ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 08/00378873
Origem: Prefeitura Municipal de Balneário Arroio do Silva
RESPONSÁVEL: Paulo Pedroso Vitor
Assunto: Processo -PDI-06/00002284
Parecer n° COG-120/10

Terceiro prejudicado. Interesse recursal. Possibilidade de recorrer.

Ao terceiro prejudicado por decisão do Tribunal de Contas deve ser assegurado o direito de recorrer desde que demonstrado o interesse recursal.

Recolhimento da multa. Interposição de recurso. Análise do mérito.

O recolhimento da multa antes da interposição do recurso não impede a análise do seu mérito, pois dependendo das circunstâncias, as decisões dos Tribunais de Contas contém implicações que vão além da penalidade pecuniária ou da imputação de débito.

Representação de profissional ao órgão de classe. Necessidade de garantir o contraditório e a ampla defesa.

A decisão de representar o contador do Município ao Conselho Regional de Contabilidade sobre a inobservância de princípios fundamentais da contabilidade não pode ser tomada à revelia do profissional, devendo ser a ele assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reexame (art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000) interposto por Paulo Pedroso Vitor, Prefeito Municipal de Balneário Arroio do Silva, e Altemir Daros Fontanela, Contador do Município, em face do Acórdão nº 0623/2008, proferido na sessão ordinária de 28/04/2008, nos autos do Processo Diverso (PDI) n° 06/00002284.

Com essa decisão, o Pleno aplicou ao Prefeito Municipal, com base no art. 70, II, da Lei Complementar n° 202/2000, a multa no valor de R$ 1.000,00, devido a despesas liquidadas não empenhadas em época própria, e, consequentemente, não inscritas em Restos a Pagar. Decidiu-se ainda, com fundamento no art. 1º, XIV, da mesma Lei, representar ao Conselho Regional de Contabilidade - CRC sobre a inobservância de princípios contábeis pelo Contador do Município (fls. 204-205).

Confira-se a íntegra do Acórdão:

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Instrução que trata da análise de irregularidades constatadas quando do exame das contas anuais de 2004 da Prefeitura Municipal de Balneário Arroio do Silva, apartadas dos autos do Processo n. PCP-05/00975477.

6.2. Aplicar ao Sr. Paulo Pedroso Vitor - Prefeito Municipal de Balneário Arroio do Silva, CPF n. 082.631.919-04, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em face de despesas liquidadas até 31/12/2004 no total de R$ 108.102,78, não empenhadas em época própria e, conseqüentemente, não inscritas em Restos a Pagar, em desacordo com a Lei (federal) n. 4.320/64, arts. 58, 60, 61, 63 e 83, e a Lei Complementar (federal) n. 101/2000, art. 55, inciso III, "b" (item 1 do Relatório DMU), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.3. Após trânsito em julgado desta decisão, representar ao Conselho Regional de Contabilidade acerca da inobservância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade estabelecidos pela Resolução CFC n. 750/93, art. 6º, da Lei (federal) n. 4.320/64, arts. 58, 60, § 2º, 61, 63 e 83, da Lei Complementar (federal) n. 101/000, arts. 50, II, e 55, III "b", 1, e da Resolução n. CFC/803/1996, arts. 2º, I, e 3º, II, VIII, X, XIII, XIV, XVII, XX e XXI, pelo Contador do Município em 2004, Sr. Altemir Daros Fontanela, CRC 1-SC 14300/0-6, com fundamento no art. 1º, XIV, Lei Complementar (estadual) n. 202/2000.

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório DMU n. 1097/2006, ao Sr. Paulo Pedroso Vitor - Prefeito Municipal de Balneário Arroio do Silva, e ao Poder Legislativo daquele Município.

É o sucinto relatório.

PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

O Recurso de Reexame é, efetivamente, o cabível contra decisão em processos de fiscalização de atos e contratos, nos termos do art. 79 da Lei Complementar n° 202/2000: "Da decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, cabem Recurso de Reexame e Embargos de Declaração".

Os pressupostos para a sua admissibilidade, conforme o art. 80 da Lei, são a legitimidade, a singularidade e a tempestividade:

No que se refere à legitimidade recursal, verifica-se que o Prefeito Municipal a possui, pois tem interesse recursal em razão da multa aplicada em seu desfavor. Enquadrou-se, ademais, na definição de responsável prevista no art. 133, § 1º, "a", do Regimento Interno:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1° Para efeito do disposto no caput, considera-se:

a) responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

b) interessado o administrador que, sem se revestir da qualidade de responsável pelos atos objeto de julgamento ou de apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se manifestar nos autos na condição de atual gestor.

Já quanto ao Contador do Município, é preciso registrar que, sob a ótica estritamente regimental, ele não detém a necessária legitimidade para recorrer da decisão, porquanto não figurou no processo como responsável ou interessado. Como se viu, somente esses e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em princípio, têm capacidade para interpor o Recurso de Reexame.

No entanto, apesar de o Contador não ter assumido qualquer dessas condições no processo, ficou sujeito, após o trânsito em julgado da decisão, à representação deste Tribunal de Contas perante o CRC. Essa determinação, com efeito, pode prejudicá-lo futuramente no exercício da profissão, porque poderá resultar em aplicação de penalidade pelo órgão de classe.

Sendo assim, forçoso reconhecer que existe interesse recursal da parte do Contador.

Nesse sentido, cumpre invocar o art. 499 do Código de Processo Civil - aplicável subsidiariamente no âmbito do processo nos Tribunais de Contas (art. 308 do Regimento Interno). O dispositivo afirma que, havendo interesse de intervir, o terceiro prejudicado também está autorizado a interpor recurso:

Assim, entende-se que o Contador também está legitimado a se insurgir no tocante ao item 6.3 do Acórdão recorrido.

