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Processo n°: | CON - 10/00055946 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Lages |
Interessado: | Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-117/10 |
Município. Instituição de Bolsa-Atleta. Incentivo financeiro ao desportista.
Com fulcro no art. 30, inciso II, da Constituição Federal, os municípios podem instituir, em seu âmbito, a Bolsa-Atleta, promovendo, de forma suplementar, o incentivo financeiro ao desportista local. Todavia, a legalidade do ato não pressupõe sua legitimidade, que será apurada na análise de cada caso concreto.
Instituição de Bolsa-Atleta. Sistema de desporto municipal. Fonte de recurso.
É recomendado que os municípios criem seu próprio sistema de desporto, nos moldes da Lei Estadual n° 9.808/1994, que deverá conter as fontes de recurso para o desporto para, então, instituir, mediante lei, a Bolsa-Atleta, que deverá discriminar as dotações orçamentárias específicas para a concessão da Bolsa. Os municípios também deverão incluir a previsão dos dispêndios na Lei Orçamentária Anual e atender aos ditames da Lei n° 4.320/64 e da Lei Complementar n° 101/2000.
Senhora Consultora,
O Prefeito em exercício do Município de Lages, Sr. Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, formula consulta a esta Corte por meio de expediente recepcionado em 18 de fevereiro do corrente ano, quanto à possibilidade dos municípios instituírem, mediante lei, o programa Bolsa-Atleta. Após descrever o contexto fático e jurídico da matéria, o Consulente indaga:
I- Existe algum estudo do Tribunal de Contas no tocante à matéria?
II- Se existe, é possível a criação do programa Bolsa-Atleta por parte dos municípios?
III- Sem a criação de seus sistemas desportivos, conforme prevê a Lei Pelé, podem os municípios utilizar recursos públicos para o desporto de rendimento?
IV- Além do que está previsto na Lei n° 4.320/64 e na Lei Complementar n° 101/2000, devem os municípios criar lei própria que discipline e normatize os repasses de recursos públicos para o desporto, nos moldes do art. 7° da Lei n° 9.615/98 - Lei Pelé?
V- Na análise das contas municipais por parte do TCE/SC, em especial no que concerne ao desporto, as lei municipais são levadas em consideração?
VI- Existe alguma norma que impeça os municípios de investir em programas de auxílio a atletas, técnicos e auxiliares, que os representem em competições estaduais, nacionais e internacionais?
VII- Na omissão de Lei Federal sobre o tema, pode o município com base no art. 30, II, da Constituição Federal instituir o Bolsa-Atleta?
Nenhum documento foi anexado à consulta.
No cotejo das regras constitucionais, legais e regimentais aplicáveis à matéria, quanto à admissibilidade da Consulta, tem-se:
a) Legitimidade - a consulta foi subscrita pelo Prefeito em exercício do Município de Lages, atendendo ao art. 103, II e art. 104, III do Regimento Interno deste Tribunal (Resolução n. 06/2001);
b) Matéria - a questão suscitada se refere a matéria de competência deste Tribunal, contendo a indicação precisa da dúvida e trata de interpretação de lei e questão formulada em tese, nos termos do art. 104, I, II e IV do Regimento Interno.
c) Parecer da Assessoria Jurídica: esta formalidade não foi atendida, contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer da consulta, conforme autoriza o § 2º do artigo 105 do Regimento Interno, cabendo esta ponderação ao Exmo. Relator, bem como aos demais membros do Tribunal Pleno.
Isto posto, em face das atribuições conferidas a esta Consultoria Geral, por força do art. 105 e seus parágrafos do Regimento Interno, propugna-se pelo conhecimento da Consulta.
Preliminarmente, é importante registrar que o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas. Conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pela Consulente:
Nesse sentido, dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):
Quanto ao mérito, passa-se a responder individualmente aos questionamentos apresentados pelo Consulente
3.1. Existe algum estudo do Tribunal de Contas no tocante à matéria?
Este Tribunal não se manifestou acerca da criação, pelo município, de Bolsa-Atleta, mas emitiu o prejulgado 236 referente a possibilidade de auxílio financeiro às entidades desportivas não-profissionais:
Prejulgado 236
Pode a Administração Municipal repassar auxílios a entidades desportivas não-profissionais, mediante prévia autorização legislativa e obediência aos ditames da Lei Federal n. 4.320/64, principalmente o disposto em seus arts. 12, § 3º, I, e 16, os quais impedem a concessão de subvenções sociais a entidades desportivas profissionais, assim conceituadas no art. 27, § 10, da Lei Federal n. 9.615/98, observando, contudo, as prescrições contidas no art. 26 da Lei Complementar nº 101/2000.2
3.2. Se existe, é possível a criação do programa Bolsa-Atleta por parte dos municípios?
O fomento as práticas desportivas foi elevado a status constitucional através do art. 217 da Constituição Federal, que dispõe:
Destaca-se do dispositivo que o tratamento para o desporto profissional e não-profissional deve ser diferenciado. Além disso, a destinação de recursos públicos deve ser prioritária ao desporto educacional e, em casos específicos, ao de alto rendimento.
