ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 10/00056241
Origem: Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina - FAPESC
Interessado: Antônio Diomário de Queiroz
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-111/10

Ressarcimento de despesas administrativas. Interpretação do art. 9º, inc. I, do Decreto Estadual nº 307/03.

Os gastos operacionais das entidades privadas sem fins lucrativos com a execução de convênio podem ser atribuídos como despesas administrativas passíveis de custeio com recursos oriundos de transferências voluntárias, fora do alcance do Art. 9º, inc. I, do Decreto nº 307/03, desde que as despesas estejam previstas e detalhadas no plano de trabalho aprovado pelo concedente, limitadas a um percentual do valor do objeto do convênio e que não sejam custeadas com recursos originários de outras fontes.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Antônio Diomário de Queiróz, Presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina, abrangendo dúvida de natureza interpretativa do Decreto Estadual nº 307/03, especificamente quanto ao alcance do inciso I do art. 9º, que pode ser expressa através da seguinte questão:

"Ressarcimento de despesas administrativas na gestão de projetos de pesquisa são consideradas como despesas com taxa de administração, de gerência ou similar, portanto vedadas pelo artigo 9º, inciso I, do Decreto 307/03?"

Faz anexar às fls. 04 a 09, Comunicação da Gerência de Administração, Finanças e Contabilidade, bem como Parecer nº 02/2010-02-10, da Procuradoria Jurídica, ambos da Fundação consulente.

Este, o relatório.

PRELIMINARES

O subscritor do expediente, na condição de Presidente da Fapesc, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal, consoante o que dispõe o art. 103, I, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).

Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento proposto, a mesma encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.

A consulta se faz acompanhada de parecer jurídico da Procuradoria Geral da Fundação consulente , cumprindo o pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01, podendo, desta forma, ser conhecida pelo e. Colegiado desta Casa.

MÉRITO

De imediato, importante ressaltar que a dúvida manifestada pelo consulente diz respeito ao aspecto se o ressarcimento de despesas administrativas na gestão de projetos de pesquisa na firmatura de convênios é considerado despesa com taxas de administração, de gerência ou similar, vedada pelo art. 9º, inciso I, do Decreto Estadual nº 307/03.

A natureza dos convênios, de forma distinta ao que acontece nos contratos administrativos, está relacionada com a existência de interesses comuns entre as partes. Nessa relação não há, pois, a figura do lucro, o que configuraria a existência de interesses antagônicos, razão pela qual a legislação que regula a matéria nas esferas da Federação foi clara ao permitir transferências dessa natureza somente para entidades sem fins lucrativos.

Assim, quando o Poder Público transfere recursos para que outro ente, seja de natureza pública ou natureza privada, execute determinado objeto, pressupõe-se que o seu desejo, assim como o do organismo recebedor desses valores, seja realizar o objeto, de forma que os objetivos da respectiva política pública sejam alcançados.

Ocorre, contudo, que, para realizar o objeto pretendido, a entidade recebedora dos recursos transferidos deve necessariamente possuir padrões mínimos de qualificação técnica e capacidade operacional, devendo o órgão ou entidade concedente aferir o cumprimento de tais condições previamente à celebração do acordo. Em outras palavras, o concedente deve se certificar, antes de celebrar o termo e, evidentemente, de liberar os recursos, que a entidade recebedora terá condições de realizar o objeto.

No que concerne à qualificação técnica, cabe, portanto, ao concedente certificar-se de que a entidade proponente possui aptidão técnica para realizar o objeto. Nesse sentido, deverão ser analisados pontos como o desempenho anterior em realização de objetos semelhantes; a existência de corpo técnico qualificado ou a capacidade de sua mobilização; e a similaridade entre o ramo de atuação da entidade e a natureza do objeto do convênio de repasse.

Já a capacidade operacional está relacionada aos meios que a entidade possui para executar o objeto, ou seja, informações sobre a existência ou não da infra-estrutura mínima necessária para realizar e dar suporte às ações que serão realizadas, tais como os recursos humanos que serão utilizados para o gerenciamento do convênio, os recursos tecnológicos existentes, etc.

