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Processo n°: | REC - 08/00576241 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Biguaçu |
Interessado: | Arlindo Correa |
Assunto: | Referente ao Processo PDI- 00/01392468 |
Parecer n° | COG - 77/10 |
RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. CONHECER SOB A FORMA DE REEXAME (PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE). NÃO PROVER.
Litação. Procedimento formal.
Senhora Consultora,
Trata-se de Recurso de Reexame interposto na forma de Recurso de Reconsideração pelo Sr. Arlindo Correa, ex-Prefeito Municipal de Biguaçu, contra o Acórdão nº 1286/2008, proferido pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas, nos autos do processo nº PDI 00/01392468, em sessão do dia 13 de agosto de 2008.
O processo iniciou com a formação de autos apartados conforme decisão do Tribunal Pleno em sessão de 20/12/99, no qual o Plenário determinou à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU a apuração da irregularidade encontrada.
A Secretaria Geral remeteu documentos de fls. 06/99.
Examinando a matéria, a DMU elaborou o Relatório nº 655/2002, de fls. 100/143 confirmando a irregularidade e sugerindo ao Relator a audiência do Responsável para apresentar defesa.
No despacho de fl. 145, o Relator determinou a audiência do Responsável, que se manifestou nas fls. 148/154.
Analisando as razões de defesa, a DMU emitiu o Relatório nº 1708/2006, fls. 157/205, sugerindo ao Relator a aplicação de multas ao Responsável.
Os autos foram submetidos à análise do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, que se pronunciou nas fls. 207/225, acompanhando a conclusão auditoria de controle externo.
No despacho de fl. 226, o Relator determinou o encaminhamento do presente processo à Secretaria Geral (SEG/DIPRO), solicitando que proceda à sua redistribuição ao Conselheiro Otávio Gilson dos Santos, Relator responsável pelas contas do exercício de 1998.
Sobreveio o voto do Relator, consubstanciado nas fls. 227/232, condenando o Responsável ao pagamento de multas em face das irregularidades apuradas no curso da instrução.
Levado perante o Tribunal Pleno desta Corte de Contas, o caso foi decidido no Acórdão nº 1286/2008, de fls. 233/235:
Inconformando-se com a decisão, o Sr. Arlindo Correa interpôs o presente Recurso.
É o relatório.
II. ADMISSSIBILIDADE
O Acórdão recorrido foi prolatado em processo diverso, por isso, o Recurso de Reexame mostra-se como instrumento idôneo para atacá-lo, nos termos do artigo 79 da Lei Complementar (LC) 202/2000 e artigo 138 do Regimento Interno (R.I.) do TC/SC.
Na espécie, verifica-se que o Recorrente interpôs Recurso de Reconsideração, fundamentando seu pedido no art. 136 do R.I.
Entretanto, apesar da inadequação da espécie recursal, deve-se aplicar ao caso o princípio da fungibilidade para superar a preliminar ora apontada.
A aplicação do princípio em tela é aceita pela jurisprudência quando não há erro grosseiro, má-fé e intempestividade.
O Recorrente tem legitimidade para recorrer em razão de sua condenação pela Corte, assumindo, ainda, a qualidade de Responsável, pois, ocupava, à época, o cargo de Prefeito Municipal, atendendo ao disposto no § 1.º, alínea "a", do artigo 133, do R.I. e aos princípios do contraditório e da ampla defesa consubstanciados no inc. LV do art. 5º da Constituição Federal.4
III. MÉRITO
A multa aplicada nos item 6.2.3 deriva da realização de despesas decorrentes de processos licitatórios que apresentaram atas, relatórios e deliberação da Comissão de Licitação preenchidas de forma incompleta, em descumprimento a dispositivos do art. 38, V, da Lei (federal) nº 8.666/93.