Das competências legislativas relacionados ao desporto, extrai-se da seara constitucional federal:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
A Constituição Federal não atribui expressamente aos municípios a competência para legislar sobre o desporto, mas em seu artigo 30 lhes confere a competência de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber:
Art. 30. Compete aos Municípios:
(...);
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
No âmbito federal, a Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998 - conhecida como Lei Pelé institui as normas gerais sobre o desporto. Já a Lei n° 10.891, de 09 de julho de 2004 - regulamentada pelo Decreto n° 5.342, de 14 de janeiro de 2005 - criou a Bolsa-Atleta, destinada aos atletas praticantes do desporto de rendimento em modalidades olímpicas e paraolímpicas e naquelas modalidades vinculadas ao Comitê Olímpico Internacional COI e ao Comitê Paraolímpico Internacional. A Bolsa-Atleta do governo federal também é aplicada aos atletas de reconhecido destaque, de modalidades não-olímpicas ou não-paraolímpicas, de categorias estudantil, nacional ou internacional, mediante indicação das entidades nacionais dirigentes dos respectivos esportes, referendada por histórico de resultados e situação nos rankings nacional e/ou internacional da respectiva modalidade. O benefício será pago à conta dos recursos orçamentários do Ministério do Esporte.
A exemplo do Governo Federal, o Estado de Santa Catarina também criou a Bolsa-Atleta, através da Lei n° 13.719, de 02 de março de 2006 - regulamentada pelo Decreto n° 4.166, de 30 de março de 2006 - destinada a atletas praticantes de esportes vinculados ao Comitê Olímpico Brasileiro - COB e ao Comitê Paraolímpico Brasileiro, bem como a atletas integrantes de modalidades não olímpicas ou não-paraolímpicas. A Bolsa-Atleta estadual será paga pela fundação Catarinense de Desportos - FESPORTE, através de conta específica para tal fim, com recursos orçamentários descentralizados do Fundo de Incentivo ao Esporte - FUNDESPORTE.
Considerando o disposto no art. 30, II, da Constituição Federal e a existência de legislação federal e estadual sobre a matéria, torna-se possível a suplementação destas leis pelos municípios, no que concerne as suas particularidades. Nesse tocante, Alexandre de Moraes comenta:
O art. 30, II da Constituição Federal preceitua caber ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, o que não ocorria na Constituição anterior, podendo o município suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, embora não podendo contraditá-las, inclusive nas matérias previstas do art. 24 da Constituição de 1988.3
Destaca-se aqui a competência suplementar do Município, expressamente prevista. Exercitar-se-á a mesma, preenchendo o branco das legislações federal e estadual, afeiçoando-se às particularidades e às peculiaridades locais, pois que compatíveis - o texto diz que no que couber, preenchendo lacunas, deficiências
(...)
O Município não detém competência expressa para legislar concorrentemente (com a União, o Estado e o Distrito Federal) sobre as matérias constantes do art. 24 da CR (...).
Consequentemente, competirá ao Município legislar suplementarmente sobre as matérias previstas no art. 24 da Constituição Federal (...) 4
Assim, embora a Bolsa-Atleta seja uma atividade tutelada pela União e pelo Estado de Santa Catarina, a princípio, nada impede que os municípios a instituam em seu âmbito, promovendo o incentivo financeiro ao desportista local. Todavia, faz-se mister ressaltar que a legalidade do ato não pressupõe sua legitimidade, que será constatada em cada caso concreto, a partir do exame dos princípios inerentes à Administração Pública, como o da moralidade, impessoalidade e eficiência.
3.3. Sem a criação de seus sistemas desportivos, conforme prevê a Lei Pelé, podem os municípios utilizar recursos públicos para o desporto de rendimento?
A lei n° 9.615/1998 - Lei Pelé, instituiu em seu art. 4° o Sistema Brasileiro de Desporto, in verbis:
Ao dispor sobre os Sistemas de Desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o art. 25 da Lei Pelé aduz:
Observa-se que a obrigatoriedade de constituir seu próprio sistema desportivo foi atribuída somente aos Estados6 e ao Distrito Federal, sendo facultado aos Municípios. Todavia, a criação de seu próprio sistema é condição para que o município integre o Sistema Brasileiro de Desporto, conforme prescreve o inciso IV do art. 4° da lei em questão.7
Desta forma, é recomendado que os municípios criem, inicialmente, seu próprio sistema de desporto, nos moldes da Lei Estadual n° 9.808/1994 para, então, instituírem a Bolsa-Atleta.