Percebe-se, no entanto, que, não obstante haver a necessidade de certificação de padrões mínimos de qualificação técnica e de capacidade operacional, cada celebração de um convênio impõe à parte recebedora dos recursos, além da execução do objeto, uma série de novas demandas, decorrentes do gerenciamento de tais atividades. Diante disso, é razoável pressupor que a entidade não necessite possuir antecipadamente todos os requisitos técnicos e operacionais necessários para a realização da totalidade do objeto, pois esses poderão ser implementados ou mobilizados com recursos oriundos do próprio convênio. Nesse sentido, não haveria óbices para que, após a aprovação do plano de trabalho, a entidade efetue a contratação, caso necessário, de profissionais habilitados para a realização de ações pactuadas.

Além disso, há uma série de despesas administrativas que decorrem da própria celebração do convênio, as quais se configuram, na verdade, como um ônus que a parte recebedora dos recursos passa a ter em função de demandas oriundas do pacto firmado.

Ora, se a natureza dos convênios pressupõe a existência de interesses convergentes e de mútua cooperação, em tese, não haveria óbices para que o custeio de tais despesas fosse financiado com os recursos transferidos. Se é interesse de ambos promover a execução do objeto, que visa, obviamente, atender ao interesse público, entendemos que, nada impede que sejam viabilizadas condições para tanto.

Ressalta-se, por oportuno, que não se trata de concessão com o intuito de gerar lucro para o ente recebedor, prática que, além de descaracterizar a natureza da própria entidade, que por definição é "privada sem fins lucrativos", inviabilizaria, a transferência voluntária de recursos.

Ao nosso ver, para o deslinde da questão, vale aqui, procedermos um exame sobre o que representa a natureza jurídica da taxa de administração e o que se pode entender por despesas administrativas.

O prof. Artur Magno e Silva Guerra, da Universidade de Minas Gerais, em artigo publicado em "sítio" intitulado Buscalegis, assevera:

"A taxa de administração é o instituto jurídico que viabiliza as terceirizações para prestação e continuidade plenos dos serviços públicos, para que se atenda ao princípio da eficiência. Sua natureza jurídica, muito embora aplicada aos contratos públicos, é originalmente privada e deve seguir as normas particulares de conveniência e oportunidade das empresas, para o oferecimento de seus serviços, visando a atender dentro da melhor expectativa ao interesse público.

[...]

A taxa de administração, expressa geralmente por um índice percentual, configura-se como toda e qualquer vantagem ou utilidade que se possa auferir da execução de um contrato.. Nesse sentido aproxima-se muito do conceito privado de 'lucrum' (ganho, provento, vantagem), ou no dizer de SILVA, 'proveito, ganho, interesse, resultado, benefício, vantagem, utilidade', ou mais extensamente:

Font face= tudo o que venha a beneficiar a pessoa, trazendo um engrandecimento a seu patrimônio, seja por meio de bens materiais ou simplesmente de vantagens, que melhorem suas condições patrimoniais, estende-se um lucro.

No direito público, especialmente nos contratos administrativos, a taxa de administração reflete com exatidão essa vantagem legal, a que a empresa terceirizada faz jus pelo fiel adimplemento de suas obrigações. O Direito Administrativo reconhece-a como legítima, vez que do contrário, estaria enriquecendo indevidamente aos cofres públicos, em detrimento de empresas que lhes prestassem serviços. A doutrina estudiosa do assunto reconhece a necessidade de parcerias e terceirização, face ao princípio da eficiência, advindo explicitamente com a Reforma Administrativa do Estado."

Por seu turno, não há a necessidade de citar nenhum notório operador do direito para se entender o que são despesas administrativas, quais sejam, são aquelas que uma entidade tem, como por exemplo, com material de expediente, empregados, água, energia, telefone, aquisição de produtos, etc.

Neste ponto, vale citar trecho do parecer do ilustre Procurador Jurídico da FAPESC:

"[...]

Ciente da dificuldade de as entidades sem fins lucrativos arcarem com receita própria custos operacionais destinados a convênios decorrentes de suas políticas públicas, a União Federal permite a cobertura com recursos federais de tais despesas administrativas, conforme se constata na redação atual da Portaria Interministerial nº 127, de 29 de maio de 2008:

Art. 39 - O convênio ou contrato de repasse deverá ser executado em estrita observância às cláusulas avençadas e às normas pertinentes, inclusive esta Portaria, sendo vedado:

I - realizar despesas a título de taxa de administração, de gerência ou similar;

[...]

Parágrafo único - Os convênios ou contratos de repasse celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos, poderão acolher despesas administrativas até o limite de quinze por cento do valor do objeto, desde que expressamente autorizadas e demonstradas no respectivo instrumento e no plano de trabalho.

Note-se que a portaria acima transcrita, tal como o Decreto 307/03, proíbe o pagamento de taxa de administração, de gerência ou similar, e nada obstante permite a cobertura de despesas administrativas, quando conveniado com entidades privadas sem fins lucrativos, o que demonstra a diferença existente entre os dois fenômenos.

Em corroboração, cabe mencionar que a taxa de administração é estabelecida quando da celebração de determinado negócio jurídico, seja em valor fixo, seja em percentual sobre o valor total da avença, de forma que, por pertencer ao beneficiário como contraprestação por um serviço realizado, não sofre qualquer ingerência ou fiscalização pelo contratante pagador quando de sua destinação. De diverso modo, as despesas administrativas devem ser demonstradas e mensuradas para serem devidas, o que comprova a diferença existente entre ambas situações.

Portanto, entende-se que o ressarcimento das despesas administrativas às entidades privadas sem fins lucrativos não pode ser compreendido como taxa de administração, de gerência ou similar, de forma que a vedação do art. 9º, inciso I, do Dec. 307/03 não compreende a previsão de cobertura de tais custos operacionais.

[...]."

Andou bem em seu arrazoado o nobre causídico, quando citou a Portaria Interministerial nº 127/08 e, ao se pronunciar pela diferença entre ambos os instrumentos, possibilita o entendimento que os gastos com despesas administrativas advindos de convênios celebrados com entidades privadas sem fins lucrativos não estão entre aqueles compreendidos pelo art. 9º, inc. I do Decreto Estadual nº 307/03.

Ressalte-se que a exemplo da Portaria Interministerial, é recomendável que seja estabelecido um limite percentual do valor do objeto para o custeio das despesas administrativas, contudo, é importante destacar que não se trata de um valor padrão a ser observado em todo e qualquer convênio, mas apenas um teto fixado pela norma.

Assim, o estabelecimento de um percentual dessas despesas que serão custeadas com recursos oriundos da transferência voluntária pode e deve, no mais das vezes, ficar abaixo desse limite, na medida em que deve ser determinado com base nas especificidades relacionadas à execução de cada objeto. Faz-se necessário, também, que as despesas administrativas estejam especificadas no plano de trabalho, de forma que o concedente possa avaliá-las quanto à sua pertinência e razoabilidade.

Portanto, entende-se que os gastos das entidades privadas sem fins lucrativos podem ser atribuídos como despesas administrativas passíveis de custeio com recursos oriundos de transferências voluntárias, fora do alcance do Art. 9º, inc. I, do Decreto nº 307/03, desde que as despesas estejam previstas e detalhadas no plano de trabalho aprovado pelo concedente, que seja limitadas a um percentual do valor do objeto do convênio e que não sejam custeadas com recursos originários de outras fontes.

CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso I do artigo 103 do Regimento Interno do TCE/SC;

2. Que a consulta trata de interpretação de matérias de competência do Tribunal de Contas, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000;

Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator Luiz Roberto Herbst que submeta voto ao e. Pretório sobre consulta formulada pelo Sr. Antônio Diomário de Queiróz, Presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina, nos termos deste opinativo que, em síntese, propõe:

1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.

2. Responder à consulta nos seguintes termos:

2.1. Os gastos operacionais das entidades privadas sem fins lucrativos com a execução de convênio podem ser atribuídos como despesas administrativas passíveis de custeio com recursos oriundos de transferências voluntárias, fora do alcance do Art. 9º, inc. I, do Decreto nº 307/03, desde que as despesas estejam previstas e detalhadas no plano de trabalho aprovado pelo concedente, limitadas a um percentual do valor do objeto do convênio e que não sejam custeadas com recursos originários de outras fontes.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral