|
Processo n°: | CON - 10/00458471 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Porto União |
Interessado: | Renato Stasiak |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG- 321/2010 |
TCE. Condenação em débito. Município. Programa de Recuperação Fiscal (REFIS).
Os juros e a correção monetária aplicados pelo TCE na condenação em débito dos responsáveis não podem ser anistiados pelo Município em Programa de Recuperação Fiscal.
Senhora Consultora,
Trata-se de consulta protocolizada pelo prefeito do Município de Porto União, Sr. Renato Stasiak, formulada nos seguintes termos:
É o relatório.
2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE
O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:
Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:
I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;
II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;
III - ser subscrita por autoridade competente;
IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;
V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.
Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.
§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.
2.1 DA COMPETÊNCIA
2.2 DO OBJETO
Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pelo consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formuladas em tese, o que está de acordo com o que dispõem o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, razão pela qual está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.
O consulente, na condição de Prefeito do Município de Porto União, está legitimado a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.
2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA
Conforme relatado acima, o consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.
2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA
A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.
Dessa forma, o requisito previsto no art. 104, inciso V, não está preenchido, contudo, por força do que dispõe o § 2º do art. 105, ambos do Regimento Interno, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.
2.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que os requisitos previstos no art. 104, incisos I a III, essenciais para o conhecimento da consulta nos termos do art. 105, § 1º, ambos do Regimento, foram preenchidos, razão pela qual, caso superada a ausência de parecer jurídico, sugere-se o conhecimento do presente processo.
3. ANÁLISE DA CONSULTA
Preliminarmente, é importante registrar que como o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo consulente.
Com a palavra, Hélio Saul Mileski1:
Nesse sentido, assim dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):
Quanto ao mérito, o consulente objetiva saber se é possível descontar, por intermédio de adesão ao REFIS, juros e multas de pagamentos devidos por vereadores em razão de condenação realizada por este Tribunal de Contas por meio do Acórdão nº 1138/2009, proferido nos autos do Processo nº PCA - 05/00838720.
O Acórdão supra mencionado condenou vereadores do Município de Porto União ao pagamento de valores decorrentes do recebimento a maior de subsídios, nos seguintes termos:
De outro lado, a Lei Municipal nº 3.732/2010, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal- REFIS no Município de Porto União estipula que:
Diante do quadro ora apresentado, a seguir será visto se é possível o Município, por meio de lei instituidora do REFIS, anistiar os juros2 e a correção monetária determinados por Acórdão emitido pelo Tribunal de Contas do Estado, e previstos na Lei Orgânica do TCE/SC (Lei Complementar nº 202/2000), nos seguintes termos:
Da mesma forma, o artigo 17, § 2º, do Regimento Interno:
Pois bem, os débitos aplicados pelo Tribunal de Contas possuem origem na Constituição Federal, que lhe concede competência para aplicação de sanções previstas em lei aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, conforme dispõe o art. 71, inciso VIII e § 3º:
E a Constituição do Estado de Santa Catarina:
Uma vez verificada a competência conferida pelas Constituições Federal e Estadual para os Tribunais de Contas aplicarem sanções aos responsáveis, serão analisadas a seguir as conseqüências que essa competência traz em seu âmago.
Segundo Hélio Saul Mileski, as competências dos Tribunais de Contas originárias dos artigos 71 e 72 da Constituição Federal, além de garantirem o pleno exercício do controle externo, possuem como característica o fato de serem próprias, exclusivas e indelegáveis.
Hélio Saul Mileski3, in verbis:
Portanto, as competências dos Tribunais de Contas expressamente definidas pela Constituição Federal, dentre as quais está a imputação de débito, não podem sofrer interferências de nenhum outro órgão ou Poder, motivo pelo qual, ao meu ver, não é possível a anistia dos juros e da correção monetária aplicados por esta Corte no pleno exercício de sua competência.
Poder-se-ia argumentar que após a expedição da Certidão de Débito4 pelo Tribunal de Contas e sua inscrição na Dívida Ativa do Município, o crédito seria deste Ente, pois a ele incumbe a respectiva cobrança, bem como a ele pertence os valores devidos.
E o crédito, pertencendo ao Município, poderia ele, a seu critério, definir em lei a concessão de anistia dos juros e da correção monetária.
No entanto, em que pese o crédito pertencer ao Município, para que o Tribunal de Contas possa cumprir plenamente sua missão constitucional, as sanções previstas em Lei e aplicadas pela Corte de Contas não podem ser modificadas e a anistia pelo Município dos juros e da correção monetária aplicados pelo Tribunal implicaria em interferência no exercício do controle externo.
Ademais, o papel de fiscalização do Tribunal de Contas não se exaure com a emissão da Certidão de Débito.
Cabe ao Tribunal de Contas, após o pagamento do débito, expedir a correspondente quitação ao responsável, conforme definido pelo artigo 42 da Lei Complementar nº 202/2000 que diz:
Por conseguinte, em que pese o crédito pertencer ao Município, bem como incumbir a ele a respectiva cobrança, a lei instituidora do REFIS não pode anistiar os juros e a correção monetária advindos de débitos aplicados pelo Tribunal de Contas, sob pena de interferência no pleno exercício de competência constitucionalmente concedida às Cortes de Contas.
1. Que o Consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;
2. Que a Consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;
3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TC
E/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo essa ponderação ao Relator e aos demais julgadores.
Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Julio Garcia que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo prefeito do Município de Porto União, Sr. Renato Stasiak, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:
1. Conhecer da Consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.
2. Responder a consulta nos seguintes termos:
2.1 A lei instituidora do Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) não pode anistiar os juros e a correção monetária advindos de débitos aplicados pelo Tribunal de Contas, sob pena de interferência no pleno exercício de competência constitucionalmente concedida às Cortes de Contas.