3.4. Além do que está previsto na Lei n° 4.320/64 e na Lei Complementar n° 101/2000, devem os municípios criar lei própria que discipline e normatize os repasses de recursos públicos para o desporto, nos moldes do art. 7° da Lei n° 9.615/98 - Lei Pelé?
Além de cumprir os ditames da Lei n° 4.320/64, da Lei Complementar n° 101/2000 e incluir a previsão dos gastos na Lei Orçamentária Anual, é recomendado que os municípios criem, inicialmente, seu próprio sistema de desporto, nos moldes da Lei Estadual n° 9.808/1994, que deverá conter as fontes de recursos para o desporto. Posteriormente, o município poderá instituir, mediante lei, a Bolsa-Atleta, que discriminará as dotações orçamentárias específicas a manutenção da Bolsa-Atleta.
3.5. Na análise das contas municipais por parte do TCE/SC, em especial no que concerne ao desporto, as leis municipais são levadas em consideração?
As leis municipais são consideradas por este Tribunal quando da análise das contas municipais.
3.6. Existe alguma norma que impeça os municípios de investir em programas de auxílio a atletas, técnicos e auxiliares, que os representem em competições estaduais, nacionais e internacionais?
A dúvida em destaque gera tamanha repercussão no trato da despesa pública que acaba por anular sua precisão, impossibilitando uma resposta objetiva por este Tribunal.
3.7. Na omissão de Lei Federal sobre o tema, pode o município com base no art. 30, II, da Constituição Federal instituir a Bolsa-Atleta?
Respondido no item 3.2.
Em consonância com o acima exposto e considerando que:
O Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas, o que atende ao requisito do inciso III do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001;
Os questionamentos formulados na presente consulta demandam a interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;
Não se faz presente o parecer da assessoria jurídica do órgão Consulente, todavia, o Tribunal Pleno poderá conhecer da consulta, conforme autoriza o § 2º do artigo 105 do Regimento Interno;
Sugere-se ao Exmo. Conselheiro César Filomeno Fontes, que funciona como Relator nos presentes autos, que conheça da consulta e submeta voto ao egrégio Plenário nos termos deste parecer, que em síntese propõe responder a consulta nos seguintes termos:
1. Com fulcro no art. 30, inciso II, da Constituição Federal, os municípios podem instituir, em seu âmbito, a Bolsa-Atleta, promovendo, de forma suplementar, o incentivo financeiro ao desportista local. Todavia, a legalidade do ato não pressupõe sua legitimidade, que será apurada na análise de cada caso concreto.
2. É recomendado que os municípios criem seu próprio sistema de desporto, nos moldes da Lei Estadual n° 9.808/1994, que deverá conter as fontes de recurso para o desporto para, então, instituir, mediante lei, a Bolsa-Atleta, que deverá discriminar as dotações orçamentárias específicas para a concessão da Bolsa. Os municípios também deverão incluir a previsão dos dispêndios na Lei Orçamentária Anual e atender aos ditames da Lei n° 4.320/64 e da Lei Complementar n° 101/2000.
Consultora Geral 2
Reformado pelo Tribunal Pleno em sessão realizada em 18/09/2006, por meio da Decisão nº 2171/2006, prolatada nos autos do processo nº CON-05/04035169. 3
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2006. P. 586. 4
CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 6 ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. P. 200. 5
Conceituado no art. 13 da Lei n° 9.615/98. 6
O Sistema Desportivo do Estado de Santa Catarina, foi criado através da Lei n° 9.808, de 26 de dezembro de 1994. 7
Nos termos do inciso IV do art. 4° da Lei n° 9.615/1998, os sistemas de desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios integram o Sistema Brasileiro de Desporto, e não os entes propriamente ditos.
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
Acerca do tema, José Nilo de Castro afirma:
Art. 4°. O Sistema Brasileiro do Desporto compreende:
III - o Conselho Nacional do Esporte - CNE;
Art. 25. Os Estados e o Distrito Federal constituirão seus próprios sistemas, respeitadas as normas estabelecidas nesta Lei e a observância do processo eleitoral.
Parágrafo único. Aos Municípios é facultado constituir sistemas próprios, observadas as disposições desta Lei e as contidas na legislação do respectivo Estado.
4. CONCLUSÃO
COG, em 26 de março de 2010.
Andressa Zancanaro de Abreu
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em de março de 2010.
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Conselheiro Relator César Filomeno Fontes, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2010.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362