ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 10/00143489
Origem: Associação de Cultura Franco-Brasileira - Aliança Francesa
Interessado: Luiz Henrique Tancredo
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-144/10

Concessão de direito real de uso. Terreno. Construção. Locação. Cessão de direitos. Vedação.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

O Presidente do Comitê Gestor do Centro Cultural a ser construído pela Aliança Francesa, Senhor Luiz Henrique Tancredo, subscreve consulta a esta Corte de Contas indagando se o prédio a ser edificado em terreno concedido pelo Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Lei nº 14.710/2009, poderá ter parte locada para assegurar a obtenção de recursos financeiros para sua auto sustentação e aplicação em programas culturais.

A autuação do processo se deu por determinação do Conselheiro Salomão Ribas Júnior, conforme despacho aposto à folha 02, razão pela qual se afasta o exame preliminar de admissibilidade da consulta.

DISCUSSÃO

O exame da possibilidade de locação parcial do Centro Cultural e de Ensino a ser construído pela Aliança Francesa com o escopo de capitalização de recursos para a manutenção do empreendimento e investimento em programas culturais se dará sobre os termos da Lei nº 14.710/20091.

Assim sendo, destaca-se os seguintes dispositivos legais:

Art. 2º A presente concessão de uso tem por finalidade viabilizar a construção de um centro cultural e de ensino.

Art. 3º Findas as razões que justificam a presente concessão de uso, bem como vindo o Estado a necessitar do imóvel para uso próprio, o mesmo reverterá ao seu domínio.

( . . . )

Art. 5º Serão de responsabilidade da concessionária os custos, obras e riscos inerentes aos investimentos necessários à execução dos objetivos desta Lei, inclusive os de conservação, segurança, impostos e taxas incidentes, bem como quaisquer outras despesas decorrentes da concessão de uso.

Art. 6º A concessionária, sob pena de imediata reversão e independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, não poderá:

I- transferir, parcial ou totalmente, direitos adquiridos com esta concessão de uso;

II- oferecer o imóvel como garantia de obrigação; e

III- desviar a finalidade ou executar atividades contrárias ao interesse público.

( . . . )

Art. 8º Será firmado contrato subsidiário a esta Lei disciplinando e detalhando os direitos e obrigações do concedente e da concessionária.

Cumpre à Aliança Francesa, conforme artigo 2º da Lei em realce, edificar um centro cultural e de ensino, cuja utilização deve se ater ao seu objetivo principal que, conforme seu Estatuto Social centra-se no ensino do idioma francês para brasileiros, ou pessoas de outras nacionalidades, residentes no Brasil, visando igualmente intensificar as relações educacionais e culturais entre o Brasil, a França e os países tendo em comum com a França o uso da língua francesa, por todos os meios aconselháveis e segundo as metas da Allince Française, com sede em Paris, França.2

Estabelece, ainda, o artigo 2º de seu Estatuto Social que a Sociedade dedicar-se-á a promover:

a) cursos de língua e literatura francesas e de português para estrangeiros;

b) conferências e cursos especiais, de forma ampla e diversificada, sobre temas brasileiros e franceses;

c) criação de bibliotecas, discotecas, filmacotecas e outras coleções que possam contribuir para o alcance do seu objetivo;

d) exposição de artes, artes cênicas e técnicas em geral;

e) a obtenção de bolsas de estudos de outras entidades, inclusive oficiais, tanto para brasileiros, na França ou países que utilizam o idioma francês, como para franceses ou pessoas provenientes de países que usam o idioma francês;

f) a manutenção, em sua sede, filiais ou outros locais, de um ambiente que desenvolva o relacionamento educacional e cultural entre brasileiros ou residentes no Brasil e franceses e pessoas provenientes de países que usam o idioma francês;

g) o relacionamento e a aproximação com entidades e associações francesas ou franco-brasileiras, cujos fins se harmonizem com seus objetivos;

h) a publicação, divulgação e distribuição de obras científicas, literárias e artísticas.3

Esses, portanto, são os fins a que se destinam a utilização do Centro de Cultura e Ensino, posto que presos a própria razão de ser da Aliança Francesa, segundo seus objetivos e ideais.

Passando para o artigo 5º da Lei que autorizou a concessão de uso a título gratuito do terreno para a edificação do Centro de Cultura e Ensino, verifica-se que o mesmo atribui à Aliança Francesa a responsabilidade pelos custos, obras e riscos inerentes aos investimentos necessários à execução dos objetivos da Lei nº 14.170/2009, inclusive os de conservação, segurança, impostos e taxas incidentes, bem como quaisquer outras despesas decorrentes da concessão de uso.

Há que se salientar do preceito em cotejo que é dever da Aliança Francesa a conservação e a segurança do prédio. Por conseguinte, o empreendimento demandará custos que extrapolam a construção.

O uso concedido foi aprazado em um período de trinta anos, lapso temporal considerável não só para uso mas também para o desgaste natural da edificação.

A conservação do patrimônio público tem hoje, à luz do artigo 45 da Lei de Responsabilidade Fiscal prevalência sobre novos projetos e tal zelo não pode ser minimizado frente ao prédio a ser construído pela Aliança Francesa pois, finda a cessão de uso o imóvel reverterá ao domínio do Estado de Santa Catarina.

Voltando ao Estatuto Social da Aliança Francesa, mais precisamente para os dispositivos inerentes aos bens e as rendas fica clara a forma em que se dá a sua sustentação financeira, veja-se o que preconizam os artigos 4º e 5º:

Art. 4º Os haveres da Sociedade são constituídos a partir de doações, de rendas oriundas das contribuições dos seus membros e dos alunos, subvenções e órgãos oficiais e privados, rendimentos do seu patrimônio, taxas de admissão a exposições, a cursos e a outras atividades promovidas pela Sociedade.

Parágrafo 1º. O produto das rendas recebidas e as reservas financeiras constituídas poderão ser aplicados na aquisição de bens móveis e imóveis, situados no Brasil.

Parágrafo 2º. Tais aquisições deverão constar de um orçamento pré-estabelecido proposto pela Diretoria e aprovado pelo Conselho Deliberativo e sua execução será objeto de uma ampla prestação de contas.

Art. 5º. A sociedade poderá receber doações e legados de qualquer natureza.

Parágrafo 1º. As doações e os legados recebidos farão parte do seu patrimônio.

Parágrafo 2º. A aceitação de qualquer doação ou legado gravado, envolvendo compromissos para a Sociedade, ficará na dependência de aprovação do Conselho Deliberativo.

Como se vê, a Aliança Francesa conta com fontes de renda próprias e aliadas a sua finalidade, precipuamente as contribuições de seus alunos e as taxas de admissão para frequência de exposições, cursos e outras atividades.

A ampliação física da Sociedade permitirá a elevação do número de cursos e eventos o que repercutirá no incremento proporcional de suas rendas, dada a elevação do número de admissões e de alunos, o que pode auxiliar no custeio da manutenção do novo Centro Cultural e de Ensino.

O exame da possibilidade de locação parcial do Centro Cultural e de Ensino passa obrigatoriamente pela exegese do artigo 6º da Lei nº 14.170/09.

O dispositivo já transcrito veda, em seu inciso I, sob pena de reversão e independemente de notificação judicial ou extrajudicial a transferência parcial ou total de direitos que tenham sido adquiridos com a concessão de uso.

O instituto administrativo adotado para viabilizar a utilização e edificação do terreno à Aliança Francesa foi a concessão de direito real de uso, previsto no artigo 7º do Decreto-Lei federal nº 271/67.