3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamenta, bem como deste parecer ao prefeito do Município de Porto União, Sr. Renato Stasiak.
COG, em 12 de agosto de 2010
Valéria Rocha Lacerda Gruenfeld
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
HAMILTON HOBUS HOEMKE
Coordenador
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Julio Garcia, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2010
Consultora Geral 2
A Lei Orgânica do TCE/SC não prevê a incidência de multa para os débitos. 3
MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 254/255. 4
A certidão de débito é expedida após o decurso do prazo de 30 dias a contar da publicação do Acórdão, sem a comprovação do pagamento ou a interposição de recurso pelo responsável.
Como a resposta à consulta não corresponde à decisão de nível jurisdicional do Tribunal de Contas, envolvendo julgamento ou exame de legalidade para fins de registro, mas sim o posicionamento técnico-jurídico do órgão fiscalizador sobre determinada matéria, a resposta oferecida pelo Tribunal de Contas tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.
Art. 1º Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição e do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:
[...]
§3º As decisões do Tribunal de Contas em processo de consulta, tomadas por no mínimo dois terços dos Conselheiros que o compõem, têm caráter normativo e constituem prejulgamento da tese.
6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas as contas anuais de 2004 referentes a atos de gestão da Câmara Municipal de Porto União, e condenar os Responsáveis abaixo relacionados ao pagamento dos montantes de sua responsabilidade, em face do recebimento a maior de subsídios, devido à alteração realizada de forma indevida, em descumprimento ao art. 29, VI, da Constituição Federal c/c o art. 111, V, da Constituição Estadual (item A.1 do Relatório DMU), fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000): (g.n.)
Art. 1º Fica instituído, no Município de Porto União, o Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, destinado a promover a regularização de créditos do Município, decorrentes de débitos de contribuintes, relativos ou não a tributos municipais, em razão dos débitos vencidos até 31 de dezembro de 2009, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade, suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos.
[...]
Art. 2º O ingresso no REFIS dar-se-á por opção do contribuinte, sejam os débitos decorrentes de obrigação própria, sejam os resultantes de responsabilidade tributária, tendo por base a data da opção.
[...]
Art. 3º Consolidada a dívida, a qual incluirá o principal, correção monetária, juros, multa e todas as demais incidências sobre o débito em atraso, terá as seguintes formas de pagamento, onde as parcelas serão fixas:
I - se a opção for para pagamento em cota única até a data de 30 de julho de 2010, será anistiada com 100% do valor correspondente a multa e juros;
II - se a opção for para pagamento em cota única até a data de 30 de setembro de 2010, será anistiada em 95% do valor correspondente a multa e juros;
III - se a opção for para pagamento em cota única até a data de 30 de novembro de 2010, será anistiada em 90% do valor correspondente a multa e juros;
IV - se a opção for para pagamento em até 06 parcelas deverá ter entrada mínima de 10% e saldo parcelado em 05 vezes - será anistiado com 80% do valor correspondente a multa e juros;
V - se a opção for para pagamento em até 12 parcelas deverá ter entrada mínima de 10% e saldo parcelado em 11 vezes - será anistiado com 70% do valor correspondente a multa e juros;
[...]
Art. 44 Os débitos imputados em decisão do Tribunal serão atualizados com base na variação de índice oficial de correção monetária adotado pelo Estado para atualização dos créditos da Fazenda Pública.
Parágrafo único: Os juros de mora incidentes sobre o débito imputado em decisão condenatória do Tribunal serão cobrados à taxa de um por cento ao mês ou fração.
Art. 17. Verificada irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal:
[...]
§ 2º Os débitos serão atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora cobrados à taxa de um por cento ao mês ou fração, a partir da ocorrência do fato gerador do débito, devendo a incidência desses encargos ser mencionada expressamente no expediente citatório.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
[...]
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
[...]
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
Art. 59. O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:
[...]
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
[...]
§ 3
º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.É justamente por esse fator de autonomia e independência do Tribunal de Contas que a Constituição lhe concede competências expressas, no sentido de que possa desempenhar, sem qualquer embaraço ou intromissão, o pleno exercício do controle externo. Essas competências podem ser caracterizadas como próprias, exclusivas e indelegáveis.
Próprias porque são peculiares aos procedimentos de controle. Trata-se de competências que envolvem atividades autênticas de controle, com a finalidade de vigiar, acompanhar e julgar a regularidade dos atos de atividade financeira controlados.
Exclusivas porque são competências constitucionais destinadas tão somente para o Tribunal de Contas e não podem ser exercidas por nenhum outro órgão ou Poder, mesmo o Poder Legislativo. Embora o controle externo esteja a cargo do Legislativo, a Constituição estabeleceu o Tribunal de Contas como órgão executor desse controle, dando-lhe exclusividade de atuação para o exercício dessa função.
Indelegáveis porque são competências que envolvem atividade de controle da atividade financeira do Estado, sendo por isso de exercício privativo do Poder Público, cuja execução também é privativa do Tribunal de Contas, não podendo ser delegadas a qualquer dos Poderes ou a outra organização, pública ou privada. São competências que só podem e devem ser exercidas diretamente pelo Tribunal de Contas, sem possibilidade de delegação a terceiros.
Art. 42. Comprovado o recolhimento integral, o Tribunal expedira quitação do débito ou da multa.
3. CONCLUSÃO
Em consonância com o acima exposto e considerando:
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362.