ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 10/00223245
Origem: Câmara Municipal de Jaraguá do Sul
Interessado: Natalia Lucia Petry
Assunto: Consulta
Parecer n° COG 272/10

Cargo de contador no município. Obrigatoriedade. Prejulgados 1277 e 1939.

Em havendo precedente sobre o assunto objeto da consulta, deve-se remeter cópia do respectivo prejulgado ao consulente.

Reforma administrativa. Servidores Públicos. Alteração de regime jurídico. Conversão do vínculo. Prejulgado 819.

Em havendo precedente sobre o assunto objeto da consulta, deve-se remeter cópia do respectivo prejulgado ao consulente.

Transformação de cargos públicos. Viabilidade constitucional.

O Supremo Tribunal Federal considera constitucional a transformação de cargos públicos, desde que haja compatibilidade funcional e remuneratória entre os cargos envolvidos.

Senhora Consultora,

1. RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pela Presidente da Câmara Municipal de Jaraguá do Sul, Sra. Natália Lúcia Petry, relativa a cargo público de contador.

Expõe a consulente que no município de Jaraguá do Sul inicialmente era previsto o cargo de contador em seu quadro de pessoal, instituído sob o regime celetista.

Com o advento da Lei Municipal nº 1.777/93, houve reforma na estrutura administrativa da Prefeitura, reforma esta que estabeleceu o regime jurídico único dos servidores municipais e não previu o cargo de contador, sendo, na ocasião, as funções inerentes a este cargo exercidas por servidor enquadrado como escriturário.

Esta situação perdurou até o ano de 1996, quando foi editada a Lei Municipal nº 2.203/96, que criou o cargo de provimento efetivo de contador.

Diante da situação fática acima apresentada, formulou a consulente os seguintes questionamentos:

Por fim, informa-se que foi juntado aos autos parecer jurídico (fls. 04/06), cópia da Lei Municipal nº 1.777/93 (fls. 07/21) e da Lei Municipal nº 2.203/96 (fls. 22).

É o relatório.

2. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

O Regimento Interno deste Tribunal de Contas - Resolução nº TC-06/2001 - define as formalidades inerentes à consulta:

Art. 104 - A consulta deverá revestir-se das seguintes formalidades:

I - referir-se à matéria de competência do Tribunal;

II - versar sobre interpretação de lei ou questão formulada em tese;

III - ser subscrita por autoridade competente;

IV - conter indicação precisa da dúvida ou controvérsia suscitada;

V - ser instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, se existente.

Art. 105 - A consulta dirigida ao Tribunal de Contas será encaminhada ao órgão competente para verificação dos requisitos de admissibilidade, autuação e instrução dos autos.

§ 1º - O Tribunal de Contas não conhecerá as consultas que não se revestirem das formalidades previstas nos incisos I, II e III do artigo anterior.

2.1 DA COMPETÊNCIA

2.2 DO OBJETO

Da análise dos autos verificou-se que as questões apresentadas pela consulente possuem natureza interpretativa, bem como foram formuladas em tese, o que está de acordo com o que dispõem o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina e inciso XV do art. 1º da Lei Estadual Complementar 202/2000, razão pela qual está preenchido o requisito previsto no art. 104, inciso II, do Regimento Interno.

A consulente, na condição de Presidente da Câmara Municipal de Jaraguá do Sul, está legitimada a encaminhar consultas de acordo com o disposto no art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte, motivo pelo qual o requisito previsto no art. 104, inciso III, encontra-se preenchido.

2.4 DA INDICAÇÃO PRECISA DA DÚVIDA/CONTROVÉSIA

Conforme relatado acima, a consulente indicou de forma precisa sua dúvida, o que faz com que o requisito previsto no art. 104, inciso IV, do Regimento Interno esteja preenchido.

2.5 DO PARECER DA ASSESSORIA JURÍDICA

A consulta veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Dessa forma, o requisito previsto no art. 104, inciso V, está preenchido.

2.6 DO EXAME DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

Da análise dos pressupostos de admissibilidade, constatou-se que os requisitos previstos no art. 104 do Regimento Interno foram preenchidos, razão pela qual sugere-se o conhecimento do presente processo.

3. ANÁLISE DA CONSULTA

Preliminarmente, é importante registrar que como o processo de consulta não envolve julgamento ou exame de legalidade para fins de registro por este Tribunal de Contas, conforme leciona Hélio Saul Mileski, a resposta ora oferecida não constitui prejulgamento do fato ou caso concreto, mas apenas o prejulgamento da tese apresentada pelo consulente.

Com a palavra, Hélio Saul Mileski1:

Nesse sentido, assim dispõe o § 3º, do art. 1º, da Lei Orgânica deste Tribunal de Contas (Lei Complementar nº 202/2000):

Quanto ao mérito, a seguir serão novamente transcritas e analisadas as perguntas formuladas pela consulente:

A primeira pergunta foi feita nos seguintes termos:

O cargo de contador, via de regra, deve estar previsto no quadro de servidores do Ente, pois as funções inerentes a este cargo são típicas e permanentes da Administração Pública, devendo ser executadas por servidor público efetivo ou comissionado, este destinado exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia ou assessoramento, conforme as disposições do art. 37, II e V, da Constituição Federal.

