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Processo n°: | CON - 10/00165881 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Videira |
Interessado: | Wilmar Carelli |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-172/10 |
Procurador municipal. Coordenador de controle interno. Acúmulo das atribuições. Princípio da segregação das funções.
O acúmulo das atribuições inerentes ao cargo público de Procurador Municipal, com a função gratificada de Coordenador de Controle Interno Municipal contraria o princípio da segregação das funções.
Senhora Consultora,
O Prefeito Municipal de Videira, Sr. Wilmar Carelli, formula consulta a esta Corte por meio de expediente recepcionado em 06 de abril do corrente ano, nos seguintes termos:
Em anexo a consulta, segue o parecer jurídico do órgão que opinou pela legalidade da cumulação suscitada, bem como a legislação municipal inerente a dúvida.
2.1 Da legitimidade do Consulente
A consulta em apreço tem por subscritor o Prefeito Municipal de Videira, autoridade legitimada à formulação de indagações por escrito ao Tribunal de Contas, consoante o disposto nos artigos 103, II, e 104, III, da Res. nº TC-06/01.
2.2 Da competência em razão da matéria
A consulta busca parecer sobre a possibilidade de designação de servidor efetivo ocupante do cargo de procurador municipal para o exercício de função gratificada na qualidade de coordenador do controle interno. A análise de acumulação de atribuições é inerente a competência desta Corte de Contas, superando, assim, a condicionante posta no inciso II do artigo 104 da Res. nº TC-06/01.
2.3 Do objeto
Embora a questão indique a ocorrência de fato concreto, também implica, inegavelmente, na interpretação de lei. Assim, no caso vertente, deve-se afastar o requisito da formulação em tese e dar primazia ao pressuposto relativo à interpretação de lei.
2.4 Indicação precisa da dúvida
A insegurança do Consulente na resolução da questão está evidenciada, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.
2.5 Parecer da Assessoria Jurídica
A consulta se faz acompanhada de parecer jurídico, pressuposto estabelecido no inciso V do artigo 104 da Res. nº 06/01.
2.6 Do cumprimento dos requisitos de admissibilidade
Do exame de admissibilidade, resta evidenciada a satisfação dos pressupostos insertos no artigo 104 da Res. nº TC-06/01, o que autoriza ao egrégio Plenário conhecer da presente consulta, sendo este o entendimento que se sugere ao Exmo. Relator.
Preliminarmente, é importante registrar que o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas. Conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pela Consulente:
Nesse sentido, dispõe o art. 1º, § 3°, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):
No mérito, a consulta almeja esclarecimento acerca da possibilidade de servidor público efetivo, ocupante do cargo de procurador municipal, acumular suas atribuições com a de coordenador de controle interno, por sua vez, de função gratificada.
Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, na atualização de sua obra promovida por Eurico Andrade de Azevedo e outros, cargo público "é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades especificas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei".2
Já a função de confiança, nos dizeres do saudoso Diógenes Gasparini, "são centros unitários com atribuições de direção, chefia e assessoramento, criados por lei e titularizáveis por servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e da confiança da autoridade com poderes de nomeação. Embora semelhantes aos cargos em comissão, com estes não se confunde".3
Com efeito, as funções gratificadas (ou de confiança) são destinadas apenas aos servidores efetivos, detentores de atribuições de direção, chefia e assessoramento, por sua vez, de natureza permanente, ex vi o inciso V do artigo 37 da Constituição Federal, trazido pela EC 19/1998, in verbis:
Art. 37 (...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
O desempenho de determinadas atribuições são inerentes a cada cargo, não sendo, a princípio, permitido ao servidor excedê-las. Todavia, a função gratificada é uma situação excepcionada pela lei, que permite ao servidor ocupante de cargo efetivo o exercício de atribuições de direção, chefia e assessoramento, acometidas, mediante ato formal e discricionário, pela autoridade competente, cujo desempenho o legislador optou por não criar determinado cargo.
A propósito, o art. 61, § 1°, II, "a" da Constituição Federal, determina que a criação das funções públicas do Poder Executivo Municipal decorra de lei de iniciativa privativa do Prefeito. No âmbito do município de Videira, a criação da função de Coordenador do Sistema de Controle Interno e seus requisitos estão previstos na Lei Municipal n° 1.303/2003:
§ 1º A designação da Função de que trata este artigo caberá unicamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal, dentre os servidores de provimento efetivo que disponham de capacitação técnica e profissional para o exercício do cargo, até que lei complementar federal disponha sobre as regras gerais de escolha, levando em consideração os recursos humanos do Município, mediante a seguinte ordem de preferência:
a) possuir nível superior nas áreas das Ciências Contábeis, Econômicas, Jurídicas e Sociais ou Administração;
b) ser detentor de maior tempo de trabalho na Coordenadoria do Sistema de Controle Interno;
c) ter desenvolvido projetos e estudos técnicos de reconhecida utilidade para o Município;
d) maior tempo de experiência na administração pública.
§ 2º Não poderão ser designados para o exercício da Função de que trata o caput, os servidores que:
I - sejam contratados por excepcional interesse público;
II - estiverem em estágio probatório;
III - tiverem sofrido penalização administrativa, civil ou penal transitada em julgado;
IV - realizem atividade político-partidária;
V - exerçam, concomitantemente com a atividade pública, qualquer outra atividade profissional.
A lei municipal prevê os requisitos gerais de designação para a função de controlador geral recomendados pela doutrina, como o exercício por servidor detentor de cargo efetivo, conjugados com critérios profissionais necessários ao ato de controle, além das vedações imprescindíveis ao escorreito exercício das atividades.