Quanto ao mais, os requisitos da singularidade e da tempestividade foram atendidos, considerando que o recurso foi interposto uma única vez e dentro do prazo legal de 30 dias. Com efeito, o Acórdão foi publicado no Diário Oficial Eletrônico (DOTC-e) nº 09, de 15/05/2008, e o protocolo se deu em 10/06/2008.

Logo, preenche os pressupostos de admissibilidade.

ANÁLISE

III.1 Recolhimento da multa

No início do recurso, há notícia de que a multa foi devidamente recolhida no prazo, conforme cópia da guia respectiva à fl. 08.

Vale registrar que, in casu, o recolhimento antes da interposição do recurso não impede a análise da insurgência, tendo em vista que a decisão recorrida contém implicação que vai além da penalidade pecuniária aplicada.

III.2 Preliminar

Sobre a decisão de representar ao CRC pela suposta inobservância dos princípios fundamentais de contabilidade (item 6.3 do Acórdão), o Contador do Município alega, em preliminar, ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que "em nenhum momento da instrução processual foi chamado ao processo para manifestar-se" (fl. 04).

Com razão.

Compulsando os autos, verifica-se que a sugestão de representar o Contador Altemir Daros Fontanela partiu do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, nos termos do Parecer n° MPTC 5.108/2007, da lavra do Procurador Diogo Roberto Ringenberg (fls. 183-195 dos autos originais).

O Relator do processo, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, entendeu pertinente a manifestação do Ministério Público, inserindo a sugestão de representar ao CRC na sua proposta de voto, às fls. 199-202.

O Tribunal Pleno acolheu o voto do Relator, e no item 6.3 do Acórdão recorrido, decidiu:

6.3. Após trânsito em julgado desta decisão, representar ao Conselho Regional de Contabilidade acerca da inobservância dos Princípios Fundamentais de Contabilidade estabelecidos pela Resolução CFC n. 750/93, art. 6º, da Lei (federal) n. 4.320/64, arts. 58, 60, § 2º, 61, 63 e 83, da Lei Complementar (federal) n. 101/000, arts. 50, II, e 55, III "b", 1, e da Resolução n. CFC/803/1996, arts. 2º, I, e 3º, II, VIII, X, XIII, XIV, XVII, XX e XXI, pelo Contador do Município em 2004, Sr. Altemir Daros Fontanela, CRC 1-SC 14300/0-6, com fundamento no art. 1º, XIV, Lei Complementar (estadual) n. 202/2000.

A representação ao Poder competente sobre irregularidades que tenha apurado é uma das competências deferidas pela Lei Complementar n° 202/2000 ao Tribunal de Contas, a saber:

Lei Orgânica do TCE/SC

Art. 1° Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:

XIV - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados, indicando a ato inquinado e, se for o caso, definindo responsabilidades, inclusive as de Secretário de Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente;

No entanto, a decisão foi tomada em relação ao Contador do Município, que em nenhum momento foi chamado ao processo para se manifestar. Como já foi dito na análise dos pressupostos de admissibilidade do recurso, essa determinação tem condições de prejudicá-lo futuramente no exercício da profissão, já que pode resultar em aplicação de penalidade pelo órgão de classe.

Sendo assim, era imprescindível que fosse oportunizado ao Contador o direito de se justificar sobre as irregularidades que motivaram a representação, antes de ficar sujeito a essa medida.

O direito ao contraditório e à ampla defesa são garantias constitucionais que devem ser asseguradas também no processo administrativo, conforme o art. 5°, LIV e LV:

Diante da possibilidade de o recorrente ser afetado diretamente caso o Tribunal venha a representá-lo perante o CRC, sem que tenha exercido o contraditório e a ampla defesa, entende-se que o item 6.3 do Acórdão deve ser cancelado.

III.3 Mérito

No exercício de 2004, foi constatado que no Município de Balneário Arroio do Silva haviam despesas liquidadas mas não empenhadas - e consequentemente, não inscritas em restos a pagar - no total de R$ 108.102,78. Essa irregularidade motivou a aplicação da multa de R$ 1.000,00 ao Prefeito à época, Paulo Pedroso Vitor.

O recurso, ao tratar do mérito, não se insurge exatamente contra a aplicação da penalidade, pois busca tão somente eximir o Contador da responsabilidade e afirmar que os princípios fundamentais de contabilidade foram por ele observados.

Apesar de o Prefeito também ter subscrito o recurso, fica claro que o inconformismo de mérito foi formulado somente pelo Contador.

Neste particular, porém, entende-se que o Contador não tem interesse recursal, pois não foi efetivamente penalizado. A multa, com efeito, recaiu tão somente ao Prefeito, que acabou, ademais, recolhendo o respectivo valor, conforme a guia de fl. 08.

Assim, por tudo o que foi exposto, sugere-se conhecer do Recurso de Reexame e, no mérito, dar-lhe provimento parcial, tão-somente para cancelar a decisão de representar o Contador ao CRC (item 6.3), mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, o parecer é no sentido de:

IV.1 Conhecer do Recurso de Reexame n° 08/00378873, interposto em face do Acórdão nº 0623/2008, proferido nos autos do PDI n° 06/00002284, e, no mérito, dar-lhe provimento parcial, a fim de cancelar o item 6.3, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida;

IV.2 Dar ciência deste parecer, do voto do Relator e do Acórdão ao recorrente Paulo Pedroso Vitor, Prefeito Municipal de Balneário Arroio do Silva.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral