previsão de um limite orçamentário máximo para gastos mensais daquela natureza que, se por ventura não forem utilizados pelo vereador, permanecem na conta única do orçamento, e não atrelados a uma conta específica.

Neste sentido, não deve haver entrega regular e mensal de valores a vereadores. O movimento financeiro de tais recursos, quando manifestamente indispensáveis ao exercício da função, deve obedecer as normas concernentes à gestão orçamentária e financeira da administração, sendo movimentado pela tesouraria ou órgão equivalente do legislativo municipal, seguindo os estágios normais da despesa pública e precedido de certame licitatório quando o volume dos gastos assim o exigir.

Por derradeiro, cabe enfatizar que os valores continuam a ser geridos pelo agente ordenador, no caso, o Presidente da Casa Legislativa e não pelo vereador, competindo a ele a responsabilidade pelo controle e fiscalização dos gastos efetuados, verificando e comprovando a real necessidade pública da realização das despesas, tudo em estrita observância às normas de responsabilidade fiscal e orçamentária.

REVOGAÇÃO DE PREJULGADO

    À vista desse arrazoado e procedendo uma pesquisa no sistema de decisões desta Corte, deparamo-nos com um Prejulgado conflitante com o que aqui foi exposto e dentro da política de uniformização da jurisprudência deste Tribunal de Contas, sugerimos sua reforma.

    PREJULGADO 1220

    Tal decisum em seu segundo parágrafo, afirma inadvertidamente que na hipótese da Mesa Diretora optar pela instituição das verbas de gabinete, poderá fazê-lo mediante a concessão de adiantamento e prestação de contas da aplicação dos recursos pelo Gabinete do Vereador.

    Eis o teor de parte do Prejulgado em análise:

    "[...]

    Na hipótese da Mesa Diretora da Câmara optar pela instituição das denominadas verbas de gabinete , a sua implantação deverá ser através de autorização legislativa, que pode ser de iniciativa da Câmara, com a sanção do Prefeito, observadas as exigências do art. 17 da LC nº 101/00, devendo haver dotação orçamentária específica e empenho prévio, mediante concessão de adiantamento e prestação de contas da aplicação dos recursos pelo Gabinete do Vereador, a qual deverá ser submetida pela Mesa à apreciação do Tribunal de Contas." (Processo nº CON-02/06543751. Parecer nº: COG-506/2002. Decisão nº: 2342/2002. Origem: Câmara Municipal de Imaruí. Relator: Auditor José Carlos Pacheco. Data da Sessão: 11/09/2002. Data do Diário Oficial: 28/11/2002).

    Ressalte-se a inadequação da permissão de ser concedido adiantamento ao Gabinete do Vereador, considerando que o agente político não pode ser transformado em ordenador de despesa, devendo os gastos decorrentes da manutenção dos gabinetes serem centralizados na própria estrutura administrativa do Poder Legislativo Municipal.

    Nesta orientação, sugerimos a revogação do prejulgado referenciado.

    CONCLUSÃO

    Em consonância com o acima exposto e considerando:

    1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do artigo 103 do Regimento Interno do TCE/SC;

    2. Que a consulta trata de interpretação de matéria de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000;

    3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica da Câmara Municipal, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, nos termos do § 2º do artigo 105 do referido instrumento regimental, cabendo esta ponderação ao relator e demais julgadores.

    Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator que submeta voto ao e. Pretório sobre consulta formulada pelo Sr. Milton José Matias, Presidente da Câmara de Vereadores de Otacílio Costa, nos termos deste opinativo que, em síntese, propõe:

    1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.

    2. Responder à consulta nos seguintes termos:

    2.1. É possível, por meio de resolução, a criação de uma verba equânime, destinada ao gabinete de cada um dos membros do Poder Legislativo Municipal, desde que prevista em específica dotação orçamentária. As despesas originárias da matéria regulada pela resolução exigem, para sua legalidade, a previsão na lei do orçamento.

    2.2. As verbas de gabinete para vereadores, caso instituídas devem ser tidas como a fixação de um limite mensal máximo e não cumulativo.

    2.3. A verba é destinada à cobertura de despesas de custeio dos gabinetes dos parlamentares, não se constituindo em gastos da pessoa do vereador e sim destinada a custear as despesas próprias do gabinete.

    2.4. É incabível a transformação do gabinete em unidade orçamentária, bem como conferir ao vereador a competência própria de agente ordenador, os recursos devem ser geridos pela tesouraria ou órgão equivalente da Câmara, vedada a sua entrega diretamente ao edil.

    2.5. Os valores continuam a ser geridos pelo Presidente da Câmara que é o agente ordenador de despesas, competindo a ele a responsabilidade pelo controle e a fiscalização das despesas efetuadas, verificando e comprovando a real necessidade pública da realização dos gastos, tudo em observância à regras de responsabilidade fiscal e orçamentária.

    3. Com fundamento no art. 156 da Resolução nº TC-06/2001, revogar o Prejulgado nº 1220.

    4. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto do Relator, bem como deste parecer ao Presidente do Legislativo do Município de Otacílio Costa.

    É o parecer. S.M.J.

    COG, em 17 de março de 2010.

    EVALDO RAMOS MORITZ

    Auditor Fiscal de Controle Externo

    De Acordo. Em ____/____/____

    MARCELO BROGNOLI DA COSTA

    Coordenador de Consultas

    DE ACORDO.

    À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Herneus de Nadal, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

    COG, em de de 2010.

      ELÓIA ROSA DA SILVA

    Consultora Geral