O Recorrente alega que "Eram atividades específicas dos membros da Comissão de Licitação e dos servidores técnicos. Nada chegava às mãos do recorrente. Desta constatação decorre que as restrições apontadas quanto à responsabilidade não foram do recorrente, o que permite eximi-lo de multa ou de beneficia-lo com a redução do seu valor."6
Em regra, a responsabilidade perante o Tribunal de Contas é lançada sobre o dirigente máximo do órgão público auditado, considerado ordenador primário de despesa. Todavia, nos casos de exercício de função delegada, é possível trazer à responsabilidade outras pessoas vinculadas à Administração Pública.
Contudo, não deve prosperar a tese recursal relacionada à ausência de responsabilidade do Prefeito Municipal de Biguaçu, visto que é o Prefeito Municipal quem elege a Comissão de Licitação, percebe-se que o Prefeito possui responsabilidade, levando-se em conta a culpa in eligendo.
Nesse sentido, colhemos a lição de Romualdo Baptista dos Santos: "a culpa in eligendo se caracteriza pela má escolha dos empregados ou propostos, por parte do patrão ou comitente"7.
No mesmo sentido, a lição de Maria Helena Diniz: "a culpa in eligendo advém da má escolha daquele a quem se confia a prática de um ato ou adimplemento da obrigação"8.
Soma-se, ainda, a Súmula nº 314 do STF, que assim dispõe: "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto".
Necessário ainda transcrever jurisprudência do STJ, que dispõe:
Dessa forma, devem ser mantidas as multas aplicadas nos itens 6.2.2 e 6.2.3 da decisão recorrida.
Dispõe o art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93:
Art. 4º...
Parágrafo Único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.
No mesmo sentido, já nos manifestamos no Parecer COG-455/07, autos do processo REC - 03/08109732:
Diante das lesões ao estatuto licitatório, restam adequadas as multas aplicadas pelo Acórdão recorrido.
Diante do exposto, em que pese a Prefeitura Municipal possuir em seus quadros servidores técnicos e a Comissão de Licitação, a responsabilidade perante o Tribunal de Contas deve recair sobre o titular da pasta, consubstanciada na culpa "in eligendo".
Nesse sentido, necessário transcrever as jurisprudências do STF:
Sendo assim, opinamos pelo não provimento do recurso.
Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Relator do processo que em seu Voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:
1. Conhecer da peça recursal sob a forma de Recurso de Reconsideração, interposto contra o Acórdão nº 1286/2008, exarado na Sessão Ordinária de 13/08/2008 nos autos do Processo nº PDI - 00/01392468, e, no mérito, negar-lhe provimento.
2. Dar ciência deste Acórdão, do relatório e voto que o fundamentam, bem como deste Parecer COG, ao Sr. Arlindo Correa, ex-Prefeito Municipal de Biguaçu, e à Prefeitura Municipal de Biguaçu.
Consultora Geral 2
Art. 66, § 3.º, do Regimento Interno. 3
Rec., fls. 02. 4
CF/88. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; ... 5
Relatório nº 1708/2006, PDI., fls. 158/162. 6
Relatório nº 1708/2006, PDI., fls. 158/162. 7
SANTOS, Romualdo Baptista dos. Teoria Geral da Responsabilidade Civil. In VASSILIEFF GABURRI, Fernando; BERALDO, Leonardo de Faria; SANTOS, Romualdo Baptista dos; VASSILIEFF, Sílvia; ARAÚJO; Vaneska Donato de. In: ARAÚJO, Vaneska Donato de (coord.). Responsabilidade Civil. São Paulo: RT, 2008, p. 40, v.5. 8
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Responsabilidade Civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 44, v. 7. 9
Rec., fls. 04. 10
RE 64293/SP-SÃO PAULO, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min. LUIS GALLOTTI, Julgamento: 04/03/1969, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA. 11
AI 21509 /AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relator: Min. HENRIQUE D'AVILA, Julgamento: 06/10/1959, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA.
Dessa maneira, entendemos que o vício formal constatado não impede o trâmite da peça recursal, seguindo como Recurso de Reexame.
Passamos ao mérito.
III.I. Item 6.2.1. Multa. Não prover.