Nesse sentido, assim dispõem os prejulgados 1277 e 1939 emitidos por este Tribunal de Contas:

        Reformado
        1. Em face do caráter contínuo de sua função, o cargo de contador deve estar previsto nos quadros de servidores efetivos da Prefeitura Municipal e da Câmara de Vereadores, quando esta administrar seus próprios recursos, pois a atividade não se coaduna com cargos de livre nomeação e exoneração.
        1939
        1. É de competência da Câmara Municipal decidir qual a estrutura necessária para execução dos seus serviços de contabilidade, considerando entre outros aspectos, a demanda dos serviços se eventual ou permanente; o quantitativo estimado de horas necessárias para sua execução; o quantitativo e qualificação dos servidores necessários para realização dos serviços; e a estimativa das despesas com pessoal.

        2. De acordo com o ordenamento legal vigente, a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública, das quais decorram atos administrativos, deve ser efetivada, em regra, por servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos de provimento efetivo ou comissionado, estes destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia ou assessoramento, conforme as disposições do art. 37, II e V, da Constituição Federal.

Portanto, tendo em vista que as funções inerentes ao cargo de contador possuem caráter permanente e devem ser exercidas, via de regra, por servidores públicos, a reforma deveria ter contemplado o cargo de contador.

A segunda pergunta foi feita nos seguintes termos:

Nesse caso, a alteração do regime celetista para o estatutário por lei de iniciativa do Prefeito Municipal, permitiria a conversão do vínculo dos empregados celetistas, que passariam a ser servidores estatutários, desde que tenham ingressado no serviço público mediante concurso público, conforme já decidiu o TCE/SC nos prejulgados 819 e 86 a seguir transcritos:

Por fim, a terceira pergunta:

Sobre transformação de cargos públicos, o Tribunal de Contas de Santa Catarina editou o prejulgado 1594 com o seguinte teor:

Odete Medauar2 ensina que:

E o Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADI 1591/RS, 2.713-1/DF e 2.335/SC respectivamente:

        ADI 1591/DF
        Unificação, pela Lei Complementar nº 10.933-97, do Rio Grande do Sul, em nova carreira de Agente Fiscal do Tesouro, das duas, preexistentes, de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos Estaduais. Assertiva de preterição da exigência de concurso público rejeitada em face da afinidade de atribuições das categorias em questão, consolidada por legislação anterior à Constituição de 1988. Ação direta julgada, por maioria, improcedente.
        [...]
        ADI 2713-1/DF
        AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 11 E PARÁGRAFOS DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 43, DE 25.06.2002, CONVERTIDA NA LEI Nº 10.549 , DE 13.11.2002. TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO EM CARGOS DE ADVOGADO DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 131, CAPUT; 62, § 1º, III; 37, II E 131, § 2º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
        [...]
        Rejeição, ademais, da alegação de violação ao princípio do concurso público (CF, arts. 37, II e 131, § 2º). É que a análise do regime normativo das carreiras da AGU em exame apontam para uma racionalização, no âmbito da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa identidade substancial entre os cargos em exame, verificada a compatibilidade funcional e remuneratória, além da equivalência dos requisitos exigidos em concurso. Precedente: ADI nº 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (g.n.)
        ADI 2335 SC
        Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Complementar nº 189, de 17 de janeiro de 2000, do Estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos e as carreiras de Fiscal de Tributos Estaduais, Fiscal de Mercadorias em Trânsito, Exator e Escrivão de Exatoria, e criou, em substituição, a de Auditor Fiscal da Receita Estadual. 3. Aproveitamento dos ocupantes dos cargos extintos nos recém criados. 4. Ausência de violação ao princípio constitucional da exigência de concurso público, haja vista a similitude das atribuições desempenhadas pelos ocupantes dos cargos extintos. 5. Precedentes: ADI 1591, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 16.6.2000; ADI 2713, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.3.2003. 6. Ação julgada improcedente

Diante dos entendimentos acima expostos, pode-se dizer que a transformação de cargos públicos é constitucionalmente viável, pois não viola o princípio do concurso público, desde que cumpridos certos requisitos.

O primeiro deles é que deve haver compatibilidade funcional entre os cargos, o que significa que as funções inerentes ao cargo em extinção devem ser as mesmas ou ao menos assemelhadas com o cargo a ser criado.

Além disso, a compatibilidade funcional também abrange as condições elencadas no prejulgado 1594, quais sejam, que os cargos tenham a mesma qualificação, mesmo nível de escolaridade e a mesma área de conhecimento, e que o servidor reclassificado preencha todos os requisitos para a investidura, bem como, que tal situação não se configure ascensão ou transferência.

O segundo requisito é que deve haver compatibilidade remuneratória entre os cargos, ou seja, a transformação não pode resultar em acréscimo de remuneração para que não se abra espaço para eventuais favorecimentos de servidores, conforme ficou ressaltado na ADI 1591/DF:

        Anoto, finalmente que, não resultando da lei impugnada acréscimo de remuneração para nenhuma das duas carreiras envolvidas no reenquadramento, se desvanece a suspeita de que, no favorecimento dos servidores de uma ou outra, resida a finalidade da lei atacada, e não da conveniência do serviço público, apontada pelas informações de ambos os Poderes competentes do Estado do Rio Grande do Sul (o Legislativo e o Executivo), que acenam, ao inverso, como móvel do ajuizamento da ação, para velha rivalidade lavrada no campo da Pública Administração estadual gaúcha. (g.n.)

Destarte, a transformação de cargos é possível desde que haja compatibilidade funcional e remuneratória entre os cargos.

Na situação apresentada pelo consulente, deve ser verificado no caso concreto se o cargo de contador possui compatibilidade funcional e remuneratória com o cargo de escriturário, não cabendo esta análise em processo de consulta, que visa a interpretação de lei ou questão formulada em tese.

4. CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

    1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;

    2. Que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual 202/2000;


1 MILESKI, Hélio Saul. O Controle da Gestão Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 362

2 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 268