Do escólio de Gasparini extrata-se:

Além dos instrumentos anteriormente examinados, o Estado poderá valer-se do instituto da concessão de direito real de uso, previsto no art. 7º do Decreto-Lei n. 271/67, se o que objetiva é o traspasse de uso de terrenos. É o instituto que não se aplica a imóveis construídos e a bens móveis. Referido diploma não só cria esse instituto, como estabelece, no art. 7º e seus parágrafos, as condições em que a outorga poderá ser contratada. Será legítima a concessão de direito real de uso: 1) se for outorgada por contrato público ou particular, ou termo administrativo; 2) mediante lei autorizadora; 3) com concorrência, se não dispensável ou não exigível por lei; 4) se ocorrer sobre terrenos incultos; 5) se desafetado o bem, quando de uso comum; 6) para fins de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social.4

É indubitável que a concessão de direito real de uso transfere o domínio e consequentemente a posse do terreno. A locação de parte do prédio a ser edificado implica no transpasse da posse, por prazo determinado, ao locatário.

Ainda que discutível tratar-se ora do domínio e posse do terreno, ora do domínio e posse de parte da edificação, não se pode negar que sem a primeira condição a segunda não se implementaria e muito menos, que a locação implica na cessão de direitos.

Outro considerando, este puramente pragmático, reside no fato de que para o funcionamento de um centro cultural e de ensino, é necessário a instalação de equipamentos como lanchonetes, cafeterias e similares, essenciais ao bem estar do público que nele vá participar de eventos ou cursos.

Como se viu no Estatuto Social da Aliança Francesa, não se encontra entre seus objetivos a gestão de negócios dessa natureza, o que torna apropriada a locação de espaço do novo Centro Cultural e de Ensino para instalações do gênero.

A restrição posta no artigo 6º da Lei nº 14.170/09 veda, sem exceção, qualquer transferência de direito concedido à Aliança Francesa, o que, salvo melhor juízo, alcança a locação parcial do imóvel.

De outro mote, não se pode olvidar que a locação tem cunho comercial e não se atrela aos objetivos tanto da lei autorizadora da concessão de uso quanto estatutários da Aliança Francesa.

E aí cabe realçar o que prevê o inciso III do artigo 6º da Lei em cotejo, que veda sob pena de reversão da concessão de direito real de uso o desvio de finalidade ou a execução de atividades contrárias ao interesse público.

Contudo, como explicitado por Gasparini, e consignado no artigo 8º da lei autorizadora da concessão de direito real de uso, a outorga do direito deve ser firmada por um contrato, o qual nos termos legais disciplinará e detalhará os direitos e obrigações do concedente e da concessionária.

Pode haver de forma clara e objetiva a previsão contratual de que a locação de espaços para a instalação de equipamentos essenciais ao funcionamento do centro cultural e de ensino como lanchonetes, cafeterias e similares não implique em ofensa ao disposto nos incisos I e III do artigo 6º da Lei nº 14.170/09, dada a sua essencialidade para o conforto e a facilitação daqueles que frequentarão o centro.

CONCLUSÃO

Em conformidade com o acima exposto sugere-se ao Exmo. Conselheiro Relator, que responda a consulta nos termos do presente parecer que, em síntese, propõe o seguinte encaminhamento:

A Lei nº 14.170/09, que autoriza a concessão de direito real de uso de terreno à Aliança Francesa, veda a transferência, parcial ou total, dos direitos adquiridos com a concessão. Para que se proceda a locação parcial do centro cultural e de ensino a ser construído, necessário se faz que o contrato de outorga excepcione tal prática, vinculando tal hipótese a instalações de equipamentos necessários ao pleno funcionamento do empreendimento, como lanchonetes, cafeteiras e outras que propiciem conforto e facilitação daqueles que freqüentarão o centro.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral


1 Fls. 05 e 06 dos autos.

2 Art. 2º do Estatuto Social da Associação de Cultura Franco-Brasileira - Aliança Francesa, fl. 07 dos autos.

3 Fl. 08 dos autos.

4 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo, Saraiva, 2009. Pág. nº 928.