IRREGULARIDADE. CONFISSÃO. IDONEIDADE.
A confissão válida, quando confirmada pelos demais elementos constantes dos autos, constitui elemento probatório apto a manter a restrição apontada.
A multa aplicada no item 6.2.1 deriva da contratação de pessoal por tempo determinado, com base nas Leis (municipais) nº 600/90, 696/94 e 721 e 759/92, sem atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com o art. 37, IX, da Constituição Federal.
Em sua defesa o Recorrente alega:
As restrições das contas de 1998, como se verifica, são de duas espécies: contratação de pessoal por prazo determinado e deficiências formais em processos licitatórios.
No que diz respeito à contratação de pessoal por prazo determinado, embora convencido que agiu de forma legal e sem causar prejuízo ao erário público, reconhece o recorrente que, efetivamente, decidiu e participou, de forma ativa, na sua contratação.
Condição que implica em responsabilidade pessoal e direta que assume e aceita.
A transcrição das razões recursais se faz necessária para demonstrar a expressa confissão do Recorrente acerca da irregularidade constatada no curso da instrução processual.
Os argumentos apresentados pela Unidade são os seguintes: "Neste item, a atitude do Prefeito encontra respaldo em Lei Municipal. A contratação de pessoal por tempo determinado foi para atender necessidade temporária de excepcional interesse público."
Posteriormente, embasa as contratações na Lei Municipal nº 885/94, transcrita nos autos, a qual estabelece o prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses para as contratações firmadas sob os efeitos das Leis nºs 600/90, 696/94, 721/92 e 759/92.
A Constituição Federal prevê em seu artigo 37, inciso IX a contratação temporária para atendimento do excepcional interesse público, ou seja, um fato raro e imprevisível que obrigue o administrador público a efetuar as contratações necessárias à correção de fatos provocados por essa excepcionalidade.
[...]
A Unidade não remeteu qualquer documento comprobatório que caracterizasse o excepcional interesse público nas contratações efetuadas.
Portanto, resta evidenciado que as contratações decorrem, na verdade, de imperfeições no sistema de administração de pessoal da unidade.
[...]
Desta feita, conclui-se que as contratações acima especificadas foram realizadas em desacordo com as Leis municipais 600/90 e 721/92, bem como em discrepância ao que estabelece o preceito constitucional previsto no art. 37, IX da Carta Magna.
Por conseguinte, resta malferido o dispositivo da Constituição Federal, do qual citamos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Dessa forma, deve ser mantida a multa aplicada no item 6.2.1 da decisão recorrida.
III.III. Item 6.2.3. Multas. Não prover.
Prefeito Municipal. Responsabilidade. Culpa in eligendo.
Não deve prosperar a tese recursal relacionada à ausência de responsabilidade do Prefeito Municipal de Biguaçu, visto que é o Prefeito Municipal quem elege a Comissão de Licitação, percebe-se, portanto, que o Prefeito possui responsabilidade, levando-se em conta a culpa in eligendo.
RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DANO MORAL. ATO ILÍCITO DE FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA DE SEGURANÇA TERCEIRIZADA. CULPA IN ELIGENDO DO EMPREGADOR.
1. Caracterizada a culpa in eligendo, a responsabilidade é atribuída a quem escolheu mal male electio aquele que praticou o ato.
2. "Certas pessoas estão subordinadas a outras por uma relação jurídica que lhes confere um poder de ação, do qual pode advir dano a terceiro. Tais pessoas devem ser bem escolhidas, já que, por seus atos, responde quem as escolheu. É, portanto, a responsabilidade que temos pelos atos de sujeito que, de alguma forma, devemos guardar."
(GOMES, Orlando. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1988, pág. 327).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
III.III. Itens 6.2.2, 6.2.4 a 6.2.11. Multas. Não prover.
Licitação. Procedimento formal.
O procedimento licitatório caracteriza ato administrativo formal, cujo descumprimento configura lesão independente da existência de dano concreto ao bem juridicamente protegido ou de ma-fé.