Especificamente sobre os controladores internos, extraem-se desta Corte de Contas os Prejulgados 1807, 1900 e 1935, onde é recomendável que o cargo seja de provimento efetivo ou de provimento em comissão preenchido por servidor de carreira.
A princípio, atendidos aos requisitos legais impostos pelo ente, não haveria vedação legal ao acúmulo do desempenho das atribuições inerentes ao cargo público de Procurador Municipal com a de Coordenador de Controle Interno, especificamente de função gratificada. Todavia, essa atitude contraria o princípio da segregação das funções, segundo o qual nenhum servidor ou seção administrativa deve controlar todas as fases inerentes a uma operação, ou seja, cada fase deve, preferencialmente, ser executada por pessoas e setores independentes entre si:
O princípio da segregação de funções é fundamental para a Administração Pública, particularmente no que se refere ao controle da despesa pública. Consiste na atribuição a pessoas distintas das diferentes atividades relacionadas à execução dos atos administrativos, de forma a que conflitos, ou conluios, de interesses não se possam sobrepor à ação institucional. Em uma mesma organização, por exemplo, não pode o fiscal ou o controlador interno ser responsável pela ordenação de despesa. No âmbito do poder público, não pode a titularidade do controle competir ao executor da despesa, por isso o controle externo é deferido ao Poder Legislativo e não se encontra inserido no Executivo. Entre organizações distintas, o fato de a mesma pessoa figurar tanto no pólo concedente de recursos públicos quanto no pólo recebedor dos mesmos, e pior, em ambas as situações na condição de dirigente, é, de todo, inadmissível.4
As tarefas e responsabilidades essenciais ligadas à autorização, ao processamento, ao registro e à revisão das transações e fatos devem ser distribuídas entre diferentes pessoas e/ou unidades administrativas, com o fim de reduzir os riscos de erros, fraudes e desperdícios. O trabalho de uma pessoa ou unidade deve ser automaticamente verificado por outra nos fluxos normais de trabalho. Não pode uma única pessoa ter todo um processo sob o seu domínio, se este domínio possibilitar erros, fraudes ou desperdícios não identificáveis em seu curso normal.5
Percebe-se que a principal aplicação do princípio da segregação das funções ocorre na vedação da designação à supervisão do controle da despesa pública, a servidor que desempenhe funções como autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações. Mas também se extrai deste princípio que os servidores nomeados para o exercício do controle interno não devem fiscalizar suas próprias atividades, ou seja, aquelas desempenhadas no cargo para o qual foram nomeados. Nesse sentido, a Procuradoria Municipal é responsável pela defesa da Fazenda Municipal na área tributária e em ações e processos de qualquer natureza. Através do Executivo Fiscal também exerce a cobrança dos tributos municipais inscritos em Dívida Ativa, atividade a ser supervisionada pelo controle interno, como, por exemplo, a inércia no andamento de processo judicial de execução fiscal.
O acúmulo do desempenho das atribuições inerentes ao cargo público de Procurador Municipal com a de Coordenador de Controle Interno, poderá ocasionar deficiência no funcionamento do Sistema de Controle Interno, motivo pelo qual, visando assegurar o pleno atendimento dos artigos 31 e 74, incisos II e IV da Constituição Federal, bem como evitar inconsistências e fragilidades no controle interno, não é recomendável tal acúmulo de atribuições.
Além disso, é importante registrar que tanto o desempenho do cargo de procurador como a função de controlador interno, de indiscutíveis importâncias, exige demasiado tempo e dedicação. A dupla incumbência poderia ocasionar prejuízo à Administração Pública.
Em consonância com o acima exposto e considerando que:
O consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal, nos termos dos incisos II do art. 103 e III do art. 104 do Regimento Interno desta Corte de Contas;
A consulta trata de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;
A consulta veio instruída com o parecer da assessoria jurídica do órgão, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001;
Sugere-se ao Exmo. Auditor Relator que conheça da consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Videira, Sr. Wilmar Carelli, e submeta voto ao egrégio Plenário nos termos deste parecer, que em síntese propõe responder a consulta em tese nos seguintes termos:
O acúmulo do desempenho das atribuições inerentes ao cargo público de Procurador Municipal, com a função gratificada de Coordenador de Controle Interno Municipal contraria o princípio da segregação das funções, segundo o qual os servidores nomeados para o exercício do controle interno não devem fiscalizar suas próprias atividades, ou seja, aquelas desempenhadas no cargo para o qual foram nomeados. Referida cumulação poderá ocasionar inconsistências e fragilidades no sistema de controle interno, prejudicando o pleno atendimento dos artigos 31 e 74, incisos II e IV da Constituição Federal.
Consultora Geral 2
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35 ed. (atual. Eurico Azevedo et al). São Paulo: Malheiros, 2009. Pág. 422. 3
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 14 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág. 266. 4
Acórdão 2014/2008. 2ª Câmara. Ministro-Relator: Augusto Sherman Cavalcanti. Disponível em < www.tcu.gov.br>. Acesso em 12/05/2010.
5
CABALHEIRO, Jader Branco; FLORES, Paulo Cesar. A organização do sistema de controle interno municipal. Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul. Associação dos membros dos Tribunais de Contas - ATRICON. Porto Alegre, agosto de 2007. 4 ed. revista e atualizada. Disponível em <http://www.crcrs.org.br/arquivos/livros/livro_cont_int_mun.PDF>. Acesso em 12/05/2010.
4. CONCLUSÃO
É o parecer, à consideração superior.
COG, em 17 de maio de 2010.
Andressa Zancanaro de Abreu
Auditora Fiscal de Controle Externo
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Relator Cleber Muniz Gavi, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2010.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Pág. 362.