O Recorrente contesta as sanções alegando que a maioria das multas foram aplicadas em razão das deficiências formais em processos licitatórios que, "são irregularidades de somenos importância, essencialmente formais ou técnicas das quais o recorrente não participava e pouco ou nenhum conhecimento tinha".9
Resumidamente, as nove multas aplicadas pela Corte de Contas estão fundamentadas nas seguintes irregularidades: Item 6.2.2: ausência de atos de asjudicação e homologação; Item 6.2.4: processos licitatórios que não obedeceram o prazo mínimo para abertura das propostas; 6.2.5: processos licitatórios que apresentaram ausência de fixação no Edital do prazo para a assinatura do contrato; 6.2.6: ausência no Edital de fixação do local para início da abertura dos envelopes com propostas; 6.2.7: ausência no Edital de previsão das sanções para o caso de inadimplemento; 6.2.8: ausência da indicação sucinta e clara do objeto da licitação no Edital; 6.2.9: ausência de indicação dos recursos orçamentários para o pagamento do objeto da licitação; 6.2.10: ausência de especificação no Edital das condições de recebimento do objeto da licitação; e 6.2.11: ausência de minuta do contrato como anexo ao Edital.
Todas sanções tiveram origem em ofensas à Lei nº 8.666/93.
Ademais, as penalidades ganham relevo na tutela da ordem legal, porquanto a ofensa ao procedimento estabelecido na Lei nº 8.666/93, enquanto ato administrativo formal, caracteriza lesão, independente de dano concreto.
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DESCUMPRIMENTO DE PROCEDIMENTO DE NATUREZA FORMAL. LESÃO CONFIGURADA. NÃO PROVER.
Consoante o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.666/93, o procedimento licitatório caracteriza ato administrativo formal, por isso, o descumprimento das disposições da Lei de Licitações implica lesão à norma de conteúdo formal, cuja ofensa se configura independente de um dano concreto ao bem juridicamente protegido, ou de ma-fé do autor, mormente por se tratar de norma-coerção.
ACIDENTE DO TRABALHO. INSOLVENCIA DO SEGURADOR. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESTE, NÃO CONHECIDO. NÃO FOI NEGADO VIGENCIA AO ART. 100 DA LEI DE ACIDENTES. ELE FOI, SIM, INTERPRETADO, UMA VEZ QUE NÃO PREVIU A HIPÓTESE DE TORNAR-SE INSOLVENTE A COMPANHIA SEGURADORA. E UMA SOLUÇÃO SE IMPUNHA, OU A FAVOR DO EMPREGADO, OU A FAVOR DA EMPRESA. ALÉM DE PODER-SE DIZER QUE A SEGURADORA FOI MAL ESCOLHIDA PELA EMPREGADORA (CULPA IN ELIGENDO), NA OPÇÃO ENTRE RESPONSABILIZAR-SE O EMPREGADOR ECONOMICAMENTE FORTE DEIXAR A POBRE VÍTIMA DO ACIDENTE, SEM INDENIZAÇÃO, A PRIMEIRA SOLUÇÃO SE IMPÕE POR MAIS JUSTA, MORMENTES NOS TEMPOS QUE ESTAMOS VIVENDO, SOB A EGIDE DA JUSTIÇA SOCIAL.10 (grifamos)
CULPA CONCORRENTE DO PROPRIETARIO IN ELIGENDO, PELO FATO DE TER CONTRATADO TECNICO INCOMPETENTE PARA A CONSTRUÇÃO DA OBRA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO DENEGADO AGRAVO - SEU DESPROVIMENTO.11 (grifamos)
IV. CONCLUSÃO
À consideração superior.
COG, em de de 2010.
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro César Filomeno Fontes, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2010.
ELÓIA ROSA DA SILVA
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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 898115/PE. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. Data da Decisão: 03/05/2007. Consulta no sítio: www.stj.gov.br, em 24/05